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CURSO: Engenharia de Produção DISCIPLINA: Gestão da Inovação PROFESSOR: ANTONIO IACONO Aula 4 Aprendizagem e capacidade tecnológica Meta Nesta aula vamos mostrar a importância dos processos de aprendizagem para o acúmulo de capacidade tecnológica, em especial, no contexto de países emergentes como o Brasil. Objetivos O objetivo principal desta aula é o de caracterizar os processos de aprendizagem, e de capacidade tecnológica. Para isso, vamos abordar os seguintes pontos: • Tipos de processos de aprendizagem; • Dimensões da capacidade tecnológica; • Mensuração da capacidade tecnológica. Após esta aula, você será capaz de: 1. Caracterizar o processo de aprendizagem; 2. Caracterizar o processo de acúmulo de capacidade tecnológica; 3. Entender a importância do conhecimento tácito para o processo de aprendizagem organizacional; 4. Entender a importância de distinguir capacidade de produção/operação, e capacidade inovadora para o caso de países emergentes, como o Brasil. Introdução Nas aulas anteriores entendemos a importância da inovação para a economia e crescimento dos países. Vimos que a inovação (ou mudança técnica) está relacionada ao lançamento ou aprimoramento de produtos, processos produtivos, métodos gerenciais ou uso de insumos e matérias-primas modificadas. Pudemos ver também que a inovação pode ser entendida como um processo, um conjunto de atividades que vão da geração de novas ideias a sua implementação. Apresentamos, particularmente, na aula 3, os principais fatores que contribuem para a integração e sucesso do processo de inovação. Vamos agora avançar um pouco mais e nos concentrar na aprendizagem e capacidade tecnológica; dois tópicos de grande relevância no estudo da inovação e desenvolvimento dos países, que nos ajudará a entender porque algumas empresas ou países conseguem inovar mais do que os outros. Apesar de a maquinaria estar disponível igualmente para todos os países, existem elementos não-incorporados da tecnologia que não podem ser adquiridos ou transferidos como produtos físicos. Isso já nos dá uma ideia de como ocorre o domínio tecnológico por parte de algumas empresas ou países. O conhecimento tecnológico é difícil de se localizar, assim como sua transferência não pode ser incorporada nos equipamentos, instruções, patentes, projetos ou esquemas. Os conhecimentos incorporados só poderão ser usados da melhor maneira possível se forem complementados por diversos elementos tácitos que terão de ser desenvolvidos localmente. Em outros termos, há a necessidade de desenvolvimento de um aprendizado local. A transferência necessariamente requer aprendizagem porque as tecnologias são de caráter tácito, e seus princípios subjacentes não são sempre claramente entendidos (LALL, 2005). 1. Aprendizagem Tecnológica A literatura sobre inovação tem enfatizado a aquisição de capacidade tecnológica como um fator crucial da industrialização bem sucedida. Entretanto, para os países em desenvolvimento, como o Brasil, não é uma tarefa fácil desenvolver habilidades, experiências e esforços, que permitem que as empresas de um país adquiram, utilizem e adaptem, aperfeiçoem e criem tecnologias com eficiência. A capacidade tecnológica requer um esforço interno, ou seja, das empresas, para o domínio, adaptação e aperfeiçoamento de novas tecnologias. Mas, desenvolver capacidade tecnológica, por si só, não é suficiente; o modo e a velocidade com que são acumuladas as competências ao longo do tempo é tão importante quanto. Em países desenvolvidos com tecnologia de fronteira, as empresas já dispõem de competência tecnológica inovadora, enquanto as empresas que operam em economias de industrialização tardia, operam à base de tecnologias adquiridas de empresas de outros países. Verbete Tecnologia de fronteira ou fronteira tecnológica pode ser entendida como o limite máximo do estoque de conhecimento e habilidades em determinada empresa, setor ou país, aplicáveis na produção de produtos ou processos. Incorpora a última inovação introduzida no mercado. Na fronteira tecnológica, os retornos são maximizados em relação aos fatores produtivos disponíveis. Fonte: (Toledo, 2013) Fim do verbete Pode-se perceber facilmente que empresas em países de industrialização tardia, como o Brasil, para que se tornem competitivas e acompanhem as empresas de tecnologia de fronteira, precisam, inicialmente, adquirir conhecimentos para criar e acumular sua própria competência tecnológica. Em outras palavras, a aproximação da fronteira tecnológica internacional requer das empresas um engajamento nos processos de aprendizagem para a construção e acúmulo de capacidade tecnológica. Vamos definir então aprendizagem tecnológica. A aprendizagem tecnológica pode ser entendida como o processo de construção e acumulação de capacidade tecnológica ao longo do tempo. Refere-se aos vários processos pelos quais os conhecimentos são adquiridos por indivíduos e convertidos em nível organizacional (Figueiredo, 2003). Em outros termos, a aprendizagem tecnológica pode ser dividida em dois processos distintos, a saber: (i) processo de aquisição de conhecimentos: relacionado à aprendizagem no plano individual, que pode ser decomposto em processos de aquisição de conhecimentos externos e processos de aquisição de conhecimentos internos; e (ii) processo de conversão do conhecimento: relacionado à aprendizagem no plano organizacional, que pode ser desagregado em socialização do saber e codificação do saber. A Figura 1 traz uma representação dos processos que caracterizam a aprendizagem tecnológica. Figura 1 - Processos de Aprendizagem Fonte: Elaborado a partir de Figueiredo (2003) Processos de Aprendizagem Processos de Aquisição de Conhecimento Aquisição externa de conhecimento Aquisição interna de conhecimento Processos de Conversão de Conhecimento Socialização de conhecimento Codificação de Conhecimento Vale destacar que é através dessa conversão que a empresa acumula competência tecnológica ao longo do tempo, resultando em um aumento no conhecimento das características tecnológicas de produto e do processo produtivo. A divisão da aprendizagem tecnológica em dois processos, conforme justifica- se não apenas pelo fato de que a aprendizagem ocorre primeiramente no plano individual, mas porque as empresas em países emergentes, ao entrar em operação carecem de competência básica. Portanto, os processos de aquisição do conhecimento são fundamentais para compreender suas trajetórias de acumulação de competência tecnológica. Vamos agora caracterizar os processos de aquisição e conversão de conhecimento. 1.1 Processos de aquisição de conhecimento Os processos de aquisição de conhecimento visam, sobretudo, à sustentação da competência existente. Entre os processos de aquisição de conhecimento podem ser citados a importação de conhecimento externo, o treinamento no exterior, o uso de assistência técnica e a participação de conferências. As pessoas podem adquirir conhecimentos tácitos dentro da empresa exercendo atividades técnicas rotineiras e/ou inovadoras. Um detalhamento maior dos processos de aquisição de conhecimentos externos e internos é apresentado a seguir. a) Processos de aquisição de conhecimentos externos São os processos pelos quais os indivíduos adquirem conhecimentos tácitos e/ou codificados vindos de fora da empresa. O reconhecimento da natureza tácita do conhecimento é um aspecto importante no processo de aprendizagem. O saber tácito do indivíduo se converte emaprendizagem organizacional por meio de diferentes modos de conversão, intermediários entre as dimensões do saber tácito e do saber codificado. Em tais conversões ocorrem o compartilhamento, a estruturação e a incorporação dos conhecimentos nos indivíduos da organização. Início do Boxe Explicativo Conhecimento tácito e conhecimento codificado Conhecimento tácito é aquele que o indivíduo adquiriu ao longo da vida, pela experiência. Geralmente é difícil de ser formalizado ou explicado a outra pessoa, pois é subjetivo e inerente às habilidades de uma pessoa. As formas de transferência de conhecimento tácito estão fortemente relacionadas à experiência, demonstração, observação e imitação. Conhecimento codificado ou explícito é o conhecimento que já foi ou pode ser articulado, codificado e armazenado de alguma forma em alguma mídia. Ele pode ser prontamente transmitido para outras pessoas. A informação contida nas enciclopédias é um bom exemplo do conhecimento explícito. As formas mais comuns do conhecimento explícito são os manuais, documentos, jornais e procedimentos. O conhecimento pode ser também audiovisual. Trabalhos de arte e desenhos de produtos podem ser vistos como outras formas de conhecimento explícito onde habilidades humanas, motivos e conhecimento são externalizados. É importante enfatizar que somente a acumulação do saber tácito ou do saber codificado, separadamente, não deve levar à criação de uma base de conhecimentos na empresa; é importante considerar a interação das duas dimensões. Fonte: Wikipédia, Takeuchi e Nonaka (1995) Fim do Boxe Explicativo Como as empresas pertencentes a países em desenvolvimento iniciam numa condição pobre em recursos, precisam buscar conhecimento externo a fim de constituir e acumular suas próprias capacidades, sejam estas, de produção ou de inovação. Entretanto, a aquisição de tais conhecimentos não deriva automaticamente, ela envolve esforços deliberados, organizados e efetivos para alcançar, selecionar, capturar e obter diferentes tipos de conhecimento que são necessários para a empresa constituir suas capacidades Figueiredo (2009). As principais formas de aprendizagem geradas por fontes externas são a aprendizagem por imitação e aprendizagem por interação. • Aprendizagem por imitação: A aprendizagem por imitação é gerada a partir da reprodução de inovações introduzidas por outras empresas, de maneira autônoma e não cooperativa. Esta forma é muito utilizada pelas empresas norte- americanas e caracteriza-se pela apropriação do conhecimento, fato este, frequentemente questionado quanto à sua legalidade. Por não ser exatamente uma réplica, a empresa precisa estar capacitada internamente para a realização da engenharia reversa. • Aprendizagem por interação: A aprendizagem por interação apresenta quatro características específicas, que vamos apresentar a seguir. A primeira característica refere-se ao fluxo sistemático de informações. A presença de um fluxo sistemático de informações e de canais de comunicação permite a conexão efetiva entre os agentes. Uma segunda característica destaca que o aprofundamento do aprendizado por interação pressupõe certa seletividade nos relacionamentos entre empresas. Tal seletividade surge da necessidade de instalarem-se relações não econômicas entre os agentes. Outra característica está relacionada ao tempo que é requerido para seu desenvolvimento. Este tempo se deve às dificuldades relacionadas ao fortalecimento da confiança entre os agentes, e aos investimentos específicos exigidos. Por fim, uma quarta característica relaciona a necessidade de incentivos. Verifica-se que para o aprofundamento da interação é exigido um sistema de incentivos que induzam o processo. Em outros termos, os laços fortalecidos ao longo do tempo podem ser rompidos se os incentivos econômicos oferecidos por novos relacionamentos forem muitíssimos compensadores. b) Processos de aquisição de conhecimentos internos Os processos de aquisição interna de conhecimento referem-se aos processos pelos quais as pessoas adquirem conhecimentos tácitos exercendo diferentes atividades na empresa, por exemplo, cumprindo tarefas rotineiras ou aperfeiçoando os processos e organização da produção, os equipamentos e os produtos existentes. Isso também pode ocorrer em centros de P&D formalmente organizados, em laboratórios da empresa e/ou mediante experimentação sistemática nas diversas unidades operacionais (Figueiredo, 2003). Os esforços de aprendizagem interna são cruciais para trazer o conhecimento adquirido externamente para dentro da capacidade das próprias empresas para realizar diferentes tipos de atividades inovadoras. O aprendizado interno é condição necessária para o aprendizado externo, ou seja, a empresa precisa estar capacitada para receber, elaborar e assimilar novos conhecimentos externos. As principais formas de aprendizagem geradas por fontes internas são a aprendizagem por uso, aprendizagem por experiência, e aprendizagem por pesquisa. A aprendizagem por uso (learning-by-using) está relacionado à adaptação da empresa a novas tecnologias. Já, na aprendizagem por experiência (learning-by-doing), a empresa aprende por meio da própria produção, ou seja, ocorre em suas atividades rotineiras. A tecnologia nesse caso é função da experiência de cada empresa na produção dos diferentes bens. Por fim, a aprendizagem por pesquisa (learning-by-searching) ocorre a partir das atividades formais de P&D, voltadas à criação de novos conhecimentos. 1.2 Processos de conversão de conhecimento Os processos de conversão do conhecimento, conforme já mencionado, focam na conversão da aprendizagem individual em aprendizagem organizacional. Sendo assim, o papel desempenhado pelos indivíduos na aprendizagem organizacional é fundamental. Em outras palavras, a aprendizagem organizacional se realiza através da aprendizagem individual. Deste modo, a aprendizagem organizacional requer um processo de socialização do saber, ou seja, a transmissão ou transferência de conhecimentos de um indivíduo para dentro da organização. Vale a pena destacar nesse ponto, que o processo de aprendizagem deve ser contínuo e que mecanismos esporádicos de conversão do conhecimento provavelmente não levariam a um processo de aprendizagem organizacional eficaz e em longo prazo. A organização que aprende caracteriza-se por estar apta a gerar, adquirir e transmitir conhecimentos, permitindo assim que se produzam aprimoramentos contínuos. O processo de conversão de conhecimento requer, além da socialização do saber, sua codificação. Em outros termos, a incorporação do conhecimento tácito e codificado adquirido externamente para o acúmulo de capacidade da empresa, requer um esforço deliberado e efetivo em compartilhamento e codificação deste conhecimento. Podemos dizer, então, que os mecanismos de socialização e codificação de conhecimento é que vão permitir a aquisição de novos conhecimentos para a organização. Um detalhamento maior dos processos de socialização de conhecimentos e de processos de codificação é mostrado a seguir. a) Processos de socialização de conhecimentos Os processos de socialização de conhecimentos referem-se aos processos pelos quais os indivíduos compartilham seu saber tácito (modelos mentais e aptidões técnicas). Em outros termos, todo processo, formal ou informal, pelo qual o saber tácito é transmitido de um indivíduo para outro, o que pode envolver observação, reuniões, solução conjunta de problemas e rotatividade de tarefas. O treinamento também pode ser caracterizado como um processo de socializaçãode conhecimentos. Durante os programas de treinamento, pessoas com diferente formação e experiência podem socializar ou disseminar seu conhecimento tácito com estagiários e instrutores. Leva-se em conta diferentes tipos de treinamento, tais como treinamento interno, por meio de cursos, treinamentos no emprego e treinamento para empregados de outras empresas. A transferência de conhecimento prático e de informações requer freqüentemente interação dentro de pequenos grupos, muitas vezes através do desenvolvimento de uma linguagem única ou código. O conhecimento de um grupo não se limita simplesmente em conhecer as informações, mas também consiste em como as atividades devem ser organizadas. É a partilha de um fundo comum de conhecimento, tanto técnica e organizacional, que facilita a transferência de conhecimentos dentro dos grupos. b) Processos de codificação de conhecimentos Os processos de codificação de conhecimentos são aqueles pelos quais o saber tácito individual (ou parte dele) é expresso em conceitos explícitos. Ou seja, o processo pelo qual se articula o conhecimento tácito em conceitos explícitos, em formatos e procedimentos organizados e acessíveis tornando-se de fácil entendimento, mais facilmente assimilável, facilitando assim, a disseminação dos conhecimentos na empresa. É através dos mecanismos de codificação que o conhecimento pode ser transformado em informação, onde a informação está na forma de mensagens, ou conjuntos identificáveis de regras e relações que podem ser transmitidas para os tomadores de decisão. A codificação, assim, é importante pois permite a obtenção de ganhos através de novas combinações de estoques de conhecimento codificado e, portanto, contribui para a sustentação da inovação superior das empresa e desempenho competitivo. Os principais mecanismos de codificação de conhecimento podem envolver, por exemplo, a padronização dos métodos de produção, documentação e seminários internos. É importante destacar que a organização de módulos de treinamento pelo pessoal interno pode tanto envolver processos de socialização quanto de codificação do saber. Em outros termos, é por meio desses dois tipos de processos que a conversão da aprendizagem individual em aprendizagem organizacional ocorre. 2. Capacidade tecnológica 2.1 Dimensões da capacidade tecnológica Desde a década de 1970 a literatura sobre tecnologia e desenvolvimento tem enfatizado a aquisição de capacidade tecnológica nos países em desenvolvimento como um determinante crucial da industrialização bem sucedida. De uma maneira simples, a capacitação tecnológica refere-se ao processo de acumulação de capacidades tecnológicas por meio dos vários processos subjacentes de aprendizagem. Em uma definição mais detalhada, a capacidade tecnológica consiste nos recursos necessários para gerar e gerir as mudanças técnicas, e inclui, em especial, habilidades, conhecimentos, experiências e estrutura institucional. Tais recursos, uma vez acumulados, são incorporados às pessoas e aos sistemas organizacionais (Bell e Pavitt, 1993; 1995). A capacidade tecnológica será então a capacidade das empresas para criar, adaptar, gerir e gerar esses quatros componentes e a interação entre eles. Uma representação desses componentes pode vista na Figura 2, com as respectivas descrições a seguir. Figura 1: Dimensões da capacidade tecnológica Fonte: Figueiredo (2004; 2005) (i) Sistemas técnicos físicos: Referem-se à maquinaria e equipamentos, sistemas baseados em tecnologia de informação, software em geral e plantas de manufatura. (ii) Pessoas (conhecimento e qualificação): referem-se ao conhecimento tácito, às experiências e habilidades de gerentes, engenheiros, técnicos e operadores que são adquiridos ao longo do tempo, mas que também abrangem sua qualificação formal. Capacidade tecnológica das empresas Sistemas técnicos físicos Equipamentos, banco de dados, software, diagramas, sistemas de produção Sistemas (tecido) organizacional Rotinas organizacionais, estruturas e técnicas gerenciais, sistema institucional Pessoas Conhecimento tácito, experiência e qualificação formal, habilidades, talentos Produtos e serviços da empresa (iii) Sistema (tecido) organizacional: refere-se ao conhecimento acumulado nas rotinas organizacionais e gerenciais das empresas, nos procedimentos, nas instruções, na documentação, na implantação de técnicas de gestão (Total Quality Management –TQM; Material Requeriment Planning – MRP, Just In Time – JIT, etc.). (iv) Produtos e serviços: referem-se à parte mais visível da capacidade tecnológica e refletem o conhecimento tácito das pessoas e da organização e dos seus sistemas físicos e organizacionais. Por exemplo, nas atividades de desenho, desenvolvimento de prototipagem, teste, produção, e na parte de comercialização de produto e serviços, estão refletidos os outros três componentes da capacidade tecnológica. É importante ressaltar que entre as quatro dimensões existe um grau de importância e prioridade, em se tratando de economias em desenvolvimento, como o Brasil. As empresas nesses países normalmente iniciam seus negócios a partir de tecnologias importadas de países de alto desenvolvimento industrial. Uma vez que a tecnologia é importada, o seu uso eficiente requer a criação de novos conhecimentos e habilidades para dominar os seus elementos tácitos. Por essa razão, os componentes recursos humanos e sistemas organizacionais e gerenciais são mais exigidos e tem importância maior do que sistemas técnico-físicos e produtos e serviços. Os sistemas técnico-físicos (máquinas, equipamentos, software) podem ser facilmente adquiridos no mercado global, enquanto que os recursos humanos e o sistema organizacional (em função da especificidade das rotinas organizacionais) dificilmente são comercializáveis. Por essa razão tais dimensões precisam ser desenvolvidas internamente, já que é a partir que as tecnologias adquiridas de outras empresas e países serão assimiladas, absorvidas, e posteriormente, alteradas, aprimoradas e até transformadas em novas tecnologias (FIGUEIREDO, 2009). 2.2 Capacidade de produção e capacidade tecnológica inovadora As capacidades tecnológicas acumuladas podem ser também subdivididas em capacidade de produção/operação, e em capacidades tecnológicas inovadoras. As capacidades de produção/operação incorporam recursos para a produção de bens industriais a determinados níveis de eficiência, por meio de equipamentos (tecnologia incorporada), habilidades de operação no trabalho (operando e gerenciando know-how e experiência), métodos organizacionais, entre outros. As capacidades tecnológicas, por sua vez, consistem nos recursos necessários para gerar e gerenciar mudanças técnicas, e incluem habilidades, conhecimento e experiências e estruturas institucionais. Uma representação desses tipos de capacidade é mostrada na Figura 3. Figura 2:Acumulação tecnológica: conceitos e termos básicos Fonte: Bell e Pavitt (1993) A distinção entre os tipos de capacidades (produção/operação e de inovação) é importante, em especial para empresas de países em desenvolvimento, pois uma empresa pode apresentar uma capacidade tecnológica avançada de produção e nenhuma ou limitada capacidade tecnológica para inovação. A acumulação de ambos os tipos de capacidade tecnológica poderá gerar um aperfeiçoamento de desempenho ambiental, operacional e financeira, ou seja, liderança de mercado, aumento de produtividade, melhoria de qualidade de processos e produtos,redução de custos, etc. (Figueiredo, 2009). 2.3 A natureza dinâmica e acumulativa do processo de acúmulo de capacidade tecnológica Vimos que a aproximação da fronteira tecnológica internacional exige das empresas um empenho nos processos de aprendizagem para o acúmulo de capacidade tecnológica. A construção da capacidade tecnológica de uma empresa não é algo simples ou trivial, requer tanto investimentos em recursos substanciais em pesquisa e desenvolvimento (P&D), que envolve a descoberta de novos produtos, o acúmulo de conhecimento, bem como a formação de pessoal técnico. O conhecimento tecnológico acumulado, a partir disso, aumenta a capacidade da empresa para avaliar e utilizar novas tecnologias. Como resultado desse processo, a empresa pode identificar uma nova tendência tecnológica e se envolver em desenvolvimento de novos produtos que podem ir além da fronteira tecnológica presente. Portanto, pode-se observar que o acúmulo de capacidade tecnológica não é um processo imediato, envolve uma sequência evolutiva e cumulativa, ou seja, parte de um estágio mais simples e se desenvolve para outros de maior complexidade. Em outros termos, para atingir níveis mais elevados de capacidade tecnológica, a empresa inicia por atividades simples e evolui progressivamente para capacidades mais avançadas. Tal característica impacta fortemente na escolha das estratégias organizacionais adotadas. As empresas, por apresentarem diferentes níveis de capacidade tecnológica, definem suas estratégias fundamentalmente segundo a disponibilidade e o acesso à tecnologia. Nesse momento, fica mais claro, então, que a capacitação tecnológica é um processo dinâmico e de natureza acumulativa. Sendo assim, o acúmulo de capacidade tecnológica sugere processo constituído por etapas ou estágios, que evoluem de acordo com as características e fatores, que podem ser internos e externos às firmas (Pavitt, 1984). 3. Mensuração da capacidade tecnológica Uma das classificações mais elaboradas de capacidade tecnológica, em nível de empresa, foi desenvolvida por Lall (1992). Ela tem sido utilizada com sucesso em diversos estudos para avaliar os níveis de desenvolvimento tecnológico de empresas nos países em desenvolvimento. Ao nível de empresa a classificação de Lall captura vários aspectos da capacidade tecnológica, os quais podem ser reunidos em três principais tipos a saber: capacidade de investimento, capacidade de produção e capacidade de vínculos externos. Vamos, em seguida, apresentar cada um desses tipos. 3.1 Capacidade de investimento As capacidades de investimento referem-se às habilidades, conhecimentos e organização necessários para identificar, preparar e obter tecnologias para projetar, construir e equipar uma expansão ou uma nova instalação. Incluem-se nessa categoria os custos de capital do projeto, a tecnologia escolhida, equipamentos, mix de produtos e domínio operacional da tecnologia envolvida. É importante destacar que a viabilidade econômica e viabilidade técnica do novo projeto deve ser analisado criticamente para determinar a melhor combinação de opções para o projeto. A capacidade de investimento é de fundamental importância para assegurar uma operação comercial bem sucedida. Por exemplo, caso uma empresa não seja capaz por si só de decidir sobre os seus planos de investimento ou seleção de processos de equipamentos, ou para atingir níveis mínimos de eficiência operacional, controle de qualidade, manutenção de equipamentos ou melhoria de custos, ou para adaptar os seus projetos de produtos às mudanças nas condições de mercado, ou para estabelecer ligações eficazes com os fornecedores de confiança, é improvável que seja capaz de competir efetivamente em aberto mercados. 3.2 Capacidade de produção As capacidades de produção estão relacionadas às habilidades e conhecimentos necessários para a operação das instalações de produção. Variam de habilidades tecnológicas básicas, tais como controle de qualidade e inventário, operação e manutenção, para os mais avançados, como a melhoria ou adaptação para pesquisa, design e inovação. Estes processos referem-se à engenharia de processo, engenharia de produto e engenharia industrial. Isto implica o domínio das tecnologias e, entre outros, a inovação menor ou maior. Eles abrangem tanto o processo e tecnologias de produto, bem como as funções de acompanhamento e controle incluídas na engenharia industrial. As habilidades envolvidas determinam não apenas como as tecnologias são exploradas e melhoradas, mas também a forma como os esforços internos são utilizados para absorver tecnologias compradas ou imitados de outras empresas. São exemplos de dimensões de capacidade de produção, (i) funções relacionadas à engenharia de processo, com indicadores tais como a aquisição de novos equipamentos, certificações para melhoria da produção, treinamento interno de técnicas de produção e processo, padronização de atividades e processos, e monitoramento da produtividade; (ii) funções relacionadas à engenharia de produto, com indicadores tais como atividades de desenvolvimento de produto, execução de engenharia reversa, investimentos na área tecnológica, introdução de novos produtos no mercado nacional; (iii) funções relacionadas à engenharia da qualidade, com indicadores tais como treinamento em sistemas de qualidade, tratamento de anomalias, auditoria interna, formação de grupos CCQ, sistema de sugestão de melhorias. 3.3 Capacidade de vínculos externos As capacidades de vínculos externos referem-se às habilidades necessárias para transmitir informação, habilidades e tecnologia para receber conhecimento a partir de componentes ou fornecedores de matérias-primas, empresas de serviço, consultores e institutos de tecnologia. Focam nos agentes que desenvolvem interações no ambito mercadológico ou não mercadológico para a geração, adoção e uso de novas (ou já estabelecidas) tecnologias específicas e para a criação, produção e uso de novos produtos relevantes ao setor. Envolve a análise de clientes, fornecedores, fabricantes, universidades, instituições financeiras, agentes governamentais, entre outros. Tais relações afetam não só a eficiência produtiva da empresa (permitindo que ela se especialize mais completamente), mas também a difusão da tecnologia. A importância dos vínculos extramercados para a promoção do aumento da produtividade é reconhecida na literatura de países desenvolvidos. São exemplos de indicadores de capacidade de vínculos as ações conjuntas para PDP, relação com universidades, relação c/ clientes na exploração e desenvolvimento de novos conceitos, desenvolvimento de redes de contato externas, cooperação com institutos de ensino regional. Atividades 1. Quais os tipos de processos de aprendizagem voltados para a construção e acumulação de capacidade tecnológica? 2. O que é capacidade tecnológica? Por que os componentes recursos humanos e sistemas organizacionais e gerenciais são mais exigidos e tem importância maior do que sistemas técnico-físicos e produtos e serviços em países emergentes como o Brasil? 3. As capacidades tecnológicas acumuladas podem ser subdivididas em capacidade de produção/operação e em capacidades tecnológicas inovadoras. Explique a diferença entre elas e porque tal distinção é importante para o estudo da inovação em países em desenvolvimento como o Brasil. 4. Explique como as empresas de países em desenvolvimento, como o Brasil, podem alcançar a fronteira tecnológica internacional, considerando que a mesma avança para níveis superiores constantemente. Conclusão Podemosconcluir nesta aula, que a capacidade tecnológica é um fator crucial para a o resultado da inovação e competitividade das empresas. Vimos que para países de industrialização tardia, como o Brasil, o desafio para o acúmulo de capacidades tecnológica é grande, visto que ainda operam à base de tecnologias adquiridas de empresas de outros países; portanto, ainda precisam desenvolver habilidades, experiências para adquirem, utilizarem, adaptarem e aperfeiçoarem novas tecnologias. O avanço desses países na construção e acúmulo de capacidades tecnológicas, para que se aproximem da fronteira tecnológica internacional, vai exigir das empresas um forte engajamento nos processos de aprendizagem. O processo de inovação, sendo de caráter cumulativo, vai exigir das empresas, inicialmente, o domínio de tecnologias existentes, ou seja, precisam primeiramente desenvolver capacidades de produção/operação de tecnologias existentes, para então se capacitarem para o desenvolvimento de novas tecnologias. Resumo Nesta aula vimos que a aprendizagem tecnológica visa converter conhecimentos individuais em nível organizacional, e que consiste em uma etapa de aquisição de conhecimento interno e externo à organização, e outra etapa de conversão de conhecimento. Nesse processo de conversão de conhecimento pudemos entender a importância do conhecimento tácito, responsável pelo compartilhamento, estruturação e incorporação dos conhecimentos presente nos indivíduos, e que fazem parte do processo de conversão em nível organizacional. O processo de acúmulo de capacidade tecnológica não é um processo trivial e imediato, é um processo cumulativo que se desenvolve a partir de estágios mais simples para outros mais complexos. Leitura recomendada BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e empreendedorismo. Bookman, 2009. DAVILA, T.; EPSTEIN, M.J.; SHELTON, R. As regras da inovação. Bookman, 2009. PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle do seu setor e criar os mercados de amanhã. Gulf Professional Publishing, 2005. TIDD J, BESSANT J. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2015. Referências Bibliográficas BELL, M; PAVITT, K. The development of technological capabilities: technology and international competitiveness. Washington: The World Bank, 1995. BELL, M; PAVITT, K. Technological Accumulation and Industrial Growth: Contrasts Between Developed and Developing Countries. Industrial and Corporate Change, V.2, n.1, p. 157-210, 1993. CHRISTENSEN, Clayton M. O dilema da inovação. São Paulo: Makron Books, 2011. FIGUEIREDO, P.N. Gestão da inovação: conceitos, métricas e experiências de empresas no Brasil. Rio de Janeiro, LTC, 2015. FIGUEIREDO, P.N. Aprendizagem tecnológica e performance competitiva. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. LALL, S. A mudança tecnológica e a industrialização nas economias de industrialização recente da Ásia: conquistas e desafios. In: Kim, L; Nelson, R.R. Tecnologia, aprendizado e inovação: as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. TAKEUCHI, H.; NONAKA, I. Gestão do conhecimento. Bookman Editora, 2005. TOLEDO, D. G. C. Estratégias nacionais de catch-up aeronáutico. 2013. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. TROTT, P. Gestão da Inovação e Desenvolvimento de Novos Produtos. 4. Ed. Porto Alegre: Bookman, 2012.
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