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8 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ H58 A história das barragens no Brasil, Séculos XIX, XX e XXI : cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens / [coordenador, supervisor, Flavio Miguez de Mello ; editor, Corrado Piasentin]. - Rio de Janeiro : CBDB, 2011. 524 p. : il. ; 29 cm Inclui índice ISBN 978-85-62967-04-7 1. Barragens e açudes - Brasil - História. 2. Comitê Brasileiro de Barragens - História. I. Mello, Flavio Miguez de. II. Piasentin, Corrado. III. Comitê Brasileiro de Barragens. III. Título: Cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens 11-6197. CDD: 627.80981 CDU: 627.82(81) 20.09.11 22.09.11 029752 Comitê Brasileiro de Barragens - CBDB Agradecimentos O Comitê Brasileiro de Barragens externa seus agradecimentos às empresas abaixo relacionadas pelo apoio que possibilitou a confecção deste livro que resume o desenrolar de importante segmento da História do Brasil. Arcadis Tetraplan S/A Banco Bradesco S/A Camargo Corrêa Energia e Construções S/A CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais CESP - Companhia Energética de São Paulo CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco Construtora Norberto Odebrecht S/A Construtora Queiroz Galvão S/A Construtora Andrade Gutierrez S/A COPEL - Companhia Paranaense de Energia DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletronorte - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A Engevix Engenharia S/A Furnas Centrais Elétricas S/A Geobrugg Ag - Protection Systems Grupo Energia Intertechne Consultores S/A. Itaipu Binacional Jeene Juntas Impermeabilizações Ltda. Light S/A Mc Bauchemie Brasil Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A Norte Energia S/A Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura Ltda. Sto Antonio Energia DIRETORIA CBDB Presidente: Erton Carvalho Vice-Presidente: Fabio De Gennaro Castro Diretor Secretário: Paulo Coreixas Junior Diretor Técnico: Brasil Pinheiro Machado Diretor de Comunicações: Miguel Augusto Z. Sória Diretor Adjunto: Marcos Luiz Vasconcellos Diretor Adjunto: Ademar Sérgio Fiorini FICHA TÉCNICA Coordenador / Supervisor: Flavio Miguez de Mello Editor: Corrado Piasentin Projeto Gráfico: Modonovo Design - Marina Hochman Diagramação: Modonovo Design - Marina Hochman / Natália Seiblitz Revisão de texto: Margarida Corção Gráfica: Impressul Indústria Gráfica índiceíndice Prefácio Apresentação Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil A Comissão Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e Três Anos de Excelência História do Comitê Brasileiro de Barragens Um Século de Obras contra as Secas As Barragens Construídas pelo DNOCS Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil Usina Hidroelétrica de Marmelos Usina Hidroelétrica de Angiquinho Usina Hidroelétrica de Itapecuruzinho A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste Furnas no Século XX A Eletronorte e as Barragens da Região Amazônica A História das Barragens no Paraná Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG 98 112 124 88 9 12 16 48 56 66 76 130 142 150 166 188 206 226 250 Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul - CEEE Companhia Energética de São Paulo - CESP Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina - Energisa Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL Breve Memória sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2010 As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil A Nova Face das Empresas Estatais frente à Expansão da Oferta de Energia Hidroelétrica no País As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos A Evolução do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil A Evolução da Legislação Aplicada às Barragens Centros de Pesquisas Tecnológicas Aplicadas a Barragens - Introdução CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia O Laboratório de Hidráulica HIDROESB - Saturnino de Brito SA O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT 272 284 292 304 308 346 354 368 396 406 412 414 426 432 436 446 Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos de Furnas - LAHE O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC Anexos Anexo 1 - Entrevistas Eduardo Larrosa Bequio Guy Maria Villela Paschoal Hélio Mendes de Amorim João Camilo Penna José Candido Capistrano de Castro Pessoa Luiz Carlos Queiroz Mario Santos Murillo Dondici Ruiz Olavo Augusto Vieira Anexo 2 - Depoimentos José Gelazio da Rocha e Antônio Dias Leite Anexo 3 - Diretorias do CBDB Anexo 4 - Seminários Nacionais de Grandes Barragens Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e Médias Centrais Hidroelétricas Anexo 6 - Congressos Internacionais e Reuniões Anuais e Executivas Anexo 7 - Sócios Coletivos e Mantenedores 454 464 474 477 483 485 488 491 493 506 509 512 514 516 519 520 522 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 9 Prefácio Prefácio Em comemoração aos 50 anos de existência do Comitê Brasileiro de Barragens – CBDB – filiado à International Commission on Large Dams (ICOLD), apresentamos o livro “A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI”. Pretendemos, assim, registrar a história das barragens brasileiras, resgatando os principais personagens que contribuíram para o desenvolvimento da nossa engenharia, envolvendo não só homens públicos, mas também empreendedores do setor privado e pesquisadores. As barragens surgiram em decorrência da necessidade de se usufruir dos benefícios do uso múltiplo dos recursos hídricos para a população brasileira. O livro retrata as primeiras barragens construídas no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) teve um papel importante com a construção de açudes para irrigação, abastecimento de água das cidades e pequenos núcleos populacionais. Essa política, que previa a formação de reservatórios no semi-árido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanência do sertanejo no seu ambiente natural, amenizando os processos migratórios para a Região Sudeste do País. Além da contribuição nos métodos construtivos das barragens, principalmente as de maciços de terra, houve um grande desenvolvimento nas áreas de hidrologia e meteorologia. A SUDENE, dirigida pelo economista Celso Furtado na década de 1960, implementou um plano de desenvolvimento regional embasado em estudos dos recursos naturais, envolvendo mapeamentos pedológicos, águas de superfície e subterrânea, climatologia, hidrologia, piscicultura, entre outras ciências que serviram de suporte para projetos de irrigação e construção de barragens. O livro aborda com abrangência o desenvolvimento tecnológico para a construção das barragens brasileiras a partir de 1950, quando se iniciou o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro. O primeiro trabalho de inventário dos rios da Região Sudeste foi elaborado pela Canambra Engineering Consultants Limited, grupo de grande competência, que colaborou, juntamente com algumas empresas brasileiras, na formação dos nossos engenheiros na área de recursos hídricos e projetos de barragens. No Brasil foram iniciadas as construções de grandes barragens, apoiadas em estudos e projetos de alta qualidade. Os técnicosbrasileiros foram influenciados principalmente pelas organizações americanas United States Bureau of Reclamation e US Army Corps of Engineers. Paralelamente, para suporte tecnológico desses empreendimentos, foram criados vários centros de pesquisas, os quais fazem parte dos pontos importantes abordados nesta publicação. O aparecimento e o desenvolvimento das empresas construtoras de barragens constituem fatos de grande relevância. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 10 Este livro registra as primeiras hidroelétricas construídas no país, selecionadas por região. Apresenta, também, uma significativa documentação sobre o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) extinto no inicio da década de 1990, o qual realizou vários trabalhos apreciáveis nas áreas de abastecimento de água, irrigação e geração de energia elétrica, sendo também responsável pelas obras de controle de cheias em todo país. As empresas subsidiárias da ELETROBRAS: FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ELETROSUL, bem como as dos estados de Minas Gerais (CEMIG), São Paulo (CESP), Rio Grande do Sul (CEEE) e Paraná (COPEL), aparecem documentadas com a história de suas formações, incluindo os empreendimentos realizados e as respectivas estratégias de desenvolvimento. A usina de Itaipu Binacional, pertencente ao Brasil e ao Paraguai, está retratada com a sua história e importância, não só para a geração de energia elétrica, como também para a integração dos dois países. Destaca-se na Região Amazônica o relato do projeto e construção da usina de Tucuruí, a maior hidroelétrica brasileira, dotada de eclusas para a navegação do rio Tocantins, realçando a importância da Região Amazônica como continuidade do uso dos nossos recursos hídricos. A preocupação do CBDB em defesa do desenvolvimento sustentável do País está comentada nos tópicos sobre a evolução do licenciamento ambiental para os empreendimentos hidráulicos, no que se refere à construção das barragens e seus impactos. A legislação sobre a segurança das barragens, que faz parte do programa de trabalho do CBDB, é também citada nesta publicação. Finalmente, este livro é dirigido a um público abrangente, visando, principalmente, o leitor interessado na história contemporânea do desenvolvimento brasileiro, sem a exigência de que ele seja possuidor de conhecimentos técnicos sobre o tema. Erton Carvalho PREsIDENTE DO CBDB A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI Reservatório de Tucuruí 13 Apresentação Flavio Miguez de Mello “Águas são muitas, infi nitas... E em tal maneira é grandiosa que, querendo, a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.” Pero Vaz de Caminha, 1500. Apresentação Com a proximidade do cinquentenário do Comitê Brasileiro de Barragens CBDB surgiu, em reunião do Conselho Deliberativo, a proposta do engenheiro Manuel de Almeida Martins de que se editasse um livro comemorativo versando sobre a história da engenharia de barragens no Brasil. A proposição foi aceita com entusiasmo, cabendo a mim a tarefa de produzir o livro e publicá-lo no aniversário de cinquenta anos do CBDB, em outubro de 2011. Outras entidades publicaram livros de escopo semelhante: a ABMS publicou Cinquenta Anos de Geotecnia em 2000 e a ABGE publicou a Edição Comemorativa dos Trinta Anos, em 1998. Este livro é lançado em difícil momento para os investidores, estatais e privados, em empreendimentos para qualquer das di- versas fi nalidades de barragens dadas às vigentes difi culdades de aprovação, licenciamento e distorções legais que propiciam prio- rização soluções mais poluentes, de questionável segurança e de menor economicidade. A propósito, cabe realçar as palavras de Paulo Skaff, presidente da FIESP ao analisar as tendências atuais (2011) do setor elétrico: “O Brasil assiste a desqualifi cação de suas fontes de energia mais competitivas e abundantemente disponíveis. Essa distorção já contaminou a legislação ambiental brasileira e, mais recentemente, comprometeu o planejamento energético. O Brasil está desperdiçando impor- tantes potenciais hídricos ao limitar, emocionalmente, o dimensionamento dos reservatórios das barragens.” No mesmo sentido, a ministra Miriam Belchior, do Planejamento alertou (2011): “Acreditamos que será possível, de fato, Belo Monte ser um exemplo de implantação de usina hi- droelétrica na Região Amazônica ... exceto os que tenham uma posição ideológica e não técnica (sobre meio ambiente), os demais serão convencidos de que está sendo feito todo o esforço, envolvendo todos os atores, para que a implantação de Belo Monte seja um sucesso de sustentabilidade social e ambiental.” No início dos trabalhos, a Diretoria do CBDB emitiu uma circular a todos os sócios comunicando a intenção de publicar este livro e incentivou os associados a se apresentarem como voluntários na preparação dos diversos capítulos que haviam sido programados. Como voluntários não apareceram, e como o assunto a ser abor- dado no livro é demasiadamente extenso no tempo, superando um século, e no espaço, por abranger o vasto território nacional, tive que selecionar alguns voluntários que gentilmente aceitaram a tarefa e desempenharam a função de redatores com maestria e objetividade. Entretanto, mesmo assim, como são muitos os aspec- tos enfocados, o livro acabou apresentando uma certa concentração de capítulos em um autor. Ao iniciar a tarefa me deparei com grandes difi culdades provenien- tes das importantes perdas para a Profi ssão de inúmeros expoen- tes da engenharia nesses pouco mais de dez anos que separam as publicações das outras associações da edição do livro do CBDB. Essas perdas de quase uma geração inteira de notáveis pioneiros dos tempos das mais importantes conquistas tecnológicas e da fase pioneira da implantação de grandes barragens para as mais diversas fi nalidades bem como da época das grandes difi culdades para identifi cação, planejamento, projeto, construção e operação de barragens e reservatórios, fi zeram com que a tarefa se tornas- se árdua em função da busca de documentos, relatórios, foto- C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 14 grafias e depoimentos que formassem as bases para o relato de uma história de mais de um século de conquistas que merecem registro. Os que atualmente atuam em implantação de barragens podem não imaginar que, por exemplo, para visitar pela primei- ra vez o local da hidroelétrica de Salto Grande em Minas Gerais, o engenheiro John Cotrim gastou duas semanas a cavalo. Por sorte tive o privilégio de conviver profissionalmente com alguns dos mais destacados atores daquele período e que já nos abandonaram. Estive com alguns desses atores com frequên- cia em certas longas fases do exercício profissional tais como os engenheiros Flavio H. Lyra, John R. Cotrim, Léo A. Penna, Arthur Crocchi, E. Von Ranke, Victor F.B. de Mello, Carlos Al- berto Pádua Amarante, Epaminondas Mello do Amaral Filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, Antônio José da Costa Nunes, Francisco de Assis Basílio, José Machado e José Cândido Castro Parente Pessoa com os quais tive oportunidades de angariar va- liosos depoimentos sobre aspectos de vivências profissionais pas- sadas. Com vários outros atores do passado tive contatos menos extensos, mas de elevado interesse no relato de experiências pro- fissionais tais como Mário Penna Bhering, César Cals de Oliveira Filho e consultores como Manuel Rocha e Porland Port Fox. Usina hidroelétrica Serra do Facão A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 15 Desses contatos pude extrair há anos, informações de elevado conteúdo histórico, algumas das quais relato neste livro. Esses contatos, dos quais guardorecordações as mais preciosas, foram em parte devidos à minha atuação profissional na engenharia, à minha atuação na Universidade e às minhas atividades no CBDB e em outras entidades técnicas. No CBDB, embora não seja o mais velho, devo certamente ser o mais antigo por ter sido chamado muito jovem a apoiar as atividades em sua sede. Prova- velmente foram esses fatores que levaram o Conselho do CBDB a me indicar como responsável pela edição desse livro. Alguns relatos apresentados em capítulos deste livro foram obtidos diretamente desses contatos dos que nos precederam na Profissão. O livro foi enriquecido com textos, entrevistas e informações de al- guns dos mais destacados profissionais que atuam na engenharia de barragens em nosso País. Procurei congregar neste livro narrativas sucintas, porém objetivas, de todas as principais atividades que resultaram na implantação de tantas barragens que trouxeram progresso e bem estar ao nosso povo desde o Século XIX. Considerando que a história recente é mais conhecida por aqueles que acessarem esse livro, é de se notar que há, em quase todos os capítulos, uma ênfase maior na história remota, de mais difícil caracterização. Dessa forma há uma ênfase nas primeiras barragens para saneamento, para controle de cheias e, principalmente, para combate às trágicas consequências ocasionadas pelas secas e para produção de energia elétrica. Sobre esse aspecto há um capítulo resumindo as primei- ras hidroelétricas nas diversas regiões do País, com destaque para as primeiras usinas hidráulicas para fornecimento público de energia elétrica: Marmelos no Sul-Sudeste, construída ainda no Século XIX por Bernardo Mascarenhas, Angiquinho implantada no Nordeste por Delmiro Gouveia e Itapecuruzinho, implementada na Re- gião Amazônica por Newton Carvalho, pai do atual presidente do CBDB, engenheiro Erton Carvalho. O relato mais detalhado dessas barragens pioneiras retrata a imagem das imensas dificul- dades logísticas de acesso, de obtenção de materiais e de aqui- sição de equipamentos. Mesmo assim, os que nos precederam conseguiram, nas mais adversas condições, implantar barragens e hidroelétricas em até menos de um ano, prazos presentemente ina- creditáveis dadas as atuais delongas e dificuldades legais, de aprova- ção, de concessão e de licenciamento ambiental, além de oposições dos auto-proclamados ambientalistas nacionais e estrangeiros. Com uma longa história tão rica a ser resumida num espaço tão curto, o livro inevitavelmente contém omissões pelas quais des- de já peço desculpas. Não foi possível mencionar todos os atores e relatar todas as inúmeras atividades de implantação de barragens que ocorreram por mais de um século nesse tão vasto território nacional. Presentemente, só considerando as grandes barragens, no Brasil há bem mais de mil dessas estruturas em operação e, se consideradas as barragens de rejeitos, ultrapassa-se a casa das duas mil grandes barragens. O presente livro é resultado do apoio e do incentivo de muitas pes- soas entre as quais cabe destacar especialmente a constante com- preensão e apoio de minha esposa, das quatro filhas que passaram mais de um ano sem minha participação em atividades de fins de semana. Agradeço também aos dirigentes e funcionários do CBDB, o editor Corrado Piasentin, a revisora de texto Margarida Corção e o conselheiro Aurélio Alves de Vasconcelos, presentes e atuantes desde a primeira hora. Agradecimentos são devidos aos autores dos capítulos e aos entrevistados que contribuíram decisivamente para a viabilização do livro. Cabe ainda agradecer os importantes apoios recebidos de diversos profissionais entre eles Alberto Jorge C. T. Cavalcanti, Alberto Sayão, Ana Teresa Ponte, André Luiz Fa- biani, Carlos Henrique Medeiros, Carlos Mazzaro, Cleber José de Carvalho, Delphim Mazon Fernandes, Flavio Pilz, Fernando Pires de Camargo, Gisele Miranda Gomes Reis, Gualter Pupo, Gustavo Nasser Moreira, Heloisa Ottoni, Henrique Frade, Hilton Ahiran da Silveira, John Denys Cadman, José Carlos de Miranda Reis Neto, Jerson Kelman, João Paulo Maranhão Aguiar, José Gelazio da Rocha, José João Rocha Afonso, Julia Ferrer Leal de Araujo, Leila Lobo de Mendonça, Mair Melo Andrade, Margaret Rose Mendes Fernandes, Nicole Schauner, Og Pozzoli, Paulo Coreixas Jr., Ricardo Ivan Bicu- do, Rosana Libânio, Sandra Pereira, Sérgio Pimenta, Simone Idalgo Machado, Talvani Hipólito Nolasco Filho, Teresa Malveira, Vânia Rosa Costa, Viviani Siqueira Vecchi e Walton Pacelli de Andrade. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 16 17 Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil Flavio Miguez de Mello Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil O País e seus recursos hídricos O Brasil é um território contínuo de forma quase quadrada, a maior parte do qual se situa no hemisfério sul, desde 4° de latitude norte a 33º de latitude sul e de 40 º a 75º de longitude oeste, compre- endendo 8,5x106 km². Esse grande território tem uma longa fron- teira com todos os países da América do Sul à exceção do Equador e do Chile, com uma extensa costa banhada pelo Oceano Atlân- tico ao longo de 8.500 km. O País abriga a quinta maior popula- ção do mundo. A maior parte dos seus 190 milhões de habitantes vive na Região Sudeste onde as maiores cidades estão localizadas. Como o País é de tão grande superfície, há diferentes aspectos natu- rais tais como, por exemplo, a quantidade e frequência de precipita- ções, os recursos hídricos, o clima, a geologia, o relevo e a vegetação. O ambiente varia das planícies alagadas da Amazônia Equatorial e do Pantanal ao Planalto Central, da cadeia de montanhas próximas à costa no Sudeste até as planícies do Sul e do Meio Oeste, variando de áreas úmidas ao vasto semi-árido do interior do Nordeste. “We trust that the results of the study will help the power industry of South Central Brazil to develop on a sound basis in the years that lie ahead.” “Acreditamos que os resultados do estudo auxiliarão nos anos vindouros o desenvolvimento da indústria de geração do Centro-Sul do Brasil sobre uma base sólida” John K. Sexton, engenheiro chefe da Canambra, 1966. A parte central da Região Amazônica é cortada de oeste para leste pelo rio Amazonas, o mais caudaloso e mais longo rio do mun- do, com uma descarga média superior a 200.000 m³/s, formado por dois grandes rios, o Solimões que drena os Andes peruanos e bolivianos e o Negro. Os mais importantes tributários desses rios e os rios da bacia do rio Tocantins que flui de sul para norte, constituem-se nos grandes recursos hídricos do norte do Brasil, apresentando descarga específica média de 35 l/s.km². A leste desta região encontra-se a região semi-árida do nordeste brasileiro cujos rios são em geral intermitentes, podendo apre- sentar descargas específicas médias tão baixas quanto 3 l/s.km². Nessa área, denominada Polígono das Secas, a incidência solar supera as 3000 horas por ano, a precipitação média anual pode ser de 400 mm ou menos. Nessa área a evaporação média pode atingir 2000 mm/ano e, juntamente com evapotranspiração, pode ser responsável pelo consumo de até 92% das precipitações. A pe- quena espessura da cobertura de solo faz com que haja dificuldade em reter a umidade e, como o substrato cristalino é pouco permeável, só é possível acumular águas subterrâneas em regiões de rochas com fraturas profundas, sendo geralmente esta água insuficiente e de baixa qualidade. Quase todos os rios do Nordeste, com exceção dos rios São Francisco (que é proveniente do Sudeste) e Parnaí- ba, têm regime intermitente em pelo menos parte de seus cursos. Barragem de finalidades múltiplas de Pedra do Cavalo no rio Paraguaçu naBahia C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 18 Nesses rios intermitentes, no caso de barragens não muito altas, o tratamento de fundação pode ser feito na primeira estação seca du- rante a construção e a barragem construída durante a estação seca seguinte, muitas vezes sem requerer estruturas de desvio e ensecadeiras. No resto do País as descargas específicas variam de 12 l/s.km² a 30 l/s.km². Nos últimos 40 anos o País tem participado intensamente da econo- mia internacional, variando entre a oitava e a décima maior econo- mia do mundo. As secas no Nordeste e o desenvolvimento do País foram os fatores determinantes para a implantação do grande nú- mero de barragens construídas desde a última década do século XIX. Um olhar para o passado remoto A mais antiga barragem que se tem notícia em território bra- sileiro foi construída onde hoje é área urbana do Recife, PE, possivelmente no final do Século XVI, antes mesmo da invasão holandesa. Conhecida presentemente como açude Apipucos, aparece em um mapa holandês de 1577. Apipucos na língua tupi significa onde os caminhos se encontram. A barragem original foi alargada e reforçada para permitir a construção de uma im- portante via de acesso ao centro do Recife. Há referências tam- bém ao dique Afogados construído no rio Afogados, um braço do rio Capiberibe, por Harman Agenau por 6000 florins para acesso a um forte também na atual região urbana do Recife. O dique tinha três metros de altura e cerca de 2 km de extensão, tendo sido concluído em dezembro de 1644; em 1650 sofreu transbordamento por ocasião de uma grande cheia, tendo cola- psado em vários pontos. Figuras 1a e 1b - Barragem de Apipucos na cidade do Recife. A mais antiga barragem que se tem registro no Brasil A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 19 As obras contra as secas O ano de 1877 foi o início da maior tragédia nacional devido a fenômeno natural: A Grande Seca no Nordeste com duração superior a três anos deixou cicatrizes que até hoje são nítidas. O estado do Ceará, uma das áreas mais atingidas, na época com 1,5 milhão de habitantes, perdeu mais de um terço da sua popula- ção de maneira trágica, tendo sido palco de migrações em massa de fl agelados. Somente a partir de meados dos anos oitenta do século passado passou-se a saber que as secas são devidas ao fenômeno conhecido por El Niño no Pacífi co Sul. Muitos anos antes, outro intenso El Niño foi responsável pela retirada dos invasores holandeses de onde é hoje a costa do Ceará. Em 1880, logo após a Grande Seca, o Imperador D. Pedro II que esteve na área atingida, nomeou uma comissão para recomendar uma solução para o problema das secas no Nordeste. As principais recomendações foram a construção de estradas para que a popu- lação pudesse atingir o litoral e a construção de barragens para suprimento de água e irrigação no Polígono das Secas cuja área é superior a 950.000 km². Isso marcou o início do planejamen- to e projeto de grandes barragens no Brasil. A primeira dessas barragens foi Cedros, situada no Ceará e concluída em 1906. Centenas de barragens foram construídas desde a Grande Seca no Nordeste. Na primeira década do século XX uma membrana de alvenaria ou de concreto era usualmente usada como elemento impermeabilizante interno de barragens de terra. A pequena al- tura das barragens e a rocha sã nos leitos dos rios minimizavam a necessidade de tratamento de fundação. A rocha sã em geral en- contrada nas ombreiras, em vários projetos, conduziu à adoção de vertedouros de superfície simplesmente escavados em rocha sã. Os anos 50 e 60 do século passado foram os anos dourados na cons- trução de barragens para combate às secas. No fi nal do Século XX o DNOCS executou sua última barragem, Castanhão cuja fi nalidade principal foi o abastecimento de água da cidade de Fortaleza. Recentemente foi lançado o projeto de derivação de parte das des- cargas do rio São Francisco para o Polígono das Secas. Esse gran- de rio que nasce na Região Sudeste em Minas Gerais, tem no seu trecho inferior uma descarga média de longo termo de cerca de 2000 m³/s. No seu estágio fi nal a derivação será de 3,2% desta des- carga para as regiões de seca. Serão construídas diversas barragens, diques, canais, estações de bombeamento e casas de força para Figura 2 - Barragem de Cedros, uma das duas mais antigas grandes barragens do Brasil (1906) Figura 3 – Barragem de Castanhão para abastecimento de água à cidade de Fortaleza, CE C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 20 geração de energia. Serão bombeados 63,5 m³/s do rio São Fran- cisco. Durante as estações chuvosas na bacia do rio São Francisco poderão ser bombeadas até 127 m³/s . A maioria das grandes barragens do Brasil (pela classificação da CIGB) encontra-se na Região Nordeste, a maior parte delas em aterro compactado, sem serem muito altas. As primeiras barragens para produção de energia elétrica Nas regiões Sul e Sudeste a implantação de barragens foi prin- cipalmente direcionada para produção de energia elétrica. No final do Século XIX começaram a ser implantadas pequenas usinas para suprimento de cargas modestas e localizadas, to- das com barragens de dimensões discretas. A primeira usina da Light entrou em operação em 1901, no rio Tietê, para su- primento de energia elétrica à cidade de São Paulo. Inicialmen- te denominada Parnaíba e depois Edgard de Souza, a usina, quando inaugurada, tinha 2 MW instalados; sua barragem ori- ginal com 12,5 m de altura, era de alvenaria de pedra consti- tuída por grandes blocos de rocha gnáissica solidarizados com argamassa, sendo, em grande parte de sua extensão, um verte- douro de soleira livre. Em 1954 a antiga usina foi substituída por unidades de recalque e a barragem alteada para 18,5 m através de reforços em contrafortes e com vertedouro com três compor- tas de segmento de capacidade conjunta de 800 m³/s. No final do século passado, em função das intensas alterações nos co- eficientes hidráulicos de sua área de drenagem devido à ur- banização da cidade de São Paulo e das cidades vizinhas, o vertedouro foi redimensionado com considerável acréscimo de capacidade. Até os anos cinquenta todas as empresas de energia elétrica eram privadas e as suas usinas eram situadas principal- mente nas regiões Sul e Sudeste. A maior parte das barragens eram estruturas de concreto gravidade ou de alvenaria de pe- dra, não muito altas. Presentemente (2011) há 1206 MW ins- talados em hidroelétricas de mais de 50 anos de idade. Muitas dessas unidades estão sendo agora reabilitadas e repotencia- das. As primeiras grandes barragens do País foram Cedros acima mencionada e Lajes, que entrou em operação em 1906 no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de derivar as águas do ribeirão das Lajes para da usina de Fontes no Rio de Janeiro, na época uma das maiores do mundo. Em 1934 o decreto federal nº 24643 conhecido como Código de Águas e o cancelamento da cláusula ouro que protegia as empre- sas concessionárias dos efeitos da desvalorização da moeda nacio- nal, passaram a desencorajar diretamente os investidores do setor elétrico. Devido à contenção tarifária e à fragilidade do capital nacional, passou a haver insuficiência de oferta de energia nas décadas seguintes. Os danos ao progresso da Nação foram inten- sos e irrecuperáveis, tendo sido causado intenso estrangulamento na expansão de oferta de energia elétrica. Esse estrangulamen- to fez com que o governo federal e alguns governos estaduais criassem empresas de energia elétrica. Assim, o setor elétrico foi aos poucos sendo estatizado. Logo após a II Guerra Mundial, a Light, concessionária da mais desenvolvida região doPaís, construiu diversas barragens e grandes casas de forças subterrâneas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para esses empreendimentos consultores individu- ais prestaram importante apoio tais como Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e Portland Port Fox. Desde o início dos anos cinquenta as concessionárias estatais pas- saram a se concentrar em empreendimentos de grandes vultos. Por esse motivo as mais importantes contribuições no sentido de desenvolvimento de tecnologias de projeto, construção e opera- ção de barragens são principalmente devidas à implantação de hidroelétricas. Em 1960, devido à desastrosa e desastrada políti- ca de restrição tarifária iniciada pelo Código de Águas que incluiu o não reconhecimento de remuneração de capital empregado em obras de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a capacidade instalada no território nacional era de apenas 5.000 MW, dos quais 3.700 MW provinham de hidroelétricas. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 21 A evolução do conhecimento dos recursos hidroenergéticos. O legado da Canambra Na primeira metade do século passado, dada a escassez de mapea- mento e as dificuldades logísticas, os recursos hídricos em território brasileiro eram pouco conhecidos e não tinha havido ainda estudos sistemáticos que posteriormente, a partir dos anos sessenta, passaram a ser designados por estudos de inventário. A Light, responsável pelo suprimento de energia elétrica às mais importantes regiões no Rio de Janeiro e em São Paulo, efetuava estudos dispersos, tendo inclusive atingido as Sete Quedas, sem o conhecimento dos potenciais do rio Grande e do rio Paranaíba, muito mais próximos. Nessa época, John Cotrim, diretor técnico da Cemig, organizou uma expedição pelo rio Grande entre dois potenciais conhecidos: os locais das usinas de Itu- tinga e de Peixoto. Nessa expedição foi identificado o local de Furnas Figura 4 – Barragem e reservatório de Lajes, uma das duas grandes barragens mais antigas do Brasil (1906) C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 22 que posteriormente deu origem à empresa de mesmo nome. A desco- berta desse potencial causou espanto no meio técnico da época. Como reflexo desse levantamento veio o objetivo da Cemig de efetuar um levantamento dos recursos hidroenergéticos de Minas Gerais. A Cemig solicitou apoio financeiro ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP sigla em inglês). Ao abrigo desse recurso financeiro, Cemig assinou, em 2 de novembro de 1962, um con- trato com a Canambra Engineering Consultants, um consórcio entre as empresas consultoras canadenses, Montreal Engineering Company Ltd. e G.E. Crippen & Associates Ltd. e a americana Gibbs & Hill Inc., para que fosse realizado o inventário dos recursos hidroenergéticos em Minas Gerais. Com a sugestão do Banco Mundial que atuou nesse inven- tário como agente executivo do UNDP, de estender os estudos à toda Região Sudeste considerando a importância desses estudos para a otimização dos investimentos em geração de energia elétrica e como todos os rios que nascem em Minas Gerais atravessam outros estados, o governo federal se interessou vivamente pela iniciativa da Cemig e, em 3 de junho do ano seguinte, os estudos foram estendidos à toda a Região Sudeste através de um contrato assinado entre a Canambra e Furnas. Para tanto, o ministro Gabriel Passos das Minas e Energia e os governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara assinaram em 1 de março de 1963 o Plano de Opera- ção. Inicialmente conhecido como ONU-Cemig, os estudos passaram a ser conhecidos como Canambra. Com esse propósito, o UNDP disponibilizou recursos da ordem de US$ 2,7 milhões, havendo a contra- partida em moeda nacional no equivalente a US$ 3,8 milhões. Três grupos foram formados, um em Belo Horizonte, um em São Paulo e um no Rio de Janeiro. Os dois primeiros grupos acima mencio- nados desenvolveram o inventário dos recursos hidroenergéticos em relatórios independentes e o grupo sediado no Rio de Janeiro usou os resultados obtidos adicionados a investigações de outras possíveis fontes geradoras, inclusive termoelétricas a carvão, a óleo e usinas nucleares, para formatar o programa final de desenvolvimento ener- gético da Região Sudeste. A área total investigada foi de 1,1 milhão de quilômetros quadrados cobrindo 28.000 km de rios, usando 3.700 horas de voos de reconhecimento, englobando 510 locais de barragem dos quais 264 foram levantados com melhor precisão, o que demandou aerofotografias de uma área de 516.000 km². Fo- ram identificados como viáveis potenciais que somados atingiram 40.000 MW. Os estudos de inventário constituíram-se em atividade sem precedente, tendo direcionado o desenvolvimento hidroener- gético da região. Nas fases posteriores de implantação das usinas, a maioria esmagadora dos estudos realizados pela Canambra foi posteriormente aprofundada nas etapas sucessivas de projeto den- tro das diretrizes inicialmente estabelecidas. O relatório final foi entregue por J.K. Sexton, diretor da Canambra, a John Cotrim, chefe do Comitê de Direção dos Estudos, em dezembro de 1966. Considerando o sucesso dos estudos desenvolvidos na Região Su- deste, a Canambra foi contratada para efetuar estudo de mesmo es- copo para a Região Sul. Posteriormente, nos anos setenta, empresas nacionais realizaram estudos de inventário hidroenergéticos nas regi- ões Norte e Nordeste. A partir dos anos oitenta os estudos anteriores começaram a ser revisados e densificados em quase todo o território nacional. Progressivamente as condicionantes ambientais foram ganhando espaço nas definições de projetos em inventários. Um exemplo típico foi a revisão do inventário do rio Paraibuna em Minas Gerais que havia sido feito nos anos oitenta. A partir de poucos anos Figura 5 – Grupo de Minas Gerais da Canambra trabalhando no escritório central da Cemig A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 23 após seu término, os projetos que pelas exageradas dimensões de seus reservatórios inundariam centros urbanos e grandes extensões de obras de infraestrutura viária, foram progressivamente alterados para reservatórios de menores dimensões, maior número de usinas com quedas mais modestas e pequenos trechos inaproveitados. Fo- ram definidos os aproveitamentos de Picada, Sobragy, Cabuy, Monte Serrat, Bonfante e Santa Fé com pequenas áreas inundadas. Apesar de pequena perda energética em relação à partição de queda proposta nos anos oitenta, os empreendimentos passaram a ser econômica e ambientalmente viáveis, tendo sido implantados a partir do início dos anos noventa. Na usina que fica mais a jusante foi possível a compati- bilização inédita do aproveitamento energético com a canoagem, qua- se sempre objetivos antagônicos. Durante os dias de fim de semana, feriados e noites de lua cheia, são liberados para a canoagem pela bar- ragem de derivação a descarga de 50 m³/s, ideal para a prática da cano- agem, garantindo melhores condições do que as condições naturais. 7a 7b 7c 7d Figura 6 - John Cadman fotografado por John Cabrera, atolados na beira do rio, mostrando as dificuldades logísticas durante os levantamentos de campo efetuados pela Canambra Figura 7a - PCH Monte Serrat no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7b - PCH Bonfante no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7c - PCH Santa Fé no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7d – Rafting no rio Paraibuna sobre a soleira vertedora da barragem de derivação de Santa Fé C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 24 Influenciada por essasalterações, a ANEEL contratou a Es- cola Politécnica da UFRJ em 2000 para reestudar toda a bacia do rio Paraíba do Sul com atenção especial aos impactos am- bientais, a menos das usinas existentes ou aprovadas entre as quais o complexo de Simplício. Dessa revisão dos inventários existentes resultou o projeto de mais de cinquenta novos apro- veitamentos, em sua maioria esquemas de baixa queda para torná-los ambientalmente viáveis. Dentre os aproveitamentos de baixa queda destacam-se as PCHs gêmeas Queluz e Lavri- nhas, assim denominadas por terem todos os equipamentos idênticos. Essas PCHs, com 30 MW cada, construídas no rio Paraíba do Sul a montante do reservatório do Funil, foram concluídas em 2011 e tiveram seus reservatórios condicionados pela infraestrutura viária do local. Figuras 8a e 8b – PCH Queluz antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a ponte da rodovia Presidente Dutra BR-116 Figuras 9a e 9b - PCH Lavrinhas antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a rodovia Presidente Dutra BR-116 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 25 Alterações nos critérios tarifários e a consequente ampliação de implantação de hidroelétricas Nos anos sessenta e setenta, devido ao estabelecimento do cri- tério da verdade tarifária introduzido no início do governo Cas- telo Branco por Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, um impressionante número de grandes hidroelétricas foram constru- ídas e entraram em operação, algumas das quais entre as maiores do mundo na época. Nos anos oitenta e noventa um menor número de hidroelétricas entra- ram em operação devido à carência de recursos financeiros das estatais causada principalmente pelos impactos na economia nacional devi- dos aos dois choques do petróleo e a crescente inflação. Entretanto, a concentração de investimentos em poucos, mas grandes empreendi- mentos, continuou, resultando no que mostra a tabela a seguir. Figura 10 – Local da usina hidroelétrica de Furnas no início de sua construção. A partir da esquerda Flavio H.Lyra, Juscelino Kubitschek de Oliveira, John R. Cotrim, Benedito Dutra e outros. Todos olhando para o fotografo a menos de Flavio H. Lyra preocupado com a concepção do projeto C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 26 Figura 11 – Casa de força e vertedouro da usina hidroelétrica de Tucuruí Figura 12 – Usina hidroelétrica de Salto Santiago no rio Iguaçu Figura 13 – Usina hidroelétrica de Itá em final de construção A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI Legenda: N Região Norte S Região Sul SE Região Sudeste NE Região Nordeste CO Região Centroeste TE barragem de terra ER barragem de enrocamento com núcleo de terra BEFC barragem de enrocamento com face de concreto CG barragem de concreto gravidade CCR barragem de concreto compactado com rolo GA barragem de concreto em gravidade aliviada CF barragem de concreto em contrafortes TABELA 1 Maiores Hidroelétricas em Operação em 2011 Hidroelétrica Potência Região Tipo de Barragem (MW) Tucuruí 8.370 N TE/CG Itaipu (Brasil) 7.000 S GA/CG/CT/ER/TE Ilha Solteira 3.444 SE/CO TE/CG Xingó 3.162 NE BEFC Paulo Afonso IV 2.462 NE TE/CG Itumbiara 2.082 SE/CO TE/CG São Simão 1.710 SE/CO TE/CG Foz do Areia 1.676 S BEFC Jupiá 1.551 SE/CO TE/ER/CG Porto Primavera 1.540 SE/CO TE/CG Itá 1.450 S BEFC Itaparica 1.479 NE TE/CG Marimbondo 1.440 SE TE/CG Salto Santiago 1.420 S ER Água Vermelha 1.396 SE TE/CG Segredo 1.260 S BEFC Salto Caxias 1.240 S CCR Furnas 1.216 SE ER Emborcação 1.192 SE/CO ER Salto Osório 1.078 S ER Sobradinho 1.050 NE TE/CG Estreito 1.050 SE ER 27 Extensos reservatórios foram criados para algumas dessas grandes hidroelétricas. Tais reservatórios passaram a propiciar benefícios de regularização de vazões e, consequentemente, otimização de operação e confiabilidade no suprimento de energia elétrica. Figura 14 – Usina hidroelétrica de Sobradinho. Reservatório de maior área do Brasil Figura 15 – Reservatório da usina hidroelétrica de Serra da Mesa, o de maior volume do Brasil C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s TABELA 2 Maiores Reservatórios Barragem Área (km²) Volume (km³) Extensão (km) Sobradinho 4.214 34 350 Tucuruí 3.007 50 170 Balbina 2.360 17 225 Porto Primavera 2.250 20 250 Serra da Mesa 1.784 54 116 Itaipu* 1.350 29 170 *Incluindo a parte do reservatório sobre território paraguaio. 28 Desde pouco antes do início dos anos oitenta o governo federal e os governos estaduais passaram a enfrentar grandes dificulda- des para prover recursos necessários para a implantação de novas usinas e de sistemas de transmissão. Um dos casos extremos ocor- reu na implantação da hidroelétrica de Emborcação que, perante à reiterada ameaça da Eletrobras em não cumprir o contrato de fi- nanciamento com a Cemig, esta denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial. Considerando as funestas e intensas consequências ao País em outros empreendimentos financiados pelo Banco Mundial, a Eletrobras foi obrigada a cumprir o contrato. Nas obras federais houve intensa concentração de recursos na construção das maiores usinas, nomeadamente em Itaipu e Tucuruí, e depois em Xingó, ficando as demais obras federais sujeitas às verbas de desmobili- zação. Essas verbas correspondiam aos valores que seriam des- pendidos caso as obras viessem a ser paralisadas. Como esses valores eram insuficientes para manter o ritmo ideal de constru- ção, essas obras ficaram sujeitas a vultosos dispêndios devido aos acréscimos de custo de construção e à maior incidência de juros durante a construção, tendo afetado negativamente as empresas contratadas para fornecimento de serviços e de bens de capital. A hidroeletricidade nos anos recentes Em 1996, através da Lei 9427, uma importante modificação ocor- reu no setor elétrico com a criação da Agência Nacional de Ener- gia Elétrica. Pouco depois foi instituída a Agência Nacional de Águas e o Operador Nacional do Sistema, entidade, teoricamente privada, que atua na coordenação e no controle da operação das geradoras e dos sistemas de transmissão. Uma segunda alteração na legislação ocorreu em 2004 mantendo o processo de licitação para novos projetos, mas tornando-se vencedor aquele que apre- sentasse a menor tarifa, ficando assim concessionário da usina ou do sistema de transmissão. As transações de compra e venda de blocos de energia no sistema interligado de transmissão são fei- tas sob os auspícios do Mercado Atacadista de Energia através de contratos bi-laterais de curta duração. Todo o planejamento concernente a privatização, alterações operacionais e licitações para concessões têm sido processado pela ANEEL. Uma em- presa federal (EPE - Empresa de Pesquisa Energética) foi criada para o desenvolvimento do planejamento do setor elétrico. Presen- temente empresas de geração, de transmissão, de distribuição, de comercialização e outros investidores são encorajados a im- plantar usinas de geração e sistemas de transmissão, bem como comercializar a energia produzida ou transmitida. Devido ao sistema ser interligado em grande parte do territó- rio nacional, as novas hidroelétricas, além de suprirem energia na sua região, promovem benefícios para outras áreas. Como resulta- do, um vasto sistema de transmissão em alta tensão e em extra alta tensão promove a interligação de várias regiões do País ao sul do rio Amazonas unindo os dois maiores sistemas nacionais: o Norte/ Nordesteao Sul/Sudeste/Centroeste. Está programada para fu- turo próximo a interligação entre a margem sul e a margem norte do rio Amazonas. Em 2008 mais de 95% da população tinha aces- so a serviço público de eletricidade compreendendo mais de 99% dos municípios. Uma grande parte do território brasileiro, com exceção de sistemas isolados na Região Norte, é servido por mais de 90.000 km de sistemas de transmissão interconectados em 230 kV, 345 kV, 440 kV, 500 kV e 750 kV. Em novembro de 2008 a capacidade instalada no País era de 104.816 MW em 1768 usinas geradoras das quais 706 eram hidroelé- tricas, 1042 termoelétricas e duas termonucleares. Nos últimos 10 anos a média anual do aumento da capacidade instalada foi de 3652 MW. Há poucos anos atrás bem mais de 90% da capacidade instalada provinha de usinas hidroelétricas. Ao final de 2008 essa proporção caiu para 74% devido ao planejamento para a diversificação de fontes geradoras e às dificuldades de obtenção de licenciamentos ambientais para barra- gens e reservatórios. Em abril de 2011 a capacidade total instalada no País passou a ser de 112.398 MW. Entretanto, a carga de impostos na geração de energia elétrica é de cerca de 45% da tarifa cheia, o que faz com que, apesar do grande número das grandes usinas hidroelétri- cas que operam há mais de 30 anos estarem teoricamente depreciadas, a energia elétrica disponibilizada no Brasil possa ser a mais cara do mundo devido principalmente a essa elevada carga tributária. Impostos, A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 29 taxas e contribuições mandatórias em uma conta de consumo de ener- gia elétrica em residência de classe média quando comparada ao custo direto da energia fornecida, se situam no entorno de 85%. Presente- mente (meados de 2011) a tarifa média para a indústria no Brasil é de R$ 329/MWh, 134% superior à média das tarifas industriais nos ou- tros países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que se situam em R$140,7/MWh. Em estudo recente a FIRJAN considerou críticos os níveis dos quatorze encargos cobrados sobre a energia elétrica. Entre 2015 e 2017 muitas das concessões das maiores hidroelétricas e dos sistemas de transmissão estarão vencidas. Pela legislação em vi- gor essas concessões retornarão à União que deverá efetuar licitações para definição de novos concessionários. As hidroelétricas a serem licitadas já estarão totalmente depreciadas, o que, pelo espírito da Lei, deverá fazer com que as tarifas venham a ser consideravelmente reduzidas. As atuais concessionárias terão que se adaptar à nova realidade. Prevê-se que em 2015 cerca de 20% do parque gerador, 70.000 km de linhas de transmissão e 33% dos contratos de distri- buição deverão ter suas concessões licitadas. Em abril de 2011 as grandes concessionárias como CESP, CEMIG e COPEL forma- ram um grupo para discutir o problema e tentar influenciar uma alteração na legislação visando prorrogações das concessões. Fur- nas, por exemplo, poderá perder até 52% do seu atual faturamento caso as concessões que vencem no período acima mencionado, não venham a ser renovadas. Essas concessões, no caso de Furnas, compreendem a 5000 MW em seis usinas, além de ativos em siste- mas de transmissão. Tem havido por parte das atuais concessionárias e de governos estaduais, intenso lobby para a manutenção das atu- ais concessões. Por outro lado a FIESP defende que a legislação não venha ser alterada ou violentada e que as licitações sejam feitas; considera que com as licitações as tarifas despencarão a níveis de 20% dos atuais, pois os investimentos na construção das usinas e nos sistemas de transmissão já foram amortizados há muito tempo. Para tanto, a FIESP entrou com representação no TCU solicitando intervenção para que providências sejam tomadas no sentido de garantir a execução das licitações de concessão. Entretanto, um dos principais problemas é que, com o elevadíssimo nível dos encargos sobre o fornecimento da energia elétrica, a intensa redução das tarifas que beneficiaria os contribuintes e recolocaria a competitividade da in- dústria nacional no mercado externo, faria com que o governo perdesse arrecadação o que não costuma ser aceito pelos políticos da situação. Desde a última década do século XX, um grande número de in- vestidores têm atuado na implementação de pequenas centrais hidroelétricas até o limite de 30 MW instalados. A esmagado- ra maioria dessas pequenas usinas tem modestos reservatórios, pequenas barragens, vertedouros de superfície em lâmina livre e casas de força em posição remota em relação às barragens. Figura 17 – Barragem da PCH Ivan Botelho II (Palestina) em Minas Gerais Figura 16 - PCH Calheiros 19 MW no rio Itabapoana, entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 30 Hidroelétricas de porte médio são também atraentes a investido- res privados por apresentarem, em relação às empresas estatais, menores custos internos. Grandes hidroelétricas estão presentemente sendo construídas. As hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, situadas no rio Ma- deira a montante de Porto Velho terão, no seu conjunto, cerca de 6900 MW instalados. O rio Madeira drena uma extensa área da Cordilheira dos Andes na Bolívia. Os vertedouros dessas duas barragens foram dimensionados para as descargas de- camilenares de 82.600 m³/s e 84.000 m³/s, sendo cada um equipado com 20 comportas de segmento de 20 m x 25,2 m. Ambas casas de força abrigarão unidades bulbo operando pra- ticamente a fio d’água. Os reservatórios com área de 258 km² e 271,3 km², inundarão terrenos da Floresta Amazônica. Entre- tanto, a relação entre área inundada em km² e a capacidade instalada em MW é de cerca de 0,08, extremamente baixa em comparação com a média nacional. Encontra-se em início de construção a hidroelétrica de Belo Monte que terá a capacidade instalada de 11.233 MW no rio Xingu, um dos maiores tributários do rio Amazonas. Esse apro- veitamento está sendo estudado há trinta anos. Por restrições ambientais e com a finalidade de se conseguir o licenciamento ambiental, a barragem de Babaquara que regularizaria o rio Xingu a montante de Belo Monte, teve seu projeto abando- nado e a área do reservatório de Belo Monte que inicialmente era de 1225 km², passou para 516 km². O empreendimento afetará 4300 famílias urbanas e 800 famílias rurais. A hidroe- létrica de Belo Monte terá baixa relação entre a área do reser- vatório e a capacidade instalada: 0,05 km²/MW. A média na- cional é de 0,49 km²/MW. Outras grandes hidroelétricas como Tucuruí (0,29 km²/MW), Itaipu (0,10 km²/MW) e Serra da Mesa (1,40 km²/MW) embora com relações modestas, apre- sentam índices mais elevados. A ausência de reservatórios de regularização no rio Xingu faz com que o fator de capacidade seja muito baixo. Localizada nas proximidades de Altamira, no Pará, a usina aproveitará a queda na grande curva do Xingu. Pelo projeto em processo de licenciamento, serão implanta- das duas casas de força, uma com 11.000 MW com unidades Francis sob 87,5 m de queda líquida e outra, denominada casa de força complementar, com 233 MW com unidades bulbo sob 11,5 m de queda l íquida. A descarga remanescente é a maior que se tem notícia, 700 m³/s, que fluirão pela casa de força complementar. 18 – PCH Cachoeira em Rondônia, pequena estrutura (barragem) de derivação Figura 19 – Usina hidroelétrica de Monjolinho com vertedouro do tipo lateral A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 31 Figura 20 – Usina hidroelétrica de Santa Clara em Minas Gerais Figura 21 – Barragem vertedoura da hidroelétrica de Picada em Minas Gerais Figura 22 – Obras da usina hidroelétrica de Santo Antônio no rio MadeiraC i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 32 A hidroelétrica de Estreito, também situada na Amazônia, projeta- da para 1087 MW instalados encontra-se (maio de 2011) em início de operação comercial após quatro anos de atrasos devido a demo- ras no licenciamento ambiental e a paralisações referentes a ações judiciais e a atos de ocupação indevida de seu canteiro de obra. A auto-produção de energia elétrica tem movimentado em anos re- centes várias empresas de grande vulto como a Vale, a Petrobrás, a CSN, a Votorantim e muitas outras. Um exemplo marcante é a Companhia Brasileira de Alumínio CBA que por longo período foi o maior auto-produtor de energia elétrica do País. No início dos anos quarenta a família Carvalho Dias e o empresário, engenheiro e político José Ermírio de Moraes fundaram a CBA para exploração da jazida de bauxita que havia sido identificada nas terras dos Carvalho Dias nas proximidades de Poços de Caldas, MG, e montar uma fábrica de alumínio, indústria eletrointensiva. Em 1942 o DNAEE determi- nou que a São Paulo Light suprisse de energia elétrica a fábrica que estava projetada para ser construída no município de Mairinque, SP. Como a São Paulo Light não dispunha de energia para garantir o fornecimento à CBA, esta requereu a concessão do rio Juquiá-Guaçu e do seu afluente Assungi. A concessão só foi outorgada em 1952. Em conversa com o autor, o engenheiro Antônio Ermírio de Mo- raes externou as dificuldades que encontrou, sendo um empreen- dedor privado, para a obtenção da concessão. Afirmou ainda que considerava estratégico ter a garantia de produção de pelo menos 50% da energia necessária à sua indústria. Assim, a CBA deu início à implantação de uma série de usinas no rio Juquiá-Guaçu: em 1958 entrou em operação a hidroelétrica de França com 24 MW, em 1963 Fumaça com 36,4 MW, em 1974 Alecrim com 72 MW, em 1978 Serraria com 24 MW, em 1982 Porto Raso com 28,4 MW, em 1986 Barra com 40,4 MW e, finalmente, em 1989 Iporanga com 36,87 MW. Nesse período, em 1974, a CBA adquiriu da São Paulo Light a hidroelétrica de Itupararanga com 55 MW. Com os principais po- tenciais do rio Juquiá-Guaçu explorados, a CBA partiu para o médio rio Paranapanema, tendo construído as hidroelétricas de Piraju com 80 MW que entrou em operação em 2002 e Ourinhos em operação desde 2006. Figura 23 – Barragem da usina hidroelétrica de Barra no rio Juquiá, em São Paulo A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 33 Figura 24 - Barragem da usina hidroelétrica de Fumaça, no rio Juquiá, em São Paulo Figura 25 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Barra Figura 26 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Fumaça C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 34 Os projetos das hidroelétricas da CBA no rio Juquiá-Guaçu fo- ram todos de concepção italiana, com barragens de concreto de gravidade aliviada. Além do acompanhamento constante do en- genheiro Antônio Ermírio de Moraes, o executivo da empresa era o médico Miguel Carvalho Dias que contava com a importan- te colaboração de vários engenheiros de destaque na profi ssão entre eles Carlos Mazzaro, Newton Sady Busetti, Edilberto Mau- rer e Valério Mortara para o qual o autor teve o privilégio de entregar o título de engenheiro eminente pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica em 2000. Barragens de rejeitos Atividades de mineração representam um importante segmen- to na economia nacional. Devido à legislação ambiental, um grande número de barragens de rejeitos foram construídas ou estão presentemente em construção. A barragem do Germano, a maior do País, que atualmente (maio de 2011) está com 155 m de altura é projetada para atingir 170 m de altura no seu estágio fi nal. Embora não haja um registro de barragens de rejeitos no País, são conhecidas mais de 700 barragens em Minas Gerais e pelo menos 150 outras nos demais estados da Federação. O método de construção mais empregado é o método de mon- Figura 27 – Antônio Ermirio de Moraes principal executivo do Grupo Votorantim, detentor da CBA Figura 28 - Usina hidroelétrica de Piraju no rio Paranapanema entre São Paulo e Paraná A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 35 tante. Entretanto, para rejeitos finos a muito finos como na mi- neração de ouro, o método de jusante é empregado. Um projeto não usual foi adotado para a disposição de rejeitos em mina de urânio em Poços de Caldas. Foi adotada uma barragem de terra e enrocamento compactados, com três filtros chaminé internos, para ser construída em três fases. Para impedir que a água de chuva se misturasse com a água percolada pelo ma- ciço da barragem e pela sua fundação, água esta que tem que ser tratada, o talude de jusante da barragem foi projetado para ser coberto com uma face de concreto. Controle de cheias Por muitos anos desde 1944, o Departamento Nacional de Sa- neamento, órgão do Ministério do Interior, foi ativo em empre- endimentos de controle de cheias envolvendo a construção de barragens, polders e drenagens. As barragens foram construídas principalmente com o objetivo de evitar cheias em áreas populosas. Os dois mais destacados empreendimentos foram o sistema de controle de cheias do rio Itajaí em Santa Catarina, que inclui três barragens que são somente usadas para controlar as des- cargas afluentes, o sistema de proteção de cheias da cidade de Recife em Pernambuco, que compreende três barragens de ter- ra. O critério de projeto que em geral era adotado objetivava o controle das cheias de período de recorrência de 100 anos ou a maior cheia que tivesse sido registrada. Em 1990 as ativida- des desse Departamento foram abruptamente encerradas e o Departamento extinto. Nos primeiros anos dos anos noventa diversas barragens que antes eram controladas pelo DNOS fi- caram sem qualquer controle e sem responsável pela operação e segurança. Durante a estação chuvosa de 2009 uma grande cheia ocorreu na bacia do rio Itajaí e as três barragens não foram su- ficientes para controlar toda a descarga afluente. Severas con- sequências em grande área alagada no baixo vale do Itajaí com- preenderam impressionantes perdas de propriedades. Presente- mente estados e prefeituras que, em geral, não são capacitados técnica e financeiramente, têm de enfrentar por conta própria os problemas de controle de cheias. Vias navegáveis A navegação interior permanece sendo o método de transporte mais usual na Região Amazônica onde há longos e caudalosos rios que podem ser usados ao longo do ano todo. Nesse grupo de rios se encontram todo o rio Amazonas, seus formadores os rios Solimões e Negro, bem como extensos trechos inferiores dos seus afluentes, principalmente nos trechos sobre terrenos sedimentares recentes. Nas outras regiões, os poucos empreendimentos de navegação interior existentes são em geral anexos a hidroelétricas. As duas principais bacias com eclusas instaladas em hidroelétricas são as dos rios Tietê e Paraná, em São Paulo e do São Francisco, no Nordeste. Paisagismo Desde a construção, em 1958, da barragem de Pampulha em que criou um belo espelho d’água na cidade de Belo Horizonte, algu- mas pequenas barragens foram construídas no coração de outras cidades para criação de lagos artificiais como elemento paisagístico. O maior e mais famoso desses lagos artificiais é o reservatório de Paranoá, na capital federal. Figura 29 - Eclusas da barragem de Três Irmãos sobre o rio Tietê C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 36 Obras de abastecimento de água Barragens têm sido construídas como parte de sistema de abaste- cimento de água para zonas urbanas eindustriais. O mais destaca- do desses sistemas é o sistema de Cantareira para abastecimento de água da grande São Paulo e cidades do vale do Piracicaba. Esse sistema foi construído nos anos setenta e compreende sete gran- des barragens de terra, sete túneis escavados em rochas gnaíssicas e graníticas numa extensão total de 29 km e uma grande estação de recalque subterrânea com capacidade de 33 m³/s. Os dois maio- res sistemas do Rio de Janeiro aproveitam as barragens da Light construídas entre o início do século (sistema Lajes), e as barragens do sistema de derivação dos rios Piraí e Paraíba do Sul (siste- ma PPD). Outro sistema importante é o de Belo Horizonte compreendendo obras hidráulicas de vulto, com captações em barragens no rio das Velhas e no rio Manso. Um sistema que me- rece menção é o sistema para o abastecimento d’água da cidade de Fortaleza. O sistema inclui a barragem de terra do Castanhão com trecho em concreto compactado com rolo, concluída em 1999 com 72 m de altura, represando 4,46 bilhões de metros cúbicos de água sob uma superfície de 325 km² no nível d’água máximo nor- mal. O sistema necessitou da construção de 256 km de canais para suprimento de 22 m³/s para a cidade e para projetos de irrigação, descarga essa que corresponde a 90% de permanência. O mais recente empreendimento de vulto para abastecimento de água é a barra- gem João Leite construida em concreto compactado com rolo, com 53,5 m de altura e vertedouro de soleira livre sobre a barra- gem. A barragem possibilita o acréscimo de 5,33 m³/s de reforço ao abastecimento das principais cidades do estado de Goiás. Merece menção a barragem do Ribeirão João Leite, concluida em 2009, a qual é destinada ao abastecimento de água da cidade de Goiânia. O artigo técnico sobre o projeto e a construção desta barragem de CCR com 53,50 m de altura e alas de terra faz parte da publicação do CBDB Main Brazilian Dams III. Figura 30 – Barragem do Ribeirão João Leite para o abastecimento d’água da cidade de Goiânia Figura 31 - Barragem de Pindobaçu na Bahia, aproveitamento de finalidades múltiplas A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 37 Entretanto, um estudo recentemente concluído pela Agência Nacio- nal de Águas revelou que a situação do abastecimento de água em 55% dos 5565 municípios brasileiros está se agravando e deve- rá estar insuficiente em 2015. Serão necessários investimentos de R$ 22 bilhões para garantir a oferta de água de qualidade adequa- da até o ano de 2025. O maior problema da área de saneamento básico, entretanto, se concentra na coleta e tratamento de esgoto uma vez que são poucas as cidades que dispõem de estações com capacidade de tratamento de porcentagens consideráveis dos es- gotos coletados. Esse estudo da Agência prevê a necessidade de investimentos superiores a R$ 50 bilhões até 2025 tendo em vista o precário estado dos sistemas de esgoto sanitário de quase todos os municípios brasileiros. A esmagadora maioria dos esgotos é lançada em corpos d’água (rios, lagos e oceano) sem tratamento. Finalidades múltiplas Barragens com finalidades múltiplas eram raras no cenário na- cional devido à estanqueidade dos órgãos federais e estaduais na definição dos empreendimentos hidráulicos. O primeiro gran- de exemplo de barragem implantada com finalidades múlti- plas foi Três Marias com objetivos de regularização do rio São Francisco, beneficiamento à navegação interior e geração de energia elétrica. Dessa forma, premido por necessidade de ini- ciar as obras de Três Marias e de Furnas, o governo Juscelino Kubitschek foi forçado a definir recursos federais para a implan- tação da barragem, do vertedouro e do reservatório, enquanto a Cemig arcou com a casa de força. Figura 32 - Barragem de Mirorós na Bahia, aproveitamento para irrigação e abastecimento de água C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 38 Reservatórios interligados de Paraibuna e Paraitinga Outro exemplo é a barragem de Pedra do Cavalo na Bahia que con- tribui para o controle de cheias, o abastecimento de água, a produção de energia, a regularização e a irrigação. Importantes empreendi- mentos de finalidades múltiplas são as barragens do alto e médio rio Paraíba do Sul, Paraitinga, Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Fu- nil que contribuem para a regularização de descargas, controle de cheias, geração de energia elétrica e possibilitam o abastecimento do Grande Rio de Janeiro. A evolução dos segmentos de bens de capital e de prestação de serviços Toda essa atividade em projeto, construção e operação de barragens, bem como em fabricação e montagem de equipamentos, incentivou a engenharia brasileira, tão dependente de apoio estrangeiro na primei- ra metade do século XX, a se tornar uma das líderes mundiais nesse setor. Muitas empresas brasileiras de projeto e construção se ex- pandiram durante a segunda metade do século XX e presentemente ocupam relevante posição no cenário internacional. Neste mesmo período diversas fábricas de equipamentos mecânicos, elétricos e ele- trônicos se estabeleceram no País e têm suprido a demanda interna e exportado equipamentos para diversos outros países. Nos últimos 20 anos do século passado o País atravessou um perío- do de severa estagnação econômica quando vinte empreendimentos com barragens do setor elétrico tiveram sua construção suspensa por falta de recursos financeiros. Durante esses anos muitas em- presas brasileiras desenvolveram com sucesso atividades no ex- terior em países de todos os continentes. Depois de passado esse período, a engenharia brasileira voltou a ter um mercado interno robusto com alguns dos maiores projetos do mundo atual tais como as hidroelétricas de Jirau, Santo Antonio, Estreito e Belo Monte, além de diversas hidroelétricas de pequeno e médio porte. Figura 33b – Barragem e casa de força de Paraibuna Figura 33a – Barragem de Paraitinga no final de sua construção Figura 33c – Diques durante o primeiro enchimento do reservatório A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 39 O desenvolvimento e o desmonte da engenharia consultiva Os estudos e projetos de barragens no País tiveram duas origens distintas. No Nordeste, tanto no DNOCS quanto na CHESF, havia predominância da engenharia nacional com grandes contingentes de engenheiros formados em nossas escolas, mes- mo que inicialmente carentes de experiência. Nota-se que os projetos do DNOCS eram feitos na sua sede no Rio de Janei- ro antes da mudança para Fortaleza, com influência de eventuais consultores provenientes do U.S. Bureau of Reclamation. Os projetos da CHESF, principalmente na sua primeira hi- droelétrica, Paulo Afonso I, foram feitos no canteiro de obra por equipe nacional com influência de alguns engenheiros es- trangeiros recrutados como imigrantes após o término da Se- gunda Grande Guerra Mundial e de outros que trouxeram marcante influência francesa. Entretanto, nesses dois casos, a força de trabalho e a responsabilidade técnica eram essencialmente nacionais. Na Região Sudeste, os projetos da Light e da AMFORP eram ni- tidamente comandados, no início do Século XX, por americanos. A organização da AMFORP veio influenciar na organização da CEMIG, em Minas Gerais, através do engenheiro John Cotrim que também trouxe, em seguida, essa experiência organizacional para Furnas. Tanto a CEMIG quanto Furnas tiveram seus primeiros grandes projetos elaborados por empresas consultoras americanas. Aos pou- cos, foram se formando importantes e bem estruturadas empresas consultoras nacionais que passaram a atuar nas linhas de frente dos grandes empreendimentos hidroelétricos dessas duas em- presas concessionárias.Outras empresas do setor elétrico con- tavam com projetos desenvolvidos por consultoras suíça, alemã, portuguesa e italiana. Em São Paulo, o governo estadual orientava os projetos dos anos cinquenta para empresas brasileiras ou para um conjunto de consultores individuais, por bacias hidrográficas. Quando finalmente foi enfrentado um projeto de grandes propor- ções, a equipe do contratante, especialmente o engenheiro José Gelazio da Rocha, incentivou os consultores independentes das barragens do rio Pardo a formar uma empresa que pudesse desen- volver a contento o projeto da hidroelétrica de Jupiá, no rio Paraná, de dimensões inusitadas para a época. Figura 34 - Barragem de finalidades múltiplas de Funil Figura 35 - John Reginald Cotrim jovem na EBASCO 1942-44 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 40 As hidroelétricas projetadas pelo DNOS no Sul e na Bahia, também já contavam com expressivo contingente de engenheiros brasileiros. Os anos setenta se caracterizaram por um enorme desenvolvimen- to da consultoria brasileira. Nessa época as empresas de projeto assumiam crescentes responsabilidades em um grande número de projetos de envergadura, principalmente no setor elétrico. Esse desenvolvimento acelerado foi em parte condicionado por lei de proteção ao mercado de consultoria e projeto, conseguida durante o governo de Costa e Silva. A Associação Brasileira de Consul- tores de Engenharia - ABCE analisava cada contratação de con- sultoria externa para detectar se havia similar nacional. Essa lei só foi cancelada sem alarde e sem anúncio no governo Sarney para os projetos do programa de irrigação de um milhão de hectares. Nos anos setenta quase dez consultoras brasileiras figuravam en- tre as maiores do mundo. Por outro lado, as consultoras brasileiras tinham como obstáculo a lei da informática que prejudicou so- bremodo o desenvolvimento da produção de projetos e, de acordo com o então senador Roberto Campos, tornou o contra- bandista um herói nacional. Quase todo esse desenvolvimento era calcado em contratos cost plus com empresas estatais do setor elétrico. Essa modalidade con- tratual foi introduzida pelas empresas americanas de consultoria na segunda metade dos anos cinquenta. Por esse tipo de contrato a consultora era remunerada pelo custo do serviço baseado nos salários de suas equipes técnicas multiplicados por um fator que representava os impostos, os encargos sociais e as despesas diretas, com a adição do seu lucro em função do trabalho efetivamente de- senvolvido. As consultoras a cada mês recebiam antecipadamente de acordo com a programação aprovada e prestava conta ao final de cada mês. Dessa forma passou a haver elevada segurança con- tratual mesmo em regime inflacionário que se acentuou a partir do governo JK. Dessa forma praticamente não havia necessidade de capital de giro, a inflação não era sentida e o risco de inadimplência era muito reduzido. Entretanto, esse tipo de contrato veio causar o desmanche das empresas consultoras na década seguinte. Em 1979 foi instituído o teto salarial nas empresas estatais, teto este que era o salário direto nominal do Presidente da República, na época o general Figueiredo. Como o salário direto nominal do Presidente não era muito elevado, os salários nas estatais passaram Figura 36 - Usina hidroelétrica de Volta Grande no rio Grande Figura 37 - Usina hidroelétrica de Itapebí no rio Jequitinhonha, na Bahia A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 41 a ser achatados. Por terem salários achatados, os funcionários das estatais federais contratantes de serviços de consultoria passaram a não aprovar nos contratos reajustes salariais dos empregados das empresas contratadas. Como a inflação era intensa, as consul- toras passaram a sofrer pressões dos dois lados: as suas equipes demandando reajustes salariais corretos e os clientes não apro- vando esses reajustes nos contratos. O equilíbrio financeiro dos contratos das consultoras foi rapidamente corroído. A letra desse tipo de contrato pelo custo significava que deveria haver reembolso pelos acréscimos de custos devido à inflação. A inflação se intensificava a cada período, tendo chegado a um pico de mais de 80% ao mês e ao impressionante e quase ina- creditável, para os que não vivenciaram, índice de 13 trilhões e 342 bilhões por cento no período de apenas quinze anos que an- tecederam ao Plano Real. As consultoras, através da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE, pleiteavam in- cessantemente fórmulas de reajustes sem encontrar eco em mui- tas das empresas contratantes. Nessas empresas uma posição de clarividência foi assumida pelo engenheiro João Alberto Ban- deira de Mello que atuava na Eletrobras e que propunha que, além do correto reajustamento, houvesse também o justo reem- bolso dos elevados juros que as consultoras já estavam pagando ao sistema financeiro. Essa proposição sequer foi considerada e só após muito tempo, já com as consultoras descapitalizadas e endividadas, é que uma correção parcial foi admitida nos contra- tos, mesmo assim após 45 dias da entrega da respectiva fatura, ou seja, até 75 dias da execução dos serviços. Adicionando a esses aspectos deletérios, sobreveio, nos anos oiten- ta, a crise financeira das estatais, principalmente das federais, no- meadamente as que não tinham grandes gerações de energia como era o caso da Light e de FURNAS. Essas outras empresas passa- ram a atrasar sistematicamente o pagamento das faturas, em várias ocasiões por mais de cinco meses. Como para as consultoras, nos contratos pelo custo, os seus técnicos não podiam acumular horas trabalhadas para somente faturá-las quando houvesse recursos nas caixas das contratantes, os faturamentos tinham que ser mensais. Incrivelmente neste País os impostos incidem no ato do faturamen- to, mesmo que não venha haver pagamento. As consultoras tinham que recolher impostos por serviços que não eram pagos ou que seriam pagos meses depois, corroídos por uma inflação galopante. No advento do governo Sarney houve um dos muitos planos he- terodoxos no qual teoricamente a inflação seria nula. Foram cria- dos os “fiscais do Sarney” que acusavam às autoridades eventuais aumentos de preços. As contratantes do setor elétricos viraram “fiscais do Sarney” e unilateralmente abateram os multiplica- dores dos contratos alegando que a partir daquele instante não mais haveria inflação. Entretanto, esses multiplicadores haviam sido estabelecidos nos anos cinquenta quando a inflação antes do governo Juscelino ainda era muito baixa. Finalmente, no auge da crise das contratantes estatais federais, as consultoras foram chamadas para receber parte de alguns atra- sados pagos em títulos que eram chamados de moeda podre, pois valiam no mercado apenas uma pequena fração de seu valor de face, em geral cerca de 25%, mesmo assim quando e só quando eram usados nos programas de privatização. Dessa for- ma, o governo federal desovou empresas nos programas de privatização ganhando dos dois lados. Daquelas grandes empresas de consultoria de engenharia que fi- guravam como das maiores do mundo, algumas foram reduzidas a níveis pequenos e várias fecharam, tendo originado forte de- semprego no ramo da engenharia e tendo sido criado o termo “o engenheiro que virou suco.” Mas outros profissionais se reuniram em pequenas empresas, algu- mas delas atuando em segmentos específicos. Algumas dessas em- presas foram gradativamente crescendo e hoje já apresentam grande número de profissionais engajados. Os contratos, entretanto, devido a essa experiência desastrosa, não mais foram de remuneração pelo custo; presentemente a esmaga- dora maioria dos contratos por prestação de
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