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GOVERNANÇA PARTICIPATIVA DA POLÍTICA MUNICIPAL PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: COMITÊ DE ACOMPANHAMENTO E ASSESSORAMENTO DA POLÍTICA MUNICIPAL PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE BELO HORIZONTE Soraya Romina Santos 1 “(…) pode-se dizer que o fenômeno população em situação de rua vincula-se à estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores de natureza imediata que o determinam. Na contemporaneidade, constitui uma expressão radical da questão social, localiza-se nos grandes centros urbanos, sendo que as pessoas por ele atingidas são estigmatizadas e enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade.” Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua RESUMO Este artigo apresenta uma reflexão, no contexto da adesão da Prefeitura de Belo Horizonte à Política Nacional para População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto Federal nº 7.053, de dezembro/2009, em torno da criação do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua de Belo Horizonte, como importante estratégia de enfrentamento de um fenômeno tão complexo como é o caso da população em situação de rua, dentro de uma lógica participativa e de uma abordagem intersetorial nos mais diferentes campos da Política Pública. 1 Introdução Visto sob uma perspectiva histórica ampla, o fenômeno de expansão das populações em situação de rua se agrava com as transformações produzidas pela modernização capitalista, que expulsaram camponeses das áreas rurais, direcionando fluxos populacionais às grandes cidades, sem que a eles fosse garantido seu direito à inclusão social e econômica. Não obstante, as mesmas sociedades que produziram a expropriação destas pessoas de suas posses, de sua identidade e de suas relações societárias, passaram a discriminá-las e considerá-las como um incômodo à vida nos centros urbanos, criando mecanismos de segregação e de exclusão dos espaços da cidade. 1 Professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, Especialista em Educação, Assessora da Secretaria Municipal de Políticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte, Coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua. Presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas de Belo Horizonte. De acordo com estudiosos, a população em situação de rua encerra em si o trinômio expresso pelo termo exclusão: expulsão, desenraizamento e privação. Segundo a definição de cientistas sociais como Alcook (1997) e Castel (1998), a exclusão social relaciona-se com situação extrema de ruptura de relações familiares e afetivas, além de ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho e de não participação social efetiva. Assim, como aponta Silva (2006), pessoas em situação de rua podem se caracterizar como vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes, sendo comumente enumerados vários aspectos motivadores da existência desse segmento da população, tais como fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social), fatores biográficos (alcoolismo, drogadição, rompimentos dos vínculos familiares, doenças mentais, etc), além de outros problemas que vem sendo agravados recentemente como a dificuldade de reinserção de egressos do sistema prisional ou a expulsão de indivíduos das comunidades pelo comando do tráfico de drogas. Soma-se a isso a ocorrência de desastres naturais, como enchentes ou secas prolongadas ou outros fenômenos que em todo o mundo tem multiplicado o número de pessoas que perdem sua referência de moradia. Como decorrência deste conjunto variado de motivações, observa-se que as pessoas em situação de rua, estão expostas a representações sociais e sentimentos pejorativos e, por vezes, antagônicos, conforme explicita Mattos: Alguns as vêem como perigosas, apressam o passo. Outros logo as consideram vagabundas e que ali estão por não quererem trabalhar, olhando-as com hostilidade. Muitos atravessam a rua com receio de serem abordados por pedido de esmola, ou mesmo por pré conceberem que são pessoas sujas e mal cheirosas. Há também aqueles que delas sentem pena e olham-nas com comoção ou piedade. Enfim, é comum negligenciarmos involuntariamente o contato com elas. Habituados com suas presenças, parece que estamos dessensibilizados em relação à sua condição (sub) humana. Em atitude mais violenta, alguns chegam a xingá-las e até mesmo agredi-las ou queimá-las, como em alguns lamentáveis casos noticiados pela imprensa. (MATTOS, 2004, p.ND) Percebe-se, portanto, que se trata de um fenômeno complexo e multifacetado, que não pode ser explicado a partir de uma perspectiva unívoca e monocausal. São múltiplas as causas de se ir para a rua, assim como são múltiplas as realidades enfrentadas pela população em situação de rua. Dessa forma, o enfrentamento dessa situação, extremamente complexa, exige a atuação compartilhada dos poderes governamentais e da sociedade civil e uma abordagem intersetorial, envolvendo ações nos mais diferentes campos da Política Pública. No Brasil, a atenção do Poder Público para com a população em situação de rua é recente e consequência das mobilizações dos movimentos organizados e dos avanços políticos no campo dos direitos, ocorridas nas últimas décadas, conforme comenta Sposati (1988): ...é nos anos 80 que as pessoas em situação de rua começam a transitar, de forma mais consistente, do reconhecimento apenas por parte da igreja – pela caridade e fraternidade – para o reconhecimento público. Essa travessia significa a passagem da condição de excluídos para a de alcançáveis pelas políticas públicas, conquista que fica mais evidente na década seguinte. (SPOSATI, 1988, p.ND) Assim, a proposta desse artigo é apresentar uma reflexão em torno da criação do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua de Belo Horizonte, como importante estratégia de enfretamento de um fenômeno tão complexo como é o caso da população em situação de rua. 2 Novo panorama A partir da Constituição Federal de 1988, que considerou os direitos sociais como direitos fundamentais de todo cidadão e da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que regulamentou os artigos 203 e 204 da Carta Magna, reconhecendo a Assistência Social como política pública, o tratamento e o panorama político do fenômeno população em situação de rua pelo Estado começaram a se alterar. No contexto desses arcabouços legais, o Poder Público passou a ter responsabilidade de manter programas e serviços voltados para esse segmento da população, assegurando-lhes padrões éticos de dignidade e não violência na consolidação dos “mínimos sociais” e de direitos de cidadania. Nessa mesma perspectiva, o Governo Federal elaborou e instituiu a Política Nacional para População em Situação de Rua, por meio do Decreto Federal nº 7.053, de 23/12/2009, como instrumento norteador das ações do Poder Público, em suas diferentes esferas e da sociedade civil, para o enfrentamento deste fenômeno. De acordo com a Política Nacional, a população em situação de rua é constituída por um: grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária oupermanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (Presidência da República, Decreto Federal 7.053,1999) Trata-se, portanto, de um público que vivencia situações de violação de direitos das mais variadas, tendo sua condição de cidadania comprometida ou mesmo inexistente. Nesse sentido, a atenção a esse público não pode mais ser negligenciada pela sociedade e pelos governos. São princípios da Política Nacional para a População em Situação de Rua, além da igualdade e equidade: o respeito à dignidade da pessoa humana, o direito à convivência familiar e comunitária, a valorização e respeito à vida e à cidadania, o atendimento humanizado e universalizado e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência. 3 Marcos importantes da construção da política para a população em situação de rua em Belo Horizonte Desde o início das gestões de cunho democrático-popular em Belo Horizonte, no ano de 1993, foram sendo construídas interlocuções com entidades da sociedade civil representativas de vários segmentos da população em situação de marginalização social, utilizando-se, para tanto, de um conjunto de mecanismos de participação popular, como conselhos, conferências, comissões, grupos de trabalho, etc. No caso da população em situação de rua, foram sendo estabelecidas várias interlocuções com públicos que de alguma forma se relacionam ao tema, como: pessoas com sofrimento mental, catadores de materiais recicláveis, usuários de álcool e outras drogas, dentre outros. Essas interlocuções identificaram a necessidade de aprimoramento das ações, de forma a favorecer maior articulação das políticas, programas e ações governamentais e as demandas dos movimentos sociais que atuavam no campo da promoção, defesa e garantia dos direitos da população em situação de rua. Como resultante desse processo de debate com entidades representativas da população em situação de rua, foi sancionada a Lei Municipal nº 8.029/2000, que ao criar o Fórum de População em Situação de Rua e dispor sobre a Política Municipal para a População em Situação de Rua, já reafirmava, à época, alguns dos princípios da Política Nacional, como também definia o conjunto de serviços e programas na área da Assistência Social a serem prestados para o atendimento às necessidades e garantia dos direitos desse grupo populacional. Assim, em consonância com os princípios, diretrizes e objetivos preconizados pela Política Nacional para a População em Situação de Rua, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social vem, desde o início da década de 1990, coordenando e ofertando várias ações e serviços que visam a emancipação da população em situação de rua, como forma de resgatar sua cidadania e promover seus direitos. O Serviço Especializado em Abordagem Social, presente nos 09 (nove) Centros de Referência em Assistência Social (CREAS) da cidade é realizado diariamente, nos três turnos (manhã, tarde e noite), contando com equipes técnicas compostas por profissionais com formação superior na área de ciências humanas. Esse serviço procura estabelecer um vínculo com os sujeitos em situação de rua, no sentido de favorecer a reconstrução de sua trajetória de vida, a recuperação de sua autoestima e o reestabelecimento de laços de sociabilidade. Para tanto, a partir da identificação das necessidades do sujeito em situação de rua, é construído com ele um caminho de saída das ruas, por meio do desenvolvimento de mecanismos de reconstrução dos vínculos familiares e/ou encaminhamentos à rede socioassistencial (programas e serviços públicos ou desenvolvidos por entidades conveniadas ou não conveniadas). A rede de atendimento pública sociossistencial é desenvolvida por meio de parcerias com entidades da sociedade civil, sendo composta pelos seguintes equipamentos: a) Centro de Referência da População de Rua: espaço aberto às pessoas em situação de rua, onde os usuários podem lavar suas roupas, tomar banho e guardar seus pertences. Neste local são oferecidas atividades esportivas, biblioteca e oficinas socioeducativas, além de encaminhamentos para obtenção de documentos. b) República Reviver: acolhe em espaço de moradia temporária, homens em situação de rua, possibilitando a reorganização e o planejamento de um projeto de vida, com vistas ao restabelecimento dos vínculos familiares e sociais, visando a saída definitiva das ruas. Conta com uma equipe técnica que realiza acompanhamento social e encaminhamentos a rede socioassistencial, trabalho e geração de renda. c) República Maria Maria: acolhe em espaço de moradia temporária, mulheres em situação de rua, possibilitando a reorganização e o planejamento de um projeto de vida, com vistas ao restabelecimento dos vínculos familiares e sociais, visando a saída definitiva das ruas. Nesta República as mulheress contam com o acompanhamento social, orientação sexual, encaminhamento para tratamento de saúde e para obtenção de documentação, além de oficinas de geração de trabalho e renda. d) Unidade de Acolhimento Institucional para População de Rua e Migrante: acolhimento institucional provisório para população de rua e migrante em situação de vulnerabilidade pessoal e social, de forma a garantir proteção social integral, contribuindo para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência e para o restabelecimento de vínculos familiares e sociais. Sua capacidade de atendimento é de 400 pessoas, sendo 320 vagas para população em situação de rua e 80 para migrantes. O equipamento conta com 37 quartos, 12 banheiros, dois refeitórios, auditório, salas de atendimento e pátio externo. Além disso, está preparado para receber pessoas com deficiência. e) Abrigo São Paulo: acolhimento institucional provisório para homens e mulheres em situação de vulnerabilidade pessoal e social e/ou situação de rua, migrantes e famílias oriundas de área de risco geológico, de forma a garantir proteção social integral, contribuindo para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência e para o restabelecimento de vínculos familiares e sociais. Acolhe até 150 pessoas, incluindo mulheres e crianças em situação de rua. O albergamento é noturno, oferecendo alimentação, banho e atendimento social. Podem ser realizados encaminhamentos para as repúblicas, se for o caso. f) Abrigo Pompeia: acolhe temporariamente famílias em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social e/ou em situação de rua, de forma a garantir proteção social integral, contribuindo para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência e para o restabelecimento de vínculos familiares e sociais. São 32 cômodos, que podem abrigar até 120 pessoas, considerando-se uma média de 4 pessoas por família. Na área da Saúde, em 2002 foi criada a 1ª Equipe do Programa Saúde da Família especializada no atendimento à População em Situação de Rua, uma estratégia pioneira e inovadora. É composta por um Médico Generalista, um Enfermeiro, dois Auxiliares de Enfermagem, quatro Agentes Comunitários de Saúde, com o apoio das Equipes de Saúde Mental e de Saúde Bucal. Essa equipe foi alocada no Centro de Saúde Carlos Chagas (CSCC), considerando-se a referência história dessa unidade para o atendimento às pessoas em situação de rua. O atendimento à população em situação de rua também é realizado em todas as unidades de saúde que compõe a Rede do Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte (SUS/BH), sendo composta de47 Centros de Saúde (CS), sendo um deles especializado no atendimento à população em situação de rua, 04 Equipes de Consultório na Rua, 07 Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM), 03 Centros de Referência em Saúde Mental - Álcool e Outras Drogas (CERSAM-AD), 09 Centros de Convivência, 08 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), 08 Centros de Especialidades Médicas (CEM), 01 Centro Metropolitano de Especialidades Médicas, 05 Unidades de Referência Secundária (URS), 03 Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), 05 Laboratórios Distritais, 01 Laboratório Central, 03 Centros de Referência em Reabilitação e 33 hospitais - 32 conveniados e 01 próprio municipal, o Hospital Odilon Behrens (HOB). Somam-se a todo esse trabalho, os importantes entendimentos que vem sendo realizados pela Secretaria Municipal de Saúde, por meio de sua Gerência de Assistência, com a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, no sentido de construir um fluxo de trabalho que possibilite o aprimoramento do atendimento à saúde da população em situação de rua. No campo das políticas urbanas, a Prefeitura vem realizando um grande esforço buscando garantir a toda a população da cidade o livre acesso aos bens e espaços públicos, respeitando os princípios da dignidade humana e da não discriminação. Para assegurar o livre acesso de todos aos espaços públicos é necessário reconhecer a priori que cabe ao Estado a titularidade dos mesmos. Assim, compete ao Estado a regulamentação do seu uso, valendo-se da legislação e de seu poder ordenador, coibindo formas de apropriação particular ou desvirtuamento de sua finalidade pública. Para tanto, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte vem aprimorando seus instrumentos legais de regulação urbana, como é o caso do Código de Posturas. A vida nas ruas constitui uma forma grave de violação de direitos e decorre de uma condição perversa de ruptura de vínculos sociais e afetivos e de formas de autossustentação, cabendo ao Poder Público e também à sociedade criar formas para a superação desse quadro degradante. Nesse sentido, além de todas as ações já descritas, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da URBEL – Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte inseriu no Programa Bolsa Moradia, a população em situação de rua. O Programa Bolsa Moradia atende atualmente 297 famílias em situação de rua. Elas recebem um recurso destinado ao pagamento de aluguel, no valor de R$500,00 (quinhentos reais). Além do pagamento do benefício, a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, realiza o acompanhamento sociofamiliar em domicílio, por meio de visitas técnicas e plantões de suporte às famílias beneficiárias. Além disso, no sentido de contribuir para a reintegração social da população em situação de rua e possibilitar o seu acesso aos programas do Governo Federal, o Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) passou a considerar esse público como “população especial e prioritária” para efeito de inserção, no Programa Bolsa Família. Em Belo Horizonte, o cadastramento desse público no CAD Único é diferenciado e realizado pela Gerência de Coordenação e Transferência de Renda, da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, nas instituições de acolhimento (Albergue, Repúblicas e Abrigos) e no Centro de Referência da População em Situação de Rua, em articulação com o Serviço Especializado em Abordagem Social, sob a coordenação da Gerência de Proteção Especial da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Segundo dados da Gerência de Coordenação dos Programas de Transferência de Renda, da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, da Prefeitura de Belo Horizonte, 2439 (duas mil e quatrocentas e trinta e nove) pessoas em situação de rua estão inseridas no CAD Único, sendo que dessas, 1640 (mil seiscentas e quarenta) estão recebendo o benefício do Bolsa Família (Junho/2013). Ressalte-se que, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte vem buscando atender constantemente à demanda do público em situação de rua. O alcance social tem sido expressivo, mas todas essas ações não se esgotam em si mesmas. É importante destacar que a questão da população em situação de rua, presente nas grandes cidades, exige uma articulação e interação das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, mas também e principalmente, a participação, o envolvimento e o engajamento de toda a sociedade. Nesse contexto, um marco também relevante para o avanço da Política Municipal foi a realização, pela Prefeitura, no ano de 2010, do Workshop “População em Situação de Rua”. O Workshop foi estruturado em dois momentos, sendo uma etapa internas, envolvendo a participação de gestores e técnicos da PBH e uma etapa externa, envolvendo a participação de agentes externos, entidades, organizações não governamentais, a Polícia Militar de Minas Gerais, Ministério Público Estadual, Câmara dos Dirigentes Lojistas, Instituições de Ensino Superior, Igrejas, Pastoral de Rua, Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Fórum de População em Situação de Rua e, em especial os próprios protagonistas dessa política (pessoas em situação de rua de Belo Horizonte). O objetivo foi o de debater sobre a temática, elencar problemas relacionados a essa população específica, apontar respostas, construir soluções, estabelecer referências para maior interlocução e articulação entre as ações do Poder Público Municipal e as das entidades não governamentais. As discussões ocorridas durante o Workshop reiteraram o respeito aos direitos civis e sociais das pessoas em situação de rua como princípios orientadores da ação do Governo Municipal. Por ocasião da realização do Workshop em questão, a Procuradoria Geral do Município – PGM elaborou o Parecer Classificado nº 9594/2010, intitulado “Fundamentos e Limites da Atuação do Poder Público na Regulamentação dos Bens de Uso Comum do Povo, em Especial Referência no Problema da População em Situação de Rua”. Esse Parecer foi fundamental para pacificar o entendimento no que se refere ao tratamento a ser dado à questão, tanto do ponto de vista conceitual, como também no campo dos limites e possibilidades da atuação dos agentes públicos junto ao fenômeno, contribuindo para a superação de contradições presentes no âmbito do próprio Executivo Municipal. Além desse importante entendimento sobre as possibilidades e limites da atuação do Poder Público, o Workshop resultou na adesão da PBH à Política Nacional da População em Situação de Rua, que se traduziu, na realidade, na instituição de dois espaços de proposição, acompanhamento, monitoramento e avaliação das políticas voltadas para esse grupo populacional no âmbito do Município, a saber: Grupo Executivo Intersetorial sobre População em Situação de Rua, criado por meio do Decreto Municipal nº 14.098, de 25 de agosto de 2010, e o Comitê de Acompanhamento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua, instituído por meio do Decreto Municipal nº 14.146, de 07 de outubro de 2010. 4 Comitê de acompanhamento e assessoramento O Comitê de Acompanhamento e Assessoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua tem como finalidade acompanhar e assessorar o desenvolvimento da Política Municipal para população em situação de rua, propondo medidas que assegurem a articulação das políticas públicas e a participação das entidades da sociedade civil para o atendimento a esse grupo da população da cidade de Belo Horizonte. O Comitê é constituído paritariamente por 12 (doze) representantes do Poder Público Municipal dos seguintes órgãos: Secretarias de Governo, Políticas Sociais, Saúde, Educação, Segurança Urbana e Patrimonial, Secretariade Administração Regional Municipal Centro Sul (representando as nove Secretarias Regionais), Secretarias Adjuntas de Assistência Social, Segurança Alimentar e Nutricional, Direitos de Cidadania, Trabalho e Emprego, Fiscalização e Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL, além de 12 (doze) representantes da sociedade civil, sendo eles o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Comunidade Amigos da Rua, Fórum de População de Rua, Associação Aliança de Misericórdia, Grupo Espírita “O Consolador”, Associação Moradia para Todos, Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Igreja do Evangelho Quadrangular, Câmara de Diretores Lojsitas de Belo Horizonte e representantes das comissões de usuários do Centro de Referência da População de Rua e das Unidades de Acolhimento Insititucional. Além disso, envolve a participação do Ministério Público de Minas Gerais - MPMG, Defensoria Pública de Minas Gerais e Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG, na condição de convidados permanentes. O Comitê se reúne, ordinariamente, uma vez por mês, com pautas pré-definidas. Assim, todas as questões afetas à população em situação de rua do Município de Belo Horizonte são debatidas no âmbito desse importante espaço de proposição, acompanhamento, monitoramento e avaliação, conforme pactuação construída com os representantes da sociedade civil organizada. Ressalte-se ainda que, visando garantir a necessária articulação e integração das políticas públicas voltadas para esse segmento da população, a coordenação do Comitê se dá de forma compartilhada entre Secretaria Municipal de Governo (SMGO) e a Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS). Essa definição, que traz para o âmbito do Governo Municipal o debate em torno de políticas públicas voltadas para a população em situação de rua, evidencia o compromisso da administração pública municipal com o aprofundamento das discussões e o enfrentamento do fenômeno, além da compreensão em torno da necessidade de tratar o assunto dentro de uma lógica integrada e intersetorial, de forma a garantir uma melhor articulação das ações propostas e implementadas. No atual momento, o Comitê vem se organizando em Grupos de Trabalhos Temáticos, com o objetivo de aprofundar as discussões sobre temas que se relacionam de forma direta com o fenômeno em questão, visando qualificar as discussões do Comitê e tratar preventivamente as pautas a serem debatidas nas reuniões ordinárias. Os Grupos Temáticos são: Prevenção e Enfrentamento da Violência, Saúde da População em Situação de Rua, Segurança Alimentar e Nutricional, Reinserção Social pela via do Trabalho e Geração de Renda, Reinserção Social pela via da Educação, Formação de Agentes Públicos em Direitos Humanos e de Cidadania, Fortalecimento dos serviços e equipamentos socioassistenciais voltados para o atendimento à População em Situação de Rua e o grupo Política Habitacional. Os referidos Grupos de Trabalho desenvolveram seus Planos de Ação, os quais já se encontram em fase de execução. O conjunto das ações que estão sendo desenvolvidas tem favorecido sistematicamente a atuação do Poder Público Municipal junto à população em situação de rua, tendo sempre como princípios de sua ação o respeito à dignidade da pessoa humana, o atendimento humanizado e o direito à convivência comunitária, conforme preconizado pela Política Nacional. Tendo decorrido 33 meses da data de criação do Comitê (outubro/2010) foram realizadas 30 (trinta) reuniões (Julho/2013), sendo que, todas elas contaram com a participação dos representantes indicados pelas instâncias representativas, definidas pelo Decreto de criação. Em todas essas reuniões foram pautadas questões afetas à implantação, fortalecimento e aprimoramento das políticas públicas voltadas para a população em situação de rua. Os principais avanços/resultados qualitativos percebidos a partir da constituição do importante espaço de interlocução e proposição política do Comitê foram: ampliação dos canais de participação popular, fortalecimento dos elos entre Poder Público e sociedade, empoderamento/reconhecimento como “sujeitos de direitos” de segmentos sociais historicamente excluídos, maior articulação entre as esferas governamentais e maior articulação intersetorial no âmbito da gestão pública municipal. Além disso, a publicação da Edição Especial da Revista Pensar BH – Política Social – Vida nas Ruas (julho/2011), composta por artigos do próprio Comitê, se constituiu como um importante instrumento de sensibilização da sociedade acerca do fenômeno da população em situação de rua e também como um canal de interlocução com a comunidade acadêmica e troca de experiências entre gestores públicos. Em tal publicação está descrita a história do movimento de população em situação rua, que se organiza nacionalmente, os avanços e desafios no trato do fenômeno, visto agora como uma questão de direitos e de cidadania. Contudo, a maior conquista refere-se à importante construção de um espaço de debate, estudo, proposição e definição de políticas programas e ações governamentais, além de um melhor entendimento do fenômeno população em situação de rua em toda a sua complexidade. No que se refere às dificuldades encontradas destacam-se: a construção de relações confiabilidade mútua entre os diferentes atores participantes do Comitê e a superação dos conflitos e contradições presentes na sociedade, na opinião pública e no governo sobre o fenômeno da população em situação de rua. Essas dificuldades têm sido enfrentadas por meio de um processo compartilhado de definição de pautas, de metodologias e de encaminhamento das deliberações do Comitê. Além disso, o Comitê tem permitido uma coresponsabilização dos diferentes atores da sociedade. 5 Avanços da gestão coletiva: o caso da política de segurança alimentar nutricional Assegurar o direito constitucional à segurança alimentar e nutricional da população em situação de rua constituiu-se como a primeira pauta tratada pelo Comitê, em outubro/2010. Àquela época, vários representantes da sociedade civil chamavam atenção sobre a necessidade de construir mecanismos que pudessem garantir o acesso da população em situação de rua, de forma gratuita e regular a uma alimentação de qualidade e em quantidade suficientes, tendo como base práticas alimentares promotoras, conforme preconizado pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006). Assim, a proposta de atendimento gratuito às pessoas em situação de rua, nos quatro Restaurantes Populares da cidade (Rodoviária, Região Hospitalar, Barreiro e Venda Nova) foi debatida nas reuniões do Comitê, com forte participação dos representantes da sociedade civil, em especial do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. Foram definidos os critérios para o acesso e identificação dos usuários, com a publicação do Decreto Municipal nº 14.379, de 15 de abril de 2011, o qual dispõe sobre a gratuidade nos Restaurantes Populares de Belo Horizonte, de segunda à sexta-feira, mediante comprovante de cadastramento no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal (CAD Único – Formulário Suplementar 2 – População em Situação de Rua), disponibilizado nas Secretarias de Administração Regional Municipal e do documento de identidade oficial. Posteriormente, a Lei Municipal nº - 10.264/2011 reiterou o direito da população em situação de rua às refeições necessárias e adequadas, mediante o acesso regular, gratuito e permanente aos Restaurantes Populares. Os dados referentes ao número de refeições servidas nas 04 unidadesdos Restaurantes Populares da PBH (café da manhã, almoço e jantar) à população em situação de rua, no período compreendido entre abril/2011 a dezembro de 2012, indicam uma crescente oferta de alimentação disponibilizada a este público, considerando-se 1.694 refeições em abril/2011 e 12.291 refeições em abril/2012. Dados do ano de 2013 confirmaram a consolidação e a assertividade da política de segurança alimentar e nutricional voltada para a população em situação de rua, ao demonstrar o quantitativo de mais de 17.000 refeições ofertadas a esse segmento da população, no mês de Abril/2013. Dessa forma, foi possível garantir o direito constitucional à segurança alimentar e nutricional da população em situação de rua, com atendimento nos Restaurantes Populares, nos dias de semana. Contudo, o atendimento nos finais de semana e feriados ainda estava descoberto. Era preciso construir outras perspectivas de atendimento, uma vez que abrir os Restaurantes Populares nos finais de semana e feriados era inviável do ponto de vista dos princípios da razoabilidade e economicidade, pois se tratam de equipamentos robustos e que precisavam de um período de manutenção para a conservação de seus equipamentos. Ao mesmo tempo, evidenciava-se a necessidade de se estabelecer um diálogo com as várias entidades da sociedade civil que ofertavam alimentação às pessoas em situação de rua, eventualmente, nos locais de maior concentração do fenômeno (embaixo de viadutos localizados próximos à Rodoviária, região hospitalar, dentre outros), motivadas, na maioria das vezes, por razões de natureza religiosa/espiritual. Esse diálogo foi fundamental para que o Poder Público pudesse conhecer as possibilidades e os limites do trabalho desenvolvido por essas entidades. Identificou-se então que, tratava-se de um trabalho realizado por voluntários, de forma pontual e irregular. Além disso, tendo em vista os recursos escassos (oriundos na maioria das vezes de doações), a forma de armazenamento e distribuição da alimentação feita pelas entidades, demonstrava limites em relação às exigências da vigilância sanitária. Nesse processo de debate, a Prefeitura de Belo Horizonte sinalizou a perspectiva de apoio ao trabalho desenvolvido pelas entidades, propondo para tanto que a oferta da alimentação às pessoas em situação de rua acontecesse nas sedes dessas, por entender que comer na rua, em situação extremamente precária, em embalagens alternativas (caixas de leite, sacos, dentre outros) não era digno para ninguém. Assim, foram realizados dois Chamamentos Públicos, sendo um no ano de 2012 e outro em 2013, para o convênio com entidades interessadas em ofertar alimentação para a população em situação de rua, na sede da entidade, aos sábados, domingos e feriados. Para tanto, no processo de conveniamento com entidades, a Prefeitura de Belo Horizonte se comprometeu com o acompanhamento e orientação pela Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (SMASAN), o repasse de todos os gêneros alimentícios, material de limpeza e higiene, além do aporte de recurso financeiro para contratação de equipe de trabalho. O resultado do Chamamento Público nº 01/2013 habilitou a Associação Aliança de Misericórdia (que atua na região da Lagoinha) para serviços de produção e oferta de refeições em atendimento a moradores em situação de rua na sede da entidade, aos sábados, domingos e feriados. A Prefeitura de Belo Horizonte pretende realizar novos Chamamentos Públicos, com a intenção de credenciar pelo menos uma entidade para ofertar alimentação à população em situação de rua, em cada uma das nove regionais da cidade, aos sábados, domingos e feriados, assegurando assim, o direito à segurança alimentar e nutricional, consagrado na Constituição Federal Brasileira. 6 Conclusão A maior conquista percebida a partir das estruturas institucionais criadas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte refere-se à construção de importantes espaços de debate, estudo, proposição e definição de políticas, programas e ações governamentais, dentro de uma lógica participativa e intersetorial. Se por um lado esse processo representa um grande avanço no sentido do empoderamento e reconhecimento das pessoas em situação de rua como sujeitos de direitos, por outro lado coloca uma série de desafios que envolvem o aprimoramento dos processos de gestão pública no Brasil. A experiência de Belo Horizonte pode ser, nesse aspecto, orientadora de um caminho inovador a ser construído no campo das políticas sociais. 7 Referências COSTA, Ana Paula Motta. População em situação de rua: contextualização e caracterização. Revista Virtual Textos & Contextos, nº4, Ano IV, dez.2005. SIMÕES JUNIOR, José Geraldo. Moradores de rua. São Paulo:Polis, 1992. MATTOS, Ricardo Mendes; FERREIRA, Ricardo Franklin. Quem vocês pensam que (elas) são? Representações sobre as pessoas em situação de rua. “Revista Psicologia & Sociedade”. Volume 16, nº 2. p. 47-58, maio-agosto/2004. BOTTI, Nadja Cristiane Lappann et.ali. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental. Volume 1. Nº2. Outubro/Dezembro de 2009. ALCOCK, Peter. Understanding Poverty (2.ed). London. MacMillian, 1997. BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua, Maio, 2008. BRASIL. 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