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Loureiro Hinos Homéricos

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1 
NOTA 
 
O leitor terá notado que os versos dos Hinos se encontram numerados. Tal prática visa facilitar a 
referência a alguma passagem específica dos poemas. O mesmo sucede com os restantes textos 
clássicos, mesmo os em prosa. Nem sempre, porém, estamos perante uma simples contagem de versos 
ou linhas, estas últimas, aliás, variáveis de edição para edição. Qualquer tradução cuidada de uma obra 
grega ou romana terá, na margem, estes números, estranhos, por vezes, para o não-iniciado, mas 
essenciais ao trabalho académico. Por ser sobejamente mais prático, todas as referências no Posfácio a 
textos clássicos serão feitas com base neste sistema, completas com a indicação do nome do autor e da 
obra (quando mais do que uma), para os quais existem abreviaturas acordadas. Assim, por exemplo, o 
ínicio do Timeu de Platão é dado como Pl. Tim. 17a (a numeração pode incluir letras). O código pode 
tornar-se verdadeiramente complexo, em especial quando falamos de fragmentos: Safo fr. 96.6-11 L-P 
refere-se ao fragmento 96 da poetisa lésbia na edição de Lobel e Page (para os fragmentos é sempre 
necessário indicar a edição usada), versos 6 a 11. As siglas para papiros tendem a mencionar o local de 
origem dos mesmos ou onde se encontram guardados: P. (ou Pap.) Oxy., por exemplo, indica os 
descobertos em Oxirrinco, no Egipto. Outra fonte importante de informações para os estudiosos são os 
escólios, comentários marginais mais ou menos exaustivos aos textos clássicos, feitos na Antiguidade ou 
em Bizâncio. Referências aos escólios são feitas indicando o passo da obra comentado pelo escoliasta: 
schol. ad P. N. 2.1 identifica a nota do comentador ao primeiro verso da segunda Nemeia de Píndaro. Para 
ajudar os leitores, segue-se uma lista das abreviaturas usadas no Posfácio, com a indicação da tradução 
em português europeu das obras (caso ela exista, já que parte importante do acervo clássico continua 
inacessível na nossa língua). 
 
D. S. = Diodoro Sículo, Biblioteca Histórica 
h. Aphr. = Hino a Afrodite 
h. Dem. = Hino a Deméter 
Il. = Ilíada, de Homero (tradução de Frederico Lourenço, Lisboa, Cotovia: 2005) 
Isoc. = Isócrates 
Od. = Odisseia, de Homero (tradução de Frederico Lourenço, Lisboa, Cotovia: 2003) 
P. = Píndaro 
P. = Odes Píticas, de Píndaro (tradução de António de Castro Caeiro, Lisboa, Quetzal: 2010) 
N. = Odes Nemeias, de Píndaro 
Pl. = Platão 
Hipparch. = Hiparco, de Platão 
 
2 
Ion = Íon, de Platão (tradução de Victor Jabouille, Inquérito: 2000) 
Phdr. = Fedro, de Platão (tradução de José Ribeiro Ferreira, Lisboa, Edições 70: 2009 
[reimpressão]) 
Po. = Poética, de Aristóteles (tradução de Eudoro de Sousa, Lisboa, INCM: 20088) 
X. = Xenofonte 
Mem. = Memoráveis, de Xenofonte (tradução de Ana Elias Pinheiro, Coimbra, Classica Digitalia: 
2009) 
Smp. = Banquete, de Xenofonte (tradução de Ana Elias Pinheiro, Coimbra, Classica Digitalia: 2008) 
 
L-P = edição de Lobel e Page (Poetarum Lesbiorum Fragmenta. Oxford, OUP: 1955) 
Snell = edição de Snell (Pindari Carmina Cum Fragmentis. Berlim, Teubner: 1954) 
Radt = edição de Radt (Tragicorum Graecorum Fragmenta. Vol. 4: Sophocles. Göttingen, Vandenhoeck und 
Ruprecht: 1999) 
Gomperz = edição de Gomperz (Philodem. Über Frömmigkeit. Leipzig, Teubner: 1866) 
V = edição de Voigt (Sappho et Alceus. Amesterdão, Athenaeum: 1971) 
West = edição de West (Greek Epic Fragments. Cambridge MA, HUP: 2003) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
POSFÁCIO 
 
§1 OS HINOS: O QUE SÃO? 
Tucídides, o famoso historiador do século v a.C., autor da Guerra do Peloponeso, cita na sua obra, 
no Livro III [104], os versos 146-50 e 165-72 do Hino a Apolo. Não lhe chama porém hino, mas prooímion 
[προοίμιον]: proémio; à letra, o que antecede [pró: πρό] o canto [oîmê: οἶμη]. O proémio é, assim, o canto 
anterior ao canto. Os hinos, pelo que deixa entender Tucídides, seriam pequenas peças recitadas antes 
da declamação de outros poemas, consideravelmente superiores em extensão. Sabemos, por exemplo, 
de uma versão da Ilíada cujo primeiro verso Càssola, o editor italiano dos Hinos, considera não tanto um 
incipit alternativo do Poema mas antes o que sobra de um hino maior, depois perdido, que o antecederia 
[lviii]. Na Odisseia, Demódoco também principia por «preludiar o deus,/ revelando depois o seu canto»1 
[8.499-500]. Hesíodo, o mais antigo poeta grego, dos séculos viii-vii a.C., inicia as suas duas obras, a 
Teogonia e os Trabalhos e Dias, com, respectivamente, um hino às Musas [1-115] e um pequeno hino a 
Zeus [1-10]. Píndaro, o maior dos líricos gregos, do século v a.C., refere que os Homéridas [§2] abriam as 
suas recitações com um proémio a Zeus [N. 2.1-3]. 
 Muitos dos Hinos, de facto, concluem com a declaração explícita de que o rapsodo avançará para 
a declamação de outro poema (2, 3, 4, 5, 6, entre outros). Os Hinos a Hélio e a Selene anunciam mesmo a 
matéria do canto seguinte: os feitos dos heróis mortais. Também o Hino a Apolo identifica este como o 
procedimento padrão: depois de cantarem hinos [hymnêsôsin: ὑμνήσωσιν] em louvor de Apolo, Leto e 
Ártemis, as raparigas délias celebrarão em canções os homens e mulheres de antigamente [158-161]. 
Muitos estudiosos recusam considerar os hinos maiores da colecção autênticos proémios, tendo em 
conta a sua extensão (aproximam-se, em número de versos, de alguns cantos da Ilíada ou da Odisseia). 
Hinos, na verdadeira acepção da palavra, seriam apenas as composições mais pequenas; as outras 
seriam peças auto-suficientes que de hinos teriam tão-só o nome e o assunto (os deuses), 
desenvolvimentos monumentais dessa forma poética primitiva, semelhantes, no seu género, ao canto 
de Demódoco sobre os amores adúlteros de Ares e Afrodite, na Odisseia [8.266-367]. Nada obriga, porém, 
a desposar semelhante teoria. Outros autores, aliás, sugerem o inverso: que os hinos menores não são 
senão ecos de outros, maiores, o que, de facto, acontece, mesmo dentro da colecção (a título de 
exemplo, cotejem-se o Hino 4 e o Hino 18). 
 
 
 
1 Tradução de Frederico Lourenço (Lisboa, Cotovia: 2003). 
 
4 
 
§2 OS HINOS: QUEM OS «ESCREVEU»? 
Os Hinos – todos, opinião que favorecemos, ou, pelo menos, os menores dentre eles – eram 
recitados, como já se disse, antes de outros poemas maiores, em concursos poéticos, no âmbito de 
festivais sagrados. Os próprios Hinos dão disso testemunho: Tucídides cita o Hino a Apolo para atestar a 
antiguidade do festival de Delos, que os atenienses restauraram depois da peste que assolou a cidade em 
426 a.C. [D.S. 12.58.6-7]. O segundo Hino a Afrodite conclui com um pedido à deusa para que esta 
conceda a vitória ao poeta na competição e os versos finais do Hino 26 apontam para a existência de um 
festival anual. A época arcaica (776-480 a.C.) viu a emergência de uma classe de recitadores itinerantes 
profissionais que ganhavam a vida participando nestes vários festivais: os rapsodos. 
O termo rapsodo vem de rháptô [ῥάπτω], coser: o rapsodo era o que «cosia» os versos uns aos 
outros (ainda hoje, em português, o termo rapsódia designa uma mistura de músicas). Platão deixou-nos 
um retrato maravilhosamente cómico de um destes personagens, Íon, o interlocutor de Sócrates no 
diálogo homónimo, uma das principais fontes de informação de que dispomos para a reconstrução da 
actividade destes profissionais na segunda metade do século v a.C. Os rapsodos levavam uma vida 
itinerante, de festival em festival [530a-b]. Apresentavam-se perante o público num plataforma elevada 
[535e], com roupas vistosas e uma coroa de ouro [535d]. As suas performances eram, por vezes, 
exageradas: Íonconfessa chorar nos passos mais dramáticos [535c] e Aristóteles critica um certo 
Sosístrato pela sua gesticulação excessiva [Po. 1462a5-7]. 
Os rapsodos eram vistos como os intérpretes por excelência – mas também superficiais, quando 
não mesmo estúpidos [X. Smp. 3.6] – dos poemas que recitavam [Pl. Ion 535a], nomeadamente os de 
Homero, a que estavam particularmente associados [X. Mem. 4.2.10]. Heródoto, o historiador do século v 
a.C., conta como, durante a Primeira Guerra Sagrada (595-585 a.C.), Clístenes de Sícion, em guerra com 
Argos, suspendeu as competições rapsódicas na sua cidade por os poemas homéricos elogiarem o 
inimigo (em Homero, os Gregos são chamados de Argivos) [5.67]. Já Hiparco, tirano de Atenas entre 527-
514 a.C., obrigou a que os rapsodos, revezando-se, recitassem na íntegra a Ilíada e a Odisseia nas 
Panateneias, o grande festival de Atenas [Pl. Hipparch. 228b], o que contribuiu decisivamente para o 
estabelecimento do texto homérico. 
Na difusão do legado de Homero destacou-se uma guilda de rapsodos, os Homéridas (à letra, os 
descendentes de Homero), que tiveram um papel central na criação da lenda homérica (e.g. Isoc. 10.65). Há 
inclusive quem defenda que o próprio Homero não é senão uma criação do grupo, uma figura 
imaginária (como Orfeu ou Museu) a quem atribuíam os poemas que faziam parte do seu reportório. O 
Hino a Apolo é um bom exemplo desse procedimento: composto, pelo menos nos moldes em que nos 
chegou, por Cineto, um dos Homéridas, o hino anuncia-se explicitamente como uma criação de 
 
5 
Homero. Apesar de casos como estes, os rapsodos distinguiam-se precisamente dos aedos (os antigos 
poetas, como Demódoco ou Fémio, da Odisseia), por, ao contrário destes, não serem os autores dos 
textos do seu reportório e por os recitarem, em vez de cantarem (aedo, de aoidós [ἀοιδός], significa 
cantor/bardo). Vários estudiosos, de facto, defendem que Cineto se limitou a agregar, para uma ocasião 
especial, dois hinos pré-existentes: um verdadeiro cosedor de versos. 
Seria, porém, ingénuo subscrever esta distinção simples. As escolas rapsódicas eram centros de 
criação poética: sob o nome de Hesíodo, por exemplo, começaram a circular novas composições como O 
Escudo de Héracles ou o Catálogo das Mulheres, e Platão fala num «stock de versos» dos Homéridas [Phdr. 
252b], que aponta para a existência de outras composições «do» Poeta (e de que nos chegaram 
fragmentos). Simplesmente, como acima ficou dito, os rapsodos não assumiam as composições como 
criações suas, mas atribuíam-nas ao seu antepassado comum. É-nos, por isso, impossível saber quem 
compôs os vários hinos. Se a partir de indicações dos poemas podemos tentar datá-los e adivinhar para 
que circunstância específica foram compostos, tal exercício é de todo vão no que diz respeito à 
identificação do autor, tanto mais que este, longe de procurar afirmar a sua individualidade, esforçava-
se por filiar o seu poema na tradição oral herdada, que funcionava fundamentalmente à base de frases-
feitas (fórmulas, epítetos e motivos que se repetem, tantas vezes ipsis verbis – só assim, de resto, era 
possível a improvisão, marca distintiva da poesia falada). O facto de os hinos serem um produto da 
tradição oral não implica necessariamente que não tenha sido usada a escrita na sua composição, mas 
tão só que esta era secundária, um auxiliar mais do que um elemento constitutivo do próprio texto. 
 
§3 OS HINOS: ESTRUTURA E METRO 
 Os hinos são uma forma poética com uma estrutura mais ou menos definida. Dificilmente algum 
hino da colecção, porém, exemplifica de forma perfeita o esquema que se segue, modelado no de 
Richard Janko2, um dos principais estudiosos dos poemas. A introdução dos hinos, em que se indica o 
assunto do canto (o nome do deus), se invocam as musas e se listam alguns, não muitos, dos epítetos da 
divindade (com uma possível referência ao local de nascimento ou à genealogia), estende-se até ao 
primeiro pronome relativo, que marca a transição para a secção do meio. Esta pode ser atributiva ou 
narrativa. Os hinos atributivos não contam nenhum mito associado ao deus, mas apenas o seu 
quotidiano, o presente eterno do Olimpo (veja-se o Hino a Ártemis 27): também por isso nunca vão para 
lá dos vinte e cinco versos, pois seria difícil estender essa descrição. Um hino desta natureza pode, 
porém, ser prolongado com recurso ao que os filólogos chamam um priamel, palavra alemã que designa 
um recurso estilístico que consiste na acumulação de uma série de alternativas, rejeitadas em favor do 
 
2 Richard Janko (1981), «The Structure of the Homeric Hymns: A Study in Genre». Hermes 109: 9-24. 
 
6 
verdadeiro tema do poema (um dos melhores exemplos na nossa colecção são os versos 206-215 do Hino 
a Apolo). O priamel permite o salto para a secção narrativa do hino, que se foca normalmente ou no 
nascimento e acolhimento no Olimpo do deus ou na aquisição por parte da divindade dos poderes que 
lhe são conhecidos (por vezes, as duas linhas temáticas não se distinguem: é o que sucede, por exemplo, 
no Hino a Hermes). Não raro, há ainda uma preocupação etiológica: o Hino a Deméter será o caso mais 
explícito, ao narrar a fundação dos Mistérios de Elêusis. Janko chama a atenção, e bem, para o facto de 
existir uma tendência para encerrar esta secção do hino com as palavras do próprio deus que se louva 
[1981: 14]. A conclusão pode constituir-se como um breve retorno ao momento atributivo do poema ou 
resumir-se a uma simples fórmula, tantas vezes igual, de despedida, em que o poeta promete continuar 
a louvar, no futuro, o deus, pede o favor deste e anuncia que partirá para outro canto. 
Os Hinos estão escritos em hexâmetros dactílicos, o metro usado na Ilíada e na Odisseia (e daí 
também os Hinos serem conhecidos como Homéricos). Trata-se de um tipo de verso com seis pés (a 
unidade-base de medida do metro), em que o quinto é obrigatoriamente um dáctilo, ou seja, um pé 
composto por uma sílaba longa e duas breves. A diferença entre longas e breves desapareceu na 
evolução do português, mas era a base da métrica clássica, em que a poesia não se encontrava desligada 
da música (convém relembrar que o grego clássico era tonal, o que conferia desde logo à língua uma 
qualidade musical). 
 
§4 ANÁLISE INDIVIDUAL DOS HINOS 
 
HINO A DIONISO. Do Hino a Dioniso não nos chegaram senão fragmentos. Diodoro Sículo, historiador 
grego do século i a.C., na sua Biblioteca Histórica [3.66.3], conservou-nos os primeiros nove versos do 
hino, retirados, muito provavelmente, do início do poema (o nascimento do deus era um dos motivos 
tradicionais abordados nas primeiras linhas dos hinos, quando não mesmo o tema central: §3). O 
manuscrito M, descoberto em 1777 [§6], contém os dez últimos versos do hino (e uma variante). O 
poema não está preservado na íntegra porque desapareceu do manuscrito o fólio imediatamente 
anterior. Através da densidade de texto nos outros fólios, estima-se que tivesse cerca de 411 versos. 
Desde o primeiro editor de M que se aceita que os dois fragmentos fazem parte de um mesmo todo: 
seria improvável existir mais do que um Grande Hino a Dioniso na colecção. M. L. West, um dos mais 
importantes classicistas vivos, sugeriu3 que um fragmento de Crates de Malos (gramático do século ii 
a.C., director da biblioteca de Pérgamo e autor do primeiro globo) citado por Ateneu [653b], autor do 
 
3 M. L. West (2001), «The Fragmentary Homeric Hymn to Dionysus». Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 134: 8. 
 
7 
século ii, pertence também ao hino. O seu argumento é simples: o verso, que Crates diz ser dos «hinos 
antigos», não é de nenhum dos outroshinos e tem, apropriadamente, um imaginário dionisíaco. 
Em 1992, André Hurst4 deu a conhecer o texto do Papiro de Génova 432, que contém os versos 
citados por Diodoro e os catorze seguintes. Para uma dezena destes não conseguimos senão recuperar 
uma palavra ou outra, mas é possível reconstruir na íntegra quatro linhas, porque foram utilizadas, 
quase sem alterações, pelo autor das Argonáuticas Órficas (poema do século iv-v), o que testemunha a 
popularidade do hino mesmo num período já tardio. O poema parece ter sido, de facto, importante: o 
Papiro de Génova, do século ii ou i a.C., é uma cópia de um aluno (no verso está a tabuada), o que mostra 
que o texto era estudado nas escolas. Outro papiro contém, segundo alguns autores, mais fragmentos do 
hino, não traduzidos nesta edição. O Pap. Oxy. 670, do século iii, descoberto em 1904 e entretanto 
perdido, contém vinte e cinco versos, que só a custo é possível reconstruir. Zeus dirige-se a Hera, 
aprisionada, vítima de uma armadilha de Hefesto, a quem o pai dos deuses promete enviar Ares e 
Dioniso. Este pequeno passo é o bastante para identificar o mito que seria desenvolvido no resto do 
poema. Hera, horrorizada com a deformidade de Hefesto, atirou-o do Olimpo, tendo a criança sido 
acolhida pelas ninfas. Depois de desenvolver a sua técnica metalúrgica, desenhou um trono 
profusamente trabalhado que enviou como presente à mãe. Hera, quando se sentou nele, de imediato se 
viu presa. Nenhum deus foi capaz de a libertar. Ares foi então enviado a Hefesto, para o trazer para o 
Olimpo, mas o deus afastou o irmão com o fogo (elemento com que era identificado). Dioniso tentou 
então a sua sorte: embebedando o deus, levou-o depois consigo para o Olimpo, ambos montados no seu 
burrinho. Como recompensa pelo serviço prestado, Hera, que causara a morte da mãe de Baco, acedeu a 
recebê-lo no Olimpo, onde foi acolhido. 
O primeiro a sugerir que o texto do Pap. Oxy. 670 pertencia ao hino foi Reinhold Merkelbach em 
1973.5 Já em 1872, porém, Theodor Bergk, na sua História da Literatura Grega, aventava a hipótese de 
existir um hino com o mito acima, no que foi seguido, em 1895, por Wilamowitz, o gigante da filologia 
alemã. A estória foi muito popular no período arcaico, na literatura e na pintura, e Wilamowitz 
argumentava, por exemplo, que Alceu, um dos principais poetas líricos gregos, que viveu na transição 
do século vii para o vi a.C., escrevera o seu poema sobre o tema com base no hino que o classicista 
alemão supunha ter existido, mas cria dedicado a Hefesto. Foi Bruno Snell, autor do importante A 
 
4 A. Hurst (1992), «Un Nouveau Papyrus du Premier Hymne Homérique: Le Papyrus de Genève 432» in A. Bülow-
Jacobsen (ed.) (1994), Proceedings of the 20th International Congress of Papyrologists, Copenhagen, 23-29 August, 1992. 
Copenhaga, Museum Tusculanum Press: 317-21. 
5 R. Merkelbach (1973), «Ein Fragment des homerischen Dionysos-Hymnus». Zeitschrift für Papyrologie und 
Epigraphik 12: 212-5. 
 
8 
Descoberta do Espírito6, quem primeiro avançou a possibilidade de o hino ser em honra de Dioniso: afinal, 
é ele o herói do mito. As portas estavam abertas à inclusão do fragmento do papiro de Oxirrinco no 
Hino a Dioniso. Nem todos os autores, porém, subscrevem esta tese (veja-se a presente tradução), por 
verem no segundo verso do último segmento uma referência ao desmembramento de Dioniso-Zagreu7 
pelos titãs: o hino narraria, nesse caso, essoutro mito. É um verso corrupto, que, por isso, se abre a 
diferentes interpretações. Independentemente daquilo a que se refira, o objectivo seria explicar a 
instituição de um culto bienal a Dioniso. 
É difícil datar o hino, mas os estudiosos tendem a apontar para a segunda metade do século vii 
a.C.: West diz que o hino ajudaria a explicar o surto de interesse que se regista a partir de 600 a.C. pelo 
mito do acolhimento de Dioniso [2003: 7]; Càssola, ainda que com muita prudência, deduz a data dos 
conhecimentos geográficos do poeta [16]. 
 
HINO A DEMÉTER. O Hino a Deméter é talvez o mais importante, o mais perfeito e o mais belo dos 
hinos. Devemos a Christian Friedrich Matthäi o seu conhecimento: o filólogo alemão recuperou em 
Moscovo o único manuscrito com o hino [§6]. O texto está, em certos passos, algo corrupto. Certas 
hipóteses de correcção avançadas pelos classicistas têm sido confirmadas por papiros entretanto 
descobertos. Em boa medida, a importância do hino deriva de ser o documento mais antigo que 
possuímos sobre os Mistérios de Elêusis. Elêusis era uma pequena localidade da Ática onde todos os 
anos se celebravam os ritos sagrados de Deméter e Perséfone, que prometiam aos iniciados (mysthês 
[μύστης], daí mistérios: as coisas reservadas aos iniciados) um destino melhor no Além.8 Os Mistérios de 
Elêusis, em que inicialmente só os Atenienses podiam participar, viriam a abrir-se a todos os Gregos, 
tendo mais tarde aceite até imperadores romanos, o último dos quais Juliano, o Restaurador. O templo 
foi fechado na sequência do decreto de Teodósio que obrigava ao encerramento dos locais de culto 
pagãos, em 391. Por fim, Alarico, rei dos Visigodos, cristão ariano, destruiu em 396 o santuário, na sua 
invasão da Grécia. 
O voto de silêncio a que os fiéis estavam sujeitos (e que o hino atesta: 478-9), guardado 
zelosamente, impede-nos de saber com precisão o que acontecia no telestério, a sala de iniciação. As 
(poucas) informações que temos derivam sobretudo dos escritos dos Padres da Igreja, os únicos 
 
6 Bruno Snell (1992), A Descoberta do Espírito. Lisboa: Edições 70 (trad.: Artur Morão). 
7 A figura de Dioniso é das mais complexas de toda a mitologia. É-nos impossível aqui narrar em detalhe o mito em 
questão, que levanta uma série de problemas. Aconselhamos o leitor curioso a consultar, para uma noção muito 
geral, a entrada Zagreu, no Dicionário da Mitologia Grega e Romana, de Pierre Grimal (Lisboa, Difel: 2004). 
8 Na escatologia grega primeira não opera a distinção cristã entre «bons» e «maus»: a todos estava reservado o 
Hades, lugar de sombras e de uma existência menor (leia-se o Canto XI da Odisseia, e a confissão de Aquiles nos 
versos 488-491). Parte do atractivo dos Mistérios residia na promessa de um outro destino para o fiel. 
 
9 
(compreensivelmente) a violar o segredo. O nosso conhecimento certo, porém, restringe-se ao que 
acontecia fora do santuário. Não é nosso objectivo descrever aqui em pormenor as celebrações, pelo 
que destacaremos apenas os momentos de que o mito do hino faz eco. Tal como a deusa [195-98], os 
iniciados, no rito de purificação (não era admitido ninguém nos Mistérios que tivesse cometido 
homicídio – e que não soubesse grego), sentavam-se numa cadeira coberta com a pele de uma ovelha, 
de cabeça velada. Sabemos que as tochas com que Deméter percorreu a terra em busca da filha [48] 
tinham um lugar nesta cerimónia. No cortejo de Atenas para Elêusis, ocorria troca de insultos e ditos 
obscenos entre os participantes. Trata-se de um ritual apotropaico de fundo agrário, associado a Iambe 
[202-205], figura epónima do iambo, o metro grego da poesia satírica. À chegada a Elêusis, os mysthai, 
que, com(o) Deméter [49-50], se abstinham do alimento durante esse dia, bebiam o kykeôn [κυκεών], 
uma bebida feita de cevada, água e poejo [208-211]. Todos estes paralelos entre o ritual dos Mistérios e o 
hino fazem muitos supor que o poema teria sido composto para as Eleusínias, o festival associado aos 
Mistérios. Outros classicistas, porém, sustentam que foi apresentado no festival em honra de 
Demofoonte a que se alude nos versos 265-7. 
Indicador da antiguidade do hino é o facto de não se mencionar Iaco, a divindade dionisíaca 
(porvezes identificada com o próprio deus) invocada pelos iniciados na procissão para Elêusis, figura 
atestada a partir do século v a.C. Triptólemo e Eumolpo9, personagens centrais da mitologia eleusina 
clássica, são, no poema, figuras marginais, apesar de primeiros iniciados e sacerdotes dos Mistérios 
[474-7]. O papel menor de Triptólemo, em particular, ele que viria a tornar-se um dos principais heróis 
atenienses, merecedor de um culto próprio em Elêusis (o seu mito começa a desenvolver-se a partir do 
terceiro quartel do século vi a.C.), sugere que o hino é anterior ao surto de interesse ateniense pelos 
Mistérios, no tempo dos Pisístratos (546-510 a.C.).10 Outros autores, com base no mesmo argumento, 
defendem que o hino antecede a anexação de Elêusis por Atenas, que querem reportar ao final do 
século sétimo. É, porém, discutível se o Anschluss se deu nessa altura: o sinecismo é provavelmente 
muito anterior e o hino só não refere Atenas por se reportar a um tempo mítico pré-Teseu (o herói 
lendário que unificou a Ática, acontecimento conservado apenas na memória estórica, o que denuncia a 
sua antiguidade). Têm também sido avançados, na tentativa de fixar a data do hino, argumentos de 
ordem arqueológica (na primeira metade do século vi a.C. o santuário foi ampliado), com base nas 
 
9 Triptólemo teria aprendido de Deméter a arte da agricultura e ensinado esta aos Gregos. Eumolpo dava o nome à 
família sacerdotal mais importante do santuário, os Eumólpidas, de onde era escolhido o hierofanta, que 
proclamava os mistérios. 
10 Num contexto pan-helénico, a figura de Triptólemo era instrumental na propaganda ateniense: Isócrates, 
célebre orador do século v-iv a.C., no Panegírico 28-29, dirá que a agricultura (junto com os Mistérios) é 
precisamente um dos principais dons que a Hélade deve à Ática. 
 
10 
indicações que Deméter fornece para a construção do templo [270 e ss.], mas os resultados são 
contraditórios. 
De maneira geral, ainda que divergindo nas razões que alegam, os comentadores tendem a 
colocar de forma quase unânime o hino entre 650 e 550 a.C., sendo que a análise linguística parece 
favorecer uma data mais antiga. Pelo tema, a grande maioria dos estudiosos defende uma origem ática 
para o poema, o que concorda com os resultados das investigações de Janko, que filia o hino na tradição 
beócia, na linha da poesia de Hesíodo, reconhecendo, porém, as suas particularidades, que atribui a uma 
possível escola ática [1982: 182-3]. 
O poema, riquíssimo do ponto de vista literário (por isso objecto de leituras de escola: veja-se a 
exegese feminista de Foley11 ou a abordagem de Arthur12 pelo filtro da psicanálise), levanta problemas 
também a esse nível, devido a certas incoerências na narrativa, como o facto de a primeira referência 
aos ritos ser em 273 mas a instituição dos Mistérios só acontecer em 474. Os críticos no século xix 
chegaram a postular a existência de vários autores, mas hoje poucos colocam em questão a unidade do 
poema, o que não significa que não seja possível identificar (mas não destrinçar) dois temas centrais, 
autónomos, reunidos pelo poeta: o Rapto de Perséfone e a Fundação dos Mistérios. Càssola chegou a 
propor uma tese que nos parece sobremaneira improvável: que o autor não conhecia os Mistérios, mas 
apenas tinha ouvido falar deles, e recolheu num hino todo o material de que dispunha, sem se 
preocupar excessivamente com a coerência do produto final [34].13 Outros autores argumentam que os 
destinatários do hino, ao contrário do leitor moderno, não precisavam de saber a motivação das acções 
da deusa, apenas os resultados: «Demeter would cease to be Demeter if she had to explain herself to 
Wilamowitz»14. O argumento não colhe: é passar um atestado de menoridade aos ouvintes primeiros de 
uma das obras maiores da Grécia Arcaica. 
Não se confunda a criatividade do poeta com incompetência. O hino, de facto, pode deixar 
perplexo o leitor mais acomodado. Em pontos importantes, não coincide com a versão regular do mito: 
o rapto e regresso de Perséfone não influencia o ritmo das estações (já no verso 54 Deméter é chamada 
ôrêfóre [ὡρηφόρε], aquela que traz as estações) e os Mistérios não são instituídos como recompensa aos 
habitantes de Elêusis pelas informações que estes forneceram sobre o paradeiro de Perséfone. Tais 
divergências em relação à tradição (pressupondo que esta não é posterior) são propositadas: Clay, por 
 
11 Helene Foley (19933), The Homeric Hymn to Demeter. Princeton: Princeton University Press. 
12 Marylin Arthur (1977), «Politics and Pomegranates: an interpretation of the Homeric Hymn to Demeter». 
Arethusa 10: 7-47. 
13 Vide também K. Clinton (1986), «The Author of the Homeric Hymn to Demeter». Opuscula Atheniensia 16: 43-49. 
14 Parker 1991: 11. Também Foley: «Oral narratives are often more interested in results than motives: that is, 
Demeter goes to earth simply because her cult is there and the poem aims to explain its origin» [1993: 101]. 
 
11 
exemplo, cuja obra15 sobre os grandes hinos é de leitura essencial, apresenta uma interpretação 
coerente e fecunda do hino. Se dúvidas restassem da arte do poeta, veja-se a forma como este trabalha o 
mito em torno do motivo tradicional da ira do herói16, segundo o mesmo padrão da Ilíada (importa reler 
o Canto IX, em particular): a desonra (a perda da filha) provoca a ira (materializada no afastamento do 
Olimpo). A retirada do herói causa a devastação (a fome). São-lhe então enviadas embaixadas [314-330], 
para o ganhar de novo para a causa do poder, em vão. Satisfeitas enfim as suas exigências, o herói acede 
e regressa.17 O maior testemunho, contudo, em favor do hino é a influência que este exerceu: o Hino à 
Terra Mãe parece copiá-lo, a tempos, e os poetas helenísticos demonstram familiariedade com ele 
(pense-se, a título de exemplo, em como uma das secções mais contestadas, a de Demofoonte, inspirou 
precisamente o episódio semelhante, mas bem mais célebre, da tentativa de Tétis de imortalizar Aquiles 
nas Argonáuticas [4.869 e ss.] de Apolónio de Rodes). 
 
HINO A APOLO. O Hino a Apolo é, muito provavelmente, o mais discutido de todos. Antes da 
descoberta do manuscrito M [§6], era o que abria a colecção e já os Antigos o tinham em especial 
consideração: é o hino mais citado e o primeiro a que encontramos referência na literatura [§1]. A 
polémica moderna em torno do poema começou em 1782 com David Ruhnken, que defendeu que o que 
nos chegou como um só texto esconde, na realidade, dois hinos, um a Apolo Délio (até 178) e outro a 
Apolo Pítico. A comunidade académica permanece desde então dividida entre unitaristas e analistas, 
havendo bons argumentos em defesa de ambas as posições. Os analistas afirmam que os versos 177-8 em 
nada divergem da típica fórmula de despedida do deus com que tantos outros hinos se encerram [§3] e 
aduzem em seu favor o testemunho de Tucídides, que dá a entender ser esse o final do poema (tal 
interpretação, porém, assenta na tradução de uma pequena palavra do texto do historiador, cujo 
sentido não é claro). Os unitaristas, por sua vez, sublinham o significado literal dos versos em questão. A 
seu ver, o poeta despede-se apenas das raparigas de Delos (todo o elogio a estas não seria mais que um 
excurso), não do deus. 
Os analistas invocam ainda argumentos geográficos e linguísticos em defesa da sua causa; os 
unitaristas, como forma de resposta, concentram-se no todo literário que o texto constitui, mostrando a 
 
15 Jenny Clay (20062), The Politics of Olympus. Londres: Bristol Classical Press. 
16 Um poema órfico decalcava mesmo o incipit da Ilíada: «a ira, canta, deusa, deDeméter do fruto em-luz» 
[Orphicorum Fragmenta 48]. 
17 Os cinco momentos foram identificados por Robert Nickel (2003), «The Wrath of Demeter: Story Pattern in the 
Hymn to Demeter». Quaderni Urbinati di Cultura Classica 73.1: 67. 
 
12 
unidade entre as suas duas partes.18 Entre os analistas, por sua vez, há várias correntes. Ruhnken 
considerava que estávamos perante dois hinos autónomos justapostos, tese que hoje poucos 
subscrevem (é quase unânime que o início do Hino Pítico foi eliminado). Wilamowitz defendeu que o 
Hino Pítico seria uma continuação consciente do Hino Délio. Pelo contrário, West e Burkert, dois dos 
nomes maiores da filologia clássica no nosso século, são da opinião de que o Pítico é o original e o outro 
um apêndice. A maioria dos críticos concorda, porém, que, se o hino amalga dois poemas, o segundo foi 
composto em diálogo com o primeiro (cada um adapta depois o argumento conforme considere o Délio 
ou o Pítico anterior). Há também divisões entre os analistas em relação à integridade da cada uma das 
partes: vários autores têm apontado possíveis interpolações, sendo o caso mais discutido o episódio de 
Tífon [305-54]. A estrutura do hino continua a desafiar os classicistas: não há sequer consenso entre os 
analistas em relação ao verso que marca o final do Hino Délio. 
Esta não é, porém, a única controvérsia a entreter os estudiosos. O debate em torno da data do 
hino é igualmente aceso. Há quem considere o Hino Délio o mais antigo da colecção, do início do século 
vii a.C. ou mesmo anterior. No Certame entre Homero e Hesíodo, texto anónimo que recicla, de acordo com 
Nietzsche e West [2003: 298], o Museion (O Templo das Musas) de Alcidamante, professor de retórica do 
século iv a.C., conta-se que o poema teria sido depositado no templo de Ártemis em Delos. O expectável 
seria que a tabuinha com o hino tivesse sido guardada no templo do deus, mas esse é posterior ao da sua 
irmã. O facto de o poema ter sido conservado neste último, o único na ilha em tempos mais recuados, 
parece atestar a grande antiguidade da composição, na opinião de alguns classicistas. A forma como 
Apolo é retratado no verso 67, como atásthalos [ἀτάσθαλος] (implacável, nesta tradução), palavra de uma 
violência que desconcerta os comentadores, e o quadro inicial, em que a sua entrada no Olimpo (ou a 
primeira ou a habitual: o texto não é claro) inspira o medo nos outros deuses, levam alguns estudiosos a 
considerar que estamos perante os ecos de um estádio primeiro, mais arcaico, da figura do deus, e 
depois esquecido, com a consagração de Apolo como o deus da medida e da ordem (o Apolo clássico, ou 
nietzschiano). Esta análise mitológica parece corroborar a data recuada que a maioria dos 
comentadores reserva para o Hino Délio. O hino, porém, parece pressupor que Apolo tem um templo 
em Delos, o que, como vimos acima, só sucede num período mais tardio (540/30 a.C.). 
Já a chamada suite pítica é quase unanimemente tida como obra do século vi a.C. As palavras 
ominosas do oráculo final de Apolo [540-3] têm sido lidas por muitos como uma referência à Primeira 
Guerra Sagrada (595-585 a.C.), em que Crisa, que detinha o controlo do templo e abusava dessa 
prerrogativa, foi derrotada e destruída pelas cidades da Anfictionia de Delfos (uma das primeiras 
 
18 Para uma boa leitura unitarista do hino vide Jenny Clay, op. cit. Para uma interpretação na mesma linha, vide 
também Andrew Miller (1986), From Delos to Delphi. Leida: Brill. 
 
13 
guerras biológicas de que temos registo). Estaríamos perante uma profecia ex eventu, tese que, porém, 
nem todos os estudiosos subscrevem. Por causa do conselho de Telfusa em 262-66, há quem defenda que 
o poema foi composto antes do início dos novos Jogos Píticos, instituídos em 582 a.C., depois da 
expedição vitoriosa contra Crisa, uma vez que estes incluíam corridas de carros. Alguns contestam este 
raciocínio, pois o hipódromo encontrava-se distante o suficiente do templo para não perturbar o deus. 
West, aliás, sugere que foi precisamente quando o festival foi renovado pela Anfictionia que o hino foi 
apresentado [2003: 10]. Certos autores chamam a atenção para o facto de no verso 296 se falar de um 
templo de pedra, que só se encontra atestado a partir de meados do século vii a.C., o que nos forneceria 
um terminus post quem. Não deve ser aceite, porém, a data de 548 a.C. como terminus ante quem, por o 
templo ter ardido nesse ano. Como vários comentadores sublinham, diz-se do templo que terá fama 
eterna [299], não que ele mesmo durará sempre. 
Para o texto como ele nos chegou – uma unidade, melhor ou pior conseguida, que louva Apolo 
Délio e Pítico – é geralmente aceite a sugestão de datação de Burkert e Janko19, que chegaram à mesma 
conclusão de forma independente. O hino, na sua presente forma, terá sido apresentado em 532 a.C., 
nos jogos Délio-Píticos organizados por Polícrates, tirano de Samos, após a conquista de Reneia, 
pequena ilha junto a Delos. É o único festival de que temos registo em que o deus foi celebrado na sua 
associação com os dois locais que lhe eram mais santos, Delos e Delfos, circunstância que teria inspirado 
o poeta, talvez Cineto de Quios. O escólio da segunda Nemeia de Píndaro atribui-lhe a composição do 
hino, mas a fiabilidade do testemunho continua a ser debatida. 
O escoliasta afirma, citando Hipóstrato, historiado siciliano, que foi este Cineto quem primeiro 
recitou os poemas de Homero em Siracusa, em 504/1 a.C.20 Em 1957 foi descoberto em Gela, na Sicília, 
um pedestal, provavelmente do século vi a.C, de uma estátua de um Cineto. O nome é algo raro, pelo 
que não é impossível que se trate do nosso poeta, dada até a proximidade geográfica entre Gela e 
Siracusa. De acordo com o escólio (mas as interpretações divergem), Cineto seria um dos Homéridas, 
que, como sabemos [§2], foram instrumentais na criação da lenda de Homero (os versos 169-173 
 
19 Walter Burkert (1979), «Kynaithos, Polycrates, and the Homeric Hymn to Apollo» in Walter Burkert (2001), 
Kleine Schriften I. Homerica. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht: 189-197. Richard Janko (1982), Homer, Hesiod and 
the Hymns. Cambridge: Cambridge University Press: 112-3. 
20 Esta informação não deve ser aceite prima facie e exige um esclarecimento. Os poemas homéricos já eram 
conhecidos antes na Sicília: Estesícoro (c. 630-555 a.C.) é profundamente influenciado por Homero. Vários autores 
têm por isso procurado explicar a afirmação de Hipóstrato. Para West [1975: 166], Cineto terá sido o primeiro 
vencedor registado de uma competição rapsódica. Burkert, no artigo citado supra, explica o «primeiro» do texto de 
Hipóstrato no âmbito do movimento de recuperação (ou construção) do legado homérico a que então se estava a 
assistir. Também Platão, no Hiparco [228b], diz que foi este tirano de Atenas (527-514 a.C., poucos anos depois da 
data aqui discutida) quem «primeiro» introduziu os poemas homéricos na cidade. 
 
14 
reforçam o mito do poeta cego e consolidam o seu estatuto de clássico, cantor insuperado) e na difusão 
da sua poesia (por isso encontramos Cineto em Siracusa, reavivando o legado do Poeta na ilha). Se 
Cineto compôs alguma das duas secções em que os analistas dividem o hino, é algo impossível de saber, 
porque o escoliasta, ao contrário de Tucídides, não cita nenhum verso que nos permita identificar qual 
o hino a que se refere. Podemos, porém, com alguma probabilidade, afirmar que terá sido ele a 
apresentar em Delos, em 532 a.C., o hino na sua forma actual. 
 
HINO A HERMES. O Hino a Hermes é um dos favoritos de muitos dos leitores da colecção, pelo seu 
tom coloquial e cómico, que prenuncia a comédia ática. Reconhecido universalmentecomo o mais 
tardio dos hinos maiores (exceptuando o oitavo, que integra a recolha por erro, e o a Pã, influenciado 
pelo presente), é normalmente datado do final do século vi a.C ou inícios do v a.C. Do ponto de vista 
linguístico, há a destacar a ocorrência de vários vocábulos não-homéricos,21 o que denuncia o 
afastamento do poeta em relação à tradição arcaica. Outros elementos parecem confirmar a data de 
composição apontada: segundo Görgemanns22, na sua defesa face a Apolo, Hermes utiliza o argumento 
da probabilidade [265-273] teorizado por Córax e Tísias, os pais fundadores da retórica grega, ambos da 
primeira metade do século v a.C. O autor defende também que a intervenção do pequeno deus frente ao 
seu pai contém todas as partes em que os dois retóricos dividiam o bom discurso de defesa. O 
conhecimento que o poeta demonstra das novas técnicas de argumentação forneceria assim um 
terminus post quem. O mesmo estudioso encontra ainda ao longo de todo o hino ecos da teorização 
musical do início do século v a.C., estabelecendo relações com passos de Píndaro. A lira de Hermes dá-
nos pelo menos a certeza de que o hino é posterior à segunda metade ao século vii a.C.: a lira de sete 
cordas, a que o hino alude, é uma invenção de Terpandro, poeta da primeira metade do século. 
 Humbert, o editor francês dos Hinos, sugere que a riqueza de Delfos que Hermes cobiça [178-
181] deriva fundamentalmente das dádivas de Creso, o famoso rei da Lídia (560-547 a.C.), baseando nisso 
a sua datação do hino (último terço do século vi a.C.) [115]. Janko serve-se também de Creso para 
corroborar a data [1982: 141]. A seu ver, os versos 541-549 são uma tentativa de justificação do oráculo 
de Delfos pela sua falha em prever a derrota de Creso face aos Persas: a alusão aos «presentes» deixaria 
claro o destinatário do aviso. Outros autores, defensores de uma origem ática do poema, encontraram 
 
21 Isto em nada colide com a forte influência da Odisseia que o poema revela. Os paralelos com o poema homérico 
ajudam a elucidar alguns dos passos mais difíceis do Hino a Hermes. Sobre o assunto, vide Susan C. Shelmerdine 
(1986), «Odyssean Allusion in the Fourth Homeric Hymn». Transactions of the American Philological Association 116: 
49-63. 
22 Herwig Görgemanns, «Rhetorik und Poetik im homerischen Hermeshymnus» in Görgemanns & Schmidt (eds.) 
(1976), Studien Zum Antiken Epos. Meisenheim am Glan: Anton Hain: 113-128. 
 
15 
no hino reflexos das lutas sociais pós-Pisístratos (510 a.C. em diante), com Apolo a representar a 
aristocracia e Hermes, o deus do comércio, a burguesia ascendente, sendo o hino o símbolo da sua 
reconciliação (tese de Gräfe), ou referências ao culto aos doze deuses instituído em 522/21 a.C. (tese de 
Brown), ignorando o facto de este já existir anteriormente em Olímpia, onde, segundo alguns autores, o 
hino, de natureza etiológica, teria sido primeiro apresentado (versos como 125-126 aludiriam a 
formações rochosas visíveis no local do sacrifício). Esta, de facto, é a tese defendida por West [2003: 14] 
e Burkert. Este último descreve o trajecto de Hermes no hino como «dall’Olimpo, verso Olimpia» e 
chama a atenção para o facto de Hermes partilhar aí um altar com o seu irmão Apolo, o que explicaria a 
proeminência deste no poema.23 
Outros comentadores são de opinião diversa (o exacto significado do sacrifício de Hermes, de 
resto, é um dos principais quebra-cabeças do poema). Há quem defenda24 que o hino foi composto para 
ser recitado nas Hermeias, festivais atléticos para os jovens, em honra de Hermes. O hino representaria 
miticamente a passagem da infância à idade adulta, assunto de interesse directo para os espectadores. 
Certos autores vão mais longe, afirmando que o hino descreve uma prática real, um ritual de transição 
que marca a entrada do jovem na comunidade dos adultos. Adele Haft, num artigo importante,25 
procurou demonstrar como o roubo do gado no Hino a Hermes se processa segundo os moldes ainda 
hoje em vigor na ilha de Creta, onde a tradição foi preservada. Alguns estudiosos, entre eles Janko [1982: 
149], sustentam que o hino foi apresentado em Delfos, muito com base no final [513 e ss.], em que a 
figura de Apolo assume o protagonismo e se afirma claramente a superioridade de Delfos sobre o 
misterioso oráculo das Donzelas-Abelhas de Hermes. Os defensores desta tese vêem a sua convicção 
reforçada pelas semelhanças do poema com o Hino a Apolo Pítico (se o aceitarmos como peça 
autónoma), tido, razoavelmente, por um produto de Delfos. Referem como pontos de contacto entre os 
dois hinos a proximidade à Odisseia, certas marcas linguísticas e a importância, sem razão aparente 
dentro da economia narrativa, de Onquesto (o que leva alguns a supôr que o poeta era da Beócia, 
mobilizando também argumentos linguísticos) no trajecto, parcialmente partilhado, dos dois deuses. 
Independentemente de se subscrever esta hipótese ou não, há que conceder a proximidade 
entre os dois hinos. Apolo, no seu hino, reclama para si, logo ao nascer, a lira, o arco e o oráculo [131-2]: 
Hermes, no nosso poema, oferece a lira a Apolo [496], há o perigo de lhe roubar o arco [515] e ainda 
 
23 Walter Burkert (1984), «Sacrificio-Sacrilegio: Il “trickster” fondatore» in Walter Burkert (2001), Kleine Schriften I. 
Homerica. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht: 178-188. 
24 Sarah Iles Johnson (2002), «Myth, Festival and Poet: The Homeric Hymn to Hermes and its Performative 
Context». Classical Philology 97.2: 109-132. 
25 Adele Haft (1996), «The Mercurial Significance of Raiding: Baby Hermes and Animal Theft in Contemporary 
Crete». Arion 4.2: 27-48. 
 
16 
exige dele o dom da profecia [533]. Este último pedido levanta problemas particulares. É que, se é certo 
que o texto está, nalgumas partes, fortemente corrompido, faltando até vários versos, a verdade é que 
em nenhuma parte do hino Hermes pede a Apolo que partilhe com ele os seus dons oraculares, ao 
contrário do que o filho de Leto diz. Incoerências como esta (pense-se, também, na variação na 
descrição da gruta de Maia, que tanto é um antro quanto um quase-palácio com pátio central, inclusive) 
levaram os filólogos no século xix a esquartejar o hino, propondo múltipla autoria para explicar as 
contradições. Actualmente, tende-se a considerar o hino uma unidade. Só uma parte pode ainda ser, 
com legitimidade, questionada: precisamente o que se segue ao verso 512, onde se encontra o passo em 
discussão, estranho pelo papel central de Apolo nele e por toda a agenda que parece mover o poeta. 
Neste final encontra-se ainda a referência ao oráculo das Donzelas-Abelhas. A discussão sobre a 
identidade destas prossegue. Há quem sublinhe a associação corrente entre a poesia/profecia e a abelha 
(Píndaro chama à pitonisa «a abelha pítica», em P. 4.59-60), não encontrando no hino senão mais uma 
instância dessa metáfora (o mel fermentado podia ser a substância que induzia o transe da profetisa); 
outros procuram identificar estas misteriosas figuras com as Trias, as amas de Apolo, que haviam 
inventado a adivinhação por pedrinhas, respondendo a quem lhes oferecesse mel; outros ainda 
defendem que no oráculo de Hermes junto ao Parnaso um grupo de abelhas sagradas revelava o futuro, 
pela direcção do seu voo. 
 Um dos inícios alternativos do Hino a Hermes (a saber: as primeiras palavras do Hino 18, que 
não é senão uma variação sobre o outro: eu canto Hermes: Hermên aeídô [Ἑρμῆν ἀείδω]) surge num lécito 
de c. 470 a.C., fornecendo um terminus ante quem em tudo compatível com as datações acima 
apresentadas. Os testemunhos iconográficos corroboram a data: a flauta de Pã, que Hermes inventa no 
final do Hino [511-12], apareceassociada ao deus de 580/70 a.C. em diante, mas com o virar do século 
começa a ser insistentemente colada ao deus-cabra da Arcádia (que lhe daria o nome). Vasos com 
Hermes acompanhando o gado são particularmente populares no mesmo período e há a destacar um de 
c. 530 a.C. que o mostra no berço, com os animais, Apolo e Maia. É importante referir, porém, que a 
história não é uma criação do autor do hino, ainda que este a tenha moldado para os seus fins próprios. 
Sabemos que Alceu escreveu um poema sobre o mesmo tema, do qual nos chegou a primeira estrofe [fr. 
308(b) L-P]. West sugere que o hino seja uma evolução de um outro, mais primitivo, que Alceu conhecia 
e que o teria inspirado [2003: 14]. A história continuaria a gozar de grande sucesso, tendo estado na base 
de um drama satírico de Sófocles, os Ichneutai (algo como os que seguem as pistas, ou os detectives), do qual 
nos chegaram largos fragmentos. 
 
HINO A AFRODITE. O Hino a Afrodite é, dos grandes hinos, o mais bem-comportado, produto de um 
poeta inteligente e refinado. O texto não apresenta dificuldades de maior, tendo-nos chegado quase 
 
17 
incorrupto. A coerência e limpidez da acção fizeram com que nem no hipercrítico século xix 
abundassem as teses analistas: os filólogos severiores limitaram-se a expurgar do texto as várias 
digressões (como os pequenos hinos do proémio) que hoje, pelo contrário, são tidas, e com justiça, como 
próprias do estilo do poeta. A grande maioria dos autores tende a datá-lo do século vii a.C., o que faria 
dele o mais antigo dos hinos (a datação do seu único concorrente, o Hino a Apolo Délio, é como vimos, 
controversa), juízo que baseiam sobretudo em argumentos linguísticos: nenhum outro está tão próximo 
da linguagem homérica. Vinte versos são integralmente copiados de Homero, mais vários hemistíquios 
e outras expressões formulares. Não há, porém, uma subserviência cega ao modelo original: o poeta 
demonstra o seu talento nas pequenas alterações, por vezes significativas, que introduz nos versos que 
toma de empréstimo ou no uso que faz deles. O mesmo sucede, por exemplo, no pequeno hino a Hera 
[40-44]: em 42 o poeta utiliza a fórmula homérica «filha de Cronos de conselhos retorcidos», ignorando 
a primeira parte do verso da Ilíada: «e a mais velha filha de Cronos de conselhos retorcidos» [4.59]. Trata-
se de uma omissão deliberada: em 22, no pequeno hino a Héstia [21-32], o poeta diz que a deusa é a mais 
velha, seguindo nesse pormenor a Teogonia de Hesíodo [454], cujo mito sobre Cronos aproveita para 
reconciliar as posições antagónicas de Homero e Hesíodo. Como o poeta explica [22-23], Héstia é 
simultaneamente a mais velha, por ter sido quem primeiro Reia deu à luz, e a mais nova, pois quando 
Zeus forçou o seu pai a vomitar os irmãos que antes tinha engolido, estes saíram de Cronos em ordem 
inversa: primeiro Hera (a imediatamente anterior a Zeus) e, por fim, Héstia, nesse sentido a mais nova. 
O trabalho teológico por detrás destes versos, primeiro estudado por Solmsen26, prova o carácter pós-
homérico do poema. Janko, que reconhece a dívida do poeta para com a Teogonia, defende, porém, que o 
Hino influenciou os Trabalhos e Dias, de Hesíodo, fazendo dos dois autores contemporâneos [1982: 169]. 
Para este classicista, o hino teria sido composto c. 675-660 a.C. 
 Apesar de haver estudiosos que subscrevem esta datação, colocando o hino na primeira metade 
do século vii a.C. (ou mesmo, mas são raros, nos finais do século anterior), a maioria tende a considerá-
lo da segunda metade do século vii a.C., com o Hino a Deméter, claramente influenciado por este, 
fornecendo um terminus ante quem. A proximidade do hino com a poesia lésbia parece favorecer uma 
data mais tardia dentro do século vii a.C. O voto de virgindade de Héstia [26-29] lembra o de Ártemis 
num poema atribuído a Safo [44(a) V] ou a Alceu [304 L-P], os dois grandes poetas de Lesbos. A história 
de Titono, possivelmente uma invenção do poeta, nos moldes em que nos é apresentada (nem Homero 
nem Hesíodo conhecem o mito da imortalidade envenenada do amante de Aurora), é também 
mencionada por Safo [Pap. Köln 21351]. Em Safo ainda [fr. 96.6-11 L-P] encontramos o mesmo símile dos 
versos 89-90, em que a deusa coberta de jóias brilha «como a lua» (imagem que acusa influência 
 
26 Friederich Solmsen (1960), «Zur Theologie im grossen Aphrodite-Hymnus». Hermes 88: 1-13. 
 
18 
oriental: vide infra). Não é estritamente necessário, em vista destes paralelos, postular empréstimos de 
uma parte a outra e procurar estabelecer qual tem precedência (o hino é obviamente anterior). É mais 
fácil supôr a existência de um corpus comum de poesia ao dispor de todos estes poetas, o que os 
aproxima cronologicamente.27 
 Apenas Freed e Bentman28 ousaram romper com a opinião generalizada ao defender que o hino 
datava do período alexandrino, argumentando com a sofisticação literária do texto, que, a seu ver, 
pressupõe uma audiência lida, capaz de admirar os jogos do poeta. A própria proximidade a Homero 
não seria um indicador de antiguidade mas o resultado de uma tentativa consciente de imitar a 
linguagem do Poeta (e daí o recurso a versos inteiros dos seus poemas). Os dois classicistas chamaram 
também a atenção para um conjunto de marcadores linguísticos próprios do período helenístico. Por 
fim, o estado incorrupto do texto apontaria para uma redacção escrita tardia. A sua tese radical não 
colheu adeptos, mas sublinha a riqueza de estilo e elevação literária do poema. Por outro lado, não é de 
todo improvável que o hino tenha sido composto com auxílio da escrita, o que, efectivamente, ajudaria 
a explicar o bom estado em que nos chegou ou o cuidado da sua composição. 
 As proximidades (que são também linguísticas) acima registadas entre o hino e a poesia lésbia 
levam muitos a supôr como local de composição do poema a Ásia Menor. A referência em 113-6 ao 
bilinguismo (a primeira em toda a literatura ocidental) aponta na mesma direcção, uma nota realista 
que denuncia familiaridade com a região, rica em contactos entre gregos e bárbaros. O argumento mais 
popular e controverso a favor de tal origem prende-se, porém, com a profecia em 196-7, que levou 
muitos comentadores a suporem que o hino teria sido composto para uma casa real na Tróade, cujos 
monarcas se apresentavam como descendentes de Eneias (tese que remonta a Matthäi, no seu 
comentário aos Hinos em 1800). Esta passagem do hino é normalmente discutida em conjunto com outra 
da Ilíada [20.300-8], onde Posídon faz uma profecia muito semelhante. Wilamowitz, no seu Die Ilias und 
Homer (1916), defende que o autor do Canto XX da Ilíada e do hino são o mesmo; Jacoby vai mais longe e 
argumenta que a Ilíada como um todo e o hino foram compostos pelo mesmo poeta, tese recuperada por 
Reinhardt em 1956 (o Hino a Afrodite seria assim o único hino verdadeiramente homérico). Hoekstra, 
mais atento, chama a atenção para as diferenças entre a profecia da Ilíada e a do hino: a primeira aponta 
 
27 De facto, «the tradition of the Hymns had close links with that of Lesbian lyric hymns» [Richardson 2010: 30]. 
Sabemos de fragmentos de hinos de Alceu que abordam os mesmos mitos narrados nos Hinos Homéricos a Dioniso 
[fr. 349 L-P], a Hermes [fr. 308(b) L-P] e aos Dióscuros [fr. 34 L-P]. West (vide supra) sugere, a propósito do Hino a 
Hermes que Alceu conhecia, tratar-se de uma versão mais antiga do Hino 4, ou a matéria-prima para este. Se 
alargarmos a hipótese e aceitarmos a existência de um conjunto de hinos mais antigos (base de inspiração de 
Alceu e dos poetas dos nossos hinos), não é de excluir que o Hino a Afrodite, em virtude da sua antiguidade, fizesse 
parte dessegrupo primeiro, perdido. A sua preservação excepcional ter-se-ia ficado a dever ao uso da escrita. 
28 G. Freed & R. Bentman (1955), «The Homeric Hymn to Aphrodite». The Classical Journal 50.4: 153-159. 
 
19 
para uma casa real ainda reinante, a segunda limita-se a assegurar a continuação da linhagem de Eneias. 
No seu entender, o hino teria sido composto já depois de os patronos do poeta, a casa real dos Eneíadas, 
terem perdido o poder. 
 O classicista, na esteira de Wilamowitz e outros, com base no testemunho de Estrabão [13.1.52-
3], localizava esta família real em Esquépsis (Kurşuntepe, na Turquia), que sabemos ter-se tornado uma 
oligarquia no século vi a.C. (o que explicaria a perda de poder da casa real, cujos príncipes, porém, não 
perderam o título de rei, à semelhança do arconte-dito-rei em Atenas). Um escólio ao passo da Ilíada 
aqui em discussão explica que alguns acreditavam que a casa real dos Eneíadas tinha sido expulsa 
aquando da colonização eólia da Tróade (finais do século viii a.C. ou inícios do vii). Peter Smith, porém, 
num importante artigo de 1981,29 analisou exaustivamente todas as provas a favor da existência de uma 
dinastia de Eneíades em Esquépsis e chegou à conclusão de que, na realidade, estas são muito débeis e a 
suposta casa real da cidade era fundamentalmente uma ficção útil dos classicistas, inferida a partir 
daquilo que era suposto explicar: as profecias nos dois poemas. De facto, Estrabão refere que Esquépsis 
era uma diarquia, em que um dos reis era descendente de Heitor: como, pois, explicar que o hino louve 
apenas uma das linhas reais? Na cidade os arqueólogos não encontraram qualquer vestígio de um culto 
a Afrodite ou a Eneias ou ao seu filho; pelo contrário: a divindade patrona da pólis era Atena, uma das 
que escapam ao poder da Afrodite, como o hino proclama [8-15]. Apesar de alguns comentadores terem 
abandonado a tese dos patronos Eneíadas depois do artigo de Smith, outros, igualmente respeitáveis, 
como Janko, Càssola, West ou Faulkner, mantêm ser razoável supor, a partir dos poemas, a existência de 
uma tal casa real (mas não em Esquépsis), tanto mais que a profecia da Ilíada é única (não há mais 
nenhuma do género em Homero). A colonização eólia da região da Tróade, onde reinaria essa dinastia, 
explicaria a partilha de um mesmo corpus poético pelo autor do hino, Alceu e Safo. 
 Os motivos orientais na narrativa favorecem também uma localização nos limites da zona de 
influência grega, como a Ásia Menor. Dois poemas sumérios parecem ter inspirado alguns passos do 
hino. Num, que narra a descida de Ishtar ao Submundo, a deusa cobre-se de uma série de joías (existe 
uma coincidência notável com os itens de que Afrodite se reveste) que são depois retiradas uma a uma 
pelo guardião dos Infernos (cf. h. Aph. 161-165). Noutro texto sumério, a deusa Inanna, para seduzir o 
seu amado, Dumuzi, um pastor, toma banho, unge-se e decora-se com jóias que brilham «como a luz da 
lua» (cf. 89-90 para a expressão, Od. 3.464-8 para o padrão do banho e Il. 14.180-5 para as joías como 
instrumento de sedução). O motivo de que quem dorme com uma deusa está sujeito a um castigo divino 
(veja-se os receios de Anquises ao perceber a identidade da sua companheira de leito, em 188-190) 
 
29 Peter Smith (1981), «Aineiadai as Patrons of Iliad XX and the Homeric Hymn to Aphrodite». Harvard Studies in 
Classical Philology 85: 17-58. Aqui encontrámos a história filológica das relações entre a profecia do Canto XX da 
Ilíada e o Hino a Afrodite, de Matthäi a Hoekstra, que acima resumimos. 
 
20 
encontra ecos no poema épico de Gilgamesh, em que este recusa deitar-se com Ishtar, relembrado do 
destino fatal dos antigos amantes da deusa (os Poemas Homéricos apontam no mesmo sentido: Hermes 
avisa Ulisses para a possibilidade de Circe lhe retirar a sua virilidade em Od. 10.301 e Calipso lamenta os 
amantes das deusas, castigados pelos deuses, em Od. 5.118-29). A antiguidade do hino ajuda a perceber o 
significante peso ainda exercido pelas mitologias do Próximo Oriente na narrativa. 
 Importa, por fim, chamar a atenção para algumas características deste hino que o separam dos 
restantes da colecção. Destaque para o proémio excepcionalmente longo [1-44] e irregular: o poeta 
promete cantar não a deusa mas as suas obras e, depois de referir o seu poder, de imediato lista, e com 
alguma atenção individual, três divindades que lhe escapam. O hino, aliás, é diferente na medida em 
que não louva necessariamente a deusa: o episódio narrado é até embaraçante para a própria (note-se, 
porém, que já na Ilíada a deusa é de algum modo menorizada quando entra na batalha e é vencida nos 
Cantos II, V e XXI; também na Odisseia, o Canto de Demódoco [8.266 e ss.] retrata a deusa numa situação 
constrangedora). O hino, ao contrário de outros, também não explica a instituição de nenhum culto. Os 
versos 100-2 foram por vezes lidos como tendo esse sentido, mas hoje essa interpretação foi 
justificadamente abandonada. Impõe-se assim a pergunta pelo objectivo último do hino. Os que 
recusam reduzi-lo a um elogio de uma qualquer casa real da Tróade, consideram que o propósito 
fundamental é explicar por que razão no presente, ao contrário do que sucedia nos tempos antigos, não 
existem mais heróis, filhos de deuses e mortais: depois da humilhação de Afrodite por Zeus, esta não 
mais ousaria instigar nos imortais paixões humanas.30 Um último mistério suscitado pelo Hino (vem à 
memória o fim do Hino a Apolo) tem que ver com o aviso final de Afrodite [282-290]. Há comentadores 
que, apelando para 194-195, recusam a ideia de que este se tenha vindo a concretizar. Sabemos, porém, 
que em séculos posteriores se consideraria a ameaça cumprida: o nosso primeiro testemunho é um 
fragmento do Laocoonte de Sófocles [fr. 373 Radt] e é-nos dito que o tragediógrafo se baseou na Pequena 
Ilíada, um poema do Ciclo Épico (a tradição de poesia épica que se desenvolveu em torno da matéria 
troiana e tebana). Anquises teria ficado cego ou coxo como consequência de ter revelado a verdadeira 
mãe do filho. Se este era o destino reservado pelo poeta para o personagem masculino do hino, é algo 
que nunca saberemos com certeza, mas, pessoalmente, cremos provável. 
 
HINO MENOR A DIONISO. O episódio narrado neste hino foi representado na célebre taça ática de 
figuras negras de Exéquias, de c. 530 a.C., em que Dioniso surge reclinado junto ao mastro de um navio, 
por onde sobe o pé de uma videira que espraia os seus ramos, carregados de cachos, pelo topo da taça. 
 
30 Van Der Ben (1986), «Hymn to Aphrodite 36-291. Notes on the Pars Epica of the Homeric Hymn to Aphrodite». 
Mnemosyne 39.1-2: 1-41; e Clay 2006: 165-170. 
 
21 
Em torno do barco, no mar, nadam sete golfinhos. Há quem creia que Exéquias foi influenciado pelo 
hino; outros, pelo contrário, defendem o movimento inverso. West julga-os grosso modo 
contemporâneos, considerando o hino pouco anterior a Píndaro (c. 522-438), que narra também o mito 
[fr. 236 Snell] [2003: 16]. Há pouca unanimidade na matéria, ao que acresce o facto de o hino ser 
pequeno e escasso em indicações. Allen e Sikes, os responsáveis pela primeira edição inglesa dos Hinos, 
fazem remontar o poema ao século vi ou mesmo vii a.C. [230] (esta última data, ainda que 
tentativamente, é apoiada por alguns comentadores, entre eles Janko [1982: 184]); outros, como 
Humbert, situam-no no final do século v a.C. ou inícios do seguinte, no período em que o estilo épico 
estava já esgotado, longe do fulgor de outrora (Humbert não tem o hino em grande conta) [170]; outros 
ainda, como W. Gemoll, tomam-no como um produto do período alexandrino, com base nalguns traçoslinguísticos [apud Allen & Sikes loc. cit.]. 
Há quem tenha associado o hino à Ática. Otto Crusius defendia [ibid.] que este fora composto 
para as festas dionisíacas de Bráuron, em honra de alguns jovens raptados por piratas tirrenos, cuja 
lenda é narrada em Heródoto [6.137-140]; outros ligaram o hino às Antestérias, festival também em 
honra de Dioniso, em Atenas, sublinhando o papel da cidade no combate à pirataria no Egeu. O tema 
marítimo, contudo, tem levado a maioria dos comentadores a pensarem na Iónia como zona de origem 
do poema. Versões tardias do mito dizem que Dioniso parte de Ícaro ou Quios e que a sua meta é Naxos, 
todas ilhas do Egeu. A região era aliás afectada por frequentes ataques de piratas. Os Tirrenos referidos 
no hino foram associados por muitos a Lemnos e a Imbros (outras ilhas do Egeu, numa aparente 
corroboração da opinião estabelecida sobre a origem do poema). 
Cecilia Nobili, em artigo recente e convincente,31 chama porém a atenção para o facto de essa 
associação ser tardia: todas as fontes em que se baseia tal identificação são do século iv a.C. ou 
posteriores. Na época clássica, os Tirrenos são os Etruscos. Estes mantinham relações comerciais 
privilegiadas com Corinto, cidade de onde a autora considera originário o hino, sublinhando o rico 
imaginário dionisíaco dessa pólis, em cujos mitos a ligação entre Dioniso e os golfinhos é corrente. 
Particularmente importante para a classicista é o mito de Árion, o criador do ditirambo (o estilo de 
poesia dionisíaco por excelência), que coincide, em muitos pontos, com o narrado no hino (e não era 
raro, na Antiguidade, fabricar a biografia dos poetas a partir dos seus poemas: teria Árion cantado o 
rapto de Dioniso?). O poeta trabalhou para Periandro, tirano de Corinto na transição do século vii para o 
vi a.C. responsável pelo alargamento do culto do deus na cidade: assim, o período do seu reinado 
fornece uma data verosímil para a composição do hino. A natureza desta introdução impede-nos uma 
exposição detalhada dos argumentos de Nobili, mas reenviamos o leitor curioso para o artigo da autora, 
 
31 Cecilia Nobili (2009), «L’Inno Omerico a Dioniso (Hymn. Hom. VII) e Corinto». ACME 62.3: 3-35. 
 
22 
que vai ao ponto de, com base na análise de outros mitos e das rotas comerciais entre Corinto e a 
Etrúria, localizar o cenário da acção do hino: o Cabo Málea, no fundo do Peloponeso. 
 
HINO A ARES. O Hino a Ares claramente não pertence à colecção original dos Hinos Homéricos: até o 
leitor em tradução reconhecerá a diferença entre o poema e o resto da antologia. É unanimemente 
aceite que se trata do produto de uma época tardia: Ares nunca foi um deus muito querido entre os 
Gregos (nenhuma cidade o adoptou como patrono: foi necessário esperar por Roma para Marte ser 
reabilitado como deus maior) e o poeta faz dele uma divindade benévola, longe do Ares carniceiro, pai 
do Medo e do Terror, da mentalidade tradicional helénica. O facto de o deus ser identificado com o 
planeta homónimo [6-8] aponta também para uma data tardia, certamente posterior ao século i a.C. 
Duas questões se impõem, portanto: primeiro, saber, se possível, quem o seu verdadeiro autor; segundo, 
explicar por que razão acabou incluído na nossa colecção. As respostas confundem-se: não é, de facto, 
possível averiguar o poeta por detrás do hino sem ter em consideração a história da transmissão do 
texto. Sabemos que Ω, o arquétipo de todos os manuscritos que nos chegaram [§6], continha, para lá dos 
Hinos Homéricos, os Hinos de Orfeu, Calímaco e Proclo. Os comentadores, na sua generalidade, têm-se 
dividido em dois campos: os que defendem que o Hino a Ares é uma produção órfica e os que sustentam 
que Proclo é o seu autor. Humbert, na senda de Ruhnken, defende a primeira hipótese, chamando a 
atenção para o paradoxo de pedir a paz ao deus da guerra ou o controle de si mesmo ao deus por 
excelência impetuoso: estes paradoxos, diz, são típicos dos poemas órficos (compare-se, por exemplo, o 
Hino Órfico a Ares) [180]. O hino, a seu ver, teria sido introduzido por um compilador para incluir um 
hino a Ares, em falta na colecção. Outra possibilidade, na sua opinião, é que, na transmissão manuscrita, 
tenha havido um exemplar que começava com os Hinos Órficos e o a Ares (que seria o último) teria sido 
por engano anexado aos Homéricos, que se seguiriam no manuscrito. 
 A opinião predominante, porém, é a de que o hino deve ser associado, de alguma forma, a 
Proclo, filósofo neoplatónico do século v. Matthäi e Pfeiffer [apud Càssola: 297] consideram-no anterior 
ao filósofo (Gelzer32 sugeriu Porfírio e o seu círculo), outros obra de um imitador menor. West33 foi o 
primeiro a propôr ser Proclo o autor do hino. Efectivamente, certos traços do poema parecem não se 
coadunar com a sua inclusão na colecção dos Hinos Órficos: estes poemas são textos litúrgicos, para 
serem recitados em cerimónias (o título indica sempre, por exemplo, que aroma deve ser oferendado à 
divindade), não preces pessoais, como os Hinos de Proclo e o Hino a Ares. A colecção órfica inclui já um 
outro Hino a Ares e, fora Dioniso, deus especial e ainda assim invocado sempre com nomes diferentes, 
 
32 Thomas Gelzer (1987), «Bemerkungen zum Homerischen Ares-Hymnus (Hom. Hy. 8)». Museum Helveticum 44: 
150-167. 
33 M. L. West (1970), «The Eighth Homeric Hymn and Proclus». The Classical Quarterly 20.2: 300-4. 
 
23 
não há repetição de dedicatórias. Para além do mais, é duvidoso que os órficos estivessem 
familiarizados com a identificação entre planetas e deuses que, vimos acima, trai a idade tardia do hino. 
Parece mais razoável supor, seguindo West, que Proclo é o autor do hino. West explica a sua inclusão na 
colecção dos Hinos Homéricos em termos semelhantes a Humbert: no manuscrito primeiro, os Hinos de 
Proclo precederiam imediatamente os Homéricos (como de resto sucede em vários dos códices que nos 
chegaram). O original ter-se-ia começado a desfragmentar e, quando reconstruído, o poema do filósofo 
acabaria incluído na nossa antologia. West faz uma descrição pormenorizada e, ainda que hipotética, 
particularmente convincente do processo, a partir das adivinhadas características físicas de Ω, o que dá 
ao seu argumento uma força totalmente ausente do de Humbert, mera especulação sem sequer grandes 
bases reais (nenhum dos manuscritos que nos chegou tem os Hinos Órficos antes dos Homéricos, por 
exemplo). 
 
HINO A PÃ. O Hino a Pã é o último hino de extensão considerável na colecção. Pã é uma divindade que 
só tardiamente é acolhida no cânone pan-helénico. Originário da Arcádia, o deus é introduzido em 
Atenas depois da batalha de Maratona, em 490 a.C. [Heródoto 6.105], e ao longo do século v a.C. o seu 
culto vai-se difundindo pela Hélade. Por essa razão, a maioria dos comentadores tende a datar o hino 
desse século (Janko é mais específico, situando-o na primeira metade [1982: 185]), mesmo se não é 
possível excluir a possibilidade de ter sido composto na Arcádia para uma festividade local em honra do 
deus e, nesse caso, pode bem ser anterior, mas não muito: o hino parece ter sido influenciado pelo Hino 
a Hermes, o que nos fornece um terminus post quem (há ainda quem suponha inspiração do Hino a 
Ártemis 27). Alguns críticos preferem uma data mais tardia, salientando a atenção dada à natureza e a 
sua descrição cuidada, incomum no género épico. Aproximam por isso o hino da poesia bucólica 
alexandrina: Humbert sugere mesmo o Egipto como local de redacção e um poeta da geração de 
Teócrito e Calímaco (século iii a.C) como possível autor [209]. O raciocínio, porém, revela desatenção. 
Na épica e lírica arcaicas encontramos igualmente o gostopela natureza: lembremos as descrições, na 
Odisseia, dos jardins de Calipso ou da Esquéria. A data tradicional parece-nos, por isso, a mais sensata. 
Quanto ao local de composição, não é de excluir a possibilidade de uma origem ática, devido a certos 
aticismos,34 mas o argumento não nos parece conclusivo. 
 
OUTROS HINOS. Os outros hinos da colecção são demasiado curtos para que possamos dizer algo de 
concreto sobre eles. Limitamo-nos, por isso, a algumas breves considerações, sendo que seguimos, na 
 
34 Ana Seiça Carvalho (2007), «Hino Homérico a Pã: tradução e recolha de algumas características linguísticas». 
Boletim de Estudos Clássicos 48: 19-35. 
 
24 
maioria, sugestões de West, na sua edição dos Hinos. O Hino 6, a Afrodite, é muito provavelmente de 
origem cípria: o poeta dá grande ênfase ao poder da deusa na ilha e a decoração de Afrodite lembra 
certos passos dos Cypria [fr. 5 e 6 West], poema épico originário do Chipre. É possível que o hino tenha 
sido apresentado em Pafos (hoje Kouklia), nos festivais associados ao santuário local de Afrodite, o 
principal centro de culto da deusa, a que já a Odisseia alude [8.362-3]. O Hino 9, a Ártemis, terá sido 
apresentado em Claros, local de um importante oráculo de Apolo, sob o controlo de Colofonte. 
Wilamowitz interpretou a viagem da deusa de Esmirna para Claros como um sinal de prioridade desta 
última cidade em relação à primeira, o que forneceria um terminus post quem para o poema: 688 a.C., 
data em que Esmirna é conquistada por Colofonte [Càssola: 303]. Se esta é uma hipótese arriscada, 
assente numa leitura política do trajecto da deusa, não sobram, porém, dúvidas de que o poema é 
anterior ao século sexto: Esmirna foi destruída c. 600 a.C. pelo rei lídio Aliates II, pai de Creso, e só 
refloresceria com Alexandre, que a reconstruiu. 
 O Hino 10, de novo a Afrodite, deve ter sido composto para recitação em Salamina, a cidade 
cípria destacada no poema. O Hino 12, a Hera, poderá ter sido apresentado em Samos, o mais 
importante centro de culto da deusa na época clássica. O Hino 14 é dedicado à Mãe dos Deuses, figura 
identificada pelos comentadores com Reia (nalguns manuscritos surge mesmo o nome da mulher de 
Cronos), Gaia (chamada «mãe dos deuses» no Hino 30), Cibele (divindade oriental importada, associada 
à natureza selvagem) ou mesmo Deméter. O Hino 15, a Héracles, não antecede o século vi a.C., pois só a 
partir de então o herói conquista o estatuto divino (provavelmente uma inovação ática). É possível que 
o poema tenha sido apresentado no festival quadrienal de Maratona, em honra do filho de Zeus. No 
Hino 16 não é claro se o poeta considera Asclépio um herói mortal ou um deus. Se um deus, o hino é do 
século v a.C. ou posterior, pois só então se começa a difundir o culto deste filho de Apolo, que viria 
depois a conhecer grande sucesso. O poema, porém, não deverá ter sido composto para o festival de 
Epidauro, onde ficava o principal santuário do deus. Càssola chama a atenção para o facto de o poeta 
não aceitar a tese de que Asclépio seria oriundo das vizinhanças da cidade [344]. Caso o hino se dirija a 
Asclépio como herói apenas, nada impede que seja anterior: Humbert, de facto, data-o do século vi a.C., 
com base em frágeis critérios linguísticos [205]. 
 O Hino 20, a Hefesto, data provavelmente da segunda metade do século v a.C.: a ideia do 
progresso da humanidade é tipicamente sofista, associada particularmente a Protágoras (veja-se o 
diálogo homónimo de Platão). O hino deve ser originário de Atenas: não só a cidade era, então, o centro 
do movimento sofístico, como a associação entre Atena e Hefesto é, ela própria, muito ateniense. O Hino 
21, a Apolo, é, de acordo com Humbert [78], anterior às Aves (414 a.C.), de Aristófanes, comédia que nos 
versos 771-2 parodia os dois primeiros do hino (na mesma peça, em 575, alude-se ao Hino a Apolo 114). 
O Hino 22, a Posídon, poderá ter sido recitado no festival pan-iónico no monte Mícale, em honra do 
 
25 
deus, onde era adorado como helikônios [ἑλικώνιος], do monte Hélicon, nome pelo qual o poeta o parece 
conhecer. Já Humbert, na senda de Gemoll, aproxima o texto dos Hinos Órficos [218]. O Hino 24, a Héstia, 
parece ter sido composto para a consagração de um qualquer edifício; qual, porém, é uma incógnita. O 
Hino 25, às Musas e a Apolo, foi influenciado pela Teogonia (confrontem-se os versos 2-5 do hino e 94-7 
do poema de Hesíodo). É possível, porém, que estejamos perante uma expressão formular: de facto, os 
comentadores são quase unânimes em reconhecer que os versos em questão não encaixam de forma 
feliz no poema de Hesíodo, que os teria ido buscar à tradição. O Hino 27, a Ártemis, parece posterior ao 
Hino a Apolo, influenciado pela entrada de Febo no Olimpo no início do Hino Délio [1-13] e pela dança 
dos imortais no começo do Hino Pítico [189-206]. 
 O Hino 28, a Atena, teria sido apresentado, de acordo com Wilamowitz [apud Humbert 231], nas 
Panateneias. Humbert data-o da segunda metade do século vi a.C., com base na informação de um 
escólio às Argonáuticas de Apolónio de Rodes, em que se afirma que o primeiro a tratar o tema do 
nascimento de Atena da cabeça de Zeus foi Estesícoro [ib.]. Càssola, porém, desmonta este argumento, 
relembrando que existem representações iconográficas anteriores do tema, pelo que o hino pode ser 
mais antigo que o poema do Siciliano [421]. O Hino 29, a Héstia, tal como o outro dedicado à deusa (o 
24), deve ter sido recitado antes da inauguração de um novo edifício, eventualmente um ginásio 
(Hermes era patrono dos desportos juvenis) ou um templo comum às duas divindades (os dois eram por 
vezes associados). Os Hinos 31 e 32, quase unanimemente considerados do mesmo autor ou, pelo menos, 
da mesma escola rapsódica, são dos mais tardios da colecção, possivelmente da época alexandrina, pelo 
pormenor mitológico. Estes destacam-se ainda por o poeta anunciar explicitamente que se lhes seguirá 
um canto sobre heróis mortais. O Hino 33, aos Dióscuros, é anterior a Teócrito (século iii a.C.), que se 
inspira nele para o prelúdio do seu Dióscuros. Não há referências à constelação com que eles são 
normalmente identificados a partir do século v a.C., o que aponta para uma data anterior. O hino 
apresenta alguns pontos de contacto, a nível da expressão linguística, com o Hino Menor a Dioniso, o 
que, a juntar ao facto de Alceu ter conhecido um hino com razoavelmente o mesmo material, favorece 
uma data no século vi a.C. Por fim, há que notar que alguns hinos não são senão versões condensadas ou 
variações sobre outros. É o caso dos Hinos 13, 17 e 18, abreviados, respectivamente, dos hinos a Deméter 
(2), aos Dióscuros (33) e a Hermes (4). 
 
§5 A FORMAÇÃO DA COLECÇÃO 
Em Diodoro Sículo surge a primeira menção explícita à nossa colecção: «...e Homero dá 
testemunho destas coisas nos Hinos» [4.2.4]. É legítimo supor, com base neste passo, que no seu tempo 
existia já uma edição dos Hinos, grosso modo semelhante à nossa, talvez resultado do labor filológico 
alexandrino. Filodemo, filósofo epicurista do mesmo século, em Acerca da Piedade [p. 42, tab. 91, 12 ss. 
 
26 
Gomperz], reforça a hipótese, ao referir também ele a colecção: «Também Homero, nos Hinos, [diz ser] 
[Hécate] “serva e companheira” [= h. Dem. 440]». O escólio ao manuscrito genovês da Ilíada [ad 21.319] 
indica que Apolodoro (século ii a.C.), discípulo de Aristarco da Samotrácia, o responsável pela primeira 
edição crítica da Ilíada e da Odisseia, conheceu os Hinos, que, portanto, circulavam em Alexandria. Os 
manuscritos registam versões alternativas de certos passos, o que aponta para um trabalho de edição: 
confrontado com textos divergentes, o compilador dos

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