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O TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS NO BRASIL: ONTEM, HOJE E AMANHÃ Ronice M. de Quadros1 Silvana Aguiar dos Santos2 Resumo O tradutor intérprete de língua brasileira de sinais - TILS - no Brasil tem uma história que constitui sua identidade profissional a partir da sua relação com a comunidade surda e com a sua formação. O presente artigo irá apresentar estas relações na constituição deste profissional considerando o ontem, o hoje e o amanhã. No passado, os TILS estavam realizando suas atividades a partir de uma relação com a comunidade surda assistencialista. Os tradutores e os intérpretes de língua de sinais eram aqueles que estavam disponíveis para a comunidade surda por causa de suas relações dentro da comunidade (filhos, vizinhos, amigos, professores). Esta realidade foi se transformando à medida que surdos foram participando mais ativamente da sociedade em geral e sua formação passou a ser mais acadêmica. Hoje, portanto, os TILS já contam com formação acadêmica específica a partir das conquistas sociais e políticas relativas à Língua Brasileira de Sinais - Libras (Lei de Libras 10.456/2002 e Decreto 5626/2005). O futuro dos profissionais intérpretes é promissor, pois está delineada a sua identidade enquanto profissional tradutor e intérprete na sua relação com a Libras e o Português. A formação dos TILS passa a ser constituída no campo dos Estudos da Tradução aliada politicamente aos movimentos surdos. Palavras-Chaves: Tradutores e intérpretes de língua de sinais, Comunidade Surda, Formação SIGN LANGUAGE INTERPRETER TRASLATOR IN BRAZIL: YESTERDAY, TODAY AND TOMORROW Abstract The sign language interpreter translator – TILS – in Brazil has a history that constitutes his/her professional identity from a relationship with deaf community and his/her education. This paper presents these relations in the constitution of this professional considering yesterday, today and tomorrow. In the past, TILS were working based on assistance (to help Deaf community). Sign language translators and interpreters were the people that were part of Deaf community because of their relationship with the community (suns, daughters, neighbors, friends, teachers). This situation started to change when Deaf people began to participate more actively in the society and to have higher education levels. Nowadays, therefore, TILS have already a specific education related to sign language social policy gains, for instance with Brazilian Sign Language Law (Libras Law 10.456/2002 and Decree 5626/2005). The future of translator and interpreters promises to be better, because is already established his/her professional identity with Libras and 1 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis – SC, Brasil. 2 Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis – SC, Brasil. Portuguese. Also, his/her education become to be part of Translation Studies politically related to Deaf movements. Key-words: Sign language interpreter translators, Deaf Community, Education 1. Ontem (décadas de 80 e 90 e início do novo milênio) No passado, os TILS estavam realizando suas atividades a partir de uma relação com a comunidade surda de forma assistencialista. Os tradutores e os intérpretes de língua de sinais eram aqueles que estavam disponíveis para a comunidade surda por causa das suas relações dentro desta comunidade (filhos, vizinhos, amigos, professores). As relações entre estes dois grupos, TILS e comunidade surda, com base na caridade, benevolência e assistencialismo não era profissional (Quadros, 2004; Rosa, 2003). Paralelo a isso, a presença de intérpretes esteve também marcada pela atuação política junto à comunidade surda. Muitos dos intérpretes de língua de sinais participaram ativamente dos movimentos surdos no Brasil. Nos relatos dos intérpretes, observamos vários elementos que indicam o comprometimento político desses intérpretes pelos direitos dos surdos. A atuação, neste sentido, apresenta um misto de atividade benevolente com atuação política, militante. O trecho a seguir de uma fala de um dos intérpretes entrevistados ilustra esta posição política que permeou a atuação do intérprete de língua de sinais no Brasil: [...] porque surgiu esse curso? Porque foi uma luta da comunidade surda em 96. Foi toda essa luta da comunidade surda e foi oficializada em Porto Alegre a língua de sinais. Então havia necessidade de ter esse profissional [intérprete] para estar acompanhando os surdos. Eu me lembro que os surdos estavam participando do Orçamento Participativo, começou aí. [...]. Mas antes disso tinha esse movimento em luta por escola, por língua de sinais e ai depois da oficialização de língua de sinais em 96, houve a necessidade de ter esse profissional. E aí a FENEIS, a recém estava começando aqui no RS e a universidade federal [...] proporcionaram esse curso e foi 80 horas que é outra questão para se discutir depois, se for o caso, que capacitou pessoas que já tinham fluência da língua de sinais, que já vinham trabalhando como intérpretes, como intérprete informalmente, e ai que fizeram esse curso. Os primeiros cursos de formação para ILS começaram a acontecer na década de 90. Eram cursos de curta duração, geralmente, organizados por associações de surdos e/ou Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) em parceria com universidades ou órgãos do governo. Tomando a caracterização dos tipos de formação de profissionais tradutores/intérpretes existentes no Brasil, por Martins (2007), os cursos livres, conforme detalhado pela autora a seguir, [...] são assim denominados por não estarem vinculados ao sistema regular de ensino. Promovidos por cursos de idiomas, centros binacionais, escritórios ou agências de tradução, associações e órgãos da classe, ou mesmo por iniciativa de tradutores e professores, podem ser de curta duração (até 200 horas) e geralmente têm objetivos análogos aos dos cursos de extensão universitária (Martins, 2007, p. 173). Como os cursos de formação de intérpretes na década de 90 e início do novo milênio foram oferecidos pela FENEIS, com o apoio do Ministério da Educação – MEC - podemos caracterizá-los como cursos livres. Assim, nestes primeiros momentos de formação dos TILS, uma característica que marca tal período é a mudança de um espaço empírico e informal para uma atuação institucional do TILS. Mesmo com cursos livres, há efetivamente uma transição de uma atuação mais informal para uma atuação mais profissional que irá servir de base para o que está acontecendo hoje na formação destes profissionais. A Lei de Libras (10.436/2002) juntamente com as políticas de inclusão favoreceram o apoio dos órgãos governamentais para o oferecimento de cursos para a formação de intérpretes de Libras. O currículo básico destes cursos incluiu aulas de Libras, uma vez que as pessoas que atuavam como intérpretes nem sempre eram fluentes em Libras, e linguística contrastiva. Estes cursos estavam sendo ministrados com o apoio do MEC junto a FENEIS e eram chamados de cursos de multiplicadores de profissionais. O objetivo era formar profissionais que pudessem formar outros profissionais em suas respectivas regiões. A escassez de intérpretes de Libras era tão grande no país, que esta foi à solução em curto prazo para permitir que os intérpretes tivessem o mínimo de formação para continuarem atuando e multiplicando esta atividade. Com a presença efetiva do ILS nos espaços educacionais vários assuntos passaram a ocupar a formação destes profissionais, entre eles: a proficiência lingüística, a inserção cultural, habilidades, competências, técnicas e estratégias de interpretação, qualidade de interpretaçãoe comportamento ético perante as situações apresentadas. Estes são alguns dos temas que ocuparam grande parte dos cursos livres e de extensão na virada do milênio. Um exemplo deste curso foi o Curso de Formação de Intérpretes de Língua de Sinais oferecido pela FENEIS do Rio Grande do Sul em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1997. Conforme informações disponíveis no folder do curso, o curso foi de 80 horas. Este curso apresentou a seguinte organização: O curso está estruturado em duas partes fundamentais: (a) a formação teórica que inclui o estudo dos princípios básicos de linguagem e comunicação, e (b) laboratórios que inclui as atividades de tradução e interpretação com o exercício de técnicas e habilidades básicas em diferentes contextos. A primeira etapa incluirá as seguintes disciplinas: (a) História da Língua de Sinais; (b) Lingüística I - Princípios Básicos da linguagem e da comunicação; (c) Lingüística II - Estrutura da LIBRAS e Estrutura da Língua Portuguesa - Estudo Contrastivo. (d) Princípios Éticos do profissional intérprete. A segunda etapa incluirá diferentes contextos de tradução e interpretação onde os alunos desempenharão a função de intérpretes com a monitoria de intérpretes e instrutores de LIBRAS. Durante esse processo serão analisadas as técnicas e habilidades do intérprete. (Folder do Curso de Formação de Intérpretes de Libras, 1997, s/p) O programa do curso evidencia a iniciativa da FENEIS e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em oferecer um curso com base teórica e prática. No próprio folder, foram também incluídas justificativas para o oferecimento do curso. As mesmas indicam a necessidade de oferecer formação aos intérpretes objetivando qualificação profissional para atendimento às demandas comunitárias e políticas: 1. A inexistência de cursos para formação de profissionais intérpretes. 2. A necessidade de existirem cursos de formação nesta área tendo em vista o grau de complexidade da tradução simultânea da Língua de Sinais para a Língua Portuguesa e vice-versa. 3. O contexto sócio-político que favorece o mercado para atuação desse profissional tendo em vista a mobilização da FENEIS pelo reconhecimento da LIBRAS enquanto sistema lingüístico que faz parte da comunidade surda brasileira. 4. A intensa solicitação deste profissional para intermediar a comunicação entre ouvintes e surdos em diferentes contextos, tais como, delegacias de polícias, tribunal de justiça, consultas médica, seminários, congressos nacionais e internacionais, cursos de graduação e pós-graduação. 5. A falta de disponibilidade de tempo da equipe de intérpretes do RS. 6. A necessidade da criação do cargo de intérprete para atender a comunidade em nível municipal (Porto Alegre), tendo em vista o projeto lei referente ao reconhecimento da LIBRAS. Tal projeto foi aprovado por unanimidade pela câmara de vereadores em setembro de 1996. (Folder do Curso de Formação de Intérpretes de Libras, 1997, s/p) O item 3 das justificativas apresentadas reflete o papel político ocupado pelos intérpretes de língua de sinais na comunidade surda brasileira. Assim como observado por Stone (2009), conforme mencionado por Souza (2010), o papel político dos intérpretes está relacionado com o envolvimento dos mesmos com uma identidade surda constituída com marcações culturais da cultura surda. Stone conclui claramente que, uma norma Surda de tradução nasce de uma comunidade coletiva e heterogênea, na qual os diferentes membros contribuem com habilidades para o coletivo e os T/Is pertencem à mesma comunidade (Stone, 2009, em Souza, 2010, p. 99) Embora haja marcas de benevolência na atuação dos intérpretes, sempre houve um comprometimento político destes profissionais ao longo da história de sua atuação no país. “Ajudar” os surdos foi a marca desta geração de intérpretes em um contexto em que a comunidade surda estava se organizando politicamente para conquistar os seus direitos linguísticos e sociais. Com relação ao grupo de TILS, Pires e Nobre (2004) registram a existência de um departamento específico para tratar das questões relativas aos intérpretes de Libras dentro da FENEIS, denominado Departamento Nacional de Intérpretes da FENEIS. Segundo os documentos desse departamento, o intérprete era aquele que toma a posição de sinalizante ou de falante, transmitindo pensamentos, palavras e emoções do sinalizante, servindo de elo entre as duas modalidades de comunicação. A existência formal deste departamento dentro da FENEIS também reflete a presença política dos intérpretes de língua de sinais no contexto das organizações dos surdos no Brasil. À medida que os surdos passam a atuar com maior intensidade na sociedade, em especial, na educação, a presença de ILS torna-se mais visível e as políticas lingüísticas em torno da língua de sinais passam a constituir-se como uma condição necessária de inclusão de pessoas surdas no sistema educacional brasileiro. Sendo assim, torna-se fundamental o investimento na formação dos intérpretes de Libras, pois são profissionais que estarão atuando diretamente na inclusão de surdos no país. Assim, os TILS vão se constituindo com um papel político fortemente delineado, pois são profissionais que vão atuar na “inclusão” dos surdos na sociedade brasileira. Como a FENEIS é responsável pela formação destes profissionais, há um compromisso na formação de intérpretes que tenham um envolvimento direto com a comunidade surda, objetivando a formação de um profissional que atue como um tradutor cultural. Este envolvimento nas produções culturais surdas situa o intérprete de Libras politicamente dentro da comunidade brasileira. Na década de noventa, ou mais recentemente ainda, as instituições (escolas, universidades ou faculdades) pouco conheciam a respeito da língua de sinais, ou de políticas públicas que efetivassem um trabalho de inclusão eficaz no sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, determinados contextos não tinham claro quais eram as competências e/ou habilidades que um profissional TILS deveria apresentar, contratando, muitas vezes, pessoas desqualificadas para atuar na tradução e/ou interpretação. Outro ponto a ser destacado neste sentido é que os TILS desempenhavam trabalhos voluntários, não sendo considerados como tradutores e/ou intérpretes profissionais da área de tradução, dificultando, por exemplo, as contratações de seus serviços. Em algumas instituições de ensino superior utilizam-se de alunos da graduação para realizarem esses serviços, em troca de bolsas de monitorias, configurando, assim, um ato assistencialista e não de uma efetiva política de ensino. Além disso, desconsidera-se o grau de conhecimento que esses bolsistas possuem da língua de sinais, fato que compromete o próprio valor da tradução. (Rosa, 2005, p. 87) A constatação de Rosa confirma a transição pela qual os profissionais TILS estão passando de uma postura mais assistencialista para uma atuação mais profissional. A própria comunidade surda confunde o papel do intérprete que atua juntamente com os surdos nos movimentos surdos pelas conquistas linguísticas e sociais. O TILS é companheiro e é profissional a serviço da comunidade surda no contexto da comunidade brasileira em geral. A presença política do intérprete é marcada nesta transição, ao mesmo tempo em que, o seu reconhecimento profissional é inventado. A invenção do intérprete enquanto profissional no Brasil está sendo constituída tanto pela sociedade brasileira em geral, como pela própria comunidade surda. Antes da invenção do “profissional” intérprete estava aquele que ajudava os surdos na escola, nas associações e na igreja. A década de 90 caracteriza a invenção do “profissional” que passa a ser nomeadacomo tradutor e intérprete de Libras, por meio de documentos dentro da FENEIS e por meio de publicações (Quadros, 2002, 2004). Como observa Lopes (2005, p. 37), “a concepção de sujeito a partir da centralidade da cultura exige a compreensão desse como uma invenção que se dá a partir do olhar do outro e de si sobre si”. Nesse sentido, o tradutor intérprete é inventado como profissional a partir do olhar da sociedade em que ele começa a atuar, pelos surdos e ouvintes e por ele mesmo. Esta relação da questão assistencialista que marca o passado dos TILS no Brasil há algumas conseqüências complexas para a atuação profissional deste grupo no presente. As condições de trabalho, as formas de contratação, a formação propriamente dita desse grupo podem ser tomadas como exemplos das dificuldades enfrentados pelos mesmos para o seu reconhecimento profissional. O fato da formação ocorrer por meio de cursos livres também teve consequências na atuação dos intérpretes. Os problemas com a atuação dos intérpretes têm denunciado a fragilidade deste tipo de formação. É possível observar que as relações assistencialistas além de marcarem e constituírem grande parte da história dos TILS brasileiros, as mesmas refletem as práticas destes profissionais até os dias de hoje. Este fato vem sendo problematizado e desconstruído por meio da formação destes profissionais e das pesquisas acadêmicas que sinalizam cada dia mais articulação com o campo dos Estudos da Tradução. A partir de 2004, começam a haver produções acadêmicas sobre os TILS e a formação dos intérpretes em nível superior. Além disso, temos o Decreto 5626/2005 que regulamenta a Lei de Libras e marca o momento que estamos vivenciando hoje. 2. Hoje (a partir de 2005) A realidade descrita na seção anterior foi se transformando à medida que surdos foram participando mais ativamente da sociedade em geral e sua formação passou a ser mais acadêmica. A presença de TILS tornou-se mais visível e as políticas lingüísticas em torno da língua de sinais passam a constituir-se como uma condição necessária de inclusão de pessoas surdas nos diferentes espaços do cenário educacional brasileiro. Nesse sentido, o momento atual é de estruturação da profissão dos TILS sistematizando, por exemplo, o papel destes profissionais nos diferentes contextos de atuação, especialmente no setor educacional, no mercado de trabalho para TILS, no acesso a concursos públicos para estes profissionais, e mais recentemente, na regulamentação da profissão de TILS. Além desta sistematização do trabalho, assuntos como: a tradução de metáforas surdas para a língua portuguesa, os intérpretes de língua de sinais no ato tradutório: referenciação de pessoa, tradução de materiais acadêmicos para libras: estudo do processo de formação de neologismos, identidade política dos intérpretes de língua de sinais brasileira, metodologias de tradução para a língua brasileira de sinais são alguns dos objetos de pesquisas desenvolvidas junto aos programas de pós-graduação de diferentes universidades brasileiras. Não estamos mais falando apenas da prática de tradução/interpretação de língua de sinais, estamos realizando uma meta-tradução, isto é, falando sobre questões, conceitos e práticas que enfocam os Estudos da Tradução e interpretação da Libras. Deslocamo-nos de (a) pensar somente como são operacionalizados esses conceitos na interpretação, que técnicas adequadas devem ser usadas, para (b) buscarmos referenciais teóricos que justifiquem as escolhas e explicam a tradução e interpretação da Libras. Nos últimos anos, especialmente depois Lei da Libras em 2002 e sua regulamentação em dezembro de 2005 por meio do Decreto 5626, a formação e a profissionalização dos TILS explodiu, uma vez que a demanda por este profissional no mercado de trabalho brasileiro está estabelecida. Os intérpretes de Libras são requisitados nos espaços públicos, na educação e na comunidade. Os tradutores de Libras são contratados para traduzir literatura e materiais didáticos para a Libras em todo o país. Estas demandas acarretam a necessidade de formar mais tradutores e intérpretes de Libras. Algumas questões foram e continuam presentes até os dias atuais como pontos cruciais na construção da identidade profissional dos TILS, a saber: o reconhecimento e a valorização da profissão, a formação profissional, o mercado de trabalho e condições adequadas para exercício desta atividade profissional, a remuneração, bem como a relação profissional entre pessoas surdas e TILS (Santos, 2006). Estas questões começam a ser debatidas nos cursos livres de formação de intérpretes que continuam a ser oferecidos no país, no entanto, sem base acadêmica. Cursos de graduação e de pós- graduação para formar tradutores e intérpretes de Libras começam a despontar no Brasil. Outro ponto a ser destacado é o Exame de Proficiência na Língua Brasileira de Sinais (Prolibras)3 que se constitui na Certificação de Proficiência no Uso e no Ensino da Libras (para professores ou instrutores de Libras) e a Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa/Libras (para tradutores e intérpretes) em cumprimento ao Decreto (5626/05). Este exame além de certificar evidencia a forma como as políticas em torno da língua de sinais no Brasil têm tomado novos rumos (Quadros et al., 2009). É possível observar um tratamento diferente por parte do governo no que se refere às áreas de Libras e de tradução/interpretação de Libras/Português. Silva (2009) ao prefaciar o livro “Exame Prolibras” afirma que se num passado recente não tínhamos profissionais oficialmente reconhecidos para a educação de surdos, já não podemos dizer o mesmo nos dias de hoje. Vale destacar que nesta mesma época no espaço acadêmico, Pereira (2008) desenvolveu uma pesquisa sobre a proficiência e a certificação na área, ressaltando a 3 A primeira edição do Prolibras foi realizada no ano de 2006 promovido pela parceria entre o Ministério da Educação, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas “Anísio Teixeira” e a Universidade Federal de Santa Catarina. importância e a necessidade de investigação sobre o tema. Devido à diversidade de instrumentos, procedimentos e concepções do que deve ser avaliado em intérpretes de língua de sinais (ILS), faz-se necessária uma investigação sobre a testagem de proficiência lingüística e a distinção entre proficiência tradutória e certificação profissional, bem como qual o momento adequado de suas aplicações nas diferentes etapas da formação e do exercício profissional dos ILS. (Pereira, 2008, p.10) Além do Prolibras, outras ações em cumprimento ao Decreto 5626/05 estão sendo realizadas, por exemplo, o curso de Letras-Libras Bacharelado promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina. No ano de 2008 foram oferecidas 450 vagas para o curso de Bacharelado em Letras-Libras, na modalidade a distância distribuídas pelo país. No mapa a seguir apresentamos os pólos que compõem a rede Letras-Libras atualmente. Figura 1. Pólos do curso de Letras-LIBRAS da turma de Bacharelado/2008 (Fonte: Guia do Tutor, 2008) O curso de Letras-Libras (Bacharelado) tem duração mínima de quatro anos e três eixos principais que o sustentam: (a) eixo de formação básica (envolvendo principalmente conhecimentos básicos de lingüística e tradução-interpretação); (b) eixo de formação específica (envolvendo conhecimentos de aspectos educacionais da surdez e aspectos lingüísticos de Libras); e (c) eixo de formação profissional (envolvendo conhecimentos técnicos e práticos de tradução e interpretação de línguas). O curso de Letras-Libras Bacharelado possibilitou a criação de uma comunidade on linede TILS, onde todos os alunos de diferentes pólos podem interagir e produzir conhecimento na área de tradução e interpretação, minimizando as distâncias geográficas que até então criavam obstáculos de uma participação mais efetiva. Este fator é fundamental para a formação dos TILS fortalecendo, também, a identidade profissional deste grupo no país. Outro ponto importante é a rede de TILS criada a partir do curso de Letras- Libras que, além de fortalecer a identidade profissional, oportuniza que os mesmos desenvolvam maior autonomia em seu aprendizado e tornem-se sujeitos ativos e críticos em sua formação. O aumento da interação e o estreitamento dos laços proporcionados por meio dos ambientes digitais, das iniciativas de congressos, pesquisas e trabalhos desenvolvidos nos respectivos pólos são possibilidades de re-significar suas práticas tradutórias, além de articular-se com firmeza ao campo dos Estudos da Tradução. Na medida em que os TILS passam a se perguntar a respeito da sua própria constituição enquanto profissional da tradução e interpretação, suas relações com as línguas e comunidades implicadas no ato da interpretação a partir de um panorama teórico tornam-se evidente a mudança de enfoque na forma de conceber os papéis do tradutor, das línguas e de todos os elementos que compõem o ato tradutório. Estamos diante de um curso que demarca uma das formas de institucionalização efetiva no sentido político e acadêmico, com respeito à formação de tradutores/intérpretes de língua de sinais no Brasil. Hoje, portanto, os TILS já contam com formação acadêmica específica a partir das conquistas sociais e políticas relativas à Libras (Lei de Libras 10.456/2002 e Decreto 5626/2005). É possível observar que as relações estabelecidas atualmente entre TILS e a comunidade surda passa a ser profissional, pois a comunidade surda transita em diferentes contextos sejam eles sociais, políticos, educacionais e acadêmicos exigindo que o TILS seja um profissional qualificado para exercer a função de tradução ou de interpretação. Há uma mudança no reconhecimento deste profissional, a partir de uma formação considerada socialmente legítima, a formação em nível superior. Os critérios exigidos pelo mercado de trabalho e pelo espaço acadêmico forçam cada vez o profissional TILS a atualizar-se cotidianamente, pois não basta ter apenas fluência nas línguas envolvidas no ato tradutório ou aprender a traduzir e/ou interpretar o que é solicitado em um determinado texto ou situação. A presença de pesquisadores surdos e ouvintes, professores bilíngües nos diferentes meios exige que o profissional TILS esteja em constante busca de novos conhecimentos e atualizações, sejam elas técnicas ou científicas. Demonstrar maior autoconfiança e segurança dos conceitos e nas tarefas que terão de desempenhar qualifica a presença deste profissional no mercado de trabalho e satisfaz as comunidades que contratam seus serviços. Paralelamente a formação em nível de graduação, vários pesquisadores tradutores e intérpretes ingressaram na pós-graduação. A pós-graduação tem contribuído significativamente na formação de pesquisadores TILS por meio de cursos de especializações, mestrado e doutorado em algumas universidades brasileiras e institutos federais4. Inicialmente, as pesquisas produzidas estavam calcadas na educação, mas gradativamente, passaram a se constituir como parte dos Estudos da Tradução Vasconcellos, Quadros, Pereira e Santos (2010). Essa passagem situa as pesquisas em tradução e interpretação no campo dos Estudos da Tradução com consequências muito importantes para o delineamento e identidade dos profissionais tradutores e intérpretes de língua de sinais. Um exemplo desta afirmação foi o trabalho apresentado no XXV ENTRAD por Vasconcellos et al. (2010) que dialogou com as seguintes perguntas: o que éramos ontem, o que somos hoje, o que queremos ser amanhã? Esta atividade era parte de uma interação inter-GT (GT de Estudos da Tradução e GT de Linguagem e Surdez). O trabalho foi produzido em co-autoria por pesquisadores e professores da Universidade Federal de Santa Catarina argumentando pela filiação das áreas de pesquisa “Tradução” e “Tradução e Interpretação de Línguas de Sinais” (TILS) e dos profissionais e pesquisadores que nelas atuam ao campo disciplinar Estudos da Tradução (ET), o qual, a partir de seu 4 Especialização para Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais/Português oferecido pelo Instituto Federal de Santa Catarina. estabelecimento na década de 70, tem se expandido constantemente em resposta à diversidade da investigação sobre línguas e culturas em contato, inclusive entre modalidades diferentes, como é o caso de línguas orais e línguas de sinais. Vasconcellos et al. (2010) encerra a apresentação enfatizando que a gradual entrada da pesquisa em TILS na agenda dos Estudos da Tradução no Brasil e o movimento estratégico mútuo de aproximação de pesquisadores em TILS e pesquisadores em tradução e interpretação são concretizados, no âmbito da UFSC, por meio da força aglutinadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) reafirma nossa crença na possibilidade de empoderamento dos dois grupos de pesquisadores, quando estrategicamente filiados a um campo disciplinar comum e já estabelecido, cujo objeto de estudo é a tradução, em sua mais ampla acepção e em suas mais variadas manifestações. É possível observar que a busca pela filiação estratégica de TILS aos Estudos da Tradução não é recente. Uma das primeiras pesquisas que aproximou o conceito de (in)visibilidade dos tradutores/intérpretes de língua de sinais foi o trabalho de Rosa (2005). A autora visita teóricos como: Paulo Rónai, Erwin Theodor e Jacques Derrida, discutidos no campo dos Estudos da Tradução e busca aproximar as contribuições destes autores para a prática do intérprete de língua de sinais. De acordo com Rosa (2005, p. 9) “Tomar esta perspectiva, no caso da educação de surdos, é uma novidade, uma vez que a tarefa do intérprete de língua de sinais tem sido normalmente discutida a partir do enfoque da educação especial.” A pesquisa de Rosa (2005) além de colaborar para a formação de tradutores e intérpretes de língua de sinais, cooperou também para a reflexão a respeito do conceito de “neutralidade” deste profissional. Com o intuito de desconstruir tal mito, a autora dialoga com a visão de linguagem e tradução assumida pelo pós- estruturalismo, onde uma das questões abordadas é a multiplicidade dos significados. A partir de 2005 ocorre um boom em relação às produções acadêmicas sobre TILS fortalecendo ainda mais a identidade deste profissional. Em 2006, Santos apresenta uma pesquisa sobre a identidade dos intérpretes de Libras. A autora entrevista intérpretes de Libras e analisa as narrativas sobre os próprios intérpretes e identifica elementos que compõem a identidade desses intérpretes, entre eles, “a questão do assistencialismo, do voluntariado, da precária formação e a busca pela profissionalização, assim como o trânsito entre as múltiplas identidades em que esses sujeitos estão inseridos por atuarem enquanto mediadores lingüísticos e culturais entre duas culturas diferentes” (Santos, 2006, p. 07). A questão das múltiplas identidades é o foco do trabalho de Santos. A autora analisa as narrativas que retomam de forma contundente a dualidade surdo e ouvinte e discute a identidade desses intérpretes neste contexto moderno. Com base nas produções dos Estudos Culturais, a autora faz um exercício de desconstrução desta relação oposicional que constitui alguns dos intérpretes entrevistados, tecendo múltiplas identidades que emergem destes contextos. Os TILS se constituem em uma comunidade surda, aprendem com elaa produzirem textos com marcas surdas, bem como, aprendem a produzirem textos culturais tanto em Libras como em Português. Exatamente por transitarem entre as comunidades e tornarem-se sensíveis e parte das duas, indo e vindo, fazendo escolhas, tomando decisões e traduzindo textos culturais é que são reconhecidos e legitimados enquanto TILS. Stone (2009) retoma a discussão sobre as identidades múltiplas dos intérpretes de línguas de sinais em sua tese de doutoramento produzida na Inglaterra. O autor, da mesma forma que Santos (2006), conclui que os intérpretes transitam entre as comunidades e realizam traduções culturais eminentemente políticas, exatamente pela identificação dos intérpretes com a comunidade surda. Na língua de sinais americana há um sinal que traduz essas relações dos intérpretes com a comunidade surda: IMERSÃO Com este sinal, os surdos referem os bons tradutores intérpretes como aqueles que “imergem” na comunidade surda, uma tradução mais literal seria a seguinte: “aqueles que caem/se jogam dentro da comunidade e ficam completamente envolvidos”. Esta questão a respeito das múltiplas identidades, dos diferentes contextos, dos aspectos subjetivos que constituem os TILS dentro das comunidades é um tema bastante presente nas publicações no Brasil. Masutti (2008) apresenta em sua tese de doutorado um diálogo com questões acerca da representação, do poder e da historicidade por meio da análise de traduções culturais em zonas de contato entre surdos e ouvintes. A autora busca nos referenciais do Pós-Estruturalismo e dos Estudos Culturais desconstruir conceitos que constituem as práticas logofonocêntricas presentes nos processos tradutórios. Além disso, a autora Desenvolve uma leitura do movimento destas textualidades de interpretação e das idiossincrasias de tradução cultural desenvolvidas pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, conhecida como Testemunhas de Jeová, a partir do seu contato com as culturas surdas. Destaca-se, além disso, os desdobramentos teóricos dessa experiência tradutória transferida por intérpretes de língua de sinais a outros locus de enunciação e práticas sociais. (Masutti, 2008, pp. 7) Atualmente, além dos trabalhos continuarem discutindo aspectos que envolvem a interpretação de libras/português, novas pesquisas despontam sobre a questão da tradução e seus processos. Segala (2010) busca definir o tradutor de português escrito para a Libras considerando as produções dos Estudos da Tradução. O autor define a tradução como aquela que apresenta características de uma tradução interlinguística e intersemiótica. A atuação do tradutor para a Libras incorpora a base intersemiótica e ao mesmo tempo apresenta o conhecimento linguístico do Português e da Libras para proceder com o ato tradutório. Além do interlinguístico (conhecimento das línguas presentes no ato tradutório), além do intersemiótico (conhecimento cultural e social), o autor traz o aspecto intermodal, considerando Quadros e Souza (2008). O intermodal envolve o conhecimento de duas línguas de duas modalidades diferentes, o Português com base oral-auditiva expresso por escrito e a Libras, uma língua visual-espacial. Segala (2010) compõe o tradutor de português escrito para a Libras com estes três aspectos do ato tradutório para produzir um texto na língua de chegada, a Libras, compreensível aos surdos com os sentidos da língua de origem, o Português. Souza (2010) apresenta uma pesquisa que descreve os métodos usados para traduzir os textos em português escrito para a Libras no contexto do Curso de Letras Libras, da Universidade Federal de Santa Catarina. A pesquisa é realizada com base nos Estudos da Tradução (segundo contribuições trazidas por Gile, 1995, por exemplo). O autor identifica a tipologia textual dos textos produzidos no contexto do curso e descreve como os tradutores construíram estratégias e métodos para realizarem as traduções. O autor identifica três tipos de tradução permeando a tradução para os textos em Libras, corroborando, de certa forma, as conclusões de Segala (2010): [...] Demandas de tradução do tipo intralingual, interlingual e intersemiótica permeiam o trabalho da equipe de vídeo. Assim, conforme mencionado, o tipo intralingual emerge nas adaptações de linguagem feitas nos textos-base das disciplinas durante o procedimento de produção dos roteiros de gravação. O tipo interlingual, por exemplo, aparece quando o texto do roteiro é repassado àqueles que Quadros, Cenry e Pereira (2008) chamam de “atores surdos usuários da Língua de Sinais e por tradutores da Língua de Sinais”, os quais, encaminham suas traduções em Libras a partir do conteúdo-fonte em português. Além dessas, a tradução intersemiótica é outro tipo que se faz presente no trabalho da equipe de video. Segundo Jakobson (2002: 114), a tradução intersemiótica ou transmutação, “é um tipo de tradução em que acontece uma interpretação de signos verbais por meio de signos de sistemas não-verbais”. Nesse sentido, Diniz (2001: 09-10) reitera que a tradução intersemiótica incluiria também a procura por equivalentes, ou seja, a busca, em um determinado sistema semiótico, de elementos cuja função se assemelhe à função de elementos de outro sistema de signos. (Souza, 2010, p.42) O autor faz uma análise exaustiva da retextualização do texto em Português na Libras. Analisa a tipologia textual como crucial para determinar a forma da tradução e observa as características dos textos escritos e textos orais como tendo um papel fundamental na forma do texto traduzido para a Libras, versão “oral” (sinalizada) da língua. A retextualização passa também pelos aspectos que vão determinar a “fidelidade” ao texto original (por Gile, 1995). As ferramentas que os “atores-tradutores” usam passam pela recriação do texto em Português, que no caso investigado, utiliza glosas do português e elementos da escrita de sinais para indicar a forma do texto na Libras. Os sinais são escolhidos a partir dos sinais da Libras, bem como, por neologismos utilizados pelos tradutores. Além disso, o uso do espaço apresenta um papel central no resultado da tradução composta na Libras. Como podemos observar o curso de Letras-LIBRAS tem sido um espaço profícuo para novas pesquisas. Recentemente, Avelar (2010) defendeu sua dissertação intitulada: “ A questão da padronização lingüística de sinais nos atores-tradutores surdos no curso de Letras-LIBRAS da UFSC: estudo descritivo e lexicográfico do sinal cultura” . A autora parte do conceito de variação linguistica presente na prática de tradução e identifica as dificuldades que tais tradutores enfrentam indicando caminhos alternativos para esta problemática. Avelar (2010, p.6) explicita melhor a pesquisa ao afirmar que: Como metodologia de trabalho, os atores-tradutores foram entrevistados sobre as dúvidas, sugestões e dificuldades em lidar com as variações na tradução de sinais para um curso virtual e, posteriormente, houve conversas informais com alunos do curso sobre o resultado das alterações propostas para o processo de tradução e padronização Linguística. Uma das significativas contribuições no trabalho de Avelar (2010) é a elaboração de um glossário técnico que tem como intuito viabilizar o projeto de padronização linguística nas traduções realizadas no curso de Letras-LIBRAS. Nicoloso (2010) realizou em sua pesquisa uma investigação sobre as marcas de gênero na interpretação de língua de sinais brasileira. Nicoloso (2010, p. 9) foca a “análise de decisões tradutórias baseadas nas modalidades de tradução descritas por Aubert (1998) como: escolhas léxico-gramaticais, omissões, explicitações, modulações, transposições e tempo de interpretação tomados pelos ILS homens e pelas ILS mulheres, considerando seporventura acontecem de maneiras diferentes”. A partir destas análises a autora identificou que a maioria das ILS mulheres investigadas nesta pesquisa, na tentativa de esclarecer melhor a informação, utiliza-se mais da explicitação e da modulação que os ILS homens. Em contrapartida, a transposição e a soletração foram mais frequentes no processo tradutório realizado pelos ILS homens investigados, emitindo uma interpretação mais direta e literal. As pesquisas mais recentes estão cada vez mais baseadas nos Estudos da Tradução. Com as produções cada vez mais consistentes aprofundando questões relativas à tradução e interpretação de Libras, o Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução passa a realizar o Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e Interpretação da Libras. Este evento objetiva afirmar as pesquisas em tradução e interpretação da língua de sinais brasileira filiando-as estrategicamente ao campo dos Estudos de Tradução no Brasil. Neste sentido, o tema central deste Congresso foca nas pesquisas produzidas relativas a atuação dos intérpretes e tradutores de língua de sinais, profissionais que nos últimos anos, vem se destacando nos cenários acadêmicos em decorrência do crescimento no número de pesquisadores e acadêmicos surdos no espaço universitário. Por outro lado, apesar da visibilidade lingüística (Língua de Sinais – Português) que está presente na atuação do intérprete e do tradutor, a atenção dispensada a este profissional tem demandado um esforço para que o espaço acadêmico seja conquistado, exigindo produção de conhecimento na área. Este evento está em sua segunda edição. O objetivo é manter a periodicidade do mesmo de dois em dois anos para socializar estas produções. O evento, de certa forma, marca a invenção do profissional tradutor e intérprete de Libras no campo dos Estudos da Tradução. O tradutor intérprete de língua de sinais passa a contar com uma formação e produções de pesquisas neste campo de estudos que redefine suas práticas tradutórias. Os tradutores intérpretes de Libras passam a contar com a afiliação ao campo que está possibilitando estudar as práticas tradutórias sob diferentes perspectivas teóricas para a compreensão e qualificação da formação destes profissionais. O tripé pesquisa, prática tradutória e formação compõem o futuro dos tradutores e intérpretes de Libras no país. Ainda mais um elemento compõe este profissional no Brasil. Diferentemente dos tradutores e intérpretes de línguas orais, os TILS na década de noventa, não contavam ainda com associações, sindicatos, federações que pudessem orientar e auxiliar a melhor forma de absorver estes profissionais no mercado de trabalho. No entanto, no ano de 2008, a FEBRAPILS – Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores, Intérpretes e Guiaintérpretes de Língua de Sinais – é fundada. A FEBRAPILS marca a organização dos profissionais desta área em grupos com o objetivo de regular as funções de tradutor, intérprete e guiaintérprete de Libras. A federação conta com 15 associações filiadas. Esse processo de organização de associações vinculadas à uma federação demonstra a organização política de uma classe de profissionais. A constituição de organizações formais deste tipo são fundamentais a medida em que a profissão é regulamentada e reconhecida. Este processo institucionaliza os profissionais com representação política diante dos órgãos governamentais. Dessa forma, a partir de 2005, percebe-se que houve a profissionalização dos tradutores e intérpretes de Libras a partir de um conjunto de questões que foram determinando esse processo. Em síntese, a formação qualificada, a produção de pesquisas, a organização política institucional desses profissionais foi fundamental para o grupo obter reconhecimento e tornarem-se de fato profissionais. Todos estes processos apresentados anteriormente culminaram na regulamentação da profissão de TILS ocorrida em 07/07/2010. O parecer favorável apresentado pelo Senador Cristovam Buarque, relator do PL 4673 que regulamenta a profissão além de ressaltar a importância deste profissional, reconhece que as pessoas surdas terão maior participação social e garantidos seus direitos enquanto cidadãos se intermediados por um tradutor/intérprete. Por fim, a Deputada Maria Helena, relatora da matéria na Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público da Câmara dos Deputados conclui que: O profissional tradutor-intérprete de Libras – Língua Brasileira de Sinais - é figura capital na integração lingüística entre surdos e ouvintes. Sua atuação é, também, decisiva para que a pessoa surda tenha pleno acesso aos meios de comunicação, cultura e lazer. Esse aspecto da atuação profissional do tradutor-intérprete permite-nos relacionar sua atividade com a concretização de uma política pública de Estado elevada à condição de dever constitucional pela Carta de 1988, conforme se lê no inciso II do parágrafo 1º do art. 227 da CF. (Parecer_Relator_Sen.Cristovam Buarque_PL4673, 2010) 3. Amanhã O futuro dos profissionais intérpretes é promissor, pois está delineada a sua identidade enquanto profissional tradutor e intérprete na sua relação com a Libras e o Português. A formação dos TILS passa a ser constituída no campo dos Estudos da Tradução aliada politicamente aos movimentos surdos e aos movimentos de TILS. O futuro promete produções de pesquisa neste campo de investigação que estarão consolidando as práticas tradutórias de e para a Libras no Brasil. Com este desenvolvimento, a formação dos TILS será mais sólida. Os alunos de bacharelado de cursos de Letras Libras que estão se formando para atuarem como tradutores intérpretes de Libras terão uma formação com base mais acadêmica aliada à prática que já desempenhavam. Além disso, a questão política que fundamenta as práticas tradutórias dos TILS estará permeando os cursos de formação destes profissionais no sentido de viabilizar traduções culturais. As traduções na Libras serão cada vez mais surdas (no sentido empregado nos Estudos Surdos), assim como as traduções para o português serão cada vez mais organizadas culturalmente na Língua Portuguesa. Ao mesmo tempo, os hibridismos resultantes dos contatos intensos nas comunidade bilíngües de Libras e Português estarão sendo discutidas e analisadas pelos tradutores intérpretes de Libras. As produções de conhecimento nesta área vão oferecer mais elementos para as práticas tradutórias de e para Libras, de e para a Língua Portuguesa. Os TILS terão mais ferramentas para se apropriarem e utilizarem na sua atuação profissional. Por fim, haverá uma mudança nas relações com o profissional tradutor intérprete de Libras, considerando sua qualificação e status tanto por parte dos seus “clientes” (surdos e ouvintes), quanto por parte dos próprios tradutores intérpretes, assim como por parte dos pesquisadores. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVELAR, T. (2010). A questão da padronização lingüística de sinais nos atores- tradutores surdos no curso de Letras-LIBRAS da UFSC: estudo descritivo e lexicográfico do sinal cultura. Dissertação Mestrado em Estudos da Tradução. Florianópolis, SC: Universidade Federal de Santa Catarina. GILE, D. (1995). Fidelity in interpretation and translation. In: Basic concepts and models for interpreter and translator training. V.8, pp. 49 – 74. John Benjamins, Amsterdam, 2009. LOPES, M. C. (2005). A natureza educável do surdo. Em THOMA, A. da S. e LOPES, M. C. (Org.). 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