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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Ciências Econômicas Introdução à Economia II 1º. semestre 2014 Nota de aula 6 – Oferta de moeda Honorio Kume 1. Conceito de moeda Moeda = qualquer ativo que as pessoas estão geralmente dispostas a aceitar em troca de bens e serviços ou pelo pagamento de dívidas. Ativo = qualquer coisa de valor possuída por uma pessoa ou uma empresa. Características de uma moeda: a) deve ser aceitável (isto é, usável) para maioria das pessoas; b) deve ser de qualidade padronizada, de modo que quaisquer duas unidades sejam idênticas; c) deve ser durável, de modo que o valor não seja perdido por deterioração; d) deve ser valioso em relação a seu peso, de modo que possa ser transportada com facilidade; e e) deve ser divisível, porque os bens têm valores diferentes. Moeda = dinheiro em linguagem popular = papel moeda (por exemplo, a nota de 10 reais) + as moedas propriamente ditas. A moeda nacional (o real no Brasil) tem três funções clássicas: 2 2. Funções de uma moeda A moeda desempenha três funções básicas: a) meio de troca A moeda é utilizada para comprar e vender bens e serviços. Quando trabalhamos, aceitamos receber o salário em moeda nacional por que sabemos que será aceita para adquirir bens e serviços. A aceitação da moeda nacional é obrigatória por lei. b) unidade de conta Os preços são fixados em moeda nacional. As dívidas também são registradas nesta moeda. Os ativos são avaliados em moeda nacional. A moeda constitui o padrão por meio do qual mensuramos as transações econômicas e as riquezas. c) reserva de valor A posse da moeda permite transferir o poder de compra que ela proporciona para um momento posterior. Se eu tenho cem reais, tenho a capacidade de adquirir bens e serviços Nota 1: a moeda tornou as compras e vendas de bens e serviços muito mais ágeis. No sistema de troca direta entre bens, um indivíduo que possui maçãs e deseja um par de sapatos tem que encontrar alguém tem interesse em vender sapatos e receber em troca maçãs. A condição para que a transação ocorra é a “coincidência de desejos”. No sistema de troca direta, o indivíduo gasta mais tempo em efetuar uma compra. O tempo gasto pode ser denominado custo de transação. A moeda reduziu drasticamente o custo de transação. Nota 2: na presença de inflação elevada a moeda pode perder algumas das funções. Por exemplo, na Argentina, no final dos anos 1980, os comerciantes fixavam o preço em dólares para evitar que todo dia tivessem que mudar os preços em em austrais ( moeda argentina na época). Geralmente, a taxa de câmbio se desvaloriza com a inflação. No entanto, as transações comerciais eram realizadas em austrais, por exigência legal. 3 correspondentes a este valor. Mas, posso guardar este dinheiro para comprar daqui a seis meses. Quando eu guardo a moeda sem gastar significa que ela funciona como reserva de valor e tenho um ativo neste valor. A grande vantagem de ter a moeda como reserva de valor é a sua liquidez, isto é, pode ser utilizada imediatamente para comprar bens e serviços. Se eu guardo cem reais em poupança no banco, não posso gastar no final de semana. Tenho que ir ao banco e retirar da poupança, isto é, transformar a poupança em moeda para poder exercer o poder de compra que eu possuo. Na presença de inflação elevada, a moeda perde a função de reserva de valor. Quem guardaria uma nota de 100 reais por um ano, se a inflação for de 50%? 3. Moeda mercadoria e papel moeda Moeda mercadoria é um bem que tem valor intrínseco e é utilizado como meio de troca. Exemplos: sal, gado, fumo, peles, conchas e pontas de seta. Salário vem do termo latino que designava o sal. Pecuaniário, do termo latino correspondente a gado. Cigarros nos campos de prisioneiros da II Guerra Mundial. Pedras enormes, na ilha de Yap, no Oceano Pacífico. Dentes de golfinho nas Ilhas Salomão. Latas de peixe cavala na prisão federal em Lompoc, Califórnia, desde 2004, quando a entrada do cigarro foi proibida. Moeda mercadoria mais comum: moedas de ouro, prata e bronze. A partir do século XIX, passou a ser mais utilizado o papel moeda, mas vinculada a uma determinada quantidade de mercadoria. Isto limitava a emissão de papel moeda. O papel moeda não tem valor intrínseco. É apenas um papel impresso. 4 No início do século XX, a maioria dos países atrelava a moeda nacional ao ouro, sistema denominado padrão ouro. O governo fixava o preço do ouro em moeda nacional e assumia o compromisso de comprar e vender qualquer quantidade de ouro a este preço. Atualmente, os países não adotam mais o padrão ouro de modo que podem emitir qualquer quantidade de papel moeda. 4. Moeda no Brasil Há várias definições de moeda que variam segundo o grau de liquidez, ou seja, quanto mais rápido um individuo pode exercer o seu poder de compra. M1 = papel moeda em poder do público + depósitos à vista nos bancos. O papel moeda pode ser utilizado imediatamente para compra e sobre os depósitos à vista nos bancos podem ser emitidos cheques. No final de fevereiro de 2014, o M1 atingiu R$ 315 bilhões, conforme pode ser visto no gráfico 1. Gráfico 1 – M1 (R$ milhões), mensal janeiro/2010-fevereiro/2014 Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria. M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + depósitos de poupança + títulos emitidos por instituições depositárias. - 50 000 100 000 150 000 200 000 250 000 300 000 350 000 400 000 Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n * 2010 2011 2012 2013 2014 5 Sobre os depósitos especiais remunerados e os depósitos de poupança não podem ser emitidos cheques. No entanto, o titular dos depósitos podem ir ao banco e transferir o saldo nestes depósitos para a conta corrente (depósito à vista) e, a partir de então, emitir cheques. Devido a esta dificuldade adicional, os depósitos especiais remunerados e os depósitos de poupança não são incluídos no M1, sendo somente adicionados no M2. No final de fevereiro de 2014, o M2 atingiu R$ 1.938 bilhões, conforme pode ser visto no gráfico 2. Gráfico 2 – M2 (R$ milhões), mensal janeiro/2010-fevereiro/2014 Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria. 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n A b r Ju l O u t Ja n * 2010 2011 2012 2013 2014 Nota 3: O Banco Central do Brasil utiliza os seguintes conceitos adicionais para definições mais amplas de moeda: M3 = M2 + cotas de fundos de renda fixa + operações compromissadas registradas no SELIC M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez A ideia é similar. Estas aplicações financeiras precisam ser vendidas ou resgatadas para se transformarem em depósito à vista. Demora tempo para que o titular destes títulos possa exercer o poder de compra correspondente. 6 5. Os bancos e a oferta de moeda A análise a seguir, se baseará no conceito de M1 como moeda. Como M1 é igual ao papel moeda em poder do público mais os depósitos à vista nos bancos comerciais, se os bancos influenciam o volume de depósitos, ele afetam a oferta de moeda. Para entendercomo os bancos afetam os depósitos bancários, vamos considerar inicialmente que os bancos são obrigados a manter a totalidade dos depósitos em seus cofres na forma de reservas bancárias. Logo, ele não concede empréstimos. Considere um indivíduo que deposita R$ 100 no Banco Um que passa a ter a seguinte situação contábil. Nota 4: Cartões de crédito e de débito O limite de crédito disponível nos cartões de crédito não é considerado meio de pagamento. O argumento é que o cartão de crédito apenas posterga o momento do pagamento, isto é, seria apenas um empréstimo de curto prazo. No vencimento do cartão, o proprietário deve efetuar o pagamento por meio de papel moeda ou débito em sua conta corrente. O cartão de débito é apenas um substituto do cheque, sendo o desconto na conta corrente imediato. No entanto, apesar de não serem incluídos na oferta de moeda, os cartões de crédito e de débito reduzem a necessidade de moeda (demanda). As pessoas que possuem estes cartões andam com menos dinheiro no bolso, isto é, requerem uma menor quantidade de moeda. Banco Um Depósitos 100 Passivo Ativo Reservas 100 7 Se o banco não pode efetuar empréstimos, não consegue afetar o volume de depósitos. Agora, considere um sistema de reservas fracionárias. Neste regime, os bancos mantêm obrigatoriamente como reservas no Banco Central um percentual dos depósitos e o restante pode ser emprestado ou aplicado em títulos, ambos rendendo juros. Na prática, apesar dos depositantes poderem exigir seu dinheiro depositado em qualquer momento do tempo, geralmente em cada dia há sempre depósitos e retiradas, ocasionando pequenos superávits – depósitos maiores que as retiradas - ou déficits reduzidos – depósitos inferiores que os saques. Assim, os bancos mantêm apenas um percentual dos depósitos em caixa para cobrir eventuais déficits. Além disso, os bancos têm capital que é o valor mínimo necessário para abrir um banco. Eventualmente, se ocorrer um déficit maior do que o dinheiro em caixa, os bancos podem emprestar de outros bancos que tiveram superávits ou recorrer ao Banco Central que funciona como o banco dos bancos. O balancete mais completo do Banco Um ficaria da seguinte forma. O Banco Central geralmente fixa o percentual mínimo de reservas obrigatórias. Os bancos podem manter reservas em excesso, mas deixam de ganhar juros ao não aplicarem estes recursos. Suponha que este percentual seja de 10%. Assim, o Banco Um que recebeu o depósito de R$ 100, mantém. R$ 10 como reservas e empresta R$ 90. Para simplicidade, utilizamos o balancete contábil simplificado que fica da seguinte forma. Depósitos 100 Capital 5 (patrimônio líquido) Passivo Ativo Caixa 2 Reservas 10 Empréstimos 63 Títulos 30 Banco Um 8 O indivíduo que recebe o empréstimo deposita no Banco Dois antes de efetuar suas despesas. Este banco recebe então um depósito de R$ 90, guarda como reservas 10% deste depósito no valor de R$ 9 e empresta R$ 81. O balancete do Banco Dois é mostrado a seguir. O indivíduo que recebe o empréstimo de R$ 81 deposita no Banco Três e o processo de ampliação dos depósitos ocorrerá em várias etapas sempre em valores decrescentes até atingir zero, conforme ilustrado a seguir. Depósito no Banco Um = 100 = 100 = 100 Depósito no Banco Dois = 0,9*100 = 90 = 0,9*100 = 0,9*100 Depósito no Banco Três = 0,9*90 = 81 = 0,9*0,9*100 = 0,9 2 *100 Depósito no Banco Quatro = 0,9*81 = 72,90 = 0,9*0,9*0,9*100 = 0,9 3 *100 ...................................... ...................... ....................... Se há n bancos, temos: Soma dos depósitos = 100 + 0,9*100 + 0,9 2 *100 + 0,9 3 *100 + ........................... .+ 0,9 n *100 Soma dos depósitos = (1 + 0,9 + 0,9 2 + 0,9 3 + ........................... .+ 0,9 n )100 Esta soma é uma série geométrica infinita cuja soma é dada por: Depósitos 100 Passivo Ativo Reservas 10 Empréstimos 90 Depósitos 90 Passivo Ativo Reservas 9 Empréstimos 81 Banco Dois Banco Um 9 Soma = *100 = 1.000 Soma = *100 = 1.000 Denominamos , multiplicador bancário que é igual a recíproca do percentual da reservas. Note que este resultado é obtido mesmo que o depósito seja efetuado no mesmo banco. 6. Banco Central e o controle da oferta da moeda O Banco Central pode controlar a quantidade de moeda na economia de várias maneiras: a) operações no mercado aberto Considere o balancete contábil mais completo do Banco Um. Nota 5: para qualquer |x| < 1, faça com que z = 1 + x + x 2 + x 3 + ................ Multiplicando ambos os lados por x, temos: zx = x + x 2 + x 3 + x 4 + ........... Subtraindo a primeira equação da segunda, temos: z – zx = 1 z(1 - x) = 1 z = Depósitos 100 Capital 5 (patrimônio líquido) Passivo Ativo Caixa 2 Reservas 10 Empréstimos 63 Títulos 30 Banco Um 10 O governo compra títulos do banco no valor de 10 e paga aumentando as reservas deste banco depositadas no Banco Central. O Banco Um passa a ter mais reservas do que o exigido pelo Banco Central, conforme ilustrado abaixo. Como o excesso de reservas não rende juros, o banco faz empréstimos e o multiplicador bancário eleva os depósitos que fazem parte do M1. Portanto, o Banco Central aumenta M1. Se o governo aumenta o percentual de reservas, o M1 diminui. Lembrando que: R = r*D onde R = reservas bancárias no Banco Central; r = fração dos depósitos bancários que deve ser depositada no Banco Central, e D = volume de depósitos nos bancos comerciais. D = *R D = *R Assim, o governo pode controlar o volume de depósitos por meio da variação das reservas bancárias. Depósitos 100 Capital 5 (patrimônio líquido) Passivo Ativo Caixa 2 Reservas 20 Empréstimos 63 Títulos 20 Banco Um 11 No entanto, M1 = Mp + D, resta mostrar como o governo pode influenciar Mp. Quando um indivíduo recebe um empréstimo, ele pode manter uma parte em sua posse e o restante como depósito no banco. A escolha depende de vários fatores, tais como a criminalidade e a confiança nos bancos. Represente por k a proporção entre a moeda mantida em seu poder e o depósito bancário: k = Mp = kD Então, podemos definir M1 da seguinte forma: M1 = kD + D M1 = (k + 1)D Agora, vamos introduzir um novo conceito: BM = Mp + R onde BM = base monetária Substituindo temos: BM = kD + rD BM = (k + r)D Dividindo M1 por BM, temos: = ( ) ( ) M1 = ( ) ( ) *BM ( ) ( ) = multiplicador monetário Portanto, dado k e r, o governo pode controlar M1 ajustando BM. b) taxa de redesconto Esta é a taxa de juros cobrada pelo Banco Central para empréstimos aos bancos comerciais que estão necessitando de recursos temporariamente (curto prazo). Se a taxa de redesconto se eleva, os bancos farão menos empréstimos para não terem que recorrer ao Banco Central em caso de necessidade. 12 c) variação das reservas bancárias e pagamento de juros Como vimos, o governo influencia o multiplicador bancário manipulando a proporção dos depósitos bancários que devem ser depositados no Banco Central. Se o governo paga juros sobre reservas bancárias, diminui o interessedos bancos em oferecer empréstimos, o que diminui o volume de depósitos bancários. Referência bibliográfica Taylor, J. B. Princípios de Macroeconomia. São Paulo: Editora Ática, 2007, cap. 10, exceto p. 277-280.
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