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2 DANIELLE CRISTINE BRIGATO MADUREIRA ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação da Professora Fabiane Freitas de Almeida Pinto. Brasília 2006 3 DANIELLE CRISTINE BRIGATO MADUREIRA ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação da Professora Fabiane Freitas de Almeida Pinto. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção ______ (__________________________________). Banca Examinadora: __________________________ Presidente: Prof. Fabiane Freitas de Almeida Pinto Universidade Católica de Brasília ____________________________ Integrante: Prof. Dr. ____________________________ Integrante: Prof. Dr. Universidade Católica de Brasília Universidade Católica de Brasília 4 Dedico o presente trabalho aos meus pais, Guilherme e Vanderlice, por me mostrarem a importância do estudo na vida de um ser humano e por terem acreditado no meu potencial. Às minhas irmãs, Rosana e Déborah, que estão sempre ao meu lado apoiando minhas escolhas. A todos os meus amigos pelo carinho, paciência e apoio em todos estes anos de estudo. Principalmente ao meu filho, Iago, a minha fonte inspiradora, belo e admirável em essência, estímulo que me impulsiona a buscar uma vida melhor a cada dia, por aceitar privar-se de minha companhia pelos estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais. 5 Agradeço à minha querida orientadora, Prof. Fabiane Freitas de Almeida Pinto, desprovida de palavras que possam fielmente retratar minha gratidão, desejo retribuir a competência, a sensibilidade e a disponibilidade com que sempre me orientou, contribuindo para o aprimoramento intelectual, profissional e pessoal que acredito ter adquirido através do vínculo estabelecido. 6 Enquanto o homem e a mulher não se reconhecerem como semelhantes, enquanto não se respeitaram como pessoas em que, do ponto de vista social, político e econômico, não há a menor diferença, os seres humanos estarão condenados a não verem o que têm de melhor: a sua liberdade. Simone de Beauvoir 7 RESUMO É notório que a crise econômica introduziu um elevado número de mulheres no mercado de trabalho, promovendo um maior relacionamento entre homens e mulheres nesse ambiente. Este convívio tem promovido o assédio sexual que vem exercendo sérias influências sobre os níveis de qualidade do trabalho e de competitividade da empresa, e, consequentemente, refletindo-as nas condições de vida dos trabalhadores e no ambiente em que se desenvolvem suas atividades. No sentido de aprofundar o conhecimento acerca da questão, buscamos na legislação, doutrina e jurisprudência, elementos necessários para traçar um panorama geral sobre a temática do assédio sexual nas relações de trabalho, tanto no âmbito das relações hierarquicamente superiores, como no âmbito das relações sem hierarquia superior, ou seja, entre colegas do mesmo nível hierárquico, porém sem reduzir aspectos da responsabilidade do empregador pelos atos praticados por seus funcionários. Este estudo tem como objetivo conhecer e analisar as relações de trabalho que se estabelecem em decorrência do constrangimento de alguém com o intuito de obtenção de vantagens ou favorecimento sexual, fazendo prevalecer-se o agente de seu cargo ou função exercida. Destaca-se tal atitude como violação à dignidade humana do trabalhador, bem como à sua intimidade, garantias constitucionalmente asseguradas, que quando violadas repercutem na degradação do ambiente de trabalho, da vida familiar e social. Palavras-chave: . assédio sexual; . violação à dignidade humana do trabalhador; . degradação do ambiente de trabalho. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................... Capítulo 1 – Breve Evolução Histórica do Trabalho Humano.............................. 1.1 Globalização e suas conseqüências no mercado de trabalho........................ 1.2 As relações entre homem e mulher através dos tempos................................ Capítulo 2 – Assédio Moral nas Relações de Trabalho....................................... 2.1 Conduta perversa e abuso de poder como elementos caracterizadores........ 2.2 Perfil dos sujeitos............................................................................................ 2.3 Classificação................................................................................................... 2.3.1 Vertical descendente ou ascendente...................................................... 2.3.2 Horizontal................................................................................................ 2.4 Condutas assediadoras................................................................................... 2.4.1 Degradação intencional das condições de trabalho................................ 2.4.2 Isolamento e recusa de comunicação..................................................... 2.4.3 Atentado contra a dignidade................................................................... 2.4.4 Violência verbal, física ou sexual............................................................ 2.5 Excludentes: o que não é assédio moral......................................................... 2.5.1 Agressões pontuais................................................................................. 2.5.2 Más condições de trabalho...................................................................... 2.5.3 Estresse e conflito................................................................................... 2.5.4 Gestão por injúria.................................................................................... 2.5.5 Poder diretivo legítimo do empregador................................................... 2.5.6 Assédio sexual........................................................................................ Capítulo 3 – Assédio Sexual nas Relações de Trabalho..................................... 3.1 Assédio sexual no direito comparado.............................................................. 3.2 Noções conceituais sobre o assédio sexual.................................................... 3.3 Culpabilização da vítima e sanções sociais.................................................... 3.4 O enredamento psíquico e suas conseqüências para o assediado................ 3.4.1 Prejuízos à saúde psíquica e física e baixa auto-estima......................... 3.4.2 Prejuízos no convívio familiar e social..................................................... 3.4.3 Queda da produtividade.......................................................................... 3.5 Formas de prevenção...................................................................................... Capítulo 4 – Assédio Sexual e a Dignidade do Trabalhador................................ 4.1 Direitos humanos – algumas considerações................................................... 4.2 Dignidade humana como princípio constitucional........................................... 4.3 Assédio sexual como afronta à dignidade humana do trabalhador................. 4.4 Alguns entendimentos acerca do tema perante a Justiça Trabalhista............ CONCLUSÃO....................................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... ANEXOS...............................................................................................................9 13 17 18 22 25 27 31 31 33 34 35 36 37 38 39 40 41 41 43 43 44 48 48 50 54 54 55 57 58 59 62 62 64 66 70 76 79 85 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho demonstra que a violência moral e sexual no trabalho não é fenômeno novo, pode-se dizer que ela é tão antiga quanto o próprio trabalho, muito embora sua discussão e sua denúncia constituam, sim, uma novidade. Com o desenvolvimento da civilização humana, criaram-se as relações de poder e hierarquia e a propriedade privada. O homem passou a ser explorado pelo homem. Os detentores do poder detinham também o que era produzido pelo subordinado. O trabalho passou a significar tortura. Exemplo disso é a escravidão, em que o trabalho era considerado vergonhoso e, por isso mesmo deveria ser realizado pelos escravos, seres inferiores, verdadeiros objetos, destituídos de direitos. No Brasil colônia, índios e negros foram sistematicamente assediados, ou melhor, humilhados por colonizadores que, de certa forma, julgavam-se superiores e aproveitavam-se dessa suposta superioridade militar, cultural e econômica para submeter-lhes sua visão de mundo, sua religião, seus costumes, além de sujeitar as escravas aos seus desejos carnais. Na Idade Média, o trabalho passou a ser visto como meio de se alcançar o reino dos céus, como forma de redenção. O clero e a nobreza eram os intermediários entre Deus e os servos, e estes últimos deveriam ser submissos às condições que lhe eram impostas. Mais um passo, com a industrialização e o capitalismo, instaura-se a doutrina segundo a qual o trabalho deve ser concebido como possibilidade para a ascensão humana. Sustenta-se que a sociedade é formada por classes e a ascensão social do indivíduo, ou o seu declínio, condiciona-se única e exclusivamente ao seu próprio comportamento. Cresce a participação das mulheres no mercado de trabalho, o que não significa que detenham o mesmo estatuto e oportunidades que os homens. Pelo contrário, parece que deixaram a subserviência doméstica para serem marginalizadas no trabalho, sendo as principais vítimas do assédio sexual. Iniciam-se as pressões por produtividade e o distanciamento entre os órgãos dirigentes e os trabalhadores, os quais resultam na impossibilidade de uma comunicação direta, desumanizando o ambiente de trabalho, acirrando a 10 competitividade e dificultando a germinação do espírito de cooperação e solidariedade entre os próprios trabalhadores. O individualismo exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, gerando uma série de atritos, não só entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados. O certo é que o individualismo é a nova tônica que caracteriza as relações de trabalho, exigindo do trabalhador um novo perfil: autônomo, flexível, capaz, competitivo, criativo, qualificado e empregável. Ao mesmo tempo em que essas exigências crescentes e incessantes, qualificam-no para o mercado de trabalho, seu não atendimento torna-o, ironicamente, responsável pelo próprio desemprego. Com a priorização dos fatores econômicos em detrimento aos fatores humanos procedimentos aviltantes e ofensivos à dignidade e reputação do trabalhador, como o desprezo, clima de terror, desprezo e manipulação da comunicação e informação, tornam-se práticas constantes, gerando desajustes sociais e transtornos psicológicos ao trabalhador, violência essa que desencadeia o fenômeno do assédio moral no trabalho. Tal fenômeno não ocorre somente nos países em desenvolvimento, ele está presente no cenário mundial e a partir dos anos 80 passou a ser encarado como um problema social que se manifesta na família, nas escolas e, principalmente, nas relações de trabalho. Atinge homens e mulheres, altos executivos e trabalhadores braçais, a iniciativa privada e o setor público, entendendo ser um comportamento injustificado e continuado para com um trabalhador ou grupo de trabalhadores que, de acordo com o senso comum, atendendo às circunstâncias, considere-se suscetível de vitimizar, humilhar, ameaçar ou comprometer a auto-estima e a auto-confiança de uma pessoa, constituindo-se, assim, num risco para sua saúde física e psíquica. Neste contexto, é feita a distinção entre assédio moral e assédio sexual. Enquanto o assédio moral no trabalho consiste em atos de humilhação, desqualificação e ridicularização que ocorrem de maneira repetitiva como forma de obrigar o trabalhador a pedir demissão, o assédio sexual no trabalho consiste na solicitação de favores sexuais, seja através de atos, conduta verbal, não verbal ou física, baseada em relações assimétricas de poder entre o solicitante e a vítima, criando um ambiente de trabalho hostil, abusivo e ofensivo. 11 Muitas vezes o assediado se culpa pela situação, pois acha que, de alguma forma, provocou o assediador e por isso acaba por se isolar dos colegas de trabalho e familiares, sentindo-se indigno e incapaz. O assédio sexual é violação ao um interesse juridicamente tutelado, sem conteúdo pecuniário, mas que deve ser preservado como um dos direitos mais importantes da humanidade: o direito à dignidade. Recentemente, a legislação nacional tipificou a conduta do assédio sexual como crime, no sentido de evitar a violação do direito dos trabalhadores à segurança, respeito, dignidade e moralidade física e psicológica no ambiente de trabalho. A questão, no entanto, não é uma preocupação local, mas sim mundial, tanto que a Organização Internacional do Trabalho já cuidou de definir o assédio sexual. Ao nível das organizações, os custos do assédio sexual podem consistir em maior absentismo e maior rotação de pessoal, bem como em menor eficácia e produtividade, não só no caso das vítimas do assédio, mas também de outros colegas que sejam afetados pelo clima negativo do ambiente de trabalho. O pagamento de indenizações em virtude de processos instaurados com base no assédio sexual também representa, por vezes, custos elevados. Ao empregado que sofre este mal considerável cabe o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, enquanto para o empregado que pratica o assédio sexual, independentemente de exercer função superior à do assediado, pode ser considerado a justa causa para a rescisão do contrato. Há que se falar também na responsabilidade do empregador pela reparação de dano na esfera civil em decorrência do assédio sexual praticado por seu empregado. Consolidando o entendimento de que o dano sofrido há de ser efetivo, podendo ser na esfera material ou na esfera moral, necessário, porém, que se faça a demonstração de prova real e concreta de uma lesão certa a determinado bem ou interesse jurídico, ou seja, é imprescindível à prova o nexo causal entre o dano sofrido e a ação/omissão do agente. Aliás, os meios de obtenção de provas merecem atenção por ser muito difícil provar-se o assédio sexual. Constata-se que o melhor meio de prova do assédio são bilhetes e conversas entre as partes envolvidas, ainda que obtidas por um gravador oculto, onde o assediado pode gravar as ameaças ou “cantadas” inconvenientes realizadas pelo assediador. As gravações de conversas pessoais constituem meio 12 aceitável e lícito de prova, nos termos da Constituição Federal que em seu art. 5º, inciso LVI, declara que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O último capítulo é dedicado à análise do assédio sexual como afronta ao princípio constitucional da dignidade humana do trabalhador, iniciando-se com uma fundamentação filosófica e axiológica responsável, passando pela legislação internacional, bem como, narrando a dignidade da pessoa humana como direitofundamental, conforme disposto na Constituição Federal de 1988. Também serão apresentadas decisões dos Tribunais do Trabalho com relação ao dano moral causado pelo assédio sexual, ou seja, a possibilidade de reparação pelo sofrimento causado, e seus efeitos pedagógicos a fim de evitar a proliferação de práticas dessa natureza, lembrando que a dor moral é irreparável, insuscetível de avaliação pecuniária porque é incomensurável. É mister ressaltar que para esta pesquisa utilizou-se o método documental, adotando como técnicas o levantamento de bibliografia, leitura analítica e fichamentos, bem como o apoio de materiais do sistema mundial de informações, a saber artigos publicados via Internet. 13 Capítulo 1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO HUMANO A palavra trabalho tem origem no latim tripalium, que era um instrumento de trabalho, com pontas de ferro, com o qual os agricultores batiam o milho, o trigo e o linho para rasgá-los e esfiapá-los. A palavra tripalium também designava um instrumento de tortura que era formado de três paus, aos quais eram atados os condenados. Esse aparelho servia também para manter presos os animais difíceis de ferrar. Na verdade, a palavra vem do verbo tripaliare, que significa torturar. Daí, a associação do trabalho com tortura, sofrimento, pena e labuta.1 A maioria das pessoas associa as palavras trabalho e emprego como se fossem a mesma coisa. Apesar de estarem ligadas, essas palavras possuem significados diferentes. O trabalho é mais antigo que o emprego, o trabalho existe desde o momento que o homem começou a transformar a natureza e o ambiente ao seu redor, desde o momento que o homem começou a fazer utensílios e ferramentas. Por outro lado, o emprego é algo recente na história da humanidade. O emprego é um conceito que surgiu por volta da Revolução Industrial, é uma relação entre homens que vendem sua força de trabalho por algum valor, alguma remuneração, e homens que compram essa força de trabalho pagando algo em troca, algo como um salário. Ao longo da história, variando com o nível cultural e com o estágio evolutivo de cada sociedade, o trabalho tem sido percebido de forma diferenciada. No início da humanidade, quando os homens ainda viviam em igualdade, sem propriedade privada e sem hierarquia econômica, trabalhar era uma atividade de sobrevivência, associada às outras tantas que se desenvolviam naturalmente. Mas, a partir do momento em que foi criada a propriedade privada e estabeleceu-se uma relação de poder e hierarquia, na qual quem trabalhava não era quem detinha o produto, o trabalho aproximou-se do significado de tortura. 1 SILVA, Alan. Vocês conhecem a origem da palavra “trabalho”?. Vejam o porquê trabalho provoca tanto stress. Disponível em: <http://vemlouvar.com/v5/content/view/327/120/>. Acesso em: 28 mar. 2006. 14 Hoje, considera-se o trabalho um fazer do homem. Só o homem realiza atividade laboral, de todas as espécies animais. Porém, por outro lado, alguns povos da Antigüidade tinham o trabalho como algo impuro, indigno e desprezível. O trabalho não era uma atividade digna do homem livre, não merecia a atenção de pessoas educadas, abastadas ou com autoridade. Cabiam aos escravos as tarefas diárias, ou melhor, o trabalho, principalmente o manual. O trabalhador escravo era considerado res (coisa), não possuindo os mesmos direitos de uma pessoa. Os proprietários de escravos podiam dispor deles, vendendo ou trocando, podiam utilizá-los como melhor entendessem, até tirar suas vidas se fosse necessário.2 Neste período, visualiza-se claramente a exploração humana, o que não deixa de ser uma forma de assédio. Se continuarmos progredindo na história, chegaremos à Idade Média com o feudalismo, sistema que se caracterizou pela exploração do trabalho servil, responsável por toda a produção. O servo não era considerado um escravo, mas também não era um trabalhador livre, estava forçado a trabalhar sempre para o mesmo senhor feudal, não podendo abandonar a terra, além de ser obrigado a dar- lhe parte de sua produção agrícola. Ainda assim, na Idade Média, o trabalho era visto como um bem, árduo, mas um bem (São Tomás de Aquino, século XIII); o clero pregava que o trabalho era uma forma de alcançar o reino dos céus, portanto o homem deveria ser submisso às condições que lhe eram impostas. O trabalho só vai receber um aspecto diferente e inovador com João Calvino, no século XVI, o qual professava que o homem devia viver o cristianismo no mundo através de uma moral rígida de simplicidade, trabalho e honestidade. Durante a Reforma Protestante, Calvino pregou que o sucesso no trabalho e nos negócios deveria ser através de uma nova ética religiosa do trabalho, associando sucesso e trabalho com a benção divina, pois aquele que ficasse próspero com o fruto de seu próprio trabalho ganharia a salvação.3 No século XVIII, o inglês Adam Smith afirma que a riqueza não tinha origem no mercantilismo, política econômica que norteava o comércio na época, mas sim do trabalho. Com esta afirmação, Smith contraria os interesses do clero e da nobreza, 2 NUNES, Flávio Filgueiras. A persistência do trabalho escravo no Brasil. Juiz de Fora, 2005. Dissertação de Monografia - Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Viana Júnior. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/monografia_flavionunes.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2006. 3 GOMES, Antônio Máspoli de Araújo. Reflexos sociais do calvinismo. Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/universidade/teologia/index_files/artigos/liberal.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2006. 15 que desprezavam o trabalho; e foi além, afirmou que para o trabalhador ter um pensamento mais ágil (para dar conta do processo produtivo) era necessário investir em educação básica para todos.4 Outra revolução, quanto à percepção do trabalho, é a encontrada em Karl Marx que identifica o trabalho não só como fonte de todo valor, mas principalmente o seu caráter social. Segundo Marx, o lucro não se realiza por meio da troca de mercadorias, que se trocam geralmente por seu valor, mas sim em sua produção. Os trabalhadores não recebem o valor correspondente a seu trabalho, mas só o necessário para sua sobrevivência. 5 Com a Revolução Industrial, consolidou-se o sistema capitalista, baseado no capital e no trabalho assalariado, instaurando a idéia do trabalho como uma possibilidade para a ascensão humana e defendendo a sociedade de classes como uma sociedade aberta, na qual as condições de mobilidade do indivíduo dependem única e exclusivamente dele.6 A partir desse momento histórico reestruturam-se as relações sociais. O homem é alienado do produto do seu trabalho; as condições de trabalho nas oficinas, depois nas fábricas e, modernamente, em todos os âmbitos sociais transformaram-se. O desemprego garante um "exército de reserva" sempre disposto a ceder para ficar no emprego. Tudo isso repercutiu na vida social: de um lado, a concentração de enormes riquezas nas mãos de poucos e, de outro, os operários quase sempre oprimidos pela miséria e degradados por um trabalho realizado em condições desumanas, ou seja, a Revolução Industrial trouxe grandes avanços para o social, humano, mas desempregou, subempregou e explorou milhões de homens, mulheres e crianças. Como uma resposta a esta situação, em 15 de maio de 1891, foi publicada a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, que definia a doutrina social da Igreja Católica. O Papa defendia direitos dos trabalhadores e definia o trabalho como a atividade destinada a prover as necessidades de sua conservação. Outroprincípio importante era o direito à propriedade privada. Rejeitava o socialismo e admitia a intervenção do Estado fixando idade, horas e condições de trabalho, condenava a 4 PERES, Ângelo. O Homem, o Trabalho e o Mundo do Trabalho – sob uma perspectiva histórica. Disponível em: <http://www.internativa.com.br/artigo_rh_004.html>. Acesso em: 28 mar. 2006. 5 Teoria da Mais-Valia, século XIX. 6 TAUILE, José Ricardo. A Revolução Industrial: trabalho, mercadoria obsoleta. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/texto_link.asp?cod_link=219&cod_chave=3&letra=c>. Acesso em: 30 mar. 2006. 16 luta de classes, mas admitia a associação dos operários em corporações, a fim de que viabilizassem uma possível unicidade em suas ações para terem mais força no momento em que fossem reivindicar melhores condições de trabalho7. Para José Augusto Rodrigues Pinto a publicação da Encíclica foi “um dos marcos da evolução universal do Direito do Trabalho”.8 Mas o que levou a Igreja Católica, conforme afirma a doutrina tradicional, a preocupar-se com a dignidade do homem trabalhador, quando, por muito tempo, foi omissa quanto à qualidade das relações laborais? A contribuição maior da Encíclica foi o reforço à idéia de uma maior participação do Estado na economia, mas isso não foi pregado com o intuito de salvar do flagelo os esfarrapados e famintos operários. O objetivo imediato era a manutenção da posição conquistada pela Igreja Católica, que poderia ser avariada com o avanço das idéias socialistas, com a luta de classes, com o fim da propriedade privada. A grande preocupação da Igreja era com os efeitos políticos da exploração ao trabalhador, não os morais ou biológicos.9 Como se pode ver neste "passeio" rápido pela história do homem e sua relação com o trabalho, a concepção de trabalho sofre muitas transformações (social, política, religiosa, econômica etc.) através dos séculos, bem como o mundo sofre transformações de todas as ordens. O atual modelo de gestão contemporâneo, predominante em organizações ditas capitalistas, trata o desemprego e a exclusão social como fenômenos comuns e, desta forma, acaba por favorecer e privilegiar, em muitos momentos, ambientes de trabalho nos quais o autoritarismo e a competitividade acabam por gerar estresse e falta de segurança nos trabalhadores. 7 BESEN, Pe José A. A Igreja e a questão social. Revista Missão Jovem, n. 201, jun. 2005, p. 9. Disponível em: http://www.pime.org.br/noticias.inc.php?&id_noticia=6062&id_sessao=3. Acesso em: 16 out. 2006. 8 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho, 4ª Edição, São Paulo: LTr, 2000, p. 30. 9 BARBOSA, Gustavo Henrique Cisneiros. A encíclica Rerum Novarum e o Direito do Trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3188>. Acesso em: 16 out. 2006. 17 1.1 Globalização e suas conseqüências no mercado de trabalho Com a globalização o mundo não tem mais fronteiras e os processos de trabalho estão em franca fase de mudança e reconceituação. As economias emergentes – como a nossa – encontram-se frente aos avanços da ciência e da tecnologia. Para tanto, exige-se algumas qualidades do trabalhador moderno: flexibilidade, criatividade, informação, trabalho em equipe, polivalência, uso de tecnologia, só para citar alguns. 10 Hoje, um aluno que sai da universidade tem que ter a consciência que seu conhecimento - o adquirido nos bancos escolares - tem um alto grau de depreciação em função dos avanços freqüentes impostos pela tecnologia. O paradigma moderno é: eficiência, eficácia e produtividade e sua relação custo/benefício.11 Esta é a exigência do mundo moderno para as organizações e para os homens. Quem não possuir determinadas habilidades e forte características atitudinais, tende a sofrer o revés do desemprego ou, no caso das empresas, até mesmo a falência. Trata-se do "sujeito produtivo", o trabalhador que ultrapassa metas, deixando de lado a sua dor ou a de terceiro. É a valorização do individualismo em detrimento do grupo de trabalho. Este cenário agravado pela competitividade que permeia o mundo globalizado, caracterizado pela escassez de trabalho e excesso de oferta de mão- de-obra, é perfeito para a disseminação do assédio moral, pois a política e o mercado estão marcados por atitudes desumanas e nada éticas, predominando a arrogância e o interesse individual. A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do trabalho. A globalização da economia provoca na sociedade uma deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima 10 MUSSAK, Eugenio. O trabalhador do século XXI. Canal Motivação, set. 2006. Disponível em: <http://www.lideraonline.com.br/php/verMateria.php?cod=40827>. Acesso em: 10 out. 2006. 11 TEIXEIRA, Raquel. Ciência e tecnologia no mundo moderno. Disponível em: <http://www.sectec.go.gov.br/artigos_publicacoes/artigo029.htm>. Acesso em: 10 out. 2006. 18 repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas também no meio social. Depreende-se, pois, que no contexto do mundo atual globalizado a ameaça do homem é, de novo, o trabalho, ou melhor, a falta dele. Isso faz com que o trabalhador, em tese, esteja mais suscetível às inseguranças quanto à sua empregabilidade. 1.2 As relações entre homem e mulher através dos tempos As relações sociais entre os sexos nem sempre estiveram no patamar de igualdade e respeito como hoje se apresentam. A igualdade de direitos entre os homens e mulheres é um fenômeno típico da sociedade moderna; no passado a mulher, a criança, os doentes e os escravos não desfrutavam dos mesmos direitos que tinham os homens sadios, porque a sociedade era patriarcal e, indisfarçavelmente, discriminadora. Em termos sexuais, as mulheres representavam apenas o papel de um organismo vivo, capaz de satisfazer as necessidades do homem e de procriar. Ela era, então, simples objeto do sexo, socialmente subjugada pelo homem. Eram consideradas pelo Clero como criaturas débeis e suscetíveis às tentações do diabo, logo, deveriam estar sempre sob a tutela masculina.12 Na Idade Média, ficava a cargo da Igreja, em virtude de sua ascendência na época, a crítica da sexualidade humana e, portanto, a definição do comportamento considerado eticamente ideal para ser seguido pelos jovens e o grupo familiar cristão. A família cristã ocidental daquela época estava dividida entre o paradigma da abstinência sexual pregada pelos monges e seus seguidores e o sexo-obrigação, apenas para procriação, nos casamentos arranjados pelos pais.13 Com a doutrina de Santo Agostinho (354-430), cuja influência sobre a humanidade foi muito além do seu tempo de vida, a Igreja Católica passou a rejeitar esta dicotomia castidade/sexo conjugal, pois sua filosofia desvendou o véu que 12 CARVALHO, Fabrícia A. T. de. A mulher na Idade Média: a construção de um modelo de submissão. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/mulher.html. Acesso em: 10 out. 2006. 13 FONSECA, Maria Alfreda Ferreira da. A mulher na Igreja Católica. Disponível em: <http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia.asp?noticiaid=19278>. Acesso em: 10 out. 2006. 19 cobria a relação assexuadade Adão e Eva e pregou a satisfação fisiológica, classificando o ato sexual não como uma anomalia, mas, sim, como uma sensação humana de prazer.14 Mais à frente, na Europa moderna, que já se firmava como centro do desenvolvimento científico, artístico e cultural, o movimento Renascentista permitiu que a mulher continuasse a conquistar espaço na sociedade machista, embora ainda voltada às tarefas domésticas. Neste período, as mulheres tinham acesso, mesmo que restrito, às profissões, assim como o direito à propriedade. Também era comum assumirem a chefia da família quando se tornavam viúvas. Na segunda metade do século XIX, quando doenças contagiosas do aparelho respiratório (pneumonia e tuberculose), doenças venéreas (cancro, sífilis etc) e outras moléstias causaram um dano imenso às populações, o sexo passou de uma função natural e prazerosa para algo imundo e provocador de culpa, sendo considerado sujo e perigoso. Com isso, o sexo no seio da família recuperou o prestígio que tinha perdido para os bordéis e casas de prostituição, e a esposa, além de ser consagrada como fonte reprodutora, passou a ser percebida também como companheira de noites prazerosas e seguras.15 Mas foi do movimento de emancipação feminina, desencadeado na segunda metade do século passado, que as mulheres alcançaram, ao menos nos textos legais, a tão invejada igualdade de direitos com os homens. Com o tão simbólico e não menos famoso gesto público de queimarem os sutiãs e, ao mesmo tempo, adotarem as minissaias de Mary Quant, as mulheres modernas tornaram-se donas do seu corpo e do seu destino e, conseqüentemente, o sexo tomou novo rumo nas relações homem/mulher.16 Neste período, a iniciativa, tanto na conquista do outro como durante o ato sexual, deixou de ser prerrogativa dos homens, rompendo-se as amarras da submissão e quebrando-se o tabu do sexo. A sexualidade passou a ser assunto normal para homens e mulheres. 14 SANTOS, Aloysio. Assédio sexual nas relações trabalhistas e estatutárias. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 23. 15 CARVALHO, Fabrícia A. T. de. A mulher na Idade Média: a construção de um modelo de submissão. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/mulher.html. Acesso em: 10 abr. 2006. 16 MOREIRA, Nadilza M. de B. Da margem para o centro. A autoria feminina e o discurso feminista do século XIX. Universidade Federal da Paraíba. Disponível em: <http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/9nadilzabh.htm>. Acesso em: 10 abr. 2006. 20 A mulher, que ingressara de modo significativo no mercado de trabalho durante o período da Revolução Industrial, também consolidou a sua posição como mão-de-obra produtiva por ocasião da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), momento em que soube aproveitar as oportunidades e assumir de vez o papel de produtora de riquezas e não apenas de filhos. Entretanto, ao exercerem profissões que tradicionalmente eram reservadas aos homens, as mulheres ficaram expostas aos riscos e perigos do convívio coletivo do mondo cane, isto é, do mundo cruel, de um mundo onde o produto é a pessoa e o mercado, dos quais, de certo modo, estavam protegidas enquanto trabalhavam no lar.17 Dentre esses riscos atuais, pode-se citar o assédio sexual. Constata-se que a violência sexual é tão antiga quanto a presença do homem na face da terra. É evidente que isso não pode servir de justificativa para o comportamento atual; serve, contudo, para dar dimensão exata do quão pouco a sociedade evoluiu nesse particular. O Antigo Testamento,18 por exemplo, registra inúmeros casos de abuso sexual e no Segundo Livro de Samuel encontra-se o relato do estupro que a virgem Tamar foi vítima no seio de sua própria família. Conta Samuel que Amnon, filho de Davi, aconselhado pelo amigo Jonadab, fingiu-se de doente e atraiu ao seu leito a irmã Tamar e à força a possuiu e a desonrou.19 A agressividade humana pode ser resultado do instinto violento herdado dos nossos ancestrais, isto quer dizer que existe desde os primórdios da civilização humana, uma vez que o assédio é uma forma de coação social que pode instalar-se em qualquer tipo de hierarquia ou relação que se sustente na desigualdade social e autoritarismo. Contudo, tal agressividade também pode ser gerada por fatores externos, tais como pais agressivos, vitimação de violência na infância praticada por terceiros, miséria, frustração, injustiça, dependência química, fatores esses que desencadeiam o processo agressivo que escapa ao controle do ser humano. Mas o que pode ser considerado ato agressivo, em termos sociais? Para Álvaro Cabral e Eva Nick, especialistas na ciência do comportamento humano, a agressão é a “ação violenta e não provocada contra uma pessoa ou contra o próprio, 17 SANTOS, Aloysio. Assédio sexual nas relações trabalhistas e estatutárias. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 29. 18 Gênesis 39, 7-18. Neste trecho do Velho Testamento é contado o assédio sexual sofrido por José, praticado pela mulher do egípcio Putifar que o compara como escravo. 19 Segundo Livro de Samuel, capítulo 13, versículos 1-22. Disponível em: <http://www.paulus.com.br/BP/_P88.HTM>. Acesso em: 07 jun. 2006. 21 revestindo-se quase sempre de propósitos hostis e destrutivos”.20 Destaca-se de tal enunciado dois pontos relevantes: primeiro, o fato de a vítima não ter provocado o agressor e, segundo, o objetivo do agente ativo de hostilizar e/ou destruir. Percebe-se, portanto, que as humilhações são tão antigas como o próprio trabalho, e podem ter sido convertidas nas bases da intensificação da produtividade dos trabalhadores. Nos ambientes empresariais contemporâneos, não é difícil notar que a necessidade de gerar resultados imediatos e de superar o desempenho dos demais colegas de trabalho ultrapassa a barreira do bom-senso, e atitudes desprezíveis são muitas vezes tomadas no sentido de alcançar objetivos individuais a qualquer custo, ferindo a liberdade do outro.21 Esse assédio moral existe em toda parte, em todos os países. É um problema de mundialização e não se pode dizer que está ligado a uma ou outra cultura. Assim, devemos reagir no plano mundial, reagir para que haja redes de comunicação entre os diferentes países para implantar métodos que visem a prevenção e medidas, também, para ajudar estas pessoas que sofrem a encontrar soluções. É preciso atentar ao aperfeiçoamento de aparatos jurídicos que punam com rigor práticas irresponsáveis pelas empresas, ao desenvolvimento de estruturas que protejam o funcionário de qualquer atividade insalubre e à construção de uma consciência contrária ao abuso moral. 20 CABRAL, Álvaro; NICK, Eva. Dicionário Técnico de Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 8. 21 FERNANDES, Daniel Von der Heyde. Assédio Moral no Trabalho: um Estudo com “Suspiros” Etnográficos das Relações de Poder nas Empresas. Disponível em: <http://www.uniethos.org.br/_Uniethos/documents/AssedioMoralNoTrabalho.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2006. 22 Capítulo 2 ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO A origem da palavra assédio vem do latim obsidere que significa pôr-se diante, sitiar ou atacar. A própria definição já indica que o assédio carrega em si a noção de agressividade do algoz em direção a sua vítima22. Segundo o alemão Heinz Leymann, psicólogo do trabalho radicado na Suécia: Assédio moral é a deliberada degradação das condições de trabalho, por meio do estabelecimento de comunicações anti-éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil queum superior ou colega(s) desenvolve(m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradouro.23 O conceito de assédio moral ficou mais conhecido no Brasil com a publicação do livro da pesquisadora francesa, psiquiatra e psicanalista, Marie-France Hirigoyen intitulado “Assédio moral: a violência perversa no cotidiano”, no qual expõe: Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar seu ambiente de trabalho.24 O assédio moral manifesta-se, principalmente, contra os trabalhadores que possuem algum tipo de estabilidade, como acidentados, representantes de sindicatos e até mesmo servidores públicos, entre outros. O empregador não quer mais o seu trabalho e nem pretende arcar com o ônus de sua dispensa, em conseqüência torna o ambiente de trabalho insuportável e humilhante para o trabalhador se demitir. 22 Confederação Nacional dos Bancários – CNB. Cartilha sobre assédio sexual no trabalho. Campanha de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual. Disponível em: <http://www.spbancarios.com.br/spb/download/22/grupos_assedio.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2006. 23 BAYEH, Sarkis Joud. O professor e o assédio moral. Revista PUCViva, n. 22. Disponível em: <http://www.apropucsp.org.br/revista/r22_r02.htm>. Acesso em: 28 mar. 2006. 24 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral - A violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 65. 23 Outra vertente do assédio moral é a do chefe cruel, que abusa do poder disciplinar, como forma de humilhar e maltratar seus subordinados, impondo-lhes apelidos pejorativos, reprimindo-lhes em público, de modo a ofender o empregado e o seu decoro. Neste sentido, Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt ressalta que: Existem várias definições que variam segundo o enfoque desejado (médico, psicológico ou jurídico). Juridicamente, pode ser considerado como um abuso emocional no local de trabalho, de forma maliciosa, não- sexual e não-racial, com o fim de afastar o empregado das relações profissionais, através de boatos, intimidações, humilhações, descrédito e isolamento. [...] o assédio pode ser visto também pelo ângulo do abuso de direito do empregador de exercer seu poder diretivo ou disciplinar.25 Também não se pode deixar de comentar sobre as empresas que sofreram a chamada reestruturação, onde equipes cada vez menores têm de dar conta de resultados que aumentam a cada dia ou, como bem focou a reportagem da revista Você SA, “as empresas querem a metade das pessoas trabalhando o dobro para produzir o triplo”.26 É importante salientar, ainda, que estudos mostram que o assédio moral se manifesta com maior freqüência no setor terciário, no setor de medicina social e no setor de ensino. Fazendo também uma comparação entre a esfera pública e a esfera privada, percebe-se que na segunda esfera a duração do assédio é menor, pois geralmente termina com a saída da vítima da empresa, enquanto na primeira a estabilidade do funcionário auxilia no aumento da duração do assédio.27 Para um maior entendimento sobre o tema “assédio moral” e para demonstrar seu alcance mundial, é mister citar algumas terminologias utilizadas em outros países. Em 1972, o médico sueco Paul Heinemann utilizou o termo mobbing para descrever o comportamento hostil entre as crianças nas escolas. Segundo Hirigoyen esse fenômeno qualificado de mobbing é um termo derivado de mob, que significa horda, bando, plebe, implicando a idéia de algo inoportuno.28 25 SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendonça. O assédio moral no direito do trabalho. Revista de Direito do Trabalho, Brasília, n. 103, 2001, p. 142. 26 DUTRA, Joel Souza. Até onde você agüenta? Você SA, maio 2004, p. 16. 27 OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DA BAHIA. Assédio Moral. Cadernos OGE, 2005. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ouvidoria/assediomoral.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2006. 28 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral - A violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 65. 24 É importante salientar que o referido fenômeno foi identificado nas organizações nos anos 80 por Leymann, que define que “mobbing consiste em manobras hostis freqüentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa”.29 No começo de 1984, Leymann publicou os primeiros resultados de sua pesquisa, na qual demonstrou as conseqüências do mobbing, sobretudo na esfera neuropsíquica, da pessoa exposta a um comportamento humilhante no trabalho durante um certo tempo, seja por parte dos superiores, seja dos colegas de trabalho. O tema chamou tanta atenção na França que após sua pesquisa surgiu legislação específica tratando do assunto.30 Na Inglaterra, paralelamente, a mesma atenção é dispensada ao bullying, palavra que significa “usar o poder ou força para intimidar, excluir, implicar, humilhar, não dar atenção, fazer pouco caso ou perseguir os outros”31, fenômeno esse que ocorre com mais freqüência no ambiente escolar. Hirigoyen esclarece: O termo bullying nos parece de acepção mais ampla do que o termo mobbing. Vai de chacotas e isolamento até condutas abusivas de conotação sexual ou agressões físicas. Refere-se mais a ofensas ou violência individual do que a violência organizacional. Em estudo comparativo entre mobbing e bullying, Dieter Zapft considera que o bullying é originário majoritariamente de superiores hierárquicos, enquanto o mobbing é muito mais um fenômeno de grupo.32 Já nos Estados Unidos utiliza-se o termo harassment, o qual possui o mesmo sentido de mobbing, ou seja, ataques reiterados e intencionais de um agente sobre o outro; na Espanha o assédio moral é chamado de psicoterror ou acoso moral; no Japão o fenômeno é chamado de ijime. É milenar como a civilização oriental e abrange o assédio tanto nas escolas como no trabalho. Na realidade, Hirigoyen 29 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 77. 30 MOLON, Rodrigo Cristiano. Assédio moral no ambiente de trabalho e a responsabilidade civil: empregado e empregador. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 568, 26 jan. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6173>. Acesso em: 18 set. 2006. 31 LIMA, Raymundo de. “Bullying”: uma violência psicológica não só contra crianças. Revista Espaço Acadêmico, n 43, Dez 2004. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/043/43lima.htm>. Acesso em: 10 jun. 2006. 32 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho - Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 80. 25 ressalta que durante muito tempo os professores consideraram o ijime como um “rito de iniciação necessário à estruturação psíquica dos adolescentes”.33 A partir de 1990, com o suicídio de crianças e a evasão escolar, o Japão constatou que o rito era na realidade um sério problema social. Em virtude da denúncia dos fatos aos meios de comunicação, o ijime nas escolas tem alcançado maior atenção, apesar de persistir por fazer parte da cultura nacional; no âmbito laboral a pressão persiste, uma vez que o jovem já é educado dentro de uma rivalidade acirrada e chega ao mercado de trabalho considerando a violência moral uma ferramenta de escalada dentro daempresa.34 Cada termo conduz a uma região e organização diversa, mas o fato é que, independentemente desta terminologia ou a cultura onde se contextualiza, o assédio moral é um fenômeno social. 2.1 Conduta perversa e abuso de poder como elementos caraterizadores O assédio moral, guerra psicológica no local de trabalho, agrega dois fenômenos: o abuso de poder e a manipulação perversa de fatos e informações. A base da conduta perversa é a intencionalidade do agente, o propósito deliberado de atingir a vítima, não visando apenas à demissão do empregado, apesar de configurar o objetivo mais frequente. O objetivo é retirar da vítima o que ela tem de melhor, mesmo que os conceitos de moral e ética precisem ser deixados de lado de uma vez por todas. Em muitas situações o agressor pode apenas estar buscando o prazer de manter seu subordinado sob tortura psicológica. Nesta linha de raciocínio, complementa Maria Luíza Pinheiro Coutinho: Fato é que as pressões psicológicas são usadas tanto para afastar da empresa aquele trabalhador que não se adapta ao modelo de gestão, como para conformá-lo aos objetivos da organização, fixados em torno do aumento da produtividade e sua resultante, o lucro. Tais pressões também são utilizadas contra os empregados que gozam de estabilidade de 33 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho - Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 83. 34 TROMBETTA, Taisa. Características do assédio moral a alunos-trabalhadores em seus locais de trabalho. Florianópolis, 2005. Dissertação de Pós-Graduação – Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <http://150.162.90.250/teses/PPSI0158.pdf>. Acesso em: 10 out. 2006. 26 emprego - representante sindical, cipeiro, acidentado do trabalho, ou empregada grávida - sempre com o intuito de contaminar o ambiente de trabalho, tornando insuportável sua permanência na empresa.35 A diferença entre o agressor e uma pessoa que já experimentou um ódio passageiro, apesar da falta de ética de ambos, é que no agressor essa experimentação do ódio é agravada pela perversidade que ele manipula e por esta situação lhe causar prazer, o que não ocorre nas pessoas “comuns”, pois após ter experimentado o ódio, ele é seguido de um sentimento de arrependimento. Márcia Novaes Guedes comenta que Leymann estabeleceu um padrão objetivo de periodicidade dos comportamentos hostis, exigindo que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez por semana e por no mínimo seis meses. Pelo entendimento de Leymann, a intencionalidade é presumida em virtude da repetição do ato de violência moral atentatório à dignidade da pessoa humana.36 No entanto, vale ressaltar que tal fixação de tempo é excessiva, já que a gravidade do assédio moral não depende só de sua duração, mas também do nível de violência da agressão, o qual venha afetar a dignidade humana do trabalhador. Algumas táticas comuns a serem utilizadas pelo assediador para obter sucesso em suas agressões são: a recusa de comunicação direta ou comunicação hostil, a desqualificação e descrédito da vítima através de humilhações, o isolamento, a degradação do ambiente de trabalho, entre outros. Conclui-se, portanto, que para a caracterização do assédio moral a repetição do ato perverso - entendido este como o ato atentatório à dignidade da pessoa humana ou aos direitos da personalidade - é fundamental, pois gera a presunção da intencionalidade. Uma agressão pontual que parte de um superior hierárquico ou de um colega de trabalho pode ser um ato de violência, mas não caracteriza o assédio moral, pois lhe falta o requisito fundamental da repetitividade. Regra geral, o assédio moral também envolve a subordinação hierárquica da vítima em relação ao agressor, isto é, o abuso de poder no qual um superior se prevalece de sua posição hierárquica de maneira desmedida e persegue seus subordinados por medo de perder o controle. Pode partir tanto do empregador, através dos chefes, diretores ou gerentes, todos esses detentores do poder diretivo, como também dos próprios colegas de trabalho, instigados por seus superiores, e, 35 COUTINHO, Maria Luíza Pinheiro. Discriminação na Relação de Trabalho: uma afronta ao princípio da igualdade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2003. p. 49. 36 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 25. 27 em geral, é aceito pelo empregado assediado, que se vê acuado, pois necessita do trabalho. Trazendo a importância das relações de poder, Margarida Barreto, médica do trabalho, considera assédio moral: [...] exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcada pelo abuso de poder e manipulações perversas.37 O agressor, em nome do desenvolvimento econômico da empresa e da conseqüente obtenção de lucro, extrapola o jus variandi e adota posturas manipuladoras, pressionando diretamente os empregados especialmente em relação à produção, jornadas de trabalho excessivas e sem qualquer negociação, sobrecarga de trabalho que não é competência do empregado, além de tratá-los com desrespeito e injúria. 2.2 Perfil dos sujeitos Para traçar os perfis do agressor e da vítima de assédio moral é fundamental que, além de analisar a relação de trabalho, entenda-se que tanto o trabalhador quanto o empregador são seres humanos e, como tal, também apresentam perfis psicológicos que se mostram extremamente importantes para a análise do fenômeno, uma vez que o comportamento das partes e a forma como estas lidam com situações imprevistas são decisivas, inclusive durante a instrução de um processo judicial, por exemplo. A discriminação é gênero do qual o assédio moral é espécie, portanto esta é umas das formas de materialização da discriminação. Diante desta evidência o assédio moral ocorre comumente com as pessoas já discriminadas pela sociedade, como é o caso de perseguição contra pessoas com idade avançada, negros, homossexuais e mulheres com filhos pequenos, entre outros.38 37 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: Uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC, 2003. p. 2. 38 DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares et al. (coords.). Discriminação. 2000, p. 97-108. 28 Os trabalhadores que já contam com algum tempo de serviço - independentemente da faixa etária - são, na maioria das vezes, os que recebem salários mais altos, sendo facilmente substituídos pelo empregador por uma demanda de jovens dispostos a trabalhar sob quaisquer condições, seja ou não degradante, devido à competitividade e o desemprego, e, evidentemente, com salários muito menores que o antigo empregado. Paralelamente, seguem os trabalhadores com mais de 40 anos. Hirigoyen, após pesquisa realizada para o seu segundo livro, concluiu que a faixa etária de 46 a 55 anos é a que mais sofre com o assédio moral, todavia, a pesquisa foi realizada na França que, apesar de também sofrer com as condições econômicas e sociais globais, tem índices de desemprego muito inferiores aos do Brasil.39 De qualquer forma, percebe-se nitidamente que está cada vez mais difícil o reemprego de mão-de-obra com mais de 40 anos e a justificativa não é apenas o desemprego, mas também o avanço tecnológico e o preconceito quanto à adaptabilidade destas pessoas a novos conhecimentos e técnicas de produção. Além disso, os empregadoresalegam que nessa faixa etária há maior incidência de doenças e licenças médicas, desculpa encontrada como uma “saída” viável ao empregador inescrupuloso que pretende se desfazer do empregado que entende obsoleto. Confirmando este pensamento, Emmanuel Furtado diz: [...] ante a fragilidade ínsita à idade, a violência moral encontra terreno propício perante o idoso, sendo de fácil dedução que aquele que se encontra debilitado por conta da idade é presa fácil para o que, desonestamente, quer-lhe retirar vantagem, com escudo na pressão psicológica, de mais fácil consecução em relação ao depauperado.40 Como já dito, o preconceito em relação ao gênero também é um fator para a prática do assédio moral, em especial quando se trata de mulheres grávidas ou com filhos pequenos e pior ainda se forem solteiras. A igualdade pregada pela Constituição Federal não afirma que homens e mulheres são iguais, mas que ambos devem ter as mesmas oportunidades na sociedade para que possam desenvolver seu potencial. 39 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho - Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 96. 40 FURTADO, Emmanuel Teófilo. Preconceito no Trabalho e a Discriminação por Idade. São Paulo: LTr, 2004. p. 304. 29 A mulher grávida, detentora de estabilidade provisória desde a concepção até cinco meses após o parto, é vítima constante da coação moral, cujo objetivo racionalmente estabelecido pelo empregador é o pedido de demissão. Nesta mesma situação se enquadram os empregados que são representantes sindicais e os acidentados no trabalho, situações em que também há estabilidade provisória como já explicitado anteriormente. Pelo fato da violência e a agressividade, desde os primórdios tempos, estarem sempre nas mãos dos homens, os quais centralizavam o poder e tinham armas e exércitos sob o seu comando, pode afirmar-se que o assédio moral em relação às mulheres é praticado de forma diversa do praticado contra o homem, uma vez que as conotações sexistas ou machistas estão quase sempre presentes. Não menos freqüentes são as práticas de assédio moral no trabalho em virtude da religião, raça, deficiência física ou doença e orientação sexual, também objetos de discriminação social. É de se salientar que a Lei 7.716/89 tipifica a discriminação por raça ou cor como crime. Por incrível que pareça, este acaba se tornando um fator que conduz ao assédio moral, exatamente por se tratar de prática insidiosa e de difícil comprovação. Hirigoyen ressalta que as pessoas perfeitas para serem consideradas vítimas são aquelas que possuem vitalidade e transparência: Em nossa sociedade, que propagandeia a igualdade, tem-se a tendência a pensar que a inveja é provocada, consciente ou inconscientemente [...]. As vítimas ideais dos perversos morais são aquelas que, não tendo confiança em si, sentem-se obrigadas a fazer sempre mais, a esforçar-se demais, para dar a qualquer preço uma melhor imagem de si mesmas. [...] As vítimas parecem ingênuas, crédulas. Não conseguindo imaginar que o outro seja fundamentalmente destruidor, elas tentam encontrar explicações lógicas e tentam desfazer um mal-entendido: “Se eu lhe explicar, ele vai compreender e pedir desculpas por seu comportamento!” Para quem não é perverso é impossível em um primeiro momento conceber tanta manipulação sendo feita por maldade. 41 Reiterando o entendimento de Hirigoyen, segue a explicação de Guedes: A vítima do terror psicológico no trabalho não é o empregado desidioso, negligente. Ao contrário, os pesquisadores encontraram como vítimas justamente os empregados com um senso de responsabilidade quase patológico, são pessoas genuínas, de boa-fé, a ponto de serem consideradas ingênuas no sentido de que acreditam nos outros e naquilo que fazem; geralmente pessoas bem-educadas e possuidoras de valiosas 41 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral - A violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 160 e 161. 30 qualidades profissionais e morais. De um modo geral, a vítima é escolhida justamente por ter algo mais. E é esse algo mais que o perverso busca roubar [...]. As manobras perversas reduzem a auto-estima, confundem e levam a vítima a desacreditar de si mesma e a se culpar. Fragilizada emocionalmente, acaba por adotar comportamentos induzidos pelo agressor. [...] Seduzido e fascinado pelo perverso, o grupo não crê na inocência da vítima e acredita que ela haja consentido e, consciente ou inconscientemente, seja cúmplice da própria agressão.42 Neste quadro encaixam-se os empregados que trabalham até mais tarde sem reclamar; os perfeccionistas, que não costumam faltar ao trabalho nem se estiverem doentes, pessoas apegadas à ordem e com apurado senso de justiça. Estas pessoas, quando assediadas, acreditam que o problema é com elas e não com o agressor, assumindo a culpa do ato do outro com pensamentos do tipo “tenho que ser mais flexível” ou “ele está só brincando, eu que não tenho senso de humor”. Com isto tentam cada vez mais qualificar seu trabalho o que, evidentemente, não é reconhecido pelo assediador. Neste sentido, Maria Aparecida Alkimin aduz: Instalado o processo de assédio moral, o sujeito ativo visa destruir a vítima e afastá-la da organização do trabalho, vítima que, a princípio, não acredita na perversidade do sujeito, imagina-se culpada e busca em si suas falhas, tenta uma melhor solução para evitar o desemprego e a instabilidade do clima de trabalho, podendo apresentar queda na produtividade pelo desgaste emocional, que evolui para gerar stress, fadiga e outros efeitos maléficos sobre a saúde física e mental em razão da somatização.43 Nota-se que é mais simples estabelecer um perfil da vítima que do agressor. Na realidade, todos têm as características do assediador, pois fazem parte da natureza humana. O que difere o agressor dos demais é a predisposição em colocá- las em prática e sem dúvida o estímulo para tanto, seja este estímulo ativo ou omissivo por parte da empresa. O perfil psicológico do assediador foi traçado com clareza por Hirigoyen quando descreve a personalidade do assediador como narcísica44, sendo essa caracterizada por, pelo menos, cinco dos seguintes comportamentos45: 42 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 69. 43 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na Relação de Emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 47. 44 Narcisismo é o termo empregado para todo aquele que, por alguma razão, desenvolve uma personalidade semelhante à de Narciso, cuja estória foi relatada pela primeira vez por Ovídio. A narrativa declara que Narciso se achava muito belo e admirava-se constantemente. Vivia enamorado de si mesmo, numa profunda egolatria. Todos os dias não deixava de se contemplar nas águas dos lagos, pois estas refletiam sua imagem. Até que um dia ele quis se ver mais de perto e morreu afogado. Disponível em: <http://www.ftsa.edu.br/revista/artigos/TH1_1_3p.htm>. Acesso em: 10 jun. 2006. 45 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral - A violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 142. 31 a) o sujeito tem um senso grandioso da própria importância; b) é absorvido por fantasias de sucesso ilimitado, de poder; c) acredita ser "especial" e singular; d) tem excessiva necessidade de ser admirado; e) pensa que tudo lhe é devido; f) explora o outro nas relações interpessoais; g) não tem a menor empatia; h) inveja muitas vezes os outros; i) dá provas de atitudes e comportamentosarrogantes. O narciso passa facilmente à perversidade, pois tem sua existência voltada para o próximo e para o que pode tirar dele para engrandecer a si mesmo e a forma mais imediata e fácil que encontra é destruindo o próximo. Assim, tem-se que o assediador, o qual pode ser qualquer pessoa, será dotado de comportamento com características de narcisismo ou perversidade, e considerará sempre as outras pessoas como se inimigos fossem, vivendo numa interminável competição, na qual terá de sair vencedor, não importando os métodos que utilize. 2.3 Classificação Para se ter uma noção de todo o processo que desencadeia o assédio moral é importante definir suas três modalidades básicas, a saber o assédio vertical descendente, vertical ascendente e horizontal. 2.3.1 Vertical descendente ou ascendente Tipo de assédio moral mais comum no contexto atual, decorre da hierarquia, quando os subordinados são agredidos pelos empregadores ou superiores, em virtude de seu poder diretivo, evidentemente desvirtuado pelo abuso, e levados a crer que têm que aceitar tudo o que é imposto se quiserem manter seu emprego. 32 Este tipo de assédio pressupõe uma relação de autoridade, com o predomínio do desmando, da competitividade e da instauração do medo pelo superior em relação ao subordinado. Salienta Alkimin: Entretanto, sob a roupagem do exercício do poder de direção os detentores do poder - empregado ou superior hierárquico - visando uma organização do trabalho produtiva e lucrativa, acabam por incidir no abuso de poder, adotando posturas utilitaristas e manipuladoras através da gestão sob pressão (onde se exige horários variados e prolongados, diversificação de função, cumprimento a todo custo de metas, etc.), notadamente o superior hierárquico que se vale de uma relação de domínio, cobranças e autoritarismo por insegurança e medo de perder a posição de poder, desestabilizando o ambiente de trabalho pela intimidação, insegurança e medo generalizado, afetando o psiquismo do empregado, e, conseqüentemente sua saúde mental e física, além de prejudicar a produtividade com a queda do rendimento do empregado afetado pela situação assediante ou pelo absenteísmo.46 Esta classificação vale inclusive para o assédio entre dois empregados, desde que de graus hierárquicos diferentes, basta que o superior detenha poderes delegados pelo empregador para dirigir o trabalho de seu subordinado. Isto porque a figura do empregador é cada vez mais relativizada diante da descentralização da organização do trabalho. Já o assédio moral vertical ascendente, caso mais raro, ocorre de um ou vários subordinados em relação ao superior hierárquico, quando este não alcança um nível de empatia e de adaptação ou possui métodos reprováveis, outra situação seria o fato de não se impor perante o grupo, o que vem a gerar certo descrédito, desencadeando, assim, o assédio moral. Neste caso, é muito comum o fato de alguns empregados utilizarem-se de informações ou segredos que sabem de seus superiores para chantageá-los e, assim, assediá-los moralmente. Segundo Guedes: A violência de baixo para cima geralmente ocorre quando um colega é promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoção implica um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar [...] tudo isso é extremamente agravado quando a comunicação interna inexiste entre superiores e subordinados.47 46 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na Relação de Emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 43. 47 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 37. 33 Complementa Hádassa Ferreira: A situação pode não ser muito comum, mas ocorre, como exemplifica a psicóloga francesa, diante de falsas acusações de assédio sexual, ou, ainda, quando todo um grupo de subordinados se une para “boicotar” um superior hierárquico indesejado.48 No serviço público, em especial, em que os trabalhadores, em muitos casos, gozam de estabilidade no posto de trabalho, esta modalidade dá-se com maior freqüência que na iniciativa privada, principalmente quando alguém é designado para um cargo de confiança sem a ciência de seus novos subordinados que, muitas vezes, esperavam a promoção de um colega para tal posto. 2.3.2 Horizontal O assédio horizontal é o mais freqüente quando dois empregados disputam a obtenção de um mesmo cargo ou uma promoção. Há, também, o agravante de que os grupos tendem a nivelar seus indivíduos e têm dificuldade de conviver com diferenças. Por exemplo, a mulher em grupo de homens, homem em grupo de mulheres, homossexualidade, diferença racial, religiosa, entre outras. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas. Esta espécie de assédio ocorre, na maioria das vezes, com a conivência da empresa, que tem conhecimento do fato, mas entende não ser sua competência interferir no que entende ser uma rusga pessoal entre seus empregados, só reagindo quando uma das partes interfere na cadeia produtiva da empresa (quando falta seguidamente ao trabalho). O conflito tende a aumentar pela omissão da empresa em não intervir. Guedes conceitua e caracteriza esse tipo de assédio da seguinte forma: O assédio horizontal é a perseguição desencadeada pelos colegas de trabalho. As causas mais imediatas desse tipo de perversão são a competitividade, a preferência pessoal do chefe - porventura gozada pela 48 FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. 1 ed. Campinas: Russel Editores, 2004. p. 53. 34 vítima -, a inveja, o preconceito racial, a xenofobia, razões políticas ou religiosas [...]. Esta espécie de psicoterror tanto ocorre de forma individual quanto coletiva.49 A responsabilidade da empresa é objetiva por omissão, pois sua obrigação, exatamente em decorrência dos poderes diretivo, hierárquico e controlador, é de intervir e harmonizar o ambiente de trabalho. Com a conivência do empregador ou superior hierárquico, o assédio retorna ao vertical ascendente. 2.4 Condutas assediadoras Em uma pesquisa efetuada por Hirigoyen listou-se os seguintes grupos de atitudes hostis como possíveis configuradoras de assédio moral no trabalho, bem como as porcentagens em que elas se verificaram no universo dos pesquisados50: ATITUDES % Atitudes que deterioram as condições de trabalho 53 Atitudes que geram isolamento e recusa de comunicação 58 Atitudes que geram atentado contra a dignidade 56 Violência verbal, física ou sexual 31 Observa-se que algumas condutas são constantes na hipótese de assédio, todavia, deve-se ressaltar que aquelas a serem tratadas a seguir são apenas exemplos, pois as formas cruéis desta espécie de violência se renovam a cada dia, sempre com maiores requintes de sutileza e crueldade. Importante se faz ainda destacar o fato de que as condutas aqui tratadas podem ocorrer simultaneamente, não existindo a eliminação de uma conduta por outra, além disso, podem se dar das mais diversas formas, já que a maldade do agressor perverso e narcísico não possui quaisquer limites lógicos. 49 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 38 e 39. 50 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal estar no trabalho - redefinido o assédio moral. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2002, p. 108-111. 35 2.4.1 Degradação intencionaldas condições de trabalho O objetivo, neste caso, é excluir a vítima do ambiente de trabalho conduzindo à ineficiência do serviço prestado. Atinge diretamente a dignidade do empregado, menosprezando-o pessoal e profissionalmente através da precariedade do ambiente de trabalho. Eis algumas condutas, meramente exemplificativas, pertinentes ao caso analisado: a) sonegação de material de trabalho: telefone, fax, computador, papel, caneta etc; b) tornar o ambiente de trabalho propositalmente insalubre: obrigar o empregado a desligar o ar condicionado no verão, quando o restante da empresa o mantém ligado, transferir a vítima para local de trabalho exíguo ou mal iluminado, sem condições de trabalho; c) retirada da autonomia de trabalho do empregado; d) atribuição de tarefas insalubres, perigosas, penosas, ou incompatíveis com as condições de saúde da vítima que não fazem parte de seu contrato de trabalho; e) determinar ao empregado que execute atividades inferiores ou superiores à sua qualificação profissional, incluindo neste tópico as metas inatingíveis e os desvios de função para atividades de limpeza; f) pressão em virtude de ação judicial ou denúncia ao Ministério do Trabalho e Emprego, exigindo que o empregado não faça valer seus direitos. A degradação das condições de trabalho constitui, geralmente, a primeira das formas de manifestação do assédio vertical descendente. É sempre muito sutil e quando percebida por terceiros o agressor utiliza de artifícios para convencer a todos da idéia de que na realidade é a vítima que possui uma sensibilidade aguçada e que não se adapta às condições de trabalho.51 51 RIBEIRO, Herval Pina. Assédio moral: questão nova ou despolitização de uma velha questão? Disponível em: <http://www.tribunalpopular.hpg.ig.com.br/her.html>. Acesso em: 30 set. 2006. 36 2.4.2 Isolamento e recusa de comunicação O isolamento, em princípio, é físico, segregando a vítima dos companheiros de trabalho, dos subordinados e da própria chefia. Do isolamento decorre a falta de comunicação, pois o agressor, ao isolar fisicamente o empregado em seu ambiente de trabalho, nega a comunicação e passa a responder aos questionamentos do empregado através de evasivas ou do silêncio, impedindo o intercâmbio de informações e a conduzindo o empregado a mais total confusão mental. Alkimin salienta: O isolamento e a recusa na comunicação são as formas mais sutis e insidiosas de praticar o assédio moral, visto que o ataque não é declarado, sendo a vítima isolada pelo agressor que sempre justifica sua atitude assediante com as seguintes frases: “Não é verdade que o (a) desprezo; estamos aqui para trabalhar e não para conversar; foi colocado (a) numa mesa afastada por falta de espaço etc”[...].52 O assediador, quando questionado pela vítima acerca de sua conduta, costuma transferir a responsabilidade pela situação ao empregado fazendo-o crer que tem problemas de socialização no trabalho. A vítima, em geral, fica paralisada e em virtude de seu perfil acaba por transferir realmente a responsabilidade da situação para si mesma. Neste sentido, expõe Hirigoyen: [...] Entra-se em um mundo no qual há pouca comunicação verbal, apenas observações em pequenos toques desestabilizantes. Nada é nomeado, tudo é subentendido. Basta um alçar de ombros, um suspiro. A vítima tenta compreender: “Que é que ele tem contra mim?” Como nada é dito, tudo pode ser objeto de reprovação.53 Seguem alguns exemplos do isolamento e falta de comunicação: a) isolamento físico do empregado, em sala sem acesso aos companheiros de trabalho, subordinados ou chefia; b) recusa da comunicação direta. A comunicação do assediado com o agressor é feita através de bilhetes ou simplesmente não acontece. As ordens ou atividades executadas podem também ser transmitidas através de terceiros; 52 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na Relação de Emprego. Curitiba: Juruá, 2005. p. 79. 53 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal estar no trabalho - redefinido o assédio moral. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2002, p. 112. 37 c) deformação da linguagem através da utilização de voz fria, desagradável ou mesmo irônica, sem qualquer tonalidade afetiva; d) a vítima é ignorada pelo agressor. Se presente em um ambiente com outras pessoas, o assediador dirige-se apenas a estas, fingindo a inexistência do assediado; e) proibição explícita por parte do agressor de comunicação da vítima com qualquer pessoa no trabalho e vice versa; f) o agressor superior hierárquico mantém a vítima ociosa no trabalho, sem lhe repassar qualquer atividade. No Brasil, é uma prática muito comum em relação aos portadores de estabilidade provisória; g) interrupção constante do assediado, impedindo-o de concluir seu raciocínio ou mesmo seu trabalho. Nota-se que o conflito não é aberto, ainda que diariamente expresso por atitudes de desqualificação; essa negação paralisa a vítima, que não pode defender- se, pois, como o ataque não é explícito, ela não sabe definir bem contra o que deve lutar. Nesse registro de comunicação, dificulta-se que a vítima pense, compreenda e reaja. É uma maneira de dizer sem usar palavras, e como nada foi dito, não pode ser repreendido. Isso pode ainda ser agravado quando a vítima tem propensão a se culpar: “o que eu fiz a ele?”, “o que ele tem a me censurar?”, “por que eu mereço este ódio todo?”. Quando se está só, é mais difícil de se rebelar, especialmente se alguém crê que o mundo está contra si. 2.4.3 Atentado contra a dignidade O tratamento de forma desigual e humilhante, com a intenção específica de diferenciar um determinado empregado dos demais, está atentando contra sua dignidade. Neste método, o liame entre a discriminação e o assédio moral se estabelece, pois a forma mais cruel de ataque à dignidade da pessoa humana é através de suas diferenças: sexo, idade, cor, opção sexual, estado civil, atributos pessoais (peso, estatura, beleza etc.), deficiência física, filhos, condição sócio-cultural, 38 nacionalidade, crença religiosa, convicção política, entre outros, são estopins de discriminação que atentam contra a dignidade da pessoa humana. São condutas assediadoras que atentam contra a dignidade humana54: a) utilizam insinuações desdenhosas para qualificá-la; b) fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros etc.); c) é desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados; d) espalham rumores a seu respeito; e) atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental); f) zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada ou caricaturada; g) criticam sua vida privada; h) zombam de suas origens ou nacionalidade; i) implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas; j) atribuem-lhe tarefas humilhantes; k) é injuriada com termos obscenos ou degradantes. Este assunto será abordado com ênfase mais adiante, contudo, vale ressaltar que tais humilhações repetitivas e de longa duração interferem na vida do assediado de modo direto. Tudo isso acaba sendo uma ameaça aos trabalhadores, uma afronta à própria dignidade humana, pois a necessidade de manter-se sadio e em plenas condições para o trabalho é condição essencial para o fortalecimento de sua identidade pessoal, familiar e dos grupos a que pertence. 2.4.4 Violência verbal e/ou física O assédio moral, esta violência invisível, devastadora, perversa e aparentemente insignificante, pode desenvolve-se através de gestos, palavras, ações ou omissões que instituem um processo que pode ter lugar na família, nas relações entre casais,
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