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APOSTILA DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO I SEGUNDO PEDAGOGIA

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CURSO DE PEDAGOGIA
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO I 
PLANO DE ENSINO
	
	1. EMENTA
A reflexão filosófica e a condição humana. O conhecimento e o método filosófico. A filosofia, a política e a ideologia. Áreas da filosofia: axiologia, lógica, epistemologia e ética. Bases filosóficas para a interpretação da realidade educacional. Bases epistemológicas para a interpretação da realidade educacional. Tendências, teorias e correntes educacionais no Brasil.
	2. OBJETIVOS EDUCACIONAIS
Analisar a educação a partir da ótica filosófica, levando em conta os autores e críticos da educação ao longo da tradição filosófica.
Correlacionar o processo educativo como processo de construção crítica, sublinhando a filosofia como base de conhecimento e instrumental de análise da realidade.
Debater as bases epistemológicas para a interpretação da realidade educacional.
	4. PROCEDIMENTOS – RECURSOS – AVALIAÇÃO
4.1 Procedimentos Didáticos:
Aulas ministradas de maneira expositiva, fomentando a discussão e a participação, visando a construção dos conceitos a partir de problematizações, tendo como respaldo a tradição filosófica.
4.2 Recursos:
Bibliografia básica e complementar, textos selecionados para as aulas, exposição oral, uso de multimídia e lousa, trabalhos em grupos, etc.
4.3 Avaliação:
Avaliação bimestral (6,0)
Trabalhos (4,0)
	5. BIBLIOGRAFIA
5.1 Bibliografia Básica:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2002.
ECO, Umberto & BONAZZI, Marisa. Mentiras que parecem verdades. São Paulo: Summus, 1980.
GILES, Thomas Ranson. Filosofia da Educação. São Paulo: EPU, 1985.
5.2 Bibliografia Complementar
ARENDT, Hannah. A condição humana. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1995.
BOSI, Alfredo et Al. Filosofia da Educação Brasileira. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1984.
DEMO, Paulo. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FREITAG, Bárbara. O individuo em formação. São Paulo: Cortez, 1994.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. São Paulo: Cortez, 1983.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1980.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.
LEFEVRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1983.
LUCKESI, Cipriano C. Introdução à Filosofia: aprendendo a pensar. São Paulo. Cortez, 2000. 3ª edição.
LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 6ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1987.
MENDES, Durmeval (coord). Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
NETTO, José Paulo & FALCÃO, Maria do Carmo. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez, 1987.
RIOS, Teresinha Azeredo. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1993.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo:Cortez, 1980.
SEVERINO, Antonio J. Educação, Ideologia e Contra-ideologia. São Paulo: E.P.U., 2000.
VICENTINI, José W. A nova ordem mundial. São Paulo: Ática, 1997.
	PROFESSOR RESPONSÁVEL: José André de Azevedo
PARTE I
 FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA
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1. FILOSOFIA: CONSTRUINDO SUA NOÇÃO
FILOSOFIA: O QUE É? PARA QUE É?
Filosofia: “amor à sabedoria” e a busca do saber
Podemos, numa primeira vista, definir Filosofia como: pensar, questionar a realidade que está ao nosso redor.
Filosofia é um esforço radical por recriar, na idade da razão, as mesmas interrogantes primeiras, primogênitas, que a criança formula perante os enigmas da existência. (TRIAS, 1984, p. 17)
Viver sem filosofar é como ter os olhos fechados sem jamais fazer um esforço por abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que nossa vista descobre não é comparável à satisfação que dá o conhecimento daquelas que se encontram pela filosofia. (DESCARTES, R. Carta prefácio aos “Princípios”)
Essa atitude de espanto, de impulso para compreender melhor, de perguntar, de questionar fundamentalmente, nos conduz ao exercício de filosofar. Isto é filosofar: perguntar, questionar, não parar diante do evidente e do simplesmente óbvio. Ir além, ir além da aparência fenomênica dos fatos. Ir além com a certeza de encontrar a verdade, a essência das coisas, o ser... A filosofia não teria espaço num mundo onde todas as coisas nos parecessem evidentes, onde nada nos causasse espanto, onde tudo fosse “muito natural”. Provavelmente não sofreríamos a angústia do desconhecido, mas também não sentiríamos o prazer de desbravar. Se o mistério nos assusta, nos amedronta, nos intimida muitas vezes, nos deixa ansiosos justamente pelo desconhecido de que está carregado, é ele também quem nos atrai, nos convida a ir além, nos estimula a descobrir, a desvendar, a conhecer. (RHEIN SHIRATO, 1987, p. 24)
Filosofia: consciência crítica
A Filosofia nos proporciona os seguintes hábitos: 
Desconfiar do óbvio.
Ter mais consciência das nossas palavras e ações.
Colocar razões para o que pensamos, dizemos e fazemos.
Discernir, julgar e avaliar os acontecimentos, as coisas e as idéias.
Ter pensamento próprio, posições seguras sobre assuntos e acontecimentos.
Buscar impreterivelmente a verdade.
O homem é, por natureza, curioso. Sente a necessidade de saber. Conhecer, simplesmente, causa-lhe uma satisfação, um prazer natural. Passeia, viaja, para ver; observa, interroga, para saber; informa-se dos homens e das coisas, ouve contar de bom grado História e histórias. Mas não se contenta em consignar os fatos, pede explicações deles. Tem o dom de admirar-se perante o imprevisto e em face do que não se coaduna com suas concepções. Nenhuma palavra lhe é mais familiar que a palavra “por quê?”. O menor acontecimento pode-se-lhe transformar-se num problema. Deve existir, na sua opinião, uma razão para todo ser, todo ato, toda situação, como também para o conjunto do universo. O homem se preocupa com a verdade. “Errar é humano”, bem o sabe. Mas pensa ser possível escapar ao erro. Cumpre proceder com prudência e discrição; não é racional, por exemplo, afirmar temerariamente; não devemos ser crédulos e confiar nas aparências; devemos desconfiar da primeira impressão e evitar deixarmo-nos cegar pelo interesse ou pela paixão. Somos capazes de um exame consciencioso e de uma apreciação imparcial. O “homo sapiens” sabe dar prova de espírito crítico. (RAEYMAEKER, 1973, p. 16)
Uma primeira resposta à pergunta “O que é a Filosofia?” poderia ser: a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceita-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às cosias, sem maiores considerações”.
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico.(CHAUÍ, 1995, p. 12)
Filosofia: preocupação pelas questões humanas mais fundamentais
Todos nós temos filosofado alguma vez. Fazíamos já desde pequenos. A filosofia não é, no fundo, nada de novo. Começa com algumas perguntas que se apresenta quando o mundo, que nos é familiar e cotidiano, de repente perde seu caráter de evidência e se nos converte em um problema. Normalmente nós vivemos em nosso mundo como em uma casa bem disposta e ordenada que conhecemos sem nenhuma dificuldade. Porém, quando essa familiaridade se nos apresenta problemática, encontramo-nos de improviso com a intempérie... Tudo, então, nos resulta problemático. Mencionemos algumas das perguntas desta índole; perguntas como as que se podem fazer as crianças, porém, que são familiares a cada um, porque cada um já as têm formulado: Por que existem as coisas? Que sentido tem o universo? Por que eu sou eu e não qualquer outro? Que há depois da morte? Sou eu livre e responsável do que faço e tenho que fazer assim? O que é a justiça? Em perguntas desse tipo tem lugar a origem de uma filosofia. (ANZENBACHER, 1984, p. 15-16)
Nasce aí o saber filosófico, dessa “admiração”, desse “assombro”, dessa experiência metafísica que engloba as demais. A “surpresa do ser” é que põe para toda e qualquer pessoa, um dia ou outro, perguntas como: Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Que é tudo isso que nos cerca no mundo? Qual o meu lugar no universo? O que me distingue de tudo o mais, se há tanta coisa que me identifica com os outros seres? A existência humana é absurda ou tem sentido? Por que vivo? Por que morro? Por que estou aqui e não em outro planeta? Por que viver esta vida que não pedi para viver? Qual o fim desta minha viagem?
Essa necessidade de vasculhar justificativa racional para as coisas e acontecimentos leva o ser humano ao ato de ponderar e pensar ou “pesar” idéias, todas as que lhe brotam na mente, bem aquilo que o verbo “pensar” significava originariamente: “pendurar” algo para lhe tomar o peso real.
Passa-se, dessa maneira, da consciência ingênua para a consciência refletida, sobre o problema fundamental do Ser. É o saber filosófico repontando. É a vontade de ir ao fundo, de perscrutar tudo. Porque filosofar é interrogar sempre. Penosamente. Gratuitamente. Na procura de tudo e do tudo. (VANUCCHI, 2004, p. 27-28)
A Filosofia, assim, ocupa-se das perguntas “de fundo” da humanidade (vida e morte, homem e universo, bem e mal, liberdade, justiça, etc.). Essas questões são essenciais e fundantes e perpassam toda a história do pensamento e da vida humana; na realidade, as questões vitais do ser humano são sempre as mesmas, mas elas se renovam e reaparecem em novas situações. Dessa maneira, podemos afirmar que a Filosofia é sempre a mesma e, ao mesmo tempo, sempre nova.
Não espere da filosofia que resolva sua situação de “incômodo”. O que ela pode fazer é deixar você ainda mais inconformado. Mas ajudará você a perceber que o incômodo não é ruim, ao contrário, é o inconformismo que move o mundo, permite que cada um construa sua vida buscando seus próprios caminhos. (GALLO, 1997, p. 12)
Uma grande filosofia não é aquela que pronuncia juízos definitivos, que coloca uma verdade definitiva, mas aquela que produz uma inquietação, que dá lugar a um “abalo” na consciência. (Charles Péguy)
Em seu pequeno e brilhante livro “Introdução à Filosofia”, Jaspers insiste na idéia de que a essência da filosofia é a procura do saber e não sua posse. Todavia, ela “se trai a si mesma quando degenera em dogmatismo”, isto é, num saber posto em fórmula, definitivo, completo. Fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta (por exemplo: o que distingue o homem dos animais? Resposta: a alma espiritual. Nova pergunta: e o que é a alma?). Há, então, na pesquisa filosófica uma humildade autêntica que se opõe ao orgulhoso dogmatismo do fanático: o fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo,ele não tem mais necessidade de pesquisar e não resisteà tentação de impor sua verdade a outrem. Acreditando estar com a verdade, ele não tem mais o cuidado de se tornar verdadeiro; a verdade é seu bem, sua propriedade, enquanto para o filósofo é uma exigência. No caso do fanático, a busca da verdade degradou-se na ilusão da posse de uma certeza. Ele se acredita o proprietário da certeza, ao passo que o filósofo esforça-se por ser peregrino da verdade. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que ela está diante de nós. A consciência filosófica (...) é uma consciência inquieta, insatisfeita com o que possui, mas à procura de uma verdade para a qual se sente talhada. (HUISMAN, 1983, p. 24)
A Filosofia, assim, é antes esclarecimento e tomada de consciência das questões fundamentais da humanidade do que um depósito de respostas e soluções definidas. É ela, a Filosofia, a busca incessante da verdade, que sempre se renova.
Filosofia: busca dos sentidos e valores
Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. (Albert Camus)
Todo esforço da consciência filosófica na busca do sentido das coisas tem, na verdade, a finalidade de compreender de maneira integrada o próprio sentido da existência do homem. Temos, então, de fato, uma nova doutrina: o homem não consegue viver e existir apenas como um fato bruto; ele sente a necessidade inevitável de compreender sua própria existência. Portanto, o esforço despendido pela consciência no seu refletir filosófica não é só mero gosto intelectual, nem puro desvario ideológico... É antes a busca insistente do significado mais profundo da sua existência, sem dúvida alguma para torná-la mais adequada a si mesmo. (SEVERINO, 1992, p. 24-25)
A filosofia tem por objeto de reflexão os sentidos, os significados e os valores que dimensionam a norteiam a vida e a prática histórica humana. Nenhum indivíduo, nenhum povo, nenhum momento histórico vive e sobrevive sem um conjunto de valores que significam a sua forma de existência e sua ação. Não há como viver sem se perguntar pelo seu sentido; assim como não há como praticar qualquer ação sem que se tenha que perguntar pelo seu sentido próprio, pela sua finalidade. É claro que alguém poderá viver pelo senso comum, entranhado em seu inconsciente, sem se perguntar conscientemente pelo seu efetivo significado. Já falamos nisso, porém essa não é uma conduta filosófica, como já temos reiterado anteriormente. A filosofia e o exercício de filosofar implicam uma pergunta explícita e consciente pelo sentido e significado das coisas, da vida e da prática humana. (LUCKESI & SILVA, 1995, p. 87)
Em sua vida, o homem é aquele que é capaz de interpretar as coisas e acontecimentos e dar-lhes sentido; e todo sentido dado torna-se, necessariamente, um valor para o homem, os quais servem de orientação e direcionamento para a existência. Dessa maneira, constata-se que a filosofia possui uma importância não somente teórica, mas também prática, visto ser ela geradora de sentido e valores, tanto para as pessoas como para as sociedades.
A partir disso, constatamos que a filosofia nasce da vida real e sempre a ela se refere.
O estudo da filosofia é mais necessário para regular nossos costumes e nos conduzir na vida que o uso de nossos olhos para guiar nossos passos. (René Descartes)
O objetivo imediato e urgente da filosofia é precisamente traduzir os resultados da ciência em vida espiritual, em verdade para mim, que realize a idéia que tenho de mim e da minha existência no mundo e assim justifique minha vida agora e em toda hora. (Sören Kierkegaard)
Filosofia: o mundo precisa dela?
Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força de tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carecede qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas – existirá realmente? Sua existência se prova, quando menos, pelas medidas de defesa a que dá lugar.
A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através do trabalho consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas.
A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.
Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar pela luz da filosofia.
Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A auto-complacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente para a vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a binomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a anti-filosofia. E os homens não percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a anti-filosofia é uma filosofia, embora pervertida, que se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação. (JASPERS, 1965, p. 138)
Redija um texto tendo como parâmetro o texto de Jaspers e as questões abaixo:
A filosofia é sempre amada?
Quais são as razões que se colocam contra a filosofia?
Por que o autor considera a filosofia “perigosa” para os indivíduos?
Quem são os principais inimigos da filosofia? Por que motivo?
Em que consiste a anti-filosofia?
A sociedade consumista, pragmática e tecnocrata atual criou escola tecnicista e autoritária. A Filosofia foi banida dos currículos, expurgada da escola. A ordem era produzir uma massa passiva, homens sem consciência, mão-de-obra dócil à implantação do concomitante capitalismo monopolista internacional. (NUNES, 1993, p. 17)
Aos menos avisados, aos alheios ao mundo e a si mesmo, à pergunta inicial “para que serve a filosofia?”, a resposta é simples: PARA NADA. Se para nós servir significa ter utilidade prática e imediata, propiciar meios lucrativos de desempenho social, facilitar a submissão e o poder, inibir a multiplicidade de respostas, investir no modelo de “homem bem sucedido”... então a filosofia felizmente não serve para nada.
Lamentavelmente, num mundo pragmatista como o nosso, onde sucesso – dinheiro – destaque social, teimosamente são considerados como fatores de felicidade, como meios indispensáveis para a própria realização pessoal, servir significa cooperar o mais possível para a manutenção do sistema, para a reprodução dos velhos e “eficientes” esquemas.
Entretanto, se tomarmos a palavra “servir” em seu sentido original, veremos que servir é estar a serviço. É preciso estar a serviço da felicidade do homem, do conhecimento de seus mais profundos anseios, dos elementos indispensáveis para a sua sobrevivência com dignidade e auto-estima. É preciso estar a serviço da harmonia do homem com o seu meio, harmonia que se consegue como produto de luta, de adaptação, de esforço, de transformação, de investimento no próprio homem. É preciso estar a serviço da cultura, do conhecimento, da liberdade de pensamento – expressão – ação. É preciso estar a serviço da verdade.,
Então a filosofia serve: está a serviço, tem espaço garantido não pela escolha deliberada de quem a conhece, mas por ser indispensável, imprescindível, necessária para a humanização do homem. (RHEIM SHIRATO, 1987, p. 77)
Filosofia da experiência vital (senso comum) e Filosofia como ciência
Consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente, quem vive possui uma filosofia, uma concepção de mundo. Esta concepção pode não ser manifesta. Geralmente, ela se aninha nas estruturas inconscientes da mente. De lá, ela comanda a vida, dirige-lhe os passos, norteia a vida. A vida concreta de todo homem é, assim, filosofia. O campônio, o operário, o técnico, o artista, o jovem, o velho, vivem todos de uma concepção de mundo. Agem e se comportam de acordo com uma significação inconsciente que emprestam à vida. Neste sentido, pois, pode-se dizer que todo homem é filósofo. Não podemos, porém, dizer que todo homem é filósofo no sentido usual da expressão. (LUCKESI & SILVA, 1995, p. 84)
Conforme o filósofo Chaim Perelman (1912-1984), podemos dizer: o senso comum consiste em uma série de crenças admitidas por um determinado grupo social e que seus membros acreditam serem compartilhadas por todos os homens.
Muitas das concepções do senso comum de um povo ou de uma classe social transformaram-se em frases feitas ou em ditados populares, como, por exemplo: “Homem que é homem não chora”; “Lugar de mulher é na cozinha”; “Deus ajuda quem cedo madruga”; “Querer é poder”; “Filho de peixe, peixinho é”. Repetidas irrefletidamente no cotidiano, algumas dessas noções escondem idéias falsas, parciais ou preconceituosas. Outras, por outro lado, podem revelar uma profunda visão da vida, ao que chamamos “sabedoria popular”.
Mas o que caracteriza basicamente as noções pertencentes ao senso comum não é a sua verdade ou falsidade. É uma falta de “fundamentação”. Isto é, as pessoas não sabem explica-la. Trata-se, portanto, de um conhecimento adquirido sem uma base crítica, precisa, coerente e sistemática (COTRIM, 1993, p. 48)
A intenção desse subcapítulo é apontar as diferenças entre “filosofia de vida” (senso comum) e Filosofia (Filosofia vista como ciência). Antecipamos, assim, que filosofia da “experiência vital” é a “filosofia de vida”, a filosofia comum de todo homem, pelo fato de ele ser racional e, por isso, possui uma determinada visão da vida e do mundo. A fonte dessa filosofia é o ambiente social, a tradição, a religião e outros fatores. No fundo, essa “filosofia” é pouco consciente, desorganizada e irrreflexa, o que não quer dizer que seja irracional.
O homem, diz-se, é naturalmente filósofo, “amigo da sabedoria”. E é verdade. Ávido de saber, não se contenta em viver o momento presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, como fazem os animais. Seu olhar inquisidor quer conhecer o porquê das coisas, principalmente o porquê da própria vida.
Mas, enquanto o homem comum, o homem da rua, levanta essas perguntas e enfrenta esses problemas de quando em quando, sem método e sem ordem, há pessoas que dedicam a essas investigações todo o seu tempo e todas suas energias e se propõem a obter uma solução conclusiva para todos os graves problemas que acicatam a mente humana, por meio de uma análise profunda e sistemática. A estas pessoas é que costumamos chamar de “filósofos”.
Então, o que é propriamente a filosofia? É um conhecimento, uma forma de saber. Possui, como tal, uma esfera particular de competência sobre a qual busca adquirir informações válidas, rigorosas e ordenadas. (MONDIN, 1980, p. 5)
2. FILOSOFIA: DELIMITANDO SUA NOÇÃO
2.1 FILOSOFIA: ESCLARECENDO A ETIMOLOGIA
2.1.1 Filosofia: “amor pela sabedoria”
O nome de sábio, Fedro, me parece demasiado grande e só aplicável à divindade. Mais adequado seria a de “amigo da sabedoria”. (Sócrates)
A palavra “filosofia”procede do grego: o verbo “philein” significa “amar”; “sophia” designa antes de tudo qualquer tipo de capacidade ou habilidade, porém passa logo a especificar o saber, o conhecimento e de modo muito particular aquele saber superior que compreende a virtude e a arte de viver. Um “sophos” é, antes de tudo, aquele que é hábil em sua profissão e em sua vida, porém muito especificamente o “sábio”. Por tudo isto, é sólido traduzir-se como “amor à sabedoria” (ANZENBACHER, 1984, p. 16)
2.1.2 Sabedoria nas antigas culturas orientais
Nas culturas orientais e, portanto, anteriores à grega, sabedoria podia designar:
Arte de viver: conjunto de regras morais e sociais, com função didático-pedagógica.
Sábio: mestre educador das cortes.
Gênero sapiencial: sentenças, provérbios, máximas, comparações.
Sabedoria: uma “filosofia” popular, de conotação religiosa.
2.1.3 Sabedoria na cultura grega
Para os gregos, a ciência é a explicação de todas as coisas pelas suas causas. O mundo real é um “cosmos”, um todo ordenado; esta ordem é racional e pode ser compreendida pela inteligência humana; é uma ordem de causalidade, tão ajustada que a explicação de todo o acontecimento se encontra nas suas causas. Estes três princípios regem a ciência grega (RAEYMAEKER, 1973, p. 20)
Do outro lado do Mediterrâneo, na Grécia, surgia de um pequeno agrupamento humano uma outra importante cultura e que também elaborara todo um sistema teórico de interpretação do real e da existência do homem... O universo se explicava por um princípio puramente racional, por um “logos”; os homens, naquilo que lhes é específico, são assim por “participarem desse logos”. Cada homem responde individualmente por seu destino e por seu agir nesta terra, devendo, pois, adequar-se o mais possível às exigências do “logos”; agindo assim sempre racionalmente. (SEVERINO, 1992, p. 48)
A ânsia de entender racionalmente as coisas criou a um só tempo a Filosofia e a Ciência. “É necessário”, dizia Platão, “ir até onde nos leva a razão e o espírito” (A República, Livro III, 394). A razão levou os gregos a ver uma ordem, uma unidade, uma harmonia por detrás da multiplicidade caótica das coisas e dos acontecimentos.
A realidade não era o que estava à nossa frente, mas, sim, o que a razão iria encontrar a dizer. Daí a busca das causas e dos princípios. Há uma citação de Eurípides, repetida por Vergílio, que reflete esta motivação intelectual dos helênicos: “feliz aquele que aprendeu a pesquisar as coisas”. (XAVIER TELES, 1985, p. 22)
Aqui, então, diferenciamos, segundo os gregos, os seguintes termos:
Ciência: racionalidade; é compreender o mundo pela razão, pela inteligência (e isso em oposição à explicação mitológica da realidade)
Logos do mundo: o mundo possui uma “razão” dentro de si; as causas das coisas estão nas próprias coisas e não no determinismo que os mitos e a religião grega apresentavam.
Logos do homem: é o instrumento para captar e compreender o “logos do mundo”.
Dessa maneira, ressaltamos que os gregos desenvolveram uma ciência (no sentido mais etimológico da palavra: conhecimento) dos fatos (medicina, astronomia, matemática, etc.), mas, sobretudo, uma ciência da profundidade e da análise da realidade (filosofia).
2.2 FILOSOFIA: UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO
Após pesquisa prévia, redija um texto que contemple uma definição de Filosofia.
2.3 FILOSOFIA: FIXANDO SUA NOÇÃO
2.3.1 Filosofia é ciência
Afirma-se que Filosofia é ciência (mais uma vez devemos entender o conceito no seu sentido etimológico e não no sentido positivista) porque apresenta três características: racionalidade e criticidade, procedimentos metódicos, sistematicidade.
Podemos afirmar que a Filosofia é uma ciência especial, com características muito próprias, cujo caráter eminentemente especulativo, dá a ela um sentido de ver diferente das demais ciências, mas profundamente ligada a todas elas. (RHEIN SHIRATO, 1987, p. 31-32)
A Filosofia, então, não é poesia nem uma simples meditação e muito menos um livre discurso. Trata-se de um saber rigoroso, fundamentado, organizado, ou seja, é ciência.
2.3.1.1 Filosofia é ciência pela sua racionalidade e criticidade
A filosofia tem a pretensão de que todas as suas afirmações são racionais e que, por isso mesmo, podem entendê-las qualquer ser racional (qualquer homem) e ver o como e o porquê da lógica contundente que pretendem tais afirmações. (ANZENBACHER, 1984, p. 39)
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático porque não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente. (CHAUÍ, 1995, p. 15)
Assim, a Filosofia utiliza-se da razão (como instrumento de compreensão da realidade) e de procedimentos racionais (raciocínio lógico, argumentação, demonstração, etc.). Ela prescinde da emoção e da fé para a leitura do real e, por isso, distingue-se da Arte e da Religião.
2.3.1.2 Filosofia é ciência pelos seus procedimentos metódicos
A Filosofia possui método próprio (pesquisar os métodos filosóficos) e os conhecimentos são adquiridos segundo um plano consciente, seguem um “caminho previsto” (método). 
2.3.1.3 A Filosofia é ciência pela sua sistematicidade
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. Que significa isso? Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre enunciados, opera com conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. (CHAUÍ, 1995, p. 15)
Ciência é, então, simplesmente um conjunto de conhecimentos que estão em relação mútua. Esse conjunto se apresenta como um todo, como um sistema. Assim, pois, na filosofia se trata de uma união sistemática de conhecimentos ou afirmações. (ANZENBACHER, 1984, p. 38)
Disso, concluímos que a Filosofia tende ao sistema (por sistema devemos entender a ramificação interrelacionada e interdependente de conhecimentos e verdades), pois os conhecimentos são organizados num conjunto unitário.
2.3.2 Filosofia é uma ciência da fundamentação
Como já foi afirmado, a Filosofia não é ciência no sentido positivista do termo, não é uma ciência dos fatos (o que pertence às ciências experimentais), mas ciência dos fundamentos e da fundamentação. 
Ela é ciência dos fundamentos porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas; porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade, e porque se situa além das ciências experimentais.
2.3.2.1 Filosofia é ciência da fundamentação porque busca a razão última, os primeiros princípios das coisas
O objetivo da filosofia consiste em alcançar uma explicação fundamental da realidade, explicação que, então, será realmente fundamental, quando logra pôr em descoberto as motivações, razões ou causas últimas do real. Vista assim, a filosofia se manifesta como a “ciência dos fundamentos” (MANDRIONI, 1964, p. 225)
A filosofia é uma ciência fundamental porque investiga os fundamentos últimos, os fundamentos não empíricos...a ocupação filosófica do Ocidente começou com a questão da “arché” (palavra grega que significa “fundamento, princípio”). De modo definitivo, a filosofia sempre girou em torno desta questão. A filosofia é a ciência dos últimos fundamentos, condições e supostos. (ANZENBACHER, 1984, p. 38-39)
A Filosofia, com efeito, procura sempre resposta a perguntas sucessivas; objetivando atingir, por vias diversas, certas verdades que põem a necessidade de outras: daí o impulso inelutável e nunca plenamente satisfeitode penetrar, de camada em camada, na órbita da realidade, numa busca incessante de totalidade de sentido, na qual se situam o homem e o cosmos. Ora, quando atingimos uma verdade que os dá a razão de ser de todo um sistema particular de conhecimento e verificamos a impossibilidade de reduzir tal verdade a outras verdades mais simples e subordinantes, segundo certa perspectiva, dizemos que atingimos um princípio ou um pressuposto. (REALE, 1989, p. 4)
Assim, a Filosofia não para enquanto é possível ainda colocar questões e ela somente se contenta com a evidência, isto é, com a última clareza racional.
2.3.2.2 Filosofia é ciência da fundamentação porque tem por temática as questões fundamentais da humanidade
Os assuntos da Filosofia são as questões “de fundo” do homem e da humanidade; problemas “existenciais” que tocam o sentido da vida e de toda a realidade.
2.3.2.3 Filosofia é ciência da fundamentação porque se situa além das ciências experimentais-positivas
A Filosofia é aquele conhecimento especulativo ou analítico sobre a realidade como um todo ou a respeito de certos problemas que não caem sob a alçada das ciências, principalmente os do conhecimento e da ação. (XAVIER TELES, 1985, p. 53)
Se todos os problemas científicos estivessem resolvidos, as questões realmente humanas não seriam sequer tocadas. (Ludwig Wittgenstein)
O objeto das ciências experimentais são os fatos e os fenômenos; elas buscam descobrir as relações constantes entre os fenômenos (leis) e têm por objetivo a aplicação (ciência = técnica).
Já a Filosofia trata de questões que não são tratadas pelas ciências, porque ultrapassam os fatos e a experimentabilidade; ela busca o sentido total e último das coisas.
2.3.3 A Filosofia é uma ciência da universalidade
A Filosofia é a ciência da universalidade porque é um conhecimento totalizante, globalizante; busca a totalidade e a unidade do saber; busca uma síntese intelectual. Ela é totalizante porque seu campo é universal e porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos.
2.3.3.1 Filosofia é ciência da universalidade porque seu campo é universal
A Filosofia pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos; pode pensar a religião; pode pensar a arte; pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Uma história em quadrinhos ou uma canção popular podem ser objeto da reflexão filosófica. A Filosofia incomoda porque questiona o modo de ser das pessoas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural, artística. Nada há onde ela não se meta, não indague, não perturbe. (ARRUDA ARANHA & PIRES MARTINS, 1985, p. 69)
A filosofia é uma crítica universal que submete todas as opiniões, todas as imagens do mundo e qualquer exigência de sentido ao seu juízo como ciência racional. É uma crítica das ideologias, da religião, da ciência, da tecnologia e da sociedade. Combate todo dogmatismo acrítico, com o que adota uma função clarificadora na sociedade. (ANZENBACHER, 1984, p. 40)
As ciências experimentais têm uma limitação de campo e de objeto; já a Filosofia, possui um campo ilimitado e pode tratar de qualquer assunto que envolva um questionamento racional.
2.3.3.2 Filosofia é ciência da universalidade porque busca a integração e a unidade dos conhecimentos
A Filosofia busca formar uma visão total, coerente e ordenada do homem, do mundo e de toda realidade. Já as ciências experimentais são uma visão dos fatos num campo limitado. A Filosofia busca uma “cosmovisão” e uma “globalização” das ciências.
Quando se afirma que a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, o que se quer dizer é que a Filosofia pretende elaborar uma redução conceitual progressiva, até atingir juízos com os quais se possa legitimar uma série de outros juízos integrados em um sistema de compreensão total. Assim, o sentido de universalidade revela-se inseparável da Filosofia. (REALE, 1989, p. 4)
3. FILOSOFIA: SUA ORIGEM HISTÓRICA
3.1 GRÉCIA: O BERÇO DA FILOSOFIA
A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. (CHAUÍ, 1995, p. 20)
No tocante à origem “geográfica” da Filosofia, podemos assinalar os seguintes aspectos:
A cultura grega gerou a Filosofia propriamente dita, isto é, a ciência filosófica.
Os filósofos chamados “pré-socráticos” (século VI a.C.) sãos os primeiros a pensar de maneira sistemática a Filosofia.
Nas culturas anteriores à civilização grega (chinesa, hindu, egípcia, etc.) houve elementos filosóficos, mas estavam esses elementos em outros contextos (geralmente o contexto religioso)
A sabedoria cultivada em Israel (livros sapienciais), no Egito e em outras culturas antigas constituem uma sabedoria popular: experiência humana acumulada e transmitida através das gerações.
3.2 FILOSOFIA GREGA: CONTEXTO HISTÓRICO DE SEU NASCIMENTO
A civilização grega foi propícia para o surgimento da reflexão filosófica pelos seguintes motivos:
3.2.1 A ausência de escritos religiosos
Os povos das antigas civilizações orientais possuíam codificações de normas religiosas.
A religião fornecia-lhes as explicações sobre os acontecimentos (nascimento, morte, família, sofrimentos, etc.) e princípios e normas de vida.
Os gregos não possuíam livros religiosos e a própria religião ocupava um lugar secundário na cultura grega.
Consequentemente, os gregos tinham de buscar explicações racionais para os acontecimentos e usar da razão na procura de solução dos problemas humanas.
3.2.2 A sociedade democrática
As antigas culturas orientais eram, de modo geral, teocráticas: a vida social e individual era pré-determinada pela religião e pelas leis religiosas. Ainda havia a questão da classe sacerdotal, a qual representava o poder divino e revelado, portanto, sem questionamento.
A sociedade grega foi, no geral, democrática: o poder provinha do povo (não possuíam classe sacerdotal organizada). Consequentemente, a própria sociedade devia buscar soluções para seus problemas, criar normas e leis; tais soluções se travavam nas praças públicas (agorás), o que fez os gregos desenvolverem o discurso racional para as problemáticas da existência.
3.3 O MITO E A FILOSOFIA
A Filosofia originou-se do mito. (Aristóteles)
Do que as pesquisas antropológicas nos revelam, podemos saber que a forma mais ancestral de os homens buscarem com alguma sistematicidade a explicação, o sentido das coisas, foi o mito. O mito não é algo absurdo, irracional, pré-lógico, como se diz muitas vezes. Ao contrário, ele é a expressão de uma primeira tentativa da consciência humana – querendo se libertar cada vez mais das incumbências quase que instintivas de manutenção de vida – para “colocar ordem no mundo”. Afinal, o mundo lhe parecia um tanto quanto caótico, sufocando o homem com sua magnitude, com sua bruta objetividade. Era preciso que tanta heterogeneidade, tanta multiplicidade, tanta “desordem” tivessem alguma ordenação. O mito é a primeira construção teórico-subjetiva do homem para pôr ordem nessa situação de aparente desordem.
O mito assume a forma de uma narrativa imaginária pela qual as várias culturas procuraram explicar a origem do universo, seu funcionamento, a origem dos homens, o fundamento de seus costumes, apelando para entidades sobrenaturais, superiores aos homens, a forças e poderes misteriosos que definiram o seu destino.
Hoje, para nós, os mitos dos povos arcaicos nos parecem à primeira vista estórias lendárias e fantasiosas, sem muito nexo. Mas, na verdade, para aqueles povos, eles representavam uma explicação valiosa e satisfatória; satisfaziam a exigência que começavam a ter de compreender o sentido de sua própria existência. (SEVERINO, 1992, p. 68)
Assim, podemos afirmar que o mito é uma narrativafantasiosa que contém um núcleo com pretensão “explicativa” de uma realidade. E eles são divididos em:
Mitos teogônicos: aqueles que tratam dos princípios e das origens dos deuses e/ou forças misteriosas.
Mitos cosmogônicos: tratam da origem do mundo e das coisas.
Mitos antropológicos: explicação da condição humana.
3.3.1 Passagem do mito à Filosofia
O mito possui um “embrião filosófico”: a sua busca por explicações da realidade; a essa busca pelas explicações chamamos de “núcleo explicativo”. Entretanto, com os gregos, essa explicação busca outras causas e haverá uma substituição dos “agentes fantasiosos” (deuses, heróis, teogonias, cosmogonias, etc.) por causas racionais. Em outras palavras: há a mudança do instrumento de questionamento: a imaginação cede lugar à razão.
Na tentativa de explicar o natural, o terreno, a própria tragédia da vida humana com seus conflitos, surge a mitologia como aquela que entre ídolos, heróis, deuses e semi-deuses, reflete em mitos e alegorias o próprio trágico da vida humana. Seus personagens desempenham papéis que no pano de fundo nada mais são do que as intrincadas emoções humanas, o conflito entre a autodeterminação, a possibilidade de escolha e a idéia de um destino que previamente tudo marcou, tudo decidiu. 
A fatalidade, o trágico da mitologia nada mais são do que o código encontrado pelo grego para expressar a nossa própria condição de ser humano. O sobrenatural é apenas o reflexo do natural. Os deuses, semi-deuses e heróis do Olimpo representam a força e ao mesmo tempo a impotência do homem na terra, quando, apesar de livres para decidir, são enredados pelo destino, se transformam em objetos da fatalidade.
Do pensamento mítico (mitológico) para o filosófico foi, para o grego, um passo relativamente pequeno. A mola propulsora é a mesma: perguntar, tentar entender, explicar o grande mistério que é o universo, o cosmos (macro e micro). Apenas a resposta que mudou de plano: saiu do Olimpo e veio para a terra. A mitologia também foi tentativa de explicação do universo, também demonstra “atitude de espanto do homem”, só que ainda carece de espírito filosófico, pois desloca o homem de seu próprio eixo no momento em que busca respostas fora do espaço humano. Mas foi um início que, tendo continuidade, deflagrou-se no aparecimento da filosofia enquanto tal. (RHEIN SHIRATO, 1987, p. 54-55)
3.4 OS ALVORES DA FILOSOFIA
A partir do século VI a.C., os principais centros da cultura helênica eram, além da própria Grécia, as ilhas do mar Egeu, a Ásia Menor, a Sicília e a Itália Meridional. É nesta época que se inicia o pensamento filosófico propriamente dito, é quando surgem os primeiros filósofos que procurarão apresentar sistemas coerentes e completos para a explicação do universo. É quando o mito deixa de ser importante. (NIELSEN NETO, 1985, p. 102)
A história da filosofia grega é geralmente dividida, tomando-se a figura de Sócrates como ponto de referência, em três períodos ou épocas. O primeiro, pré-socrático, também chamado cosmológico, é o período de formação. O segundo, socrático ou antropológico, que coincide com o apogeu do poderio econômico e militar de Atenas, é o período da maturidade e do esplendor. O terceiro, finalmente, que corresponde à decadência da polis e à desintegração do império macedônico, é o de declínio, ao longo do qual o pensamento grego é incorporado à cultura romana e à apologética cristã. (COUBISIER, 1983, p. 43)
Abaixo temos um brevíssimo resumo, em forma de tópicos, da estruturação da Filosofia:
A primeira filosofia grega (pré-socráticos) é cosmológica, ou seja, busca os fundamentos do mundo, do qual todas as coisas são compostas.
Em seguida (com Heráclito e Parmênides) a filosofia se torna metafísica: discussão sobre o uno e o múltiplo, sobre o ser e o devir.
Com Sócrates, a filosofia se volta para o reto viver (Conhece-te a ti mesmo).
Com Platão e Aristóteles a filosofia atinge o seu apogeu e se torna universalista.
Já no século IV a.C. a filosofia grega, com Platão e Aristóteles, elabora as formas superiores da racionalidade, matrizes de todo o pensamento posterior. A partir dos gregos, a filosofia ocidental é um processo progressivo, que se prolonga, através de Roma e do Cristianismo, até o mundo moderno e contemporâneo. Heráclito, por exemplo, não é um pensador perdido no passado remoto, cujos aforismos teriam um interesse puramente histórico ou arqueológico. Na condição de precursor da dialética, está presente na filosofia moderna e Hegel nos diz que não há um só de seus aforismas que ele não tenha recuperado na “Ciência da Lógica”. E, assim como está presente na obra de Hegel, assim também está presente na obra de Marx, que nos diz não ter feito outra coisa senão prosseguir numa tarefa começada por Heráclito e Aristóteles. (CORBESIER, 1983, p. 34)
Resumimos, então, essa problemática com as seguintes ponderações:
A filosofia é a contribuição mais importante da cultura grega para a história da humanidade. Seus elementos exerceram influência muito grande nos séculos afora.
A filosofia grega exerceu influência direta no pensamento filosófico e teológico cristão da Idade Média; visão cristã do mundo “encarnada” na filosofia grega; primeiro o platonismo, depois (a partir do século XII) o aristotelismo.
Os temas e elementos da filosofia grega continuam presentes na Idade Moderna e Contemporânea.
4. EXERCÍCIOS
QUESTÃO 01 (UFMG 2005)
Leia este trecho:
... a filosofia não é a revelação feita ao ignorante por quem sabe tudo, mas o diálogo entre iguais que se fazem cúmplices em sua mútua submissão à força da razão e não à razão da força. (SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução de Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.2)
A partir da leitura desse trecho e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto destacando duas características da atitude filosófica.
QUESTÃO 02:
Leia o texto abaixo e responda:
Eu etiqueta (Carlos Drummond de Andrade)
Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório. Um nome...estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nessa vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos que nunca experimentei, mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante sentinte e solitário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio. Ora vulgar ora bizarro. Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente). E nisto me comparo, tiro glória de minha anulação. Não sou - vê lá - anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares, festas, praias, pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais. Tão minhas que no rosto se espelhavam. E cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante, mas objeto, que se oferececomo signo dos outros. Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.
a) Qual a crítica feita pelo autor?
b) Que aspectos filosóficos o texto levanta? Explicar cada um dos aspectos levantados. (07)
QUESTÃO 03 (UEM 2009) Dizer que as indagações filosóficas são sistemáticas significa dizer que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado. (CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª ed., São Paulo: Ática, 2008, p. 21). Assinale o que for correto.
01) A concepção de mundo de um povo, de uma cultura, de uma civilização com seu conjunto de ideias, de valores e de práticas pelas quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma deve ser considerada como filosofia.
02) Pela fé, a religião aceita princípios indemonstráveis e até mesmo aqueles que podem ser considerados irracionais pelo pensamento, enquanto a filosofia não admite indemonstrabilidade e irracionalidade de coisa alguma. Pelo contrário, o pensamento filosófico procura explicar e compreender mesmo o que parece ser irracional e inquestionável.
04) Como fundamento teórico e crítico, a filosofia ocupa-se com os princípios, as causas e as condições do conhecimento que pretende ser racional e verdadeiro, com a origem, a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, religiosos, artísticos e culturais.
08) A filosofia é útil, pois permite superar, pela análise e pela reflexão crítica, a ingenuidade e os preconceitos do senso comum e oferece a possibilidade de libertar o homem das ideias despóticas que o subjugam a um poder dominante e ilegítimo.
16) A filosofia é exclusivamente teórica, isto é, contemplativa, por ser incapaz de incorporar, nos seus procedimentos metodológicos, a observação e a experimentação.
Total: _________
QUESTÃO 04 (UEM 2009) O valor e a utilidade da filosofia têm sido, não raras vezes, postos sob suspeita. Uma visão acerca do filósofo é que ele divaga e perde-se em reflexões sobre questões abstratas que nada têm a ver com o cotidiano das pessoas. Em relação à natureza e à finalidade da filosofia, assinale o que for correto. 
01) A filosofia é, em termos gerais, um esforço intelectual para se interpretar o mundo e os eventos que nele se passam, compreender o próprio homem e iluminar o agir que do homem se espera.
02) O termo filosofia foi utilizado durante vários séculos como nome geral para diferentes ramos do saber, como matemática, geometria, astronomia; isso muda a partir do século XVII com a revolução metodológica iniciada por Galileu e com o estabelecimento das ciências particulares pela delimitação de campos específicos de pesquisa.
04) Refletir sobre os valores, sobre os conceitos como liberdade e virtude faz parte da atividade do filósofo. Nessa medida, a filosofia apresenta-se como uma sabedoria prática que auxilia na orientação da vida moral e política, proporcionando o bem viver.
08) É consenso entre os cientistas que, porque na investigação filosófica o filósofo não verifica suas hipóteses, baseando-se na observação empírica, a filosofia não contribui para o progresso do conhecimento.
16) A história da filosofia constitui-se de teorias que se contradizem. Os filósofos discordam de tudo e uns dos outros, de modo que o pensamento crítico próprio da filosofia consiste em pôr em dúvida toda afirmação, jamais chegando a conclusões.
Total: _________
QUESTÃO 05 (UEM 2009) Na Grécia arcaica, a geração da ordem do mundo é apresentada por mitos que narram a genealogia e a ação de seres sobrenaturais. A filosofia, com a escola jônica, caracteriza-se por explicar a origem do cosmos, recorrendo a elementos ou a processos encontrados na natureza. Assinale o que for correto.
01) O mito é incapaz de instituir uma realidade social, pois seu caráter fantasioso não possui credibilidade alguma para seus ouvintes.
02) A transformação de uma representação dominantemente mítica do mundo para uma concepção filosófica expressa, entre os séculos VIII e VI a. C., na antiga Grécia, uma mudança estrutural da sociedade.
04) Os filósofos da escola jônica realizaram uma ruptura definitiva entre a mitologia e a filosofia; depois deles, não é possível encontrar, no pensamento filosófico, presença alguma de mitos.
08) O mito de Édipo, encontrado na tragédia de Sófocles, será aproveitado por Sigmund Freud para explicar o complexo de Édipo como causa de determinadas neuroses.
16) Homero foi o primeiro historiador grego. Na Ilíada e na Odisseia, descreve o comportamento de homens heroicos cujas ações não possuem mais componente mitológico algum.
Total: ______
PARTE II
 FILOSOFIA E CULTURA
O ser humano, agindo sobre o seu meio, transformando a natureza, cria um mundo próprio e exclusivo: o mundo da cultura, pois o homem é, essencialmente, um ser cultural.
Por cultura entendemos, de modo geral, a produção do espírito humano em qualquer dimensão (intelectual, emocional, prático, etc.). Os ramos da cultura humana são: Ciência, Arte, Religião e Filosofia.
Nessa parte II, então, queremos estabelecer as relações existentes entre Filosofia e Ciência, Filosofia e Religião e Filosofia e Arte.
01. FILOSOFIA E CIÊNCIA
ERA MODERNA: A ERA DAS CIÊNCIAS
Para compreendermos a ciência em si, devemos entendê-la a partir de uma perspectiva histórica: a era Moderna. Vejamos algumas considerações:
A ciência teve origem no início da Era Moderna (século XVI). Os fundadores da ciência moderna são: Bacon, Copérnico, Galileu e Newton. Eles fazem parte do movimento “Revolução Científica”.
Na Antiguidade houve pesquisas científicas ou elementos de ciências, mas eles surgiam esporadicamente, mais como resultado da ação prática do homem sobre a natureza.
No tocante ao desenvolvimento científico na Antiguidade, merecem destaques as culturas egípcia e grega.
Os gregos desenvolveram estudos científicos em várias áreas: Matemática (Pitágoras, Euclides, etc.), Astronomia (Ptolomeu), Física (Arquimedes), Medicina (Hipócrates). Mas os gregos privilegiaram a Filosofia.
A Idade Média representa uma interrupção no desenvolvimento científico; praticamente nada foi criado no que se refere à pesquisa da natureza. Para os medievais, as duas grandes ciências eram a Teologia e a Filosofia (Philosophia ancilla Theologiae). A isso se somavam as artes, a música e a poesia.
No início da Idade Moderna (Renascimento – século XVI) ocorre uma série de transformações, que favorecem a retomada do desenvolvimento científico. O principal fator foi a redescoberta da cultura grega. A mudança cultural ocorre no sentido do retorno à razão e no retorno à natureza: a razão aplicada à natureza.
O progresso cada vez mais acelerado das ciências deveu-se, sobretudo, ao desenvolvimento do método cientifico ou método experimental (Bacon, Galileu, Newton).
A metodologia moderna apóia-se, sobretudo, em dois pilares: Matemática e experimentação. 
A matemática é a linguagem da ciência moderna, a linguagem de suas representações e seus conceitos; a ciência moderna perfez a “redução quantitativa da realidade”. A matemática é a linguagem de precisão, instrumento principal da ciência.
A ciência está escrita neste imenso livro que continuamente está aberto diante de nossos olhos (estou falando do universo), mas que não se pode entender os caracteres em que está escrito. Ele está escrito em linguagem matemática e seus caracteres são círculos, triângulos e outras figuras geométricas, meios sem os quais é impossível entender humanamente suas palavras: sem tais meios, vagamos inutilmente por um escuro labirinto.(Galileu Galilei)
O real da ciência é o que se pode medir. (Max Planck)
O outro pilar da ciência moderna é a experimentação. Experimentação é a reprodução de um fenômeno para constatar a sua regularidade. A experimentação torna-se para a ciência moderna o único critério de verdade e certeza objetiva.
Foi preciso fazer uma seleção entre as representações possíveis do mundo para considerar apenas as representações matematizáveis. Surge, então, a Matemática como linguagem das representações científicas, como a forma de linguagem poética, onde cada expressão possui ao mesmo tempo múltiplos sentidos. A linguagem matemática, como sabemos, é a linguagem das relações quantificáveis entre grandezas, e cada uma das suas expressões possui um, e apenas um sentido. Para traduzir o mundo em linguagem matemática, o meio mais adequado é através de medidas. E só se pode medir aqueles aspectos da realidade que são quantificáveis, como, por exemplo, comprimento, largura, peso, etc. Aqueles outros aspectos, chamados qualitativos, como cores, cheiros, gosto, sensações em geral, por pertencerem à esfera privada de cada indivíduo, muito dificilmente podem ser atribuídos univocamente à realidade do mundo exterior. Os aspectos quantitativos, ao contrário, podem ser medidos, isto é, comparados com um padrão publicamente convencionado, por exemplo, um metro, um quilograma, etc. Nesse caso, torna-se necessária uma experiência corpórea com os objetos, para poder medi-los, descrevendo-os matematicamente. (CUNHA, 1992, p. 90)
Os pioneiros da Física Moderna (séculos XVI e XVII) foram: Copérnico, Galileu, Kepler (na área de Astronomia) e Galileu e Newton (na área da Física Mecânica).
No século XVII desenvolveu-se a Química (Boyle e Lavoisier foram seus principais propulsores).
Na passagem do século XVII ao século XIX afirmaram as ciências biológicas (Bichat, Gall, Lineu, Bernard, Darwin).
No século XIX aparecem as chamadas “ciências humanas” (Psicologia, Sociologia, Pedagogia). São ciências que têm por objeto algum aspecto determinado da realidade humana.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Conhecimento pré-científico (senso comum)
O modo de conhecer e agir sobre o meio de forma espontânea e irreflexa chamamos de “senso comum” ou conhecimento pré-científico. O senso comum é o conjunto de conhecimentos espontâneos, surgidos pela interação com o meio, adquiridos pela experiência de vida.
Conhecimento vulgar é o conhecimento que nos fornece a maior parte das noções de que nos valemos em nossa existência cotidiana. O conhecimento científico ocupa campo muito menos de nosso viver comum. Grande parte de nossa vida se realiza somente graças ao conhecimento comum. Conhecimento vulgar não significa conhecimento errado ou errôneo, pois pode ser conhecimento autêntico; significa apenas conhecimento não verificado, não dotado de certeza. Que caracteriza o conhecimento vulgar? É um conhecimento que vamos adquirindo à medida que as circunstâncias o vão ditando, nos limites dos casos isolados... É um conhecimento fortuito de fatos, sem procura deliberada dos nexos essenciais que ligam a experiência...; é um conhecimento que se processa sem estabelecer nexos de semelhança ou de constância entre os fatos, para abrangê-los em uma explicação unitária, em suas relações necessárias. (REALE, 1989, p. 42)
Conhecimento científico
Quando um conhecimento se torna mais cuidadoso, mais reflexo, ele se torna científico. A ciência seria, então, o aperfeiçoamento do conhecimento comum. Acrescentar uma dose maior de inteligência no lugar da fantasia. Maior cuidado na observação, ceticismo diante das aparências, maior criatividade na procura das explicações: eis alguns procedimentos que transformaram o conhecimento comum em conhecimento científico.
Como é que se processa o trabalho científico? O trabalho científico é sempre de cunho ordenatório, realizando uma ordem ou uma classificação e, necessária e concomitantemente, uma síntese, buscando os nexos ou laços que unem os fatos. O conhecimento científico, portanto, não conhecimento do particular em si, destacado, como algo que se não situe numa ordem de realidades ou de atos, mas conhecimento do geral, ou do particular em seu sentido de generalidade, ou em sua essencialidade categorial. Não é conhecimento fortuito, casual, mas, ao contrário, é um conhecimento metódico. É o método que faz a ciência. Conhecimento científico é aquele que obedece a um processo ordenatório da razão, garantindo-nos certa margem de segurança quanto aos resultados, a coerência unitária de seus juízos e a sua adequação ao real.
O conhecimento vulgar pode ser certo – e muitas vezes o é – mas não possui a certeza da certeza, por não subordinar a verificação racional, ordenada, metódica.
O conhecimento científico, ao contrário, é aquele que verifica os próprios resultados, pela ordenação crítica de seu processo. Não vamos, por hora, discorrer sobre os métodos, nem tratar dos diferentes processos do conhecimento científico, limitando-nos a notar que este não pode prescindir da exigência metódica.
O conhecimento vulgar é conhecimento casual, de casos; o conhecimento científico é conhecimento metódico e, em outro sentido, conhecimento casual. (REALE, 1989, p. 43)
Ciência do ponto de vista formal
A ciência é um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos e sistematicamente organizados.
Ao analisarmos a ciência a partir de sua perspectiva formal, devemos elencar os seguintes pontos:
Método: palavra de origem grega (metá = com; hodós = caminho), designa um conjuntos de procedimentos em sucessão (etapas), previamente planejados, em vista de um fim previsto.
Sistema: é a ordenação dos conhecimentos num todo integrado e unitário.
Fazemos a ciência com fatos, assim como fazemos uma casa com pedras; mas a acumulação de fatos não é ciência, assim como um monte de pedras não é uma casa. (H. Poincaré)
Método experimental
O método científico é uma técnica ou modo de proceder pelo qual o cientista adquire, de maneira segura, certos tipos de conhecimento. É uma sucessão de passos ou operações que vão desde a formulação de um problema (hipótese) até a incorporação, no patrimônio científico, do novo conhecimento. Estes passos ou operações podem ser escalonados da seguinte maneira:
1. Observação rigorosa.
2. Hipótese ou formulação do problema.
3. Tentativa de obtenção de um modelo.
4. Planejamento da verificação.
5. Submissão do modelo ou da hipótese a testes críticos – experimentação.
6. Comprovação dos resultados obtidos.
7. Comunicação dos resultados obtidos (dá-se a passagem da atividade para uma linguagem).
(XAVIER TELES, 1985, p. 63)
É importante ressaltar que a comunicação de resultados geralmente se dá sob a forma de leis, teorias ou hipóteses.
Classificação das ciências
As ciências são classificadas hoje da seguinte forma:
Ciências formais: ciências matemáticas ou lógico-matemáticas (aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, lógica, física pura, astronomia pura, etc.).
Ciências naturais: física, biologia, geologia, astronomia, geografia, física, paleontologia, etc.
Ciências humanas ou sociais: psicologia, sociologia, geografia humana, economia, lingüística, arqueologia, história, etc.
Ciências aplicadas: todas as ciências que conduzem à invenção da tecnologias para intervir na natureza, na vida humana e nas sociedades, como, por exemplo, direito, engenharia, medicina, arquitetura, informática, etc.
Cada uma das ciências subdivide-se em ramos específicos, com nova delimitação do objeto e do método de investigação. Assim, por exemplo, a física subdivide-se em mecânica, acústica, óptica, etc.; a biologia em botânica, zoologia, fisiologia, genética, etc.; a psicologia subdivide-se em psicologia do comportamento, do desenvolvimento, psicologia clínica, psicologia social, etc. E assim sucessivamente, para cada uma das ciências. Por sua vez, os próprios ramos de cada ciência subdividem-se em disciplinascada vez mais específicas, à medida que seus objetos conduzem a pesquisas cada vez mais detalhadas e especializadas. (CHAUÍ, 1995, p. 260-261)
FILOSOFIA E CIÊNCIA: DISTINÇÃO
RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA
De modo geral, há três modos de se fazer Filosofia e, ao mesmo tempo, três modos de entender a relação entre Filosofia e Ciências: a Filosofia desconsidera as ciências, a Filosofia se identifica com as ciências e Filosofia e ciências devem estar em mútua referência. Vejamos uma a uma:
A Filosofia desconsidera as ciências
É uma atitude de isolamento; a Filosofia se isola das ciências, não levando em conta a problemática científica. A Filosofia seria, aqui, a “ciência do espírito”, enquanto as ciências seriam “ciências da natureza”.
1.4.2 A Filosofia se identifica com as ciências
É uma posição que considera que a Filosofia não tem conteúdo próprio e que todo o seu verdadeiro conteúdo está nas ciências. Tal posição é típica de alguns círculos ligados ao Positivismo (século XIX) e Neopositivismo (século XX). Essa posição, na realidade, propõe uma identificação total da Filosofia com as ciências (Filosofia = Ciência).
O fundamento dessa posição positivista está na afirmação de que o conhecimento científico é o único válido e legítimo e que todo assunto ou pesquisa fora dessa alçada, é falso e vazio.
Segundo Comte, a tarefa da filosofia é classificar as ciências, determinar os seus limites, julgar os progressos. A função da filosofia não é conhecer este ou aquele objeto particular (não é uma função cognitiva), mas dirigir as ciências em suas pesquisas. A sua função é normativa. (MONDIN, 1987c, p. 116)
Para o neopositivismo contemporâneo, para o chamado Círculo de Viena, assim como para a Escola Analítica de Cambridge e todas as suas derivações, a Filosofia não é senão uma teoria metodológico-linguística das ciências, uma análise rigorosa da significação dos enunciados das ciências e de sua verificabilidade, visando, segundo alguns, purifica-las de “pseudo-problemas” (REALE, 1989, p. 12)
1.4.3 Filosofia e Ciências devem estar em mútua referência
A Filosofia não se identifica com ciências: ela tem assuntos próprios que não são da competência das ciências. No entanto, a Filosofia deve estar em estreita interrelação (ou diálogo) com as ciências (oposição ao primeiro posicionamento).
Existem na época contemporânea – época de extraordinário desenvolvimento científico – entrecruzamentos, interferências e implicações recíprocas entre a ciência e a Filosofia. Tanto as ciências não podem substituir a Filosofia, como a Filosofia não pode dispensar as ciências. As ciências geram questões filosóficas e a Filosofia deve estar em referência contínua às ciências.
Assim, uma cosmovisão – exigência dos momentos hodiernos – deve ser, ao mesmo tempo, científica e filosófica. A ciência gera questionamentos que não são científicos e que ela mesma não pode resolver.
Dessa maneira, o saber científico é um saber operativo e utilitário. As ciências e a tecnologia são um meio para fins da humanidade. Mas estes fins a ciência não está capacitada a propor (e aqui entra em cena a Filosofia).
Mesmo se todos os problemas científicos estivessem solucionados, as questões verdadeiramente humanas não seriam sequer tocadas. (L. Wittgenstein)
A Filosofia, então, tem uma função fundamentadora e crítica com relação às ciências, como bem salienta o texto A função da Filosofia:
Uma das funções da filosofia é analisar os fundamentos da ciência. O próprio cientista já está, na verdade, colocando questões propriamente filosóficas quando se pergunta em que consiste o conhecimento científico, qual o seu alcance, qual a validade do método que utiliza e qual é sua responsabilidade no que se refere às consequências das descobertas. Por isso, é importante que o cientista se disponha a filosofar, a fim de investigar os pressupostos e as implicações do seu saber.
Além disso, a filosofia busca recuperar a visão da totalidade, perdida diante da multiplicação das ciências particulares e da valorização do mundo dos “especialistas”. É a filosofia que, diante do saber e do poder, avalia se estes estão a serviço do homem ou contra ele, isto é, se servem para seu crescimento espiritual ou se o degradam, se contribuem para a liberdade ou para a dominação.
Assim, é preciso questionar a ideologia do progresso que justifica as ilusões e preconceitos do homem “civilizado” por este se julgar superior a qualquer outro. Não é em nome do progresso que as tribos indígenas têm sido sistematicamente expulsas dos seus territórios? E não seria o caso de perguntar quais são os valores do homem “urbano e civilizado” que é individualista, sofre de solidão e tem sido vítima dos descontroles do progresso, como a poluição ambiental?
Diante de tais questões, não há como sustentar a neutralidade da ciência. A bomba atômica não pode ser considerada apenas como resultado do sabe sobre a energia atômica, nem como simples técnica de produzir explosão. Trata-se de um saber e de uma técnica que dizem respeito à vida e à morte de seres humanos.
Como tal, cabe ao cientista a responsabilidade social de indagar a respeito dos fins a que se destinam suas descobertas. E não é possível alegar isenção, uma vez que a produção científica não se realiza fora de um determinado contexto social e político, cujos objetivos a serem alcançados estão claramente definidos. As altas cifras necessárias ao encaminhamento das pesquisas supõem o apoio financeiro das instituições públicas e privadas, que evidentemente subvencionam os trabalhos que mais lhes interessam. Pode-se falar que, por muito tempo, houve uma “indústria da guerra”, alimentando a “corrida armamentista” e exigindo o constante desenvolvimento da ciência e tecnologia no campo militar.
O papel da filosofia consiste, portanto, em analisar as condições em que se realizam as pesquisas científicas, investigar os fins e as prioridades a que a ciência se propõe, bem como avaliar as consequências das técnicas utilizadas.
Resta lembrar que, no desempenho desse papel, o filósofo não tem respostas prontas, nem um saber acabado. Não caberia ao filósofo nortear, de forma onipotente, os rumos da ciência. A filosofia deve caminhar ao lado dos cientistas e técnicos a fim de que a abordagem específica que ela é capaz de fazer os auxilie a não perder de vista que a ciência e a técnica são apenas meios e devem estar a serviço da humanidade. (ARRUDA ARANHA, & PIRES MARTINS, 1992, p. 101-102)
2. FILOSOFIA E RELIGIÃO
2.1 O QUE É RELIGIÃO? O FENÔMENO RELIGIOSO
Religião é a vinculação existencial do homem a um supremo sentido-fundamento (Deus, Absoluto, Santo). (Karl Rahner)
Religião é a relação pessoal com o Mistério (Transcendente, Sobrenatural, Absoluto, Deus) que se revela.
A religião é o ópio do povo. (Karl Marx)
De modo geral, a religião inclui três elementos:
2.1.1 Revelação
Toda religião fundamenta-se numa Revelação, a qual significa a “abertura de si mesmo” do Transcendente.
2.1.2 Fé
A fé é a atitude religiosa propriamente dita: o reconhecimento e a aceitação da Revelação ou do Sagrado que se revela e se entrega.
2.1.3 Doutrina Religiosa
Também poderíamos chamar de “estrutura religiosa”. Trata-se do conteúdo objetivo da fé; é o elemento conceitual ligado à fé; é aquilo que se diz naquilo que se crê.
A doutrina religiosa envolve elementos teóricos (concepções de Deus, do mundo, do homem, da história; é o “dogma” no qual um indivíduo é iniciado na fé) e elementos práticos (culto e moral).
Subjetivamente, a religião é a atitude pela qual a criatura humana se orienta para o Outro divino; objetivamente, o conjunto de noções, normas e ritos pelos quais nos ligamos a esse Outro. (VANUCCHI, 2004, p. 32)
2.2 A FUNÇÃO DA RELIGIÃO
A passagem do sagrado à religião determina as finalidades principais da experiência religiosa e da instituição social religiosa. Dentre essas finalidades, destacamos:Proteger os seres humanos contra o medo da Natureza, nela encontrando forças benéficas, contrapostas às maléficas e destruidoras.
Dar aos humanos um acesso à verdade do mundo, encontrando explicações para a origem, a forma, a vida e a morte de todos os seres e dos próprios humanos.
Oferecer aos humanos a esperança de vida após a morte, seja sob a forma de reencarnação perene, seja sob a forma de reencarnação purificadora, seja sob a forma de imortalidade individual, que permite o retorno do homem ao convívio direto com a divindade, seja sob a forma de fusão do espírito do morto no seio da divindade. As religiões da salvação, tanto as de tipo judaico-cristão quanto as de tipo oriental, prometem aos seres humanos liberta-los da pena e da dor da existência terrena.
Oferecer consolo aos aflitos, dando-lhes uma explicação para a dor, seja ela física ou psíquica.
Garantir o respeito às normas, às regras e aos valores da moralidade estabelecida pela sociedade.
Em geral, os valores morais são estabelecidos pela própria religião, sob a forma de mandamentos divinos, isto é, a religião reelabora as relações sociais existentes como regras e normas, expressões da vontade dos deuses ou de Deus, garantindo a obrigatoriedade do obedecer a elas sob a pena de sanções sobrenaturais. (CHAUÍ, 1995, p. 308)
2.3 FILOSOFIA E RELIGIÃO: DISTINÇÃO
Apontamos as seguintes distinções:
O fundamento da Filosofia é só e unicamente a razão.
O fundamento da Religião é a fé na Revelação.
A verdade religiosa é verdade porque revelada por Deus.
A verdade filosófica é uma conclusão da inteligência humana.
Na religião tem fundamental importância a autoridade (no caso, a divina).
A Filosofia prescinde de toda a autoridade: a única autoridade na filosofia é evidência da razão.
2.4 FILOSOFIA E RELIGIÃO: RELAÇÃO
Existe uma proximidade entre Filosofia e Religião: ambas se referem às questões do absoluto; ambas se referem ao fundamento da realidade, à causa última do ser, ao significado da vida do homem, seu fim e destino e ambas pretendem estabelecer normas ao agir humano. Nessa semelhança, os princípios são, no entanto, diferentes: a razão e a fé, respectivamente.
O relacionamento entre Filosofia e Religião, no decorrer da história, foi muito complexo. Dessa complexidade de relacionamento resultaram diversas posições quanto ao assunto, entre elas: a Filosofia nega a Religião (ateísmo); a Filosofia reduz a Religião (deísmo); a Religião nega a Filosofia (fideísmo); a Filosofia se harmoniza com a Religião (teísmo).
2.4.1 A Filosofia nega a Religião (ateísmo)
Esta posição nega por completo o valor da Religião e até a vê negativamente. Aqui citamos: positivismo, Feuerbach, marxismo, Freud, etc.
2.4.2 A Filosofia reduz a Religião (deísmo)
Esta posição admite um valor à religião, mas apenas a uma “religião racional” ou “natural”. Ela nega o valor do dogma, do culto, do revelado e adere somente o que “cabe na razão”, como, por exemplo, as idéias da existência de Deus, a imortalidade da alma, uma vida moral correta, etc. São representantes do deísmo: Giordano Bruno, Voltaire, Kant e outros.
2.4.3 A Religião nega a Filosofia (fideísmo)
Trata-se de uma atitude oposta às anteriores e atribui valor exclusivo à fé, negando, consequentemente, a razão. A razão humana é incapaz da verdade e do bem e a Filosofia é inútil. São representantes dessa corrente: tradicionalismo, Kierkegaard, etc.
2.4.4 A Filosofia se harmoniza com a Religião (teísmo)
Essa posição concilia fé e razão. A razão é a mais alta capacidade humana, porém, pela Revelação ao homem é expresso o mais pleno significado da vida e do mundo. A fé não rebaixa a razão, mas, ao contrário, a ilumina e lhe confere novas dimensões. Destacamos: Tomás de Aquino e Maurice Blondel.
2.5 CONCLUSÃO
Na realidade, não existe conflito real entre razão e fé; Filosofia e Religião podem e devem coexistir pacificamente. De um lado, a razão e a Filosofia têm consciência de seus limites. A Filosofia busca respostas últimas, mas não as tem. O ser, a realidade, é, no fundo, um mistério.
Abre-se, então, o espaço para a nossa fé e a Revelação. A fé e a experiência religiosa, para a autêntica Filosofia, se tornam justamente o mistério que se revela para além das capacidades e possibilidades humanas.
A Filosofia, por definição, é um sistema totalitário: busca as razões últimas das coisas. A filosofia é totalitária, mas na ordem natural. Ela engloba, pois, o estudo da regra suprema da atividade humana natural. As razões que ela busca são, nesse domínio, últimas e absolutas. As conclusões certas da filosofia conservam sempre o seu valor, mesmo na hipótese da elevação do homem à vida da graça, precisamente por não destruir a graça e a natureza. Essas conclusões não são de maneira nenhuma provisórias: são verdadeiras e de uma verdade absoluta.
Mas a atividade humana tem os seus limites. A filosofia não resolve todos os problemas; nem mesmo chega a formulá-los todos. Pode tomar consciência das suas fronteiras: embora atingindo de certo modo as razões supremas, pode procurar delimitar regiões misteriosas que escapam ao nosso conhecimento; e mesmo mais, que devem escapar-lhes por ser a natureza radicalmente incapaz de alcançá-las...
A filosofia, traçando os seus próprios limites, deixa lugar aberto a uma revelação superior. (RAEYMAEKER, 1973, p. 34-35)
Por outro lado, a verdadeira fé não exige a negação da razão. A Religião entende a razão como a capacidade superior conferida por Deus ao ser humano e que nesta capacidade consiste primariamente a sua dignidade.
Longe de nós pensar que Deus tenha ódio à faculdade da razão, em virtude pela qual nos criou superiores a todos os outros seres animados. Longe de nós crer que a fé nos impede de encontrar ou procurar a explicação racional daquilo que cremos, visto que não poderíamos nem ao menos crer se não tivéssemos uma alma racional. (Santo Agostinho, carta 120.1)
A Filosofia pode coexistir e cooperar com a fé porque esta última, na sua diversidade radical, não se apresenta como irracional, mas supra-racional. (SAVAGNONE, G. Theoria. p. 263)
A fé supõe, então, a pessoa humana com o pleno exercício de suas capacidades e potencialidades.
É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrário, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição. Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser.
À luz disso, creio justificado o meu apelo veemente e incisivo para que a fé e a filosofia recuperem aquela unidade profunda que as torna capazes de serem coerentes com a sua natureza, no respeito da recíproca autonomia. Ao desassombro (parresia) da fé deve corresponder a audácia da razão. (JOÃO PAULO II. Encíclica Fides et Ratio. p. 68)
3. FILOSOFIA E ARTE
Na sua situação vital no mundo, o homem não somente conhece as coisas, as realidades, mas as contempla. As coisas, os seres não são apenas objetos de seu conhecimento e de sua manipulação, mas também atingem a sua emoção, despertam sentimentos de admiração, encanto, amor, beleza, harmonia, etc.
O homem expressa as suas emoções e sentimentos através de diversos meios. Esses meios podem ser palavras (poesia, literatura), sons (música), gestos (dança), cores e objeto (pintura, escultura). É a criação artística, a Arte, que é uma das dimensões culturais da humanidade desde sempre.
A função primordial da arte é objetivar o sentimento de modo que possamos contemplá-lo e entende-lo. É a formulação da chamada “experiência interior” da “vida interior” que é impossível atingir pelo pensamento discursivo. (LANGER, 1971, p. 82)
3.1 FILOSOFIA E ARTE: DIFERENCIAÇÃO
Façamos uma comparação entre Filosofia e Arte:
A Filosofia é obra da inteligência humana. A arte é obra da emoção humana.
Na Filosofia se trata de raciocinar, pensar e conhecer. Na Arte

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