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o que é terapia familiar

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Maria Luiza Dias 
O QUE É PSICOTERAPIA DE 
FAMÍLIA 
ÍNDICE 
Introdução ............................................. 7 
Por que uma psicoterapia de casal e família 9 
A construção do mito familiar ........... 15 
A escolha e o contrato secreto do casamento . . . . 19 
Sua Majestade "O Bebê" .................... 24 
O "filho-problema" como o paciente identificado ... 27 
A família no divã . . . . . 33 
A família com crianças em psicoterapia 38 
A comunicação em família ................... 43 
O casamento no mundo atual ............. 48 
Amor e paixão . .................................... 53 
Casais separados. Os meus, os teus e os nossos . . 58 Como nasceu a psicoterapia 
de casal e família ... 68 
Conclusão ............................................... 70 
Indicações para leitura ----------------- 72/ 
INTRODUÇÃO 
Gostaria, inicialmente, de esclarecer alguns fatores sobre a temática 
apresentada neste livro. 
O texto não se propõe a aprofundar todos os temas levantados, uma vez que 
tem por objetivo realizar somente uma primeira aproximação do leitor com a 
psicoterapia de casal e de família. 
Procurarei oferecer a você, apenas curioso, uma visão sobre como se desenrola 
o trabalho desta espécie e em que condições se poderia estar lançando mão desta 
psicoterapia como recurso pessoal. Além disso, falarei sobre alguns mecanismos 
típicos do funcionamento psíquico da família, alicerçando-me em teorias 
existentes, quando necessário. 
Se você é membro de um casal interessado em submeter-se à psicoterapia, 
este livro talvez o ajude a iniciar uma leitura mais global, mais dialética de seus 
problemas de relacionamento com o parceiro (ou parceira). É provável que você 
venha a suspeitar de suas avaliações parciais. 
Se você é parte de uma familia com um filho apresentando alguma espécie de 
dificuldade, encontrará neste texto subsídios para começar a perceber o quanto o 
problema de seu filho pode estar relacionado com a estrutura de sua família como 
um todo. Neste caso, seria interessante procurar um psicólogo que tenha 
formação em terapia familiar. 
Para o estudante de Psicologia ou para o psicólogo interessado em investigar 
esta especialidade, o texto procura oferecer uma primeira visão sobre temas 
importantes da terapia de casal e família e subsídios para a leitura de outros 
autores. 
Independentemente de sua condição, espero que, através deste pequeno texto, 
possamos começar a estabelecer um diálogo. Bom mergulhol 
POR QUE UMA PSICOTERAPIA 
DE CASAL E FAMÍLIA 
Inúmeras pessoas passam por momentos na vida em que o ambiente em casa 
está ruim e o convívio na família não vai bem. A terapia familiar pode auxiliar a 
compreender o que se passa e facilitar a resolução dos conflitos. 
Pode, também, atuar em sentido preventivo. Na experiência de uma gravidez, 
por exemplo, ou quando a mãe resolveu sair para trabalhar, ou mesmo quando a 
família tem um filho adolescente que se torna mais independente (momentos em 
que são vividas intensas mudanças). 
A única condição necessária para que a terapia de casal/família ocorra é que haja 
um par amoroso interessado em se pensar, com filhos ou não: o par amoroso pode 
ser heterossexual, bissexual, homossexual, composto por indivíduos solteiros, 
noivos, casados, desquitados, divorciados, amantes etc. 
Para se iniciar uma terapia, não importa qual ideia se tenha sobre sua 
necessidade, mas é preciso haver um ingrediente comum: alguma confusão, dúvida 
ou ainda um desejo de se pensar dentro do ciclo vital do grupo familiar. 
Importa ainda menos a noção que se tenha sobre "família", pois esta pode ser 
compreendida num sentido bem mais amplo que pai, mãe e filhos consanguíneos. 
Deste modo, tampouco importa o estado civil do casal. Mesmo jovens casais de 
namorados podem submeter-se a uma terapia de casal, desde que estejam 
interessados em compreender a dinâmica do vinculo que vêm estabelecendo. 
Neste caso, a terapia pode prevenir problemas futuros que se acirrariam, se 
agravariam, no noivado ou casamento (ou co-habitação), além de promover maior 
autoconhecimento. Mesmo se o casal não permanecer como tal no futuro, levará 
consigo uma "bagagem" mais amadurecida para os próximos relacionamentos. 
Você, então, que pensa, quem sabe, em procurar um psicólogo, provavelmente se 
depara com inúmeras questões: "Vão pensar que estou doente, desequilibrado?"; 
"Não haveria mesmo um jeito de eu sair disto sozinho?"ou "O que minha 
mulher/meu marido vai pensar?". 
Estas perguntas advêm, ainda, da ideia de que o individuo que procura o 
psicologo é o que porta o problema e o espaço da terapia seria o lugar onde ele 
pode vir a ser curado. 
Aquilo de que as pessoas não se apercebem é que, muitas vezes, o que sentimos e 
somos é também fruto da qualidade dos relacionamentos que estabelecemos. E, em 
sendo assim, a responsabilidade e o resultado destas interações (destes 
relacionamentos), sejam prazerosas ou desprazerosas, sadias ou nocivas, devem 
ser compartilhados e percebidos como um produto comum. 
Para alguns, a psicoterapia é entendida como um tratamento que procura dar 
conta das fases criticas da vida. As terapias focalizadas no problema seguem o 
modelo médico, dando alta clinica diante da remissão do sintoma. 
Para outros, a psicoterapia é vista como um recurso para promover maior 
autoconhecimento e, para tanto, não é preciso "estar mal" ou ter um problema 
sério para recorrer a ela, mas ser tomado por um certo questionamento 
existencial, querer refletir sobre os relacionamentos que estabelece e sobre a 
própria subjetividade. 
De qualquer forma, concorda-se que ó preciso haver alguma dose de "dor 
psíquica", que mobilize e justifique um "voltar-se para dentro", a investigação do 
mundo interior subjetivo. Quando se conhece melhor a realidade interna e 
externa, ganham-se mais recursos para enfrentar os conflitos. 
Assim, também um casal pode lançar mão da terapia porque os dois estão em 
“duelo", à beira da separação (o que é mais comum) ou porque desejam 
compreender algumas experiências compartilhadas, ou mesmo, conversar com o 
auxílio de um profissional sobre a educação a ser dada aos filhos, por exemplo. 
Cabe lembrar que psicoterapia, pelo menos de base psicanalítica, não tem a ver 
com orientação pessoal, de casal ou de pais, pois certamente o apeio pedagógico 
fracassa diante das dificuldades em torno das quais se estruturaram as 
personalidades dos cônjuges. De nada adianta dizer a uma mãe que deixe de bater 
em seu filho se não se desvelam as motivações inconscientes que a impulsionam, 
pois seria como dizer a um paralítico que andasse sem a cadeira de rodas. 
Deste modo, a compreensão intelectual do problema não o resolve por si só: é 
necessária a análise destas motivações inconscientes, com o auxílio do terapeuta, 
para 
que esses problemas possam ser elaborados. 
Fatores culturais também interferem na indicação e procura do auxílio 
psicoterápico. É comum nas pessoas a falsa ideia de que só se deve procurar a 
psicoterapia em último caso, pois tal recurso significa o próprio atestado de 
impotência, de que não foi possível resolver o problema sozinho. Não há 
necessidade de se deixar para pedir ajuda apenas quando se está "nas últimas". 
Numa sociedade onde as pessoas nunca podem falhar, que exige perfeição e 
onde as dificuldades são nomeadas "defeitos", fica muito difícil romper com tais 
valores e procurar ajuda. No imaginário do senso comum, precisar de um dentista 
para obturar uma cárie é compreensível; contudo, necessitar de um 
psicoterapeuta, para compreender melhor uma questão emocional, é grave. 
Se se deixar este preconceito de lado — pois, atualmente a psicoterapianão 
tem mais o fim exclusivo de tratar "alienados" ou "loucos delirantes" —, podem-se 
descobrir muitos elementos importantes para a própria vida, submetendo-se a um 
trabalho desta espécie. 
Outra ideia dominante no senso comum é ade que a psicoterapia separa o casal, 
ou mesmo o inverso, de que ela está lá'a serviço de reunir o casal. A terapia de 
casal não se propõe a unir ou separar ninguém. O casal pode ter muito medo de ir à 
terapia e ver aumentarem seus problemas; contudo, só irão surgir, emergir, os 
conflitos que já estão vivendo. 
A experiência clínica demonstra que o que acontece é que, se o casal persiste 
no trabalho clínico e a co-respon- sabilidade no vínculo e os incômodos vão sendo 
compreendidos, o casal vai restabelecendo o relacionamento em moldes mais 
maduros, aumentando a gratificação com o parceiro e a complementaridade sadia. 
Tudo que é vivido numa relação de casal é gerado a dois. Isso vale para os 
prazeres e os sucessos, bem como para os desprazeres, as brigas e o mal-estar. 
Cada um tem meia responsabilidade nisto, mesmo que a participação de um dos 
membros do casal no resultado não seja nitida. 
Chamo de responsabilidade ao que normalmente os casais chamam de "culpa". 
Em determinado momento, parece-lhes muito importante descobrir quem ó o 
culpado. E, mais que isso, que o culpado é o outro! 
Em alguns casos, a separação se coloca mesmo como o único caminho de 
crescimento pessoal às duas pessoas. Ainda al, a psicoterapia de casal tem uma 
contribuição importantíssima a dar, ajudando o casal a elaborar as perdas e ganhos 
desta condição. Existem lutos a serem experienciados (elaboração das perdas) e 
acomodados. Além disso, havendo filhos, a psicoterapia familiar poderá ajudá-los a 
compreender e conviver com a nova realidade criada pela separação dos pais. 
A indicação para o comparecimento dos filhos na sessão depende da 
psicodinâmica familiar. No caso de haver um membro enfermo, é primordial, pois 
ele ajudará, através de seu(s) sintoma(s), no entendimento do que, em verdade, se 
passa. 
Como veremos adiante, o indivíduo sintomático (que é considerado 
problemático na família) é o porta-voz dos problemas apresentados, funcionando 
como a porta que se abre ao inconsciente da familia. Os filhos podem também ser 
chamados para que se observe o funcionamento do casal diante da unidade familiar 
completa. 
A terapia de casal e familia ó útil, sobretudo, em situações-problemas onde se 
anda em círculos. Uma discussão de casal pode fazer esse caminho circular, por 
exemplo. A analogia se remete a um circulo porque se sai de um ponto e se retorna 
novamente a ele e, com isso, não há começo nem fim. 
Uma mulher faz cara feia ao marido porque ele chegou tarde em casa; mas ele 
chegou tarde em casa porque ela lhe havia respondido de forma grosseira ao 
telefone; contudo ela o fez porque imagina que ele possa estar tendo um caso com 
outra e assim por diante. Chamo isso de um "jogo sem-fim". 
Nessa situação, a discussão no concreto não levaria a lugar algum. Seria útil a 
intervenção de um terceiro, no sentido de compreender os elos de ligação entre 
estes eventos e desfazer o jogo sem-fim. 
A CONSTRUÇÃO DO MITO 
FAMILIAR 
A família constrói uma história fantasiosa sobre si mesma, que tende a 
deformar a maneira como ela realmente é, como funciona. Com isso, certos 
sentimentos e certos padrões de interação permanecem inconscientes aos 
membros da família, ou seja, estes não se apercebem de que tal dinâmica está em 
jogo. Tais conteúdos deformados (pelos mecanismos conjuntos de defesa 
compõem o mito familiar. 
A ideia de mito familiar advém da noção de que um mito é uma história 
construída por um povo, que não está sujeita a nenhuma regra de lógica ou de 
continuidade—nela tudo pode acontecer. 
É uma espécie de sonho coletivo de uma cultura, suscetível de interpretação, 
de modo que seu sentido oculto possa revelar-se. Os mitos expressam desejos 
inconscientes, que, de algum modo, são incompatíveis com a experiência consciente 
de um povo. Subentendido no sentido manifesto das histórias mitológicas, 
existiria, então, um não-sentido, uma mensagem envolta num código a ser 
decifrado. 
Havería, portanto, uma relação de semelhança entre o mito e a vida do povo. Os 
mitos seriam histórias sem um significado aparente, cujo entendimento só pode 
ser resgatado com o estudo daquela cultura, que, por sua vez, não tem consciência 
do sentido dessas narrativas. Tais pensamentos seriam, então, desconhecidos por 
esses homens. 
Assim também ocorre com a família, que em torno de seus problemas aparentes 
constrói seu mito, ou seja, uma versão fantasiosa sobre como funcionam em 
conjunto e sobre quem é o membro da família que carrega o problema. 
Mito no sentido de que a família elabora uma história fantástica (que não 
corresponde aos processos reais em jogo) e a vive tal qual se fosse a história 
verdadeira. Organizam-se em torno de uma ideologia, de uma visão sobre o mundo 
e suas dificuldades em família, que lhes parece mais aceitável. 
Imaginar, por exemplo, que o problema de uma família é um filho rebelde, um 
pai ausente ou uma criança tímida é apenas a versão mais superficial sobre as 
dificuldades emocionais da família, que situa o problema num determN nado 
membro e esconde conflitos mais sérios do funcionamento do grupo familiar. 
O trabalho do psicoterapeuta seria ajudar a desvendar, a decifrar os 
significados que estão por trás da história desse mito familiar — através do filho 
sintomático, por exemplo — , tal como o antropólogo procura compreender o 
significado de um mito para uma determinada população. 
Imaginemos um casal que vem para uma primeira entrevista no intuito de iniciar 
uma psicoterapia. O marido toma as rédeas e começa a explicar o motivo da 
consulta. A mulher (que estava ao seu lado calada), segundo ele, estava muito 
enferma: não assumia mais responsabilidades em casa, as duas crianças do casal 
haviam sido removidas para a casa de uma parente porque ela já não cuidava delas 
adequadamente, largava-se na cama por horas a fio e, quando o marido chegava em 
casa (já bem tarde), desatava a reclamar e não o deixava dormir. 
Na história apresentada por eles — digo por eles porque, embora a esposa não 
dissesse nada, o seu silêncio contava sobre sua concordância e cumplicidade com 
aquela versão (apesar da cara de descontentamento) —, a mulher era a "louca" do 
casal e o marido o "são". Se ela se modificasse, voltasse a cuidar das crianças e a 
cumprir o papel que o marido esperava dela, tudo estaria resolvido. 
O marido e os pais dele, que moravam ao lado, esperavam que a psicoterapia 
pudesse evitar a internação da moça. Ele dizia: "Já tentamos tudo: conversar, ir ao 
médico, ao psiquiatra. A terapia de casal é a última coisa que tento, pois, se não der 
certo, vou me separar dela. Não dá mais para continuar assim". 
Solicitada a falar sobre como via o que estavam vivendo, a esposa não conseguia 
se expressar, enrolando-se muito para falar, como se fosse mesmo uma mulher 
completamente perturbada. Aos poucos e depois de muito incentivo, contou que 
acreditava que o problema, na verdade, estava nele, que só chegava em casa tarde 
e nunca se dispunha a conversar. 
Esta primeira versão, trazida pelo casal sobre a dinâmica de sua família, 
constitui o mito familiar. No decorrer da investigação analítica, os sentidos 
subliminares que explicavam este comportamento conjunto foram, pouco a pouco, 
emergindo e sendo trabalhados pela família, na medida em que tomavam 
consciência de aspectos anteriormentel negados. 
A esposa foi deixando o papel de "louca" e passou a assumir novamente o 
cuidado das crianças (que retornaramà casa), como também a manifestar-se mais 
verbalmente, reivindicando que suas necessidades também fossem atendidas. O 
marido, paulatinamente, foi capaz de perceber sua participação nos problemas 
familiares. 
Foi também possível esclarecer os papeis que cada um deles desempenhava no 
jogo do "papai bravo" e "menina atrapalhada", pois reeditavam, no casamento, 
sensações enrijecidas vividas com os próprios pais. Se, de um lado, o marido 
repetia o modelo masculino autoritário recebido, de outro, a esposa repetia a mãe, 
que também havia ”en- louquecido" e deixado os filhos menores aos cuidados 
dosirmãos mais velhos. A própria moça em questão havia sido abandonada pela mãe 
e tinha sido criada por uma irmã mais velha. 
Nesta linha, a família busca o atendimento tentando envolver o terapeuta na 
sua própria versão do problema. No momento em que o psicoterapeuta se desfaz 
da posição inicial que lhe foi conferida, auxilia a família a se conhecer e a se 
apoderar das partes negadas de suas personalidades, como também a reorganizar 
o espaço de convívio, desfazendo, desmontando o mito familiar. 
A ESCOLHA E O CONTRATO 
SECRETO DO CASAMENTO 
As motivações, que conduzem as pessoas ao casamento e a se manterem nele — 
e que lhe dá qualidades particulares — são, em grande parte, inconscientes. 
Compreender por que uma pessoa escolhe justamente unir-se a uma outra 
determinada pessoa, selecionada a dedo em meio à multidão, não é simples, como 
superficialmente possa vir a parecer. 
Desconfiar, ainda, da sensação de liberdade cultivada pelo autor da escolha 
também não é fácil. Refiro-me aqui ao fato de que a pessoa tem a impressão de que 
está livre para escolher qualquer outra para seu par, sem interferência da família 
ou de outras pessoas — ela é "dona de seu nariz". Contudo, estamos muito mais 
aprisionados internamente pelos padrões de relacionamento desenvolvidos com as 
figuras significativas da infância, com as quais convivemos, do que podemos 
suspeitar. 
Quando duas pessoas se elegem para parceiros amorosos, dificilmente 
conseguem apresentar argumenta consistentes sobre por que justamente aquela 
outra pessoa foi escolhida. Raramente as respostas fogem às generalidades 
banais, além do que, comumente, falam som as boas qualidades do indivíduo amado. 
Há muito pouco conhecimento consciente sobre as possíveis motivação que 
compuseram o ímã que atrai exatamente tais duas pessoas. Essas motivações nem 
sempre se relacionam com as boas qualidades, mas com as dificuldades da 
personalidade do outro. 
Isto pressupõe um ajuste das duas personalidades, como se cada um dos 
parceiros procurasse no outro as peritos de si mesmo que não conseguiu 
desenvolver; ou inversamente, procurasse no outro exatamente a mesma 
dificuldade que possui, para juntos se protegerem do objeto temido. 
Inconscientemente, a "escolha" é, então, feita a para de uma 
complementaridade doentia, de um encaixe da personalidades das duas pessoas 
em questão, denomina do "conluio" (pactos inconscientes ou "lealdades invisíveis"). 
Um homem com tabus sexuais, por exemplo, certamente escolherá para seu par 
uma mulher também cheia de tabus, pois não "aguentaria" uma mulher liberada. No 
nível manifesto (aparente), pode até parecer que as dificuldade) sexuais 
desenvolvidas a partir daí sejam decorrentes da mulher que é "frígida", pois com o 
homem parece não haver problemas. Uma pesquisa mais cuidadosa leva facil mente 
a perceber que esta versão não é verdadeira. 
Inversamente, quando uma pessoa procura na outra aa pectos que não desenvolveu 
em si mesma, temos, por exemplo, o caso da mulher que se sente burra e que exalta 
a inteligência do marido, como se somente ele a possuísse, como forma de 
sentir-se engrandecida através dele e emprestar dele a inteligência de que se 
sente desprovida. 
Essa determinação de que os problemas estão localizados apenas no outro 
viabiliza-se graças ao mecanismo de projeção, onde sentimentos e ideias 
subjetivas do indivíduo são atribuídas objetivamente a pessoas e objetos. 
Assim, um indivíduo que tenha muita dificuldade em expressar raiva pode 
casar-se com uma mulher "raivosa", que consegue expressar tal sentimento em seu 
lugar. Eia acaba incumbida de expressar pelos dois este sentimento. 
Essa carga dupla, representada por um aspecto vivido por um elemento do casal 
e aparentemente ausente no outro, acaba por pesar na experiência de ambos. 
Existe uma ansiedade que faz com que seja importante conservar esses aspectos, 
mas no outro. O mecanismo será estudado detidamente mais aprofundado, sob o 
nome de "identificação projetiva", no item sobre a confecção do "bode expiatório" 
no interior da dinâmica da família. 
De alguma maneira, no ato da escolha, um captou que poderia ajudar o outro a 
continuar um aperfeiçoamento na própria personalidade, que sozinho não 
conseguiria. Compartilhando a mesma dificuldade, como no caso anteriormente 
citado em que ambos não sabem como lidar construtivamente com sentimentos 
hostis, buscam encontrar juntos uma saída mais adequada. 
Em geral, esse movimento complementar se dá no sentido do crescimento, mas 
também pode constituir um pacto destrutivo que colabore para adoecer ambos os 
cônjuges, através de processos de mútua digladiação. 
Desse modo, existiria sempre num casamento um acordo inconsciente no que se 
refere ao contrato não-escrito — o contrato oculto. Um dos membros do casal 
projeta aspectos indesejáveis ou desejáveis de sua personalidade sobre o outro, 
que os aceita, uma vez que, em retribuição, também deposita aspectos seus 
complementares no outro. 
Nem sempre tais aspectos têm a ver com características pejorativas; por 
exemplo, um homem pode não assumir seu lado generoso (o que seria sentido como 
uma qualidade boa) e depositá-lo em sua esposa, como se ela fosse especialmente 
generosa e ele não. 
As crianças também podem sofrer as projeções de aspectos das 
personalidades dos pais. Frequentemente carregam aspectos mal resolvidos de 
todos como se fossem problemas pessoais seus, exercendo uma função reguladora 
na família, na medida em que, ao permanecer nessa função, aliviam de tal carga o 
resto da família. 
Os anseios e medos inconscientes que configuram a natureza do contrato 
oculto do casamento provêm dos relacionamentos da infância, pois todos os 
indivíduos , apresentam padrões repetitivos de comportamento derivados do que 
se estabeleceu nas primeiras etapas do desenvolvimento com as figuras parentais 
(pais ou pessoas significativas que cuidaram da criança). 
Muitas vezes, a escolha e o contrato secreto podem garantir a repetição literal 
do que se passou com os pais na infância. Imaginemos uma mulher que trabalha e 
vem sozinha sustentando a família, pois o marido se acomoda em casa sem sair a 
procurar emprego, sendo que seu próprio pai tinha sido um desempregado crônico 
e sua mãe a batalhadora. É comum também que filhas de pai alcoólatra] se 
interessem por homens com distúrbios semelhantes. 
Existem componentes inconscientes nessas escolhas que precisam ser 
detectados durante a terapia de casal, de forma que as pessoas, ao se darem 
conta dos respectivos mecanismos, possam refazer o alicerce sobre o qual o 
casamento se sedimenta. 
A união sadia implica reciprocidade e complementaridade construtiva no 
atendimento às necessidades de ambas as personalidades. Todos os vínculos 
amorosos, assim como todos os relacionamentos humanos, possuem aspectos de 
gratificação e aspectos de desprazer, de conflito. 
Tentar ampliar a possibilidade nutriente da relação só colabora com o 
crescimento pessoal e conjunto, enquanto os segredos e os pactos ocultos apenas 
restringem os relacionamentos e a oportunidade deum contato genuinamente mais 
Intimo. E no sentido de denunciar e elucidar essas alianças que o psicoterapeuta 
atua, pois uma vez que o casal se desvencilhe de suas armaduras, poderá 
estabelecer uma troca interpessoal mais rica. 
SUA MAJESTADE "O BEBE" 
A psicoterapia de família pode auxiliar o casal no sentido de desenvolver 
recursos que garantam a assimilação da criança no interior da família — 
inaugurando a possibilidade de uma relação triangular sadia, sem que a criança seja 
utilizada como campo de projeção de conteúdos mal resolvidos dos pais com as 
próprias figuras parentais. 
Quando o casal está "grávido", pode estar recebendo isto com muito agrado. 
Mesmo assim, existem medos, temores, sentimentos confusos e ambivalentes que 
precisam ser reconhecidos, embora a sociedade cobre felicidade total. 
Será preciso abrir um espaço entre os dois para que a criança caiba, o que não é 
tão simples assim. Imaginemos um casal com seu cotidiano estruturado, programas 
com amigos e passeios de fim de semana, que precisa organizar tudo em torno de 
um bebê recém-chegado, que mama de três em três horas e chora com dor de 
barriga. E assim, 
 
nunca mais estarão sós. Esta perda, contudo, poderá também trazer ganhos. Perda 
e renovação ocorrem em cada estágio do desenvolvimento e é preciso que se 
deixem certas experiências e possibilidades para trás, para que se possam atingir 
formas mais adequadas às novas etapas de desenvolvimento. O luto diante das 
perdas pode ser superado com o auxílio da percepção dos ganhos. 
Quando não é possível esperar a chegada do bebê com maturidade, muitos 
sentimentos normais e superáveis acabam por se acirrar, podendo vir a gerar 
sérias confusões. Por exemplo, a chegada do bebê pode representar ao pai 
regredido a vinda de um competidor, que lhe rouba a própria esposa (no caso 
sentida como a própria mãe). 
Um segundo filho pode ser sentido como intruso, na medida em que reedita a 
situação de competição com os próprios irmãos reais de um dos membros do casal, 
que permanece identificado com o primeiro filho, cujo trono é usurpado. 
Deste modo, uma criança pode ser utilizada desde o nascimento como extensão 
dos pais, recebendo papeis que se ajustam às fantasias desses pais, mas não a sua 
própria personalidade e necessidades. Isto acabará por dificultar o 
desenvolvimento das personalidades de todos os membros da família. 
Quando um bebê está por vir, é preciso que se abra um lugar dentro do casal 
para que ele possa existir. No caso de famílias com mais de um filho, cada novo 
bebê é um indivíduo único e precisa encontrar seu lugar no seio da família. 
O contato do casal com o(s) filho(s) pode vir a enriquecer o relacionamento 
conjugal, em vez de perturbá-lo. Para isso, é preciso maturidade no processo de 
construção da família. 
O "FILHO-PROBLEMA" COMO O 
PACIENTE IDENTIFICADO 
O indivíduo portador do sintoma, na familia, recebe o nome de paciente 
identificado. Isto significa que ele acaba por ser o encarregado de portar o 
problema e "dar uma carona a todos”. Ou seja, o resto da família vive uma sensação 
ilusória de que, na medida em que o elemento problemático melhore, o problema de 
todos estaria, por tabela, sendo resolvido, sem que os demais fizessem muito 
esforço. 
Com isso, a família persegue o bode expiatório, fantasiando que, ao livrar-se 
dele, livra-se dos conteúdos indesejáveis nele projetados. Isto é o que ocorre com 
famílias com um membro drogado, alcoólatra, suicida, delinquente, ou mesmo com 
clássico "capeta escolar”. 
É por isso que a criança-problema está na fala dos pais, pois uma vez que o jogo do 
”passa-passa a batata quente” seja compreendido, a criança mais real surge e tudo 
começa a parecer bem mais coerente. Um filho excessivamente tímido pode, por 
exemplo, ser redefinido como um filho esperto que tenta poupar-se de confronto 
com os demais. 
Contudo, embora a ansiedade seja compartilhada (seja de todos), com 
frequência esse membro da família, que tem o(s) sintoma(s), incorpora o problema 
como se fosse apenas seu, salvando assim os demais membros da família do 
consequente "apuro" de lidar com tais conteúdos. O indivíduo passa, pois, a 
desempenhar um papel na dinâmica familiar, funcionando como bode expiatório do 
grupo. 
Partindo da ideia de que os pais transmitem aos filhos seus conhecimentos de 
acordo com os recursos psicológicos que possuem, não seria possível compreender 
a dificuldade enfrentada pelo(s) filho(s) sem relacioná-las às F condições 
apresentadas pelos adultos. 
Assim, a ansiedade vivida por um filho pode reativar nos familiares as próprias 
vivências que tiveram no momento evolutivo correspondente. 
As formas encontradas para lidar com os conflitos e ansiedades em determinadas 
situações serão apreendidas pelos filhos através dos modelos dos pais, de maneira 
que estes dificilmente poderão oferecer algo diverso do que eles próprios 
vivenciaram nas famílias de origem, a não ser que tenham seus conflitos infantis 
melhor elaborados. 
Para compreender como tal processo se torna viável, teríamos que recorrer à 
noção psicanalítica de identificação projetiva introduzida por Melanie Klein 
(1882-1960), em 1946. Ela utilizou essa expressão para designar o mecanismo 
através do qual "uma combinação de partes cindidas do EU é projetada em outra 
pessoa". 
Isso quer dizer que os sentimentos e ideias derivados do mundo interno do 
indivíduo são cindidos (divididos em pedaços) e projetados num objeto externo. 
Consequentemente, o sujeito fica desprovido dessa parte do EU e vivenda o objeto 
(a outra pessoa) como se ele possuísse a parte projetada. 
Essas partes podem ser aspectos seus que o indivíduo considere tanto bons 
como ruins. Pela complementaridade, o outro recebe tais projeções e se 
transforma em cúmplice da configuração, num processo conivente de interação 
(num pacto inconsciente). 
Imaginemos um casal que vinha enfrentando problemas sexuais. O marido acusa 
a esposa de ser completamente desinteressada do relacionamento sexual do casal, 
enquanto se vê muito necessitado e o único autor das tentativas de aproximação. A 
mulher justifica-se dizendo que o marido já chega em casa de cara "amarrada" e 
que, dessa forma, não pode realmente se excitar. 
O que ocorre aqui é que o marido acaba se sentindo responsável por cuidar 
pelos dois da vida sexual do casal, enquanto a esposa vivência, também pelos dois, a 
necessidade de trabalhar o relacionamento no que respeita ao diálogo, à 
intimidade e demonstração de afeto. 
No decorrer do atendimento, a esposa resolve investir na vida sexual do casal e 
tomar a iniciativa. Surpreendentemente, o marido "fogoso e sexualizado" diante 
do ato sexual acaba por não conseguir ereção pela primeira vez. 
Nesse momento, abre-se a ocasião de reunirem os pedaços de forma a compor 
cada um deles uma pessoa mais inteira. Isso na medida em que agora se falava de 
duas pessoas nesse casal, ao mesmo tempo interessadas em ganhar intimidade (o 
relacionamento sexual também aí incluído) e sentindo-se ambas "brochadas" 
diante das dificuldades de contato encontradas. 
O relacionamento sexual do casal melhorou muito, ao passo que as dificuldades 
do relacionamento geral eram resolvidas. A problemática sexual era, pois, apenas a 
pontinha de um iceberg, pois os obstáculos vivenciados eram bem mais complexos. 
Desse modo, da mesma forma que a mulher da situação apresentada acabava 
como bode expiatório das dificuldades do casal, numa família, qualquer elemento 
pode assumir esse papel. As crianças são elementos propensos para atuar nessa 
função, uma vez que estão menos estruturadas e são mais facilmente engajadas 
nas dinâmicas de família. 
No casode o indivíduo sintomático ser um filho, é comum que, depois de 
algumas sessões iniciais, ele deixe de ser o tema principal e os conflitos do casal 
comecem a aparecer. Os conteúdos inicialmente projetados no filho são 
introjetados, não sendo mais preciso que ele funcione como o intermediário entre 
os pais e suas dificuldades emocionais. 
Isto não significa que os filhos possam ser dispensados da terapia, mas que 
todos poderão trabalhar juntos esses mesmos temas aflorados através do 
sintoma. 
O bode expiatório é elemento importantíssimo no trabalho terapêutico, na 
medida em que é o porta-voz da problemática da família e via de acesso ao 
inconsciente familiar, pois expressa os conteúdos que, na verdade, são de todos. 
Seria como se a família fosse dividir na sobremesa três bolos: um de chocolate, 
um de coco e um feito de morangos estragados. Imaginemos que, na divisão dos 
pedaços, a família deixasse todo o bolo com morangos estragados • para um 
determinado membro do grupo. 
O sintoma também é fundamental, pois é o alarme que põe em contato indivíduo 
e problemas a serem avaliados. Imaginemos uma pessoa que pusesse 
descuidadamente a mão no fogo e nada sentisse. O sujeito torraria sua mão e a 
perderia. A dor do sintoma é, de fato, o alarme que indica perigo à vista e a 
necessidade de se tomarem medidas. 
Nesta linha, através do problema, a família se coloca em psicoterapia, numa 
última tentativa de lidar com velhos conflitos e experiências primitivas da vida. Ao 
psicoterapeuta será dado um lugar neste contexto: a família o convida a 
compartilhar sua estrutura de referência. 
Imaginemos uma situação exemplificativa. Uma família procura terapia familiar 
por indicação de um psicólogo. O motivo da consulta é que o filho de sete anos é 
muito agressivo, não se submetendo a regras em casa ou na escola, chegando até a 
bater na irmã de seis anos e na própria mãe. O cotidiano é bastante turbulento 
para esta família, como é fácil imaginar. 
Aos poucos, esclareceram-se alguns aspectos relacionados com a psicodinâmica 
da família. De um lado, o comportamento agressivo do garoto transformava-o num 
menino-problema, o capeta que conseguia monopolizaras atenções de todos ao seu 
redor, mesmo que para isso pagasse alto preço, como apanhar dos pais. Por outro 
lado, tinha-se a sensação de que a irmã ficava anulada, desaparecida, pois estava 
sempre à margem dos acontecimentos. 
Em contrapartida, a maneira que a irmã encontrou de rivalizar com o irmão era 
transformando-se na menina mais perfeita e na melhor filha possível. Na escola, 
tinha excelentes notas e se comportava em todos os lugares como uma 
"princesinha". Afora ser a maneira de se destacar diante dos pais, pois não poderia 
competir com a mesma arma do irmão — a agressividade —, procurava, nas 
sessões, salvar a todos de crises e ansiedades nos picos das tensões, falando alto 
ou chamando a atenção sobre si mesma. 
Assim, ambos os filhos disputavam o centro das atenções dos pais como se, no 
colo deles, só coubesse um. Curioso foi observar que conforme o menino 
desenvolvia o seu lado "doce", paralelamente vinha a primeira reclamação da escola 
sobre a menina. Desta maneira, os dois se transformavam em crianças mais 
"normais", mais inteiras. 
De outro lado, a investigação da história dos pais nas famílias de origem 
revelou fatos correlatos. Ambos possuíam apenas mais Um irmão de sexo oposto (a 
esposa tinha um irmão e o marido uma irmã), o que sugeria a repetição de inúmeras 
rivalidades mal resolvidas, através do novo casal de irmãos. Tal fato dificultava 
que pudessem agora ajudar os próprios filhos a lidarem com sensações de 
exclusão, disputa, ciúme, inveja e daí por diante. 
Além disso, descobriu-se que não era apenas o garoto que não sabia o que fazer 
da própria raiva, mas que ambos os cônjuges também não haviam aprendido isto 
com os próprios pais. Na família dele, a mãe era poupada de qualquer notícia ruim e 
os descontentamentos ou sentimentos hostis eram rapidamente apaziguados. Na 
família dela, segundo sua própria visão, o irmão era o filho predileto e suas queixas 
não tinham muito lugar. 
Enquanto os pais tentavam resolver tais dilemas através da reedição desses 
conflitos, agora com os próprios filhos, não havia disponibilidade para se ocuparem 
com o "namoro" no casamento. Os conflitos das crianças tinham também por 
função distrair o casal de suas dificuldades conjugais. 
Muitas crianças como esta, no lugar de paciente identificado, trazem, através 
de seus sintomas, um grito de socorro, como se dissessem: "Uma coisa grave está 
acontecendo com meus pais e conosco! Estou desesperado!". 
A FAMÍLIA NO DIVÃ 
A psicanálise de casais se apoia em alguns princípios fundamentais. Em primeiro 
lugar, como visto em capítulo anterior, tanto a escolha do parceiro quanto aquilo 
que mantém o casamento e lhe confere características específicas estão 
relacionados a motivações inconscientes. Não se escolhe o parceiro apenas devido 
a seus aspectos expressamente "bons", como comumente se pensa, mas também 
por fatores inconscientes (dos quais não nos damos conta). 
Outro aspecto importante é que existem duas tendências num casamento: uma 
de criatividade e outra de destrutividade. Criatividade porque o casamento é uma 
tentativa, mesmo que às vezes fracassada, de lidar com o passado e continuar a 
desenvolver-se no sentido do crescimento. É uma tentativa de resolver conflitos 
antigos inconscientes através da escolha de um parceiro que, ao complementar tais 
conteúdos, enseja que tais conflitos possam vir a ser lidados no presente, no 
processo do casamento. 
Destrutividade porque o casamento implica na repetição de conflitos 
vivenciados com os próprios pais (ou outras pessoas significativas), que são 
revividos na nova composição de casal, reeditados dentro da dinâmica da nova 
unidade familiar. Por exemplo, um indivíduo que encontrou muita dificuldade em 
trocar carinho com os pais, provavelmente, também encontrará dificuldade em dar 
e receber carinho com outras pessoas. Deste modo, a mesma dificuldade se 
reedita em novos relacionamentos e no casamento. 
Isto explica por que uma pessoa pode concluir por separar-se e acabar 
contraindo um ou vários outros casamentos subsequentes com problemáticas de 
estrutura semelhante. Uma vez que a questão a ser resolvida é interna ao sujeito, 
de nada adianta a troca de coadjuvantes. 
Assim, no trabalho analítico com casais é importante que se investigue como se 
deu a eleição (a escolha) do parceiro amoroso e se desenvolveu o processo 
conivente de interação (a cumplicidade, o estabelecimento de pactos 
inconscientes). Para tanto, são importantes informações não só sobre a família 
nuclear, mas também sobre a família de origem de ambos os parceiros. 
Nesta linha, afirma Henry Dicks (psiquiatra, Londres): "Quando los padres 
comieron uvas verdes, ios hijos tienen dentera" ("Quando os pais comeram uvas 
verdes, os filhos têm diarreia"). Ou seja, os pais oferecem como modelo de 
comportamento aos filhos o modelo que também tiveram (ou como o vivenciaram) 
e, geralmente, educam seus filhos com a melhor das intenções. Mas, além dos 
aspectos bons, as dificuldades também são transmitidas e retraba- Ihadas na vida 
intrapsíquica dos filhos. 
Certas dificuldades podem, com isso, ser passadas de geração a geração. 
Vamos supor que uma mulher de personalidade dominante se case com um homem 
mais submisso. Este modelo de casal pode ser repetido pela filha e, quem sabe, 
mais tarde, pela neta do casal em questão. 
Com isso, o analista de casal e família terá por função destacar o sentido 
latente (subliminar, que fica "embaixo dos panos”) existente nas palavras e açõesdo grupo familiar, trazendo à tona os conflitos subjacentes em tais 
comportamentos (através de interpretações); ser tolerante ante as frustrações 
da família assim também como ante as suas frustrações; ajudar a família a 
modificar-se, em vez de evadir-se; receber as projeções de sentimentos, 
percepções etc., vividos e internalizados, que derivam de experiências de 
relacionamentos anteriores dos sujeitos com as figuras parentais (com os pais). 
Em Psicanálise, estes processos recebem o nome de atitude de continência (por 
parte do terapeuta), manejo da transferência e da contratransferência. 
No processo transferencial, em vez de o indivíduo lembrar-se de experiências 
vividas com os próprios pais ou figuras significativas, o sujeito representa as 
emoções na relação com o terapeuta. Por exemplo, um indivíduo muito desconfiado 
não necessitará de motivos reais para se sentir perseguido pelo analista. Por 
transferência, ele provavelmente reagirá tal como se o analista fosse aquela 
pessoa da qual ele precisa proteger-se. 
Por contratransferência entende-se o mesmo processo, só que por parte do 
analista. Seriam as vivências que são atualizadas no seu interior, a partir do que 
sucede no contexto do processo. O analista precisaria perceber tais experiências 
e utilizá-las adequadamente na relação com seu cliente, no sentido de ajudar a 
compreensão dos processos em jogo, em vez de atuar tais conteúdos (por exemplo, 
sendo realmente a figura persecutória para o indivíduo descrito no parágrafo 
anterior). É frequente a sensação contratransferencial oferecer informações 
importantíssimas a respeito da dinâmica psíquica do cliente. 
Suponhamos que um casal reage ao processo de psi- coterapia da seguinte 
maneira: o marido está animado, achando que juntos podem vir a resolver os 
conflitos conjugais, ao passo que a esposa se mantém desanimada. Imaginemos que 
o casal está sendo atendido por um casal de co-terapeutas (dois terapeutas 
trabalhando em parceria), que comece a se sentir do mesmo modo. Um incorpora o 
ânimo pelo trabalho e o outro se mantém mais descrente. 
Poder-se-ia dizer que cada um dos co-terapeutas se identificava com um dos 
membros do casal e acabava por reproduzir, dentro do "casamento da co-terapia", 
a estrutura da dinâmica psíquica do casal em atendimento. Ao refletirem sobre 
tais sensações e discutirem sobre o desenrolar da sessão, podem vir a descobrir 
elementos importantes para a continuidade do processo terapêutico. 
Na terapia de casal e família, as fantasias inconscientes são comuns a todos, 
são partilhadas. A família irá transferir tais fantasias para a situação terapêutica 
e convidar o terapeuta a ocupar algum lugar nisto tudo. O analista deve estar 
atento a estes processos e trabalhar, não os aspectos psicológicos de cada 
membro, mas sim o inconsciente grupai. Mais precisamente analisará as fantasias 
inconscientes compartilhadas e comuns a todos os membros da família, e as 
ansiedades geradas por essas fantasias, que induzem os membros da família a 
utilizarem defesas complementares entre si. 
Vejamos um exemplo: uma família composta por mãe e duas filhas (uma de sete e 
outra de quatro anos). A mãe procura psicoterapia para a menina de sete anos que 
acaba de desenvolver uma fobia escolar: de uma hora para outra, passa a 
recusar-se a ir à escola e, quando forçada a isso, fica o período todo em pó ao lado 
do portão de saída, não cedendo a nenhum apelo de qualquer pessoa (mãe, diretora, 
professora, amiguinhas etc). 
Ao longo das investigações, descobre-se que o pai havia falecido 
repentinamente, havia dois meses, de ataque cardiaco, numa manhã quando saía 
para trabalhar. Ocupando-se da fobia escolar, todos se protegiam, através de um 
pacto, de vivenciar e elaborar o luto da perda do membro da família. 
Tal situação se transferia ao contexto terapêutico, uma vez que toda iniciativa 
por parte do analista em trazer o tema às sessões era rapidamente sabotada pela 
família — a mãe despistava, queixando-se da rebeldia da filha de sete anos, que se 
esforçava deste modo em manter-se no centro das atenções, enquanto a filha de 
quatro anos falava alto, atrapalhando a conversa dos adultos e chamando a atenção 
para outros temas e brincadeiras. 
A família representará, portanto, no contexto relacionai com o analista seus 
principais dilemas, oferecendo a ele um papel complementar no interjogo de sua 
dinâmica. O analista inicialmente aceita tal papel, para compreendê-lo e entender 
o funcionamento da família — o que ela quer dizer através do sintoma fóbico de um 
dos seus membros —, mas em seguida o abandona, tentando mostrar à família o que 
se passa, de forma a encorajá-la a procurar novas acomodações mais sadias, que 
permitam abandonar o sintoma. 
A FAMÍLIA COM CRIANÇAS EM 
PSICOTERAPIA 
As crianças, mesmo muito pequenas, podem com certeza ter um lugar de grande 
importância no desenrolar do processo psicoterápico. Com seu modo mais 
autêntico de ser, acabam de alguma maneira oferecendo informações valiosas 
sobre a real natureza das experiências emocionais compartilhadas na família. É 
preciso "ler" o comportamento não-verbal da criança e relacioná-lo ao tema 
debatido por todos na sessão. 
Muitas pessoas, contudo, não conseguem imaginar de que maneira as crianças 
poderiam colaborar numa sessão psicoterápica. É comum, mesmo entre os 
psicólogos alunos de curso de formação nessa especialidade, que se pergunte: 
"Mas o irmão tem apenas um ano; ele vai ficar fazendo o quê? Deverá vir?". 
O que ocorre, de um modo geral, é que a família vem para atendimento e encontra 
na sala do psicoterapeuta um espaço onde todos caibam, independentemente da 
idade que tenham. Para as crianças, ficam disponíveis alguns brinquedos, uma pasta 
individual com material gráfico para desenho e outros recursos que se possa 
oferecer, como: lousa, massinha, guache, argila etc. A escolha do material a ser 
colocado para as crianças dependerá de suas idades e do nivel de maturidade de 
cada uma. 
É comum que, no início, as crianças se sintam inibidas, enquanto reconhecem o 
novo espaço; mas é também muito frequente que, num curto período de tempo, se 
aventurem a explorar o material. Ocorrem momentos iniciais em que os pais ficam 
tentando fazer com que a criança tome alguma iniciativa e sobre isso são 
tranquilizados: "O material está aí; no momento em que seu filho quiser utilizá-lo, 
ele o fará por si só. Deixemos todos à vontade para fazer e falar o que quiserem”. 
Frequentemente, os pais iniciam um diálogo, enquanto as crianças aos poucos 
assumem algumas atividades. Todo comportamento verbal e não-verbal (seja 
através do posicionamento da criança na sala de atendimento, seja através do jogo 
lúdico) se relaciona com o tema que está sendo tratado. Se o terapeuta consegue 
"ler" isto e "traduzir" para o resto da família o significado da ação de uns aos 
outros, muitos conteúdos e sentimentos podem ser esclarecidos. 
O desenho a seguir foi feito por uma menina de onze anos, durante uma sessão 
de terapia de família, quando se falava sobre como ela, filha, construía uma 
imagem de sua mãe muito frágil, enquanto o pai lhe parecia uma figura forte, que 
aguentaria dificuldades. 
Ao mesmo tempo que o tema era colocado pelos pais, a menina inicia este 
desenho: é Jaspion (super-herói), que na verdade é ela mesma, carregando a mãe 
nos braços. 
Se observarmos cuidadosamente o desenho, veremos que ele representa 
graficamente o que os pais abordaram verbalmente. 
A filha identifica-se com o super-herói, pois deseja ter seus superpoderes e, 
ao mesmo tempo, representa como um personagem masculino, que acredita ser 
mais poderoso diante da vida, com o controle sobre o mundoe, portanto, sobre a 
própria família. 
No desenho, a mãe é um personagem que ela facilmente manipula. Na vida real, 
quando zangada, hostiliza o pai, pois acredita que ele pode aguentar os seus 
ataques. Assim, ele acaba recebendo o ódio da filha em "dose dupla”, mantendo a 
mãe poupada, uma vez que esta é vista como frágil. Dessa forma, amor e ódio eram 
cindidos, dicotomizados e projetados sobre os pais. 
Com a psicoterapia, a menina consegue, aos poucos, integrar esses pedaços de 
si mesma e compreender que cada uma das pessoas é forte e fraca, potente e 
impotente, hábil e inábil. Paralelamente, os pais também podem integrar os 
pedaços e perceber que a filha lhes dirige ódio e amor, pois inicialmente o pai se 
acreditava somente odiado e a mãe era apresentada como o centro das atenções 
da filha. 
O pai se sentia muito rejeitado e alheio à relação mãe e filha, permanecendo 
com inveja da esposa que, na sua visão, acabava ficando com o melhor que a filha 
tinha a oferecer. A menina, que antes só se interessava por "coisas de menino” e 
desejava ser um, acaba por se interessar também por objetos femininos; por 
exemplo, passa a usufruir os presentes que recebe dos pais, tal como usar as 
roupas que o pai lhe dava (as quais anteriormente desprezava) e "curtir" mais seu 
quarto cor-de-rosa. 
E difícil aos pais, por si sós, decifrarem a linguagem que permanece subjacente aos 
jogos infantis, pois estão demasiado envolvidos também com tais conflitos e, 
frequentemente, "lêem" os jogos apenas como brincadeiras. No contexto da 
terapia, o psicoterapeuta pode exercer esse papel de "tradutor", fomentando 
maior contato entre os membros da família. 
Imaginemos uma outra situação em que um casal procura terapia: estão 
brigando muito e pensando em separação. O relacionamento vai muito mal e as 
tensões em casa aumentam. O casal chega a uma das sessões preocupado com a 
única filha de quase três anos, que vinha desenvolvendo um medo exagerado de 
palhaço — não queria mais ir às festinhas de crianças porque haveria Show de 
palhaço e ela entrava em crise de choro. A filha voltava em prantos, o que a 
impossibilitava de conviver com as outras crianças e desenvolver sua sociabilidade. 
O sintoma havia aparecido de repente e os pais preocupados me perguntavam 
sobre a necessidade de uma ludoterapia (terapia infantil individual) para a criança. 
Peço que a tragam e, no primeiro encontro, ela inicia um jogo com a casinha, 
arrumando os móveis e as pessoas: coloca dois bonecos na cama de casal e, quando 
inquerida, informa que eram o pai e a mãe juntos. A partir daí o tema da conversa 
girou em torno de como a filha podia perceber os conflitos entre os pais e ali 
expressava seu desejo ativo de que pai e mãe permanecessem juntos. 
Além disso, quando estava mal, conseguia manter pai e mãe ocupados com ela, 
criando os únicos momentos em que ambos pareciam realmente juntos, 
funcionando como um casal. Esta era, talvez, a única situação em que o casal se unia 
em colaboração, aliava-se para resolver problemas, o que dava à filha a sensação 
de manter pai e mãe interligados. Enquanto o casal se unia para socorrer a filha, 
estabelecia uma trégua, que também os tranquilizava e permitia que não tivessem 
de decidir nada, pelo menos naquele momento. O sintoma da criança, então, 
também lhes era útil. 
A mutação da pessoa em palhaço acabava por ser associada à mutação da 
família, que também ganharia outra cara, caso os pais viessem a concretizar a 
separação. A cara antiga era conhecida e segura; a cara nova, transformada, 
ninguém sabia o que era capaz de fazer, tal como quando se esperam "as peças" que 
o palhaço vai pregar. 
A filha começou a frequentar festinhas infantis e, mais tarde, foi à primeira 
excursão da escola, na medida em que estas situações emocionais foram sendo 
compreendidas e trabalhadas. Caberia aqui perguntar o que uma criança de quase 
três anos estaria fazendo numa ludoterapia, sem que tais conteúdos fossem 
trabalhados em conjunto e no interior da dinâmica familiar. Certamente o trabalho 
que integre a participação dos pais nas dificuldades apresentadas pela criança 
pode ser muito mais abrangente. 
A COMUNICAÇÃO EM FAMÍLIA 
Promover o diálogo em família não é simples, sobretudo sem o auxílio da 
psicoterapia. Frequentemente, as famílias, de escasso diálogo entre seus 
membros, estruturam um pacto de defesas compartilhado (onde todos participam) 
de forma a garantir sua obstrução. 
0 medo de que os ternas-tabus eclodam e que se tenha que encarar as 
dificuldades colabora no sentido de que os membros da família não busquem um 
contato mais autêntico uns com os outros. Nessas questões, um psicoterapeuta 
pode ajudar. 
0 mero pertencer a uma família não imuniza contra a solidão. É comum, nas 
conversas informais, ouvir queixas de uma pessoa em relação aos parentes que não 
a compreendem. Em muitas famílias a co-habitação não gera o estreitamento dos 
laços entre as pessoas. 
Nas grandes metrópoles, as crianças ocupam-se em tarefas e numerosas 
atividades, inclusive extra-escolares, reduzindo cada vez mais o tempo de contato 
com os familiares e de brincadeira com outras crianças. O ingresso paulatino da 
mulher no mercado de trabalho, as dificuldades financeiras que aumentam e o pai 
fatigado do começo da noite somente agravam o quadro. „ 
Tais crianças acabam se transformando, nas classes mais pobres, no 
adolescente que ingressa precocemente no mercado de trabalho e que 
compartilha, ao final do dia (quando não estuda à noite), da fadiga familiar com 
seus pais subempregados (se estes não estão fazendo hora extra); ou, nas classes 
mais altas, no superadolescente, financeiramente abastado, que se divide entre 
escola, e consequentes tarefas de casa, aulas de natação, vôlei, inglês, francês, 
violão, piano, sapateado etc. 
A distância entre as gerações e a televisão como babá — ou, no caso do adulto, 
como calmante — agravam os problemas familiares. Vê-se que, no mundo moderno, 
achar um tempo para sentar e conversar com o filho, ou com os pais, não é fácil. 
Quase que se têm que abrir a agenda para registrar quando será a brecha. 
Deste modo, compartilhar experiências, falar sobre os sentimentos e trocar 
ideias são privilégios de algumas famílias. Neste contexto a comunicação se 
mantém precária, limitada aos aspectos superficiais do cotidiano. 
É possível que a família descrita se transforme numa familia conflitiva, que 
exerce o movimento contrário, como se andasse no contrafluxo: em vez de 
promover o crescimento de seus membros, o obstrui. ' 
Para se transformar em nutridora, a família precisaria oferecer condições 
adequadas para que o bebê se transformasse num adulto maduro. Se os indivíduos 
"empacam", a evolução do ciclo vital da família também fica incompleta e 
dificilmente poderá liberar os elementos mais jovens para a composição de novas 
unidades familiares. 
Paul Watzlawick (Paio Alto, Califórnia) identifica dois tipos de comunicação 
frequentes nas relações humanas e, portanto, também dentro da família: a 
comunicação simétrica e a complementar. Ambas podem significar algo provedor 
ao crescimento, quando não enrijecidas. Existiriam, ainda, as comunicações digital 
e analógica. 
A comunicação simétrica implica uma simetria, como o nome propriamente diz, 
uma igualdade de condições. Ambos os indivíduos possuem recursos equitativos. 
Vejamos um exemplo: 
Um casal possui potencialidades de mesma qualidade — capacidade de trabalho, 
recursos para resolver situações problemáticas, sensibilidade para compreender 
as necessidades dos filhos e para cuidar deles —; podem funcionar em 
colaboração, exercendo papeis semelhantes, o que auxiliaria o desenvolvimentode 
todos. Destrutivamente, poderiam utilizar esta mesma condição numa "escalada 
simétrica" de rivalidade contínua, competindo para decidir quem é o melhor. 
A comunicação complementar implica na ideia de que o indivíduo irá exercer a 
função que o outro não está apresentando, de forma a complementá-lo. Naquele 
momento, ambos os indivíduos funcionam como única composição. 
Imaginemos um casal onde a mulher não está conseguindo decidir sobre como 
lidar com o filho diante do quarto bagunçado. O pai se interpõe, argumenta com o 
filho e este arruma o quarto. Isto pode ser rico enquanto troca de ideias sobre a 
educação desse filho e como modelo de atuação que o marido oferece à esposa, 
momentânea- ' mente insegura, podendo resultar em algum aprendizado. 
Se essa complementaridade, contudo, se transformar em algo crônico e 
enrijecido, ou seja, se toda vez que precisar exercer sua função, a mãe tiver de 
emprestar a capacidade de atuar com autoridade sobre o filho e a capacidade de 
diálogo do marido, isto funcionará como algo restritivo ao crescimento de todos: 
da esposa, porque não desenvolverá tais aspectos em si mesma; do marido, porque 
permanecerá sobrecarregado nesta função, descuidando de outros aspectos; do 
filho, porque não receberá um modelo de casal e de paternidade com pessoas "mais 
inteiras", provavelmente separando de forma estanque o que pertence aos papeis 
feminino e masculino. 
A comunicação pode ser, ainda, digital ou analógica. A primeira, tal como o 
relógio digital onde aparecem os dígitos indicando diretamente o número de horas 
e minutos, lida com sinais. Assim, nas relações humanas, esta linguagem 
corresponderia à linguagem verbal onde as palavras se associam diretamente a 
determinados objetos ou ações. 
A comunicação analógica poderia ser comparada ao relógio com ponteiros, que 
exige que o interessado estabeleça uma relação entre suas posições para 
descobrir a hora indicada. 
Também nas relações humanas é possível obter informações através do 
comportamento que não ó dito (falado), mas demonstrado através da atitude, de 
pequenos gestos e expressões, do posicionamento espacial com os outros e demais 
comportamentos não-verbais, bem como da própria possibilidade de múltiplas 
interpretações do que é dito. 
Esta divisão entre linguagem digital e analógica acaba por ser estanque e para 
fins didáticos, pois na prática dificilmente uma comunicação digital deixa de 
exprimir um conteúdo analógico. Por exemplo: uma criança que diz na sessão 
"Agora vou para casa" pode estar, na verdade, dizendo "Agora vou para aquele 
lugar horrível!", ou mesmo o oposto: "Por favor, vamos parar com isso e deixe a 
gente ir para casa e continuar como estávamos". 
Numa psicoterapia, não somente a linguagem verbal é considerada mas também a 
linguagem não-verbal, que pode ser reveladora da estrutura psíquica do grupo 
familiar. As crianças pequenas, principalmente, participam da sessão utilizando a 
linguagem não-verbal como principal via de comunicação, ao que permanece atento 
o psicoterapeuta. 
O CASAMENTO NO MUNDO 
ATUAL 
As mudanças sociais, através dos tempos, envolvem mudanças de valores no 
ambiente familiar. 
Estas mudanças geram tensões e necessidade de reestruturação dos papeis de 
cada um na família. Os novos valores conflituam com a educação recebida dos pais. 
A combinação dos conflitos individuais no casamento transformam-se em 
problemas para os quais fica difícil encontrar uma saída. 
A psicoterapia familiar pode desempenhar um papei importante nesse 
contexto, auxiliando a família na compreensão desses processos e no 
encaminhamento de novos arranjos. 
Quando pensamos no casamento no mundo contemporâneo, na maior parte das 
vezes não nos remetemos ao casamento realizado "para a vida toda", tal como nos 
valores de bem poucas décadas atrás. 
A não ser em setores bem conservadores da sociedade, onde o casamento é 
indissolúvel a qualquer custo, ele tem sido visto como uma experiência de 
relacionamento que se inicia com o desejo de que tudo transcorra bem e se 
mantém enquanto as necessidades de ambos os cônjuges possam ser nele 
satisfeitas. 
Hoje a maior proporção de pessoas desquitadas ou divorciadas cria uma certa 
faixa social que afronta os valores do passado, que exigiam a vida conjugal 
indissolúvel, mesmo que absolutamente infeliz. 
Há dez anos, por exemplo, uma pessoa que decidisse enfrentar a família e o 
meio social, separando-se do parceiro, era alvo de poderoso preconceito e 
marginalizada como "má companhia". Os motivos que tivessem levado tal pessoa a 
essa decisão não era o mais relevante. O mais nítido era o estigma de "desquitado". 
Antes ainda, uma moça, que desejasse casar-se com um homem separado, 
necessitaria fugir de casa para tanto e, muitas vezes, arcar com o rompimento com 
a família de origem por muitos anos, como represália pela sua decisão 
independente. 
Com isso, os jovens, atualmente, procuram alguém com quem possam 
compartilhar suas existências e, quem sabe, ter filhos e constituir uma nova 
unidade familiar. Não é mais a mera regra que seguraria um casal jovem unido, 
provavelmente, pois o mundo atual tem um espaço mais flexível para as pessoas que 
desejam desfazer o casamento (a lei do divórcio instaurou-se no Brasil nos anos 
80). 
Assim, se um casal se mantém unido, mais frequente- mente o faz pela 
possibilidade de manter uma relação sempre renovada, que até pode durar toda 
uma vida. A sociedade moderna sofre, contudo, de outra ordem de dificuldades 
que, poder-se-ia arriscar a dizer, chegam a ser traços sociais predominantes. 
Numa sociedade que gera personalidades competitivas, narcisistas (indivíduos 
embotados em si mesmos, auto-referentes, que exigem o mundo à semelhança de 
suas imagens no espelho), casar não é tarefa fácil. 
Tais pessoas tendem a funcionar pelo sistema de gangorra: "ou tudo ou nada" 
("oú oito ou oitenta"). Ou o indivíduo "supostamente amado" corresponde ao 
modelo de expectativa dentro do sujeito ou já não é possível mais nada. 
Não se pode esquecer que a personalidade narcisista, no fundo se apaixona por 
um objeto interno de si mesmo (ama seu próprio ego no outro), que permanece 
projetado no parceiro amoroso. O indivíduo não se vincula com o outro "real", cuja 
existência se dá independentemente da sua. 
Tais pessoas esperam, então, que o outro possa corresponder ao que elas 
necessitam e não conseguem tolerar qualquer elemento desfavorável que advenha, 
tanto do outro quanto de si mesmo. 
É fácil observar, deste modo, como muitos jovens se casam ainda brincando do 
jogo de "príncipe e princesa". Imaginam que o outro agirá dentro do que se espera 
dele e de seu papel de esposa ou marido, como se as pessoas pudessem ser 
encontradas prontas, e do jeito que se quer. 
No discurso de senso comum se diz: encontrar a "outra metade" que irá 
completá-lo. Como se a solidão fosse facilmente preenchida e o difícil fosse achar 
a pessoa "certa". 
Claro que um relacionamento não se instaura ao se deparar com um príncipe, ao 
beijar-se um sapo ou ao despertar de Bela Adormecida, mas precisa ser 
construído aos poucos, pelas duas pessoas. E preciso regar e alimentar o vínculo 
interpessoal que se deseja cultivar. 
Nesta linha, não se trata de achar um parceiro amoroso que se encontre 
pronto, mas de entrar em um relacionamento a dois, a ser trabalhado por ambos na 
direção de maior consideração às necessidades de cada um, realizando-as dentro 
do possível. 
Quando se lida com conflitos no contexto da psicoterapia, podem-se 
desenvolver as partes mais imaturas das personalidades dos componentes de um 
casal. 
É possível, ainda, investigar e superar os conflitos geradospelas várias partes 
fragmentadas e paradoxais das personalidades dos indivíduos. Por exemplo, o 
casal pode desejar ter uma vida sexual mais livre, sem preconceitos, tal como os 
jovens de sua geração; por outro lado, recriminam-se por sua prática sexual, 
sentindo-se culpados, tal como aprenderam com seus pais. 
Muitos casais não entendem por que namoravam tão alegremente antes do 
casamento e, depois dele, assumiram os papeis de esposos num ritual demarcado e 
sem graça. Para onde foi o encanto? Tais questões podem ser aclaradas através do 
processo psicoterápico, que busca investigar os elos de ligação entre estes 
eventos. 
Na medida em que as dificuldades vão sendo resolvidas, abre-se o ensejo para 
um casamento mais provedor, no que respeita às necessidades adultas de ambas as 
pessoas. Além disso, fica também mais fácil ajudar os filhos a se desenvolverem 
nos mesmos aspectos. 
As pessoas que encontram dificuldade em entender o casamento nesta 
perspectiva, caem frequentemente em contínuas cobranças mútuas, sem que a 
energia seja utilizada no sentido de descobrirem, afinal, quem é o outro. Diante da 
frustração e da raiva que as acompanha, esquecem-se, com frequência, que a 
pessoa odiada é também a pessoa amada. 
A acusação "Por que você..." precisaria ser substituída pela interrogação "Por 
que ajo assim?" ou "Qual a minha parte de co-responsabilidade no que está 
ocorrendo?". Ou seja, as acusações ao outro ou a si mesmo precisariam ser 
substituídas por uma reflexão conjunta a respeito de como ambos estão 
construindo esse relacionamento. 
Numa sociedade competitiva, as pessoas não se dão conta de que, numa briga de 
casal, não há vencedor nem vencido, mas apenas a derrota. O casai sadio é, 
necessariamente, um casal cooperativo. 
AMOR E PAIXÃO 
O indivíduo que ama não só se enamora por atributos que o outro possa possuir, 
mas também tolera e lida com as diferenças de personalidade que lhe possam 
parecer adversas. 
Diante de conflitos, que certamente vão ocorrer em algum momento, é 
importante que o casai abra um espaço de continência a eles e reúna os recursos 
para elaborar uma solução em conjunto, que atenda a ambos os parceiros. Afinal, 
não se compôs um casal para se continuar sozinho. É no desenvolvimento desses 
aspectos que a psicoterapia de casal e família procura colaborar. 
Muitos não conseguem definir ou compreender o teor dos sentimentos que 
desenvolvem por uma pessoa, que é vi vendada como "objeto de amor". 
Os jovens, então, muitas vezes se embaraçam, não sabendo o que verbalizar ao seu 
parceiro (ou parceira): "Eu te amo", "Eu te adoro", "Estou apaixonado", "Estou 
vidrado em você" etc. Para quem ouve, tais declarações podem ter, ainda, um 
significado especialmente particular. Por exemplo, um namorado pode dizer à 
namorada que a ama e ela entender que ele já quer casar com ela. Ou uma namorada 
se diz apaixonada e o namorado compreende que, então, não gosta dele tanto assim 
e que os sentimentos dela serão passageiros. 
Por isso, é comum, hoje, que se sinta uma grande insegurança com relação aos 
sentimentos do outro. Isso parece até poder explicar o fato de que também é 
comum, entre jovens, não saber mais como esclarecer a si próprio e aos outros 
sobre o relacionamento que vêm estabelecendo. Como distinguir se é uma "transa", 
"um namoro", "um caso" ou se apenas "se ficou" com ele (ou ela). 
Essa expressão "fulano ‘ficou’ com fulana" é a novidade desta virada de década. 
Significa dizer que o casal de pretendentes a um envolvimento passou a noite, um 
dia ou um tempo relativamente curto como um casal de namorados. 
A breve experiência funciona como uma tentativa, mas também libera o jovem 
casal para tomar iniciativas com novos parceiros. Contudo, apesar desse caráter 
dispersivo, a paixão ainda prevalece como uma das experiências mais marcantes da 
juventude. 
É vista, predominantemente, como a paixão romântica: o poeta do período do 
romantismo acabava definhando no ardor da paixão pela amada, que se mantinha 
como a musa adorada a distância e concretamente inatingível. 
Na mitologia grega, o Cupido atira flechas em outras pessoas com o objetivo de 
transformá-las em apaixonadas. O Cupido, que era cego, por intermédio de sua 
flecha transfere a cegueira aos demais — as pessoas eram atingidas pela cegueira 
do amor. Adviria daí a ideia de que a pessoa apaixonada está cega em relação a 
quem é, "em verdade", o outro. 
A pessoa apaixonada estaria, deste modo, num estado psíquico em que não pode 
considerar quem é o outro, pois nele coloca a finura de um ser idealizado, que não 
passa, realmente, de uma projeção de um pedaço de si mesma. 
Isto explicaria por que a paixão é súbita, inexplicável, intensa e também porque da 
mesma maneira que vem, vai, ruindo abruptamente. n I 
Sigmund Freud (1856-1939) compara o estado de paixão ao estado hipnótico. 
Da mesma forma que o hipnotizador constitui o único objeto (a única pessoa de 
interesse) do hipnotizado, não prestando atenção a mais ninguém que não a ele, 
assim também ocorre com o indivíduo apaixonado em relação à pessoa amada.
 I 
O apaixonado, encantado com as "perfeições" que se esforça para conseguir 
para o próprio ego, vislumbra consegui-las através do outro (do amado) de maneira 
indireta, como meio de satisfazer seu próprio narcisismo. 
Poder-se-ia dizer que na paixão se está amando "um eu idealizado”, que se 
gostaria de ser, imaginando que isto foi encontrado na outra pessoa. Na medida em 
que o relacionamento se prolonga, dura, toma-se impossível a sustentação dessa 
imagem e, diante das diferenças pessoais e das adversidades, a paixão desmonta. 
Isto se deve ao fato de que o outro nunca poderá corresponder ao "eu idealizado" 
que é projetado sobre ele. 
Quando a paixão acaba, se as duas pessoas têm condições de iniciar um 
processo de recíproco conhecimento, um amor mais maduro, que considere a outra 
personalidade, pode nascer. Por isso, a paixão tem fama de ser intensa, frágil e 
passageira e o amor de ser um sentimento mais fortalecido e duradouro. 
 
No caso da paixão, quanto maior for a idealização que se faz "de si no outro", 
maior será o tombo, pois o pedestal onde se colocou o outro será mais alto. O amor 
promete algo afetivamente mais seguro, mais genuino; para vivenciá-lo, numa 
relação de casal, é preciso que as duas personalidades tenham atingido maior 
maturidade. 
Entende-se aqui por maturidade a capacidade de relacionamento interpessoal 
que considera o outro como um outro e não como reflexo de si próprio. Exatamente 
por isso não se pode esperar dele que corresponda sempre às próprias 
expectativas e necessidades. 
E importante compreender também que, ao se compor um casal, é preciso caberem 
nele as necessidades de ambas as pessoas. 
CASAIS SEPARADOS. OS 
MEUS, OS TEUS E OS NOSSOS 
O psicoterapeuta de família pode ter um papel fundamental diante dos 
processos emocionais em jogo, quando um casal decide separar-se. 
Pode funcionar como um "tradutor" que objetiva colocar pais e filhos, adultos e 
crianças num contato recíproco mais autêntico. Desse modo, as emoções mais 
escondidas ganham ensejo de compartilhamento, oferecendo elementos 
fundamentais para a tomada de decisões e sua sustentação em família. 
Quando os problemas e a situação de convivência de um casal se tornam 
insustentáveis, na maior parte das vezes busca-se alívio através da separação. É o 
veículo que permite afastar o mal-estar mais imediato. 
Em seguida, o casal se dá conta de que, paralelamente, surgem novos problemas; a 
experiência não é tão simples assim. Fica difícil lidar com os sentimentos 
ambivalentes e as duas pessoas se vêem diante do dilema entre querer e,ao mesmo 
tempo, não querer a separação. 
Por mais que haja alívio diante dos aspectos do relacionamento e do outro, com 
os quais não se quer arcar, existem também os aspectos bons que não se quer 
perder. 
Há uma série de lutos a serem elaborados (pesar diante do que não se vai viver 
mais por estar longe do outro, com sua perda), pois a separação de um casal implica 
na vivência de morte, dado o desaparecimento do outro no interior do mundo 
pessoal. 
Uma vez que, nas relações amorosas, partes de um sujeito (expectativas, 
fantasias, qualidades etc.) encontram- se depositadas no outro e vice-versa, a 
separação, por contraponto, envolve não só destruir a imagem do outro em si 
próprio, mas também suportar que o mesmo ocorra com a sua imagem na 
consciência do outro. 
Isto explica por que é tão incômodo ver-se rapidamente substituída (o), ao 
verificar que o antigo parceiro (a) já estabeleceu um novo relacionamento. 
A negação das perdas ocorridas com a separação e a dificuldade de elaborar 
em conjunto a ambivalência de sentimentos conduzem, muitas vezes, a uma 
separação bem atrapalhada. 
Não é raro os filhos presenciarem as brigas e serem utilizados como 
pombos-correios entre os pais, além das reclamações e xingamentos que ouvem de 
um para outro, o que só os tomam mais confusos. Casais melhor estruturados, 
contudo, preocupam-se com os efeitos que o impacto da separação pode provocar 
em seus filhos. 
A ideia de que casais que se separam acabam por gerar inevitavelmente 
"filhos-problemas" não é real, pois muitas vezes o descasamento pode representar 
a única saída saudável para o crescimento das pessoas envolvidas. Pode, por 
exemplo, significar uma tentativa de romper com a simbiose estabelecida, na 
busca de um desenvolvimento pessoal. 
Chamo de simbiose o tipo de relacionamento onde as duas pessoas envolvidas se 
fundem, compondo uma só personalidade. É o conhecido jogo do "você me empresta 
uma perna, eu te empresto um braço e aí vamos andando". 
A simbiose limita o crescimento, na medida em que não permite que cada pessoa 
desenvolva, dentro de si, os aspectos correspondentes. 
Para sair dessa "encrenca", não seria necessariamente imperioso separar-se. 
Torna-se importante, porém, um primeiro momento de discriminação um do outro 
(que pode certamente ser realizado sob o mesmo teto), onde as duas pessoas 
tentem delimitar quem é quem e o que podem trocar entre si. 
A psicoterapia pode auxiliar este diálogo e o estabelecimento das fronteiras 
entre as duas pessoas no casal, de forma que o outro venha a estabelecer-se 
verdadeiramente como outro. 
Assim, as separações de casais têm ocorrido com fre- quência e a saúde mental 
dos filhos não tem a ver com esta variável. Desde que realizadas com maturidade, 
as duas situações, o casamento ou o descasamento, podem permitir e favorecer o 
desenvolvimento normal de crianças e adolescentes. 
O que não se tem demonstrado saudável, gerando sintomas, são situações onde 
ou os pais se mantêm casados em duelo constante, ou em paz disfarçada e pobre; 
ou quando a separação ocorre sem que as pessoas estejam preparadas para lidar 
maduramente com ela. 
Agir com maturidade implica na percepção da co-responsabilidade tanto no 
sucesso quanto no fracasso da relação; e, ainda, no respeito e consideração mútua, 
preservando certa cooperação no atendimento aos filhos. 
Muitos pais, diante da decisão de separação tomada, ficam muito confusos em 
relação ao que dizerem aos filhos. Além da dificuldade em dar a notícia com 
clareza, preocupando-se em definir como vai ser dali para a frente — e, de 
preferência, com o cuidado de o fazerem em conjunto —, tendem a subestimar a 
capacidade de participação e compreensão de crianças muito pequenas. 
Por vezes, os pais sobrecarregam o filho mais velho, que sobreparticipa das 
decisões e arranjos, enquanto as crianças mais novas passam despercebidas (mas 
de "antenas bem ligadas"). Não é nada simples promover o diálogo conjunto e em 
família, uma vez que esta condição possivelmente já era deficiente. 
E comum, ainda, que a criança possa culpar-se da separação dos pais, como se 
seus desejos agressivos (sentimento de ciúme, rivalidade) e de separar os pais 
tivessem tido real efeito em sua fantasia onipotente. Não esqueçamos que a 
criança é presa de um pensamento mágico e egocêntrico, que a deixa 
auto-referente, desejando ter cada um dos pais só para si, com ciúmes do casal 
unido, que parece excluí-la. 
É indispensável reafirmar à criança que ela não é responsável pela separação de 
seus pais, isentando-a de culpa, além de assegurá-lhe que a separação é dos pais, 
que ela continuará a ter seu espaço garantido na vida deles e a ser amada 
igualmente. 
É comum que as crianças permaneçam na casa onde já habitam e, ainda mais 
frequente, que permaneçam com a mãe. Independentemente de com quem ficam as 
crianças, é importante que o cotidiano e o ambiente corriqueiro se alterem o 
mínimo possível, pois isso lhes oferecerá alguma segurança num momento em que a 
separação dos pais já é sentida como mudança brutal. 
O pai que sai de casa precisa encontrar um lugar onde seja capaz de receber os 
filhos e criar, o mais possível, espaços de intimidade com eles. 
O pai que fica morando com as crianças podería produzir recursos para uma boa 
convivência e vir a desenvolver capacidade para tarefas com as quais possa não 
estar habituado, ou mesmo, que nunca tenha realizado. 
A ideia de que os filhos necessitam, por mera regra, de ficar com a mãe é falsa 
e fruto de viés de nossa cultura. Indispensável é que haja condições adequadas 
para o desenvolvimento de todos. 
A compreensão de limites, o saber lidar com a incom- pletude de que não se 
pode ter tudo e a toda hora, a sensibilidade para detectar as emoções do outro e 
as próprias, o poder arcar com uma certa dose de impotência diante de certas 
condições de vida podem ser ingredientes importantes para uma boa convivência. 
Muitos casais superam de maneira frutífera as dores de uma separação, 
encontrando no futuro novos parceiros com os quais obtêm gratificação às 
necessidades da nova etapa de vida. 
Filhos de diferentes casamentos podem ser auxiliados no sentido de bem 
conviverem e dividirem o espaço entre os pais, desde que os adultos também 
possam bem administrar tais questões. 
Um novo namorado (ou namorada), ou mesmo os novos cônjuges, não são 
necessariamente sentidos como intrusos, mas podem vir a desempenhar papel 
importante na vida dos filhos "adotivos”, podendo funcionar como alguém que não 
rouba, mas acresce. 
Além disso, o novo casal pode vir a oferecer um modelo de relação mais sadio, 
afora liberar os filhos de papeis complementares como o de ser a nova 
"namoradinha" do papai ou o "novo chefe de família" ou o atual "homem da casa”. 
Com tudo isso, a separação é um momento de crise. 
Por mais que o casal possa elaborar com naturalidade este processo num clima 
amistoso, a separação envolve, na maioria das vezes, a vivência muito drástica de 
uma carga de emoções. 
Já que a separação pode e deve ser planejada, é possível prever a crise e lidar 
com ela numa perspectiva preventiva. A psicoterapia de casal e família pode 
ajudar. 
Cabe esclarecer que, diferentemente do que se possa pensar, a psicoterapia de 
família é possível mesmo com os pais já habitando em casas separadas. Seu 
objetivo seria auxiliar os indivíduos a elaborarem os sentimentos e conflitos em 
jogo, de forma que cada membro possa adaptar-se à nova situação familiar. 
As sessões também funcionam como o espaço neutro onde pai e mãe começam a 
estabelecer o novo contrato de responsabilidade e distribuição de tarefas 
perante os filhos. As ansiedades e lutos

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