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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIOLOGIA E HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE E DA EDUCAÇÃO ESCOLAR A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INCLUSÃO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PRODUZIDOS POR ALUNOS E PROFESSORES NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA DO SISTEMA REGULAR DE ENSINO A PARTIR DA INCLUSÃO DE ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS. MARISA APARECIDA DOMINGOS BELO HORIZONTE 2005 MARISA APARECIDA DOMINGOS A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INCLUSÃO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PRODUZIDOS POR ALUNOS E PROFESSORES NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA DO SISTEMA REGULAR DE ENSINO A PARTIR DA INCLUSÃO DE ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação do Instituto de Ciências Humanas do Departamento de Educação do Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Doutora Sandra de Fátima Tosta Pereira BELO HORIZONTE 2005 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Domingos, Marisa Aparecida D671e A escola como espaço de inclusão: sentidos e significados produzidos por alunos e professores no cotidiano de uma escola do sistema regular de ensino a partir da inclusão de alunos portadores de necessidades educacionais especiais / Marisa Aparecida Domingos. – Belo Horizonte, 2005. 372f. : il. Orientadora: Profª. Drª. Sandra de Fátima Pereira Tosta. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Bibliografia. 1. Educação - Brasil - Estudo de casos. 2. Educação inclusiva. 3. Multiculturalismo. 4. Educação especial. 5. Atividades cotidianas. 6. Políticas públicas. I. Tosta, Sandra de Fátima Pereira. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós - Graduação em Educação. III. Título. CDU: 37(81) Bibliotecária : Maria Auxiliadora de Castilho Oliveira – CRB 6/641 MARISA APARECIDA DOMINGOS A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INCLUSÃO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PRODUZIDOS POR ALUNOS E PROFESSORES NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA DO SISTEMA REGULAR DE ENSINO A PARTIR DA INCLUSÃO DE ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS. Dissertação defendida e aprovada, em 26 de outubro de 2005, pela Banca Examinadora Constituída pelas professoras: ___________________________________________________________ Profª Doutora Sandra de Fátima Tosta Pereira (Orientadora) – PUC MINAS __________________________________________________________ Profª Doutora Anna Maria Salgueiro Caldeira – PUC MINAS __________________________________________________________ Profª Doutora Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira – PUC MINAS À minha família, às minhas amigas e aos meus amigos pelo incentivo e carinho. AGRADECIMENTOS Muitos deram sua contribuição ao conteúdo desta dissertação. Alguns fizeram por sua boa vontade em escutar o que me inquietava e o que ocupava a minha mente, assim encorajaram-me a projetá-los para o exterior. Outros me ajudaram fazendo perguntas e dando sugestões. Outros ainda, com suas críticas ácidas, causaram-me desejo de registrar meus pensamentos e questionamentos para ser capaz de analisar e interpretar com maior propriedade essas indagações. O que produzi são projeções do que aprendi com os outros e através da minha própria trajetória de vida. Aprendi tanto de tantos que é impossível nomeá-los aqui e distinguir minha gratidão para com alguns e não para com outros seria injusto. Mas posso expressar meu reconhecimento pelo menos àqueles que me ajudaram diretamente na execução desta pesquisa. Sou grata às instituições que possibilitaram este estudo, notadamente a PUC MINAS que me forneceu as condições materiais necessárias para edificá-lo e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais pelo apoio financeiro na realização do Mestrado. Aos meus pais e irmãos pela grande luz e por estarem próximos em todos os momentos de minha vida, enfrentando e compartilhando junto comigo as dificuldades e alegrias. Aos amigos e amigas um agradecimento especial e carinhoso pelo incentivo e acolhimento nos muitos momentos de desânimo e cansaço. Aos professores e colegas de Mestrado que discutiram comigo estas e outras idéias, gente igualmente generosa e envolvida pelo encantamento da pesquisa a respeito da vida na Escola. Não posso, também, deixar de mencionar o auxílio, apoio, estímulo da Profª. Sandra que me emprestou muito de sua competência e zelo acadêmico, assim como de sua amizade para que eu pudesse levantar de meus tropeços. Foi a sua amável insistência e grande consideração por meus sentimentos que venceram minhas hesitações e me deram coragem para prosseguir. Ela soube me ouvir em situações de perplexidade e apontar saídas. O seu firme julgamento, cuidado e profundidade com que pensa sempre a realidade educacional brasileira, a sua extraordinária integridade e orientação fundada numa ética colaborativa, tornaram menos dramática minha eterna e necessária condição de incompletude e insuficiência. Minha gratidão a você professora Sandra que compôs comigo estas reflexões formativas, em tudo e por tudo essenciais, a considero parceira nos caminhos aqui percorridos e na mobilização de outras caminhadas. Por fim, agradeço aos professores e alunos da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto” pelos novos ângulos e vertentes que trouxeram a cada contato, dos quais falo com emoção e saudades. A todos vocês, meu muito obrigada. “O outro que fala e pensa, meu objeto, portanto, não fala e pensa como eu. Se não, não seria meu objeto. Mas devo falar e pensar como ele, pois eu digo e penso alguma coisa, na verdade, daquilo que lê diz e pensa. Se não, não seria o meu objeto, nem o seu, nem o de ninguém. Sem este jogo de diferença e de identificação não teria ciência sobre aquilo que quero conhecer.” (Marie-Jeanne Borel) RESUMO A presente dissertação de Mestrado em Educação teve como objetivo conhecer, analisar e interpretar sentidos e significados produzidos por sujeitos no cotidiano de uma escola regular que conta com alunos com necessidades educacionais especiais. O estudo foi realizado junto ao Mestrado em Educação da PUC Minas, com apoio financeiro do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, tendo o seu início em marçode 2003. A metodologia de cunho qualitativo e se configurou, em sua totalidade, como um estudo de caso realizado na Escola “Professor Wilson Lopes do Couto”, Bom Despacho, Minas Gerais, para investigar, descrever e analisar desafios, polaridades, discursos, ações, sentidos e significados que permeiam a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no cotidiano da escola do Sistema Regular de Ensino. Teve como eixo teórico o debate sobre as diferenças culturais na sociedade e na escola, inclusão escolar e cidadania, presentes na LDBEN/96, nos PCN’s e na concepção de aprendizagem como experiência relacional. Palavras-Chave: Educação, inclusão escolar, diferença cultural e cotidiano escolar. ABSTRAT The present dissertation of Mastering Education to know, anlyze and interpret the meanings and significances produced by individuals in the everyday life of a regular school that takes students with special educacional needs. The study was done in conjunction with the Mastering in education of PUC Minas, with the finacial support of Minas Gerais State Court of Law, having started in March, 2003. The methodology of qualitative feature took place as a study of case carried out at Professor Wilson Lopes do Couto School, Bom Despacho, Minas Gerais, to investigate, describe and analyze challenges, polarities, speeches, actions, meanings and significances that permeate the inclusion of students with special educacional needs in the everyday life of a school belonging to be Regular System fo Teaching. Its theoretical axis was the debate about the cultural differences in the society as well as the school, school inclusion and citzenthip, mentioned in the LDBEN/96, the PCN’s and in the conception of learning as relational experience. Key words: Teaching, school inclusion, Cultural difference and school everyday. LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Evolução da Matrícula de Alunos com Necessidades Especiais por Tipo de Deficiência ............................................................................................................95 QUADRO 2 Matrícula em 2005 e 2004, segundo etapas/modalidades da educação básica ........................................................................................................................97 QUADRO 3 Trajetórias dos Alunos da APAE de Bom Despacho/MG no Sistema Regular de Ensino – 2004 .......................................................................................123 QUADRO 4 Matrícula dos Alunos do 1º ano do Ciclo Intermediário da APAE – BD.............................................................................................................................139 QUADRO 5 Distribuição dos Alunos (série/turno) – 2004........................................151 QUADRO 6: Funcionários Da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto” - 2004 ..................................................................................................................................153 QUADRO 7: Distribuição dos Professores (Conteúdo Curricular/Atuação/Habilitação)................................................................................154 QUADRO 8: Distribuição dos Professores por Nível de Formação – 2004..........................................................................................................................155 QUADRO 9: Matrícula efetiva do Ensino Fundamental por Série e Turno, Segundo o Ano de Nascimento. – 2004.....................................................................................160 LISTA DE TABELAS TABELA 1: Resultado Final do Censo Escolar 2004 ..............................................108 TABELA 2: População Ocupada Por Setores Econômicos......................................109 TABELA 3: Resultado Final do Censo Escolar 2004...............................................110 TABELA 4:Níveis de Ensino da Escola Estadual “Paulo Campos Guimarães”.......119 TABELA 5: Matrícula Efetiva do Ensino Fundamental Por Série e Turno Segundo Ano de Nascimento .................................................................................................161 LISTA DE MAPAS MAPA 1 Mapa Rodoviário – vias de acesso à Bom Despacho (MG) ......................101 MAPA 2 Mapa de Bom Despacho (MG) .................................................................... MAPA 3 Mapa da Localização da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto” no Bairro de Fátima.......................................................................................................136 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Despacho (MG) ........................100 FIGURA 2: Festa de Congado em Bom Despacho (MG).........................................102 FIGURA 3: Capelinha da Rua Cruz do Monte - Bom Despacho (MG) ....................104 FIGURA 4: Imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho (MG) ..........................106 FIGURA 5: Imagem de Nossa Senhora do Bom Despacho (MG) ..........................106 FIGURA 6: Oficinas Ocupacionais e Pedagógicas do CEAC .................................113 FIGURA 7: Entrada Principal da APAE DE Bom Despacho....................................117 FIGURA 8: Sala de Recursos da APAE de Bom Despacho (MG) ..........................122 FIGURA 9:Fachada Principal da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................128 FIGURA 10: Entrada Principal da Siderúrgica São José ........................................134 FIGURA 11: Igreja Nossa Senhora de Fátima. .......................................................135 FIGURA 12: Vista Parcial do Campo do FAMORINE .............................................136 FIGURA 13: Localização da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto” no Bairro de Fátima.......................................................................................................137 FIGURA 14: Entrada Principal da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................138 FIGURA 15: Secretaria da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................143 FIGURA 16: Vista Parcial do Pátio central da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes ..................................................................................................................................144 FIGURA 17: Pavilhão II da Escola Estadual “Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................146 FIGURA 18: Pátio Interno Central da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................149 FIGURA 18: Quadra de Esportes da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”.......................................................................................................................150 FIGURA 19: Pátio Interno da Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”........164 FIGURA 20: Momento do Recreio - fila na cantina..................................................172 FIGURA 21: Momento do Recreio – Pátio Central..................................................174 LISTA DE ABREVIATURAS Coord. – Coordenador Ed. - Editora Ex. - Exemplo Prof.– Professor p. - página Org. – Organizador LISTA DE SIGLAS AAMR - Associação Americana de Deficiência Mental AD – Análise do Discurso ADNPM – Atraso Neuropsicomotor APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais ANSI - American National Standards Institute AVC - Acidente Vascular Cerebral CADEME – Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais FHEMIG – Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais CEAC – Centro Educacional “Antônio Carlos” CENESP – Centro Nacional de Educação Especial CESB – Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro CORDE – Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência DEE - Delegacia de Ensino Especial DSM – Disgnostic and Statistical of Manual DUDH - Declaração Universal dos Direitos do Homem FEBEM – Fundação do Bem Estar do Menor FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério GU – Gramática Universal IBC - Instituto Benjamim Constant IEC – Instituto de Educação Continuada da PUC Minas 15 INDI - Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais INEP/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos LBA – Legião Brasileira de Assistência LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LEPED - Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade MEC – Ministério de Educação NASM/BD – Núcleo de Atenção à Saúde Mental de Bom Despacho OMS – Organização Mundial da Saúde ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PC – Paralisia Cerebral PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais PDE – Plano de Desenvolvimento PPPE – Projeto Político Pedagógico da Escola PPD - Pessoa Portadora de Deficiência PROEB - Programa de Avaliação de Rede Pública de Educação Básica PUC MINAS – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais QI – Quociente de Inteligência SEDESE - Secretaria de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais SEE/MG – Secretaria de Estado de Educação - MG SEESP - Secretaria de Educação Especial SIMAVE - Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública SUS - Sistema Único de Saúde UNIPAC - Universidade “Presidente Antonio Carlos” SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...............................................................................19 2. EDUCAÇÃO ESPECIAL NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA...........................................................................................45 3. CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA.............................................................................................63 3.1. EDUCAÇÃO INCLUSIVA COMO CIDADANIA..............................................63 3.2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA......................................................................................... 70 4. A DEFICIÊNCIA COMO DIFERENÇA .........................................77 4.1. EDUCAÇÃO ESPECIAL E DEFICIÊNCIA.........................................................77 4.2.IGUALDADE, DIFERENÇA E DIVERDIDADE: CONTROVÉRSIAS NO UNIVERSO DA INCLUSÃO ESCOLAR....................................................................87 5. OS OLHARES DA PESQUISA: A CIDADE E O BAIRRO...........99 5.1.BOM DESPACHO: HISTÓRIAS, CONTOS E LENDAS.....................................99 5.2.1. DE SENHORA DO SOL A BOM DESPACHO..............................................101 5.3.”NUM TEMPO E NUM LUGAR”.......................................................................107 5.4. A EDUCAÇÃO ESPECIAL E O ESPECIAL DA EDUCAÇÃO EM BOM DESPACHO.............................................................................................................111 6. OS LUGARES DA PESQUISA: A ESCOLA...............................127 6.1.OLHANDO, OUVINDO E ESCREVENDO SOBRE O COTIDIANO NA ESCOLA ESTADUAL “PROF. WILSON LOPES DO COUTO”.............................................127 6.1. NA HISTÓRIA DO BAIRRO, A HISTÓRIA DA ESCOLA................................132 6.2. ADENTRANDO NO CAMPO DE PESQUISA...................................................138 7. NO COTIDIANO ESCOLAR, DEFICIÊNCIA, DIFERENÇA E INCLUSÃO ESCOLAR................................................................................................................159 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................181 17 REFERÊNCIAS........................................................................................................186 ANEXOS..................................................................................................................194 19 1. INTRODUÇÃO “Traga dúvidas e incertezas, doses de ansiedade, construa e desconstrua hipóteses, pois aí reside a base do pensamento científico do novo século. Um século cansado de verdades, mas sedento de caminhos.” (Cláudia Werneck) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº. 9394/96) estabeleceu, entre outros princípios, a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola" e recomendou que a educação para "educando com necessidades especiais” ocorra, preferencialmente, na rede regular de ensino. Além da questão normativa, têm-se presenciado, em nossa sociedade, ao longo das últimas décadas, rápidas e intensas transformações com importantes mudanças no interior desta. Uma delas é o quanto se tem discutido a respeito de exclusão social, configura-se por exclusão social toda situação ou condição social de carência, dificuldade de acesso, segregação, discriminação, vulnerabilidade e precariedade em qualquer âmbito. Segundo Mantoan (2003), a temática da inclusão escolar vem rendendo, tanto no meio acadêmico quanto na própria sociedade, novas e acaloradas discussões. Nos debates a respeito da inclusão escolar, revelam-se dados que ganham ainda mais importância neste momento de afirmação das práticas e teorias que a fundamentam. Falar desta nova realidade para pessoas com necessidades educacionais especiais significa entender que seu desenvolvimento e socialização podem ser bastante satisfatórios, quando os mesmos passam a ser vistos como indivíduos capazes de fazer parte de um mundo constituído para habilidosos e competentes. Mesmo que a história da educação das pessoas com necessidades 20 educacionais especiais apresente desdobramentos na história de nossa sociedade carregados de seus movimentos e contradições. Na estruturação da educação brasileira, o discurso científico, as idéias de modernização e racionalização estão presentes desde os primórdios da educação especial também. A crença nas “potencialidades inatas” vai fundamentar um pensamento meritocrático, presente em nossa história passada e também na organização da sociedade atual. A evolução dos serviços de educação especial caminhou de uma fase inicial, eminentemente assistencial, visando apenas o bem- estar da pessoa com deficiência, para uma segunda, em que foram priorizados os aspectos médicos e psicológicos, chegando às instituições de educação escolar e provocando a integração da educação especial no sistema geral de ensino. Atualmente, tal processo depara-se com a proposta de inclusão escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais nas salas de aula do ensino regular. Tais fatos têm modificado o significado da educação especial e alterado o sentido dessa modalidade de ensino. Como esta pesquisa vai mostrar, há muitos educadores, pais e profissionais interessados que a confundem como uma forma deassistência prestada por abnegados a crianças, jovens e adultos com deficiência. E mesmo quando concebida adequadamente segundo Mantoan (2003), a educação especial no Brasil tem sido entendida como um conjunto de métodos, técnicas e recursos especiais de ensino e de formas de atendimento que se destinam os alunos que não conseguem atender às expectativas e exigências da educação regular. A inclusão escolar se contrapõe à exclusão escolar e tem representado o espaço comum daqueles que se dedicam à de pessoas com necessidades educacionais especiais, aparece no centro de todas as discussões acerca da 21 significação de ser deficiente. Visto que, os termos e expressões empregados pela educação especial para designar tais pessoas, comumente tem gerado inúmeras ambigüidades e distorções no entendimento e na aplicação de seus significados. O critério no emprego do referido termo não configuram preciosismo lingüístico, mas uma necessidade que se impõe para a remoção de barreiras atitudinais, decorrentes de juízos equivocados sobre a capacidade das pessoas com necessidades educacionais especiais e o respeito às diferenças. Trabalhar esta questão é um desafio para o nosso tempo. A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no dia-a-dia das escolas do sistema regular de ensino e da classe comum provoca indagações no âmbito da educação geral: Qual o impacto deste processo no cotidiano escolar? Qual a relação entre inclusão e diferença cultural? Será que a inclusão escolar não se constitui como um elemento a mais para manter posturas de discriminação na escola? Como são postas em jogo as identidades e diferenças no espaço da escola? Dar conta dessas questões pode ser uma maneira nova da gente se ver, ver os outros e ver a Educação, de aprender a conviver com as diferenças, com as mudanças, com o que se está além das imagens; uma maneira de apostar no outro. De trilhar um caminho que é sem imagem, porque “caminhante, não há caminho, o caminho se faz com o caminhar.” (MORIN, 2000). 22 CAMINHOS, ENCONTROS E DESCOBERTAS É difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina: mas se responder não pude a pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva; vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica. (João Cabral de Melo Neto) A trajetória da educação especial em minha vida não se diferencia muito daquela experimentada pela grande maioria das pessoas com quem convivi no meio acadêmico. Chamava-me a atenção, desde o antigo primário, as salas de aula que eram nomeadas como as salas dos alunos que não aprendiam.1. Desde minha infância convivi com parentes e amigos portadores de deficiência que, diferente da lógica da escola que os condenavam ao lugar de incapazes, insistiam em comprovar o contrário no cotidiano. Na prática, a escola se transformou para muitos desses em uma instituição onde sentimentos de esperança e de frustração vivem lado a lado. A partir dessa constatação, a questão da educação dos portadores de deficiência passou a ser um empenho na minha vida. Como se dá a educação de quem, supostamente, não aprende? Percebi na minha vida acadêmica que, o que o perturba não são as coisas, mas suas opiniões sobre as coisas. Acredito que existe uma diversidade na maneira de encarar a relação do homem com a realidade, pois na verdade, cada apreciação revela um aspecto, projeta uma face, deforma de um jeito, o que insinua crenças, delineia pontos de vista, revela intenção. 1 Isso porque, na cidade de Bom Despacho, na década de 70, os alunos que apresentassem diagnóstico de atraso significativo no processo de aprendizagem tinham como certa a colocação nas classes especiais na escola regular. Essas classes ficavam discretamente localizadas nas salas nos fundos dos corredores das escolas. Maior aprofundamento, sobre as Classes Especiais em Bom Despacho, será dado no Capítulo 4, no tópico A EDUCAÇÃO ESPECIAL E O ESPECIAL DA EDUCAÇÃO EM BOM DESPACHO, p. 111 e seguintes. 23 Ingressei em 1987 no curso de Psicologia da PUC MINAS acreditando que poderia encontrar respostas para esta questão. Imaginava que, entendendo o funcionamento psíquico do ser humano e o seu processo de desenvolvimento, poderia encontrar respostas para tais questionamentos. A preocupação com a temática da educação dos que apresenta necessidades educacionais especiais sempre me marcou, desde o tempo de estudante. Ao refletir sobre a minha formação acadêmica, constato que nos meus primeiros trabalhos, de maneira singular e crucial, a questão da inclusão escolar sempre estava presente, tendo em vista que, inclusão escolar não é apenas acesso ao ensino regular. Julgo que, por ter na família pessoas portadoras de deficiência, ao buscar estágio no 3º Período de Psicologia, em 1988, a minha preferência recaiu sobre crianças com significativo atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM), da Creche São Geraldo, no Alto Vera Cruz, Bairro de Belo Horizonte. No 4º período fui convidada a trabalhar em atendimento psicopedagógico com crianças e adolescentes que estudavam em escolas do ensino regular e apresentavam necessidades educacionais especiais, nas antigas clínicas da Legião Brasileira de Assistência (LBA). No ano de 1989 realizei estágio na educação infantil, em escola de ensino regular, fazendo acompanhamento psicopedagógico de uma criança portadora de deficiência visual. O contato com os profissionais do Instituto Hilton Rocha possibilitou a abertura de novos caminhos para lidar com a questão: deficiência e processo de ensino-aprendizagem. Mazzota (1996) afirma que a educação tem como princípio fundamental a capacidade do ser humano, que é ilimitada quanto a qualquer tentativa de previsão. Nesse sentido, é impossível antecipar e indicar com precisão as possibilidades de cada um. Entendo que os educadores que vivenciam a educação dos alunos 24 portadores de deficiências sabem que as necessidades educacionais especiais são específicas para cada aluno e que cabem à escola intervenções capazes de lhes proporcionar o acesso ao conhecimento. Importante ressaltar que nem toda pessoa com deficiência apresenta necessidades educacionais especiais. A preocupação com esse tema e o meu envolvimento com a questão foi se configurando de tal modo que terminei nela me concentrando. Em 1990, em estágios na disciplina de Psicologia Escolar - Problemas da Aprendizagem e de Psicopatologia Geral 2 colocaram-me a frente com as formas de exclusão mais degradantes que, até então, testemunhei. Foi nesses estágios que percebi na “pele” minha opção pela educação das pessoas com necessidades educacionais especiais, como atividade profissional. Sempre com a preocupação de buscar o máximo de eficácia nos projetos desenvolvidos nos estágios, havia alguns aspectos que me incomodavam sobremaneira, a saber: a impossibilidade de oferecer atendimento à grande quantidade de portadores de deficiência que nos procuravam; a dificuldade para encaminharmos os casos não elegíveis, principalmente os “multi-deficientes” carentes, frente à carência de instituições especializadas naquela época, especialmente nos locais mais distantes e pobres; as dificuldades dos pais em lidarem com seus sentimentos e enfrentarem a sociedade com seu filho “diferente”; a segregação que impúnhamos à população atendida por não conseguir lidar de maneira contundente com as barreiras à participação criadas pela sociedade e as suas instituições.2 O estágio da disciplina de Psicologia Escolar - Problemas da Aprendizagem foi realizado no Centro Educacional “Paulo Campos Guimarães”, extinta Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), na região do Barreiro de Cima, em Belo Horizonte. E os estágios de Psicopatologia Geral foram feitos no Hospital Psiquiátrico Raul Soares (no Bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte) e no Hospital Espírita André Luiz (no Bairro Salgado Filho, região oeste de Belo Horizonte), 25 A partir de todas essas vivências, compreendi que a modificação da realidade socialmente construída pelos homens só pode se efetivar a partir de uma visão crítica. Oliveira (2004a) considera que numa política de atendimento ao deficiente faz-se necessário desvelar os reais papéis que a educação especial tem cumprido em nossa sociedade: muitas vezes tem servido mais para a manutenção da população deficiente no âmbito do assistencialismo, sendo esse entendido como a antítese do direito ao exercício da cidadania. No ano de 1994 comecei a trabalhar na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE-BD) de Bom Despacho, que abriga a escola de ensino especial “Paulo Campos Guimarães”. Fundada no ano de 1982, caracteriza-se por ser uma entidade filantrópica que atende portadores de deficiência do município, incluindo a zona rural, com a finalidade de oferecer-lhes “recursos básicos para seu desenvolvimento global, integração educacional e social”. Desde a sua fundação, em 1982, a APAE-BD vem demonstrando crescimento, buscando libertar-se do caráter clínico-patológico da deficiência. Na vivência do cotidiano da APAE-BD, no período de 1994 a 2001, foi possível juntamente com a equipe de profissionais e a comunidade escolar, desenvolver projetos baseados no princípio democrático da educação para todos, que se evidencia nos sistemas educacionais que se especializam em todos os alunos, não apenas em alguns deles, os alunos com deficiência. Constatei que a inclusão escolar como conseqüência de uma educação de qualidade para todos os alunos, provoca e exige da escola novos posicionamentos e é um motivo a mais para que o ensino se modernize e para que políticas públicas educacionais atuem em consonância com a idéia de que a inclusão escolar é uma 26 proposta que implica no esforço de atualização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas de nível básico. No ano de 1995, após denúncias nos meios de comunicação sobre a situação absurda constatada no Centro Educacional “Antônio Carlos” (CEAC) em Bom Despacho3, de desrespeito à pessoa humana, foi proposto um projeto de trabalho que não se detivesse na deficiência em si, mas sim nas possibilidades e capacidades de aprendizagem que a população apresentava. Fui convidada, em 1996, compor a equipe de profissionais responsáveis pela elaboração e execução desse novo projeto. Na realidade encontramos um lugar de indivíduos segregados onde cada interno foi submetido a um longo e agressivo período de estadia, inclusive em decorrência de toda a conhecida precariedade que o Estado lida com esse tipo de entidade. Foram elaboradas propostas que procuraram viabilizar meios de ampliação dos contatos sociais de cada interno, proporcionando a inserção do educando na comunidade e na sua família, quando possível, e no mercado de trabalho; ainda intervenções de ordem educacional, respeitando as individualidades. Envolvi-me profundamente pelo clima de conquista de direitos dos portadores de deficiência aos projetos desenvolvidos nessas duas instituições, APAE e CEAC, pois apontavam para a proposta desafiadora da inclusão escolar e social, objetivando proporcionar aos seus alunos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades, auto-realização, preparação para o trabalho e inclusão na sociedade em que vivem e convivem. Observava, porém que, apesar de todos os esforços, a oferta de educação especial parecia responder mais 3 O CEAC abrigava nesse período uma população estritamente masculina, portadores de deficiências, em regime de abrigo, de faixa etária entre 22 a 54 anos e estava vinculada à Secretaria de Estado do Trabalho Ação Social da Criança e do Adolescente de Minas Gerais – SETASCAD. Maiores detalhes ver Capítulo 4, p.106 e seguintes. 27 ao processo de marginalidade do que à oferta de oportunidades educacionais. A partir daí percebi que era necessário buscar estudos que favorecessem práticas que produzissem maiores e melhores efeitos. Em 1999, fiz o curso de Pós – Graduação em Psicopedagogia com ênfase na educação especial, no Instituto de Educação Continuada da PUC Minas (IEC). Como herança desta especialização restou uma forte preocupação com as políticas públicas de educação inclusiva de Bom Despacho. Comecei a analisar tais políticas e, mais uma vez, via confirmadas algumas de minhas suspeitas: o município não vinha respondendo ao princípio fundamental de acesso aos bens e serviços sociais. Se considerarmos o acesso ao conhecimento básico, os resultados deixavam a desejar, porque a maioria dos portadores de deficiência não havia ultrapassado os níveis iniciais de escolaridade e um número irrisório de deficientes estava incorporado ao ensino regular com resultados desastrosos. Em 2001 iniciei, também, um trabalho junto com a equipe do Núcleo de Atenção à Saúde Mental de Bom Despacho (NASM/BD) e priorizei na minha proposta de trabalho o atendimento de crianças e adolescentes com transtorno mental4, principalmente os que apresentavam dificuldades de permanência nas instituições educacionais. No NASM/BD, a conquista por uma compreensão mais abrangente do atendimento às pessoas com necessidades educacionais especiais levou-me a apoiar todos os projetos desenvolvidos pela equipe na lógica da inclusão, buscando ampliar os limites da tolerância social para com a deficiência e a doença mental que, vistas como desvantagem, torna o outro ainda mais desigual, inferior. 4 Segundo Ey (1981), o termo transtorno mental ou “doença mental” engloba um amplo espectro de condições que afetam a mente. Transtorno mental provoca sintomas tais como: desconforto emocional, distúrbio de conduta e enfraquecimento da memória. Algumas vezes, doenças em outras partes do corpo afetam a mente; outras vezes, a mente pode desencadear outras doenças do corpo ou produzir sintomas somáticos. 28 O trabalho nesse Núcleo proporcionou-me a abertura para a seguinte reflexão: sendo o homem um animal que tem sua existência na sociedade, os movimentos para afastá-lo dessa sociedade provocam e aumentam seu sofrimento, visto que ele não existe fora dela. Condenar alguém a estar fora da convivência com os outros não pode significar tratamento. A isso se chama: violência, intolerância, discriminação e exclusão. O que se espera diante de situações como essas, creio eu, é que sejamos infinitamente convocados e reconvocados a negociar e afirmar a manutenção da presença do homem na vida social e o princípio de que a diferença é o que nos torna radicalmente iguais. Em 2002, ao fazer as disciplinas isoladas de Políticas Públicas Educacionais e Filosofia da Educação, no programa de Mestrado em Educação da PUC MINAS, decidi buscar esse Programa para melhor investigar, analisar, compreender e contribuir para ampliar o entendimento de construção das políticas públicas de educação inclusiva de pessoas com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino. NO MESTRADO Quando falamos de Gabriela, tenho muito a dizer. Não propriamente sobre Gabriela, mas em torno. (JORGE AMADO) Ingresseino Mestrado em Educação da PUC Minas em 2003 e depois de um longo percurso por caminhos teóricos o objeto de pesquisa foi sendo construído e decidi, na linha de pesquisa “Educação, Cotidiano e Diferença Cultural”, analisar a produção de sentidos e significados produzidos no cotidiano de uma escola da rede 29 estadual regular de ensino na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais, procedentes de ações educativas inclusivas que têm como eixo o convívio com alunos com necessidades educacionais especiais e a educação que aconteça no contato entre seres humanos que se apóiem mutuamente como aprendizes ativos, dinâmicos e recíprocos. Sem deixar de lado o necessário aprofundamento na compreensão das políticas públicas educacionais voltadas à inclusão escolar, percebi que era da mesma forma importante ultrapassar esse entendimento e me aproximar concretamente de como a proposta da inclusão acontecia na escola. Em uma escola, pelo menos. Por quê? Por intuir que os alunos com deficiência no cotidiano escolar poderiam estar sendo tratados desigualmente no sentido da elaboração de representações sobre o outro, com o risco de produzir sentimentos de rejeição e discriminação entre as pessoas que significassem a deficiência como inferioridades em relação à superioridade de um outro não deficiente. Em síntese, algumas questões deveriam ser respondidas: processos de inclusão escolar como os exigidos nos documentos normativos, quando vistos lá onde as leis devem ser corretamente interpretadas e orientar ações e representações, estavam efetivamente possibilitando processos sociais e culturais de inclusão? Inclusão pensada como o entendimento da diferença (física e mental) como traços biológicos que, na interação com o aprendizado cultural e vice-versa, são partes da natureza humana. Portanto, como expressões que deveriam ensejar a comunicação e a convivência e não o estranhamento e o isolamento. Ou, paradoxalmente, experimentar a convivência com o deficiente, não estaria 30 traduzindo a deficiência em diferença que impede a convivência entre iguais seres humanos? CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA Revendo a evolução histórica do atendimento educacional à pessoa com deficiência constato que a área denominada de educação especial expandiu-se no Brasil com a criação de entidades filantrópicas assistenciais e especializadas destinadas à população das classes menos favorecidas. Hoje, ao contrário, buscar uma sociedade e uma escola inclusivas é lutar, antes de tudo, por uma sociedade isenta de preconceitos de qualquer ordem. A questão da exclusão/inclusão social tem sido debatida com freqüência, tanto no campo da educação, como em outros relativos às ciências sociais. Nesses debates a escola é vista como uma das instituições que poderia quebrar com muitos tabus, mas, ao contrário, ela tem sido permeada de preconceitos e juízos prévios sobre os alunos e suas famílias. Nessa perspectiva, soma-se à minha preocupação, neste estudo, entender como no cotidiano escolar, a individualidade e a personalidade das pessoas são ou não respeitadas e levadas em conta. Sabe-se que a vida cotidiana é heterogênea e hierárquica, e o homem já nasce inserido em sua cotidianidade. Com o amadurecimento, ele adquire todas as habilidades para a vida cotidiana da sociedade. Esse amadurecimento começa sempre nos grupos. Mas, muitas vezes, a pessoa com necessidades educacionais 31 especiais é privada deste convívio em grupos, sendo segregada, excluída da sociedade por causa das suas diferentes limitações. Heller (1970, p. 20) enfatiza que a vida cotidiana está no centro do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância social. E o indivíduo é sempre um ser particular e genérico, simultaneamente, não se devendo esquecer disso no cotidiano escolar. A história recente da pesquisa educacional no Brasil, segundo Patto (1999), tende a se configurar no abandono da quantificação em nome de procedimentos não-estatísticos e qualitativos de coleta e análise de dados, apesar de não ser garantia não-positivista da metodologia5. A adoção aos métodos da Antropologia tem sido um dos recursos mais freqüentes dos estudos do/no cotidiano. No referencial da sociologia da vida cotidiana, segundo Caldeira (20036, elaborada por Heller (1970), a análise da realidade investigada vai além da mera descrição da rotina das práticas sociais, em geral, e das relações interpessoais, em particular, mas Trata-se de uma investigação ampla, que focaliza aspectos da vida social menosprezados pelos filósofos ou arbitrariamente separados pelas ciências sociais (PATTO, 1999, p.181), na qual estes aspectos são agrupados, não arbitrariamente, mas segundo uma teoria e conceitos determinados. Ao afirmar a intenção de analisar aspectos desta parte da vida social, a cotidianidade da escola, de acordo com a etnografia, recusa-se a possibilidade de separação entre descrição e interpretação, uma vez que, o trabalho etnográfico implica em preocupar-se com uma análise holística ou dialética da cultura em foco. 5 O fato de “desquantificar” a pesquisa não basta para “despositivá-la”, uma vez que procedimentos quantitativos e qualitativos, segundo Patto (1999c) não guardam qualquer relação com a filosofia positivista e a filosofia da totalidade; da mesma forma, a simples participação dos sujeitos da pesquisa em seu planejamento e execução não garante sua coerência metodológica com essa última. 6 CALDEIRA, Anna Maria Salgueiro. Estudos do Cotidiano Escolar. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003. Notas de aula. 32 O que implica em introduzir os atores sociais com uma participação ativa e dinâmica e modificadora das estruturas sociais; preocupar-se em revelar as relações e interações significativas de modo a desenvolver a reflexividade sobre a ação de pesquisar. Fato que, no entendimento de pesquisadoras como Ezpeleta & Rockwell (1986), significa afirmar que o estudo de uma unidade escolar não configura um “estudo de caso”, mas “um estudo sobre o caso”. Esclarece Patto: É isto que Rockwell (1986) quer dizer quando afirma a necessidade de realizar estudo da vida cotidiana escolar de posse de uma teoria social na qual a definição de “sociedade” seja aplicável a qualquer escala de realidade (entre elas, a sala de aula e a escola) e de reconhecer os processos educacionais como parte integrante de formações sociais historicamente determinadas. (PATTO, 1999, p. 182) Ezpeleta & Rockwell ao desenvolverem importantes estudos em escolas rurais do México, na década de 1980, percebem a escola como uma instituição sociocultural, organizada e pautada por valores, concepções e expectativas, onde os alunos, os professores, a direção, os pais e a comunidade são vistos como sujeitos históricos. Portanto, ela deve ser compreendida sob a ótica de sua cotidianidade, em sua singularidade. Compreende-se, que, é a partir do seu cotidiano que a escola se constrói e é com base nele que se estabelecem as representações daqueles que estão envolvidos com o contexto escolar: representações sobre si mesmas e sobre o mundo. Maia (2004) aponta em seus estudos que, Finalmente, os estudos destas autoras evidenciaram que na vida cotidiana da escola, apesar do componente de reprodução e alienação em que diferentes indivíduos se encontram imersos e presos, contém, também como indica Heller e Certeau, espaço e condições para que estes indivíduos saiam da dimensão cotidiana e alcancem a dimensão não-cotidiana, ou seja, transformem-se em sujeitos reflexivos e capazes de elaborar saberes e estratégias. (MAIA, 2004, p. 68) 33 Nessa perspectivaé que busquei desvendar as manifestações explícitas ou sutis da exclusão/inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais nos espaços sociais, especialmente na escola. Decidi pela opção metodológica que se situa no âmbito da investigação qualitativa e se configura, em sua totalidade, como um estudo de caso. Procedimento esse que me permitiu fazer uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando o Estudo de Caso e aplicando-o em uma escola da rede estadual regular, na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais. Segundo Lüdke e André (2000), pesquisa qualitativa é a que se desenvolve em uma situação natural e rica em descrição, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de uma forma complexa e contextualizada. Esse método, assim como os demais métodos qualitativos, é útil quando o fenômeno a ser estudado é amplo e complexo, onde o corpo de conhecimentos existente é insuficiente para suportar a proposição de questões causais e nos casos em que o fenômeno não pode ser estudado fora do contexto onde naturalmente ocorre, esclarece Bonoma (1991). Os instrumentos de pesquisa utilizados foram definidos concomitantemente à construção do problema e à construção metodológica. Utilizei a pesquisa bibliográfica; consulta documental; pesquisa exploratória; depoimentos e a observação sistemática no cotidiano da Escola. A literatura sobre observação7, técnica fundamental usada na maioria das pesquisas qualitativas, afirma Vianna (2003a), apresenta diferentes concepções de observação e do papel do observador. Se for levado em conta o tipo de estrutura, classifica-se a observação, de acordo com o meio em que a mesma tem lugar como natural ou artificial (laboratório, sala especial). De acordo com o grau de estruturação 7 O referencial teórico usado sobre a Metodologia da Observação que se segue baseia-se nos estudos de Vianna (2003b), Selltiz (1967), dentre outros. 34 imposto pelo observador, determina-se a observação como estruturada (que procura determinar a freqüência com que um comportamento ocorre ou certas coisas são ditas) e como não-estruturada, na qual o observador não procura um comportamento específico, mas apenas observa e registra as diferentes ocorrências. Do ponto de vista teórico, considera-se que cada um dos dois tipos de observação, pode ser concretizado como observação participante (o observador é parte da atividade objeto da pesquisa) ou não-participante (o observador não se envolve nas atividades do grupo sob observação e não procura ser membro do grupo). Uma observação pode ser “aberta”, quando o observador é visível aos observadores que sabem que estão sendo sujeitos de uma pesquisa, ou “oculta” quando os observados não sabem que estão sob observação. As observações totalmente estruturadas ocorrem em laboratórios. As observações de campo nos trabalhos de pesquisa em educação são, em geral, semi-estruturadas, “têm lugar em contexto natural e, na maioria das vezes, não procuram dados quantificáveis, que apenas eventualmente são coletados”. (VIANNA, 2003, p. 21). O autor esclarece: A observação não-estruturada consiste na possibilidade de o observador integrar a cultura dos sujeitos observados e ver o “mundo” por intermédio da perspectiva dos sujeitos da observação e eliminando a sua própria visão, na medida em que isso é possível, segundo ressalta Bailey (1994). A questão inicial que se coloca é: O que observar? E nem sempre é fácil dar uma resposta plenamente satisfatória nos momentos iniciais do trabalho. (VIANNA, 2003, p. 26). A opção metodológica nessa pesquisa foi a observação semi-estruturada e seletiva, que consiste na observação e descrição dos eventos determinados em função do problema de pesquisa. Vianna (2003) ressalta que observar tudo ao mesmo tempo é humanamente impossível, pois o pesquisador vai se deparar com 35 uma multiplicidade de estímulos oriundos do universo da escola. Por isso foi vital que me concentrasse nos elementos que realmente eram imperativos para interpretar e colocar em relevo discussão sobre os sentidos e significados produzidos por alunos e professores a respeito da inclusão/exclusão e diferença/deficiência no cotidiano de uma escola que atende alunos com necessidades educacionais especiais. Vianna (2003) destaca, de maneira resumida, baseando-se em vários autores como Creswell (1998), Flick (1999), Bailey (1994), as diferentes fases do processo de observação: Seleção de um “cenário”, ou seja, estabelecer o local onde e quando as pessoas envolvidas no processo podem ser observadas; Definição do que vai ser documentado na observação e em que casos, ou seja, identificar quem ou o que observar, quando e por quanto tempo; Treinamento de observadores para fins de padronização dos procedimentos e determinar, inicialmente, as funções do observador; Observações descritivas e reflexivas que ofereçam uma apresentação geral do campo observado; planejamento e a metodologia do registro das anotações de campo; Destaque das observações que contenham aspectos relevantes para as indagações da pesquisa; registrar aspectos, como descrição dos informantes, contexto físico, eventos e atividades particulares, e as próprias reações do observador; Observações seletivas que pretendam, intencionalmente, compreender aspectos centrais; Durante a observação, se for observador externo, apresentar-se, apresentar-se, estabelecer relações amistosas, iniciar com objetivos restritos nas primeiras sessões de observação; Término da observação quando a mesma atingiu um ponto de saturação teórica, ou seja, outras observações não proporcionariam mais nenhum conhecimento; Após a observação, informar aos interessados sobre o uso dos dados e a disponibilidade do estudo. (VIANNA, 2003, p. 28-29). Para tanto, no contexto escolar, nessa metodologia, a seleção prévia do centro de atenção ou dos aspectos a enfocar foi importante para que a observação não se fixasse em aspectos menos relevantes em detrimento de outros 36 fundamentais para atingir os objetivos desta pesquisa. A atenção seletiva8 fez parte da metodologia de trabalho, porém o cuidado em não me concentrar apenas naquilo que pudesse ser conveniente foi tomado, para não correr o risco da investigação se converter apenas em justificativas de minhas formulações e opções teóricas. No que se refere às notas de campo, preferi, além de utilizar um bloco de notas grande, com margens largas dos lados para minhas anotações. Tais margens permitiram o destaque de observações particulares sobre aquilo que foi do meu interesse, escrever notas analíticas, ou escrever anotações sobre um evento ou relação para investigação mais profunda, ou ainda, outras leituras sobre o observado. Muitas anotações foram feitas no momento da observação, outras imediatamente à saída do campo. Acredito que, o tempo despendido com o campo foi fator importante para o empreendimento da pesquisa. Pois proporcionou maior familiaridade com a linguagem do meio social investigado, intimidade com cotidianidade vivida por esse, o que impôs uma constante reflexão sobre os caminhos e os resultados obtidos durante a investigação. Vianna (2003) salienta que existe sempre uma atividade interpretativa associada ao ver, ao ouvir e aos demais sentidos. É preciso estabelecer que os significados produzidos pelo homem sejam construídos nas relações sociais, por isso passíveis de serem interpretados. O autor acentua que o “objetivo final de uma observação participante é dessa forma gerar verdades práticas e teóricas sobre a cultura humana com apoio nas realidades da vida diária”. (VIANNA, 2003,p. 51). Com o objetivo de buscar o desvelar dos sentidos emanados nas falas e gestos de alunos e professores, é que desenvolvi este trabalho. Sem a pretensão de 8 Para Caballo (2003), entende-se por atenção seletiva a capacidade de atentar seletivamente para informações relevantes à despeito de estímulos distratores, ou seja, identificar e isolar dados relevantes a partir da massa de informações sensoriais disponíveis. 37 aprofundar apresentei algumas falas e recortes da vida cotidiana da escola buscando aplicar o referencial teórico da Análise do Discurso (AD)9. As análises foram realizadas com a intenção de identificar as posições de sujeito e os significados manifestados por alunos e professores sobre a inclusão escolar que emergem e/ou se entrecruzam nesses pronunciamentos, manifestando sentidos diversos. A metodologia da análise do discurso, segundo Mari (2004) 10 implica buscar bases epistemológicas e conceituais que indiquem caminhos para a apreensão dos fenômenos estudados. Uma metodologia voltada especialmente à analise qualitativa e baseada nos princípios da concepção múltipla da realidade, que busca as relações e correlações, que interrogue sobre a intencionalidade das ações e leve a uma pesquisa participante, apreende mais a realidade e aproxima-se mais do real. Identifica-se quem discursa de onde, quais as contradições inseridas nos discursos, falas e ações, que realidades produzem suas diferenças, as relações e interações dos discursos, em uma dada realidade social. Orlandi (2000) lembra que, [...] os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem, descentrando a noção de sujeito, relativizando a autonomia do objeto da lingüística. Não trabalha com a língua fechada nela mesma, mas com o discurso que é um objeto sócio- histórico em que o lingüístico intervem apenas como pressuposto. (ORLANDI, 2000, p. 16). 9 Em oposição aos estudos lingüísticos conhecidos e que se ocupavam, principalmente com a ordem da língua e seus significantes, emerge, por volta dos anos 60, a Análise do Discurso (AD). Até então, a supremacia do racionalismo do Pensamento Cartesiano (Descartes), se fazia presente nos estudos científicos da época. A concepção de sujeito e de linguagem, de acordo com estes princípios, se mesclava em uma teoria da transparência, onde o sujeito - "ser universal", concluso, psicológico, calculável e descritível se constituía por uma linguagem também transparente. Durante a segunda metade do século XIX, com a contribuição da Psicanálise, entre outras ciências, as noções de sujeito e de linguagem deixam de ser as mesmas, pois o "ser universal" passa a ter um inconsciente agindo sobre o consciente, o que lhe fornece o caráter da não transparência e da incompletude do sujeito da linguagem. Partindo dos princípios da não transparência dos sujeitos e dos discursos, a Análise do Discurso vai se ocupar com o que está "por de trás" dos enunciados e vai buscar no ideológico a relação entre o "dito" e o "não dito", a partir das posições de sujeito ocupadas pelos indivíduos, na sociedade. 10 MARI, Hugo. Análise do Discurso. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004. Notas de aula. 38 Mari (1999) enfatiza que na análise do discurso propõe-se a construir escutas que permitam levar em conta esses efeitos e explicar a relação desse saber com a realidade, uma análise que não se aprende não se ensina, mas que produz seus efeitos. Na AD o imaginário, os signos, as imagens são produzidas de forma relacionada com o modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas por meio de relações de poder. Araldi (2003) afirma que o discurso revela as representações e ideologias, permeadas pela linguagem que são também temporais. Segundo Orlandi, O sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. (ORLANDI, 2000, p. 42-43) Como afirma Brandão (1994), todo discurso coloca em jogo uma formação de sentidos e esses são regulados socialmente, de modo que a mesma expressão ou gesto produz sentidos diferentes, segundo quem enuncia e/ou a posição que ocupa, uma vez que o sentido não se depreende da materialidade discursiva, mas de uma série de relações a serem estabelecidas entre o enunciado, seu enunciador e o amplo contexto que envolve a enunciação. As diferentes formas de perceber o ambiente escolar provocam uma reflexão sobre as diferentes concepções de linguagem que pairam sobre esse mesmo ambiente. Segundo Krause-Lemke (2004), em linhas gerais, essas concepções estão resumidas em três correntes: a saussuriana, a chomskiana e a bakhtiniana. Na primeira, de caráter estruturalista, sustenta-se que a linguagem é um conjunto de signos ordenados, dos quais se pode abstrair um sentido. A língua para 39 Saussure11 (2001), é sistemática, objetiva e homogênea. Tal visão de linguagem concentra-se na sentença e exclui qualquer matiz ideológico que possa fazer parte da linguagem, ou melhor, da sentença comunicada. Em relação à segunda, a língua é caracterizada como um componente inato, fruto da faculdade da linguagem. Para Chomsky (1980)12, cada sujeito já nasce com um sistema lingüístico (o que ele chama de Gramática Universal – GU), que é ativado por um input, caracterizado pela fala a que o sujeito está exposto. Quanto à terceira, de caráter dialógico, a linguagem é construída num processo interacional. O indivíduo, baseando a sua análise no enunciado13, abstrai as informações lingüísticas e os significados de acordo com o momento da interação. Assim, o mesmo enunciado, em contextos comunicativos distintos, expressará diferentes significados. Para Bakhtin14 (1999), a linguagem constrói-se num processo de interação em que os sentidos são sócio- historicamente atribuídos. Orlandi (2000) nos ensina que uma das condições de produção, que constituem os discursos, é a relação de sentidos. Segundo essa noção, não há discurso que não se relacione com outros. Em outras palavras, os sentidos resultam 11 Ferdinand de Saussure (1857-1913), lingüista suíço, fundador da análise estruturalista. Criou muitos desenvolvimentos da lingüística no século XX. Entendia a lingüística como um ramo da ciência mais geral dos signos, que ele propôs fosse chamada de Semiologia (lingüística). Saussure procurou entender a estrutura da linguagem como um sistema em funcionamento em um dado ponto do tempo. Para ele, "Um signo é a unidade básica da língua. Toda língua é um sistema completo de signos. A fala é uma manifestação externa da língua." Ele também fez importante distinção entre as relações sintáticas e as relações paradigmáticas que existem em qualquer texto (MARI, 2004). 12 Noam Avram Chomsky nasceu na Philadelphia em 1928. Estudou lingüística, matemática e filosofia. A teoria de Chomsky discute que os meios para adquirir uma língua é inata em todos os seres humanos e são provocados tão logo um "infante" começa aprender os princípios básicos de uma língua (MARI, 2004). 13 Conforme Souza (1995, p. 21) “[Enunciado] são os elementos lingüísticos produzidos em contextos sociais reais e concretos como participantes de uma dinâmica comunicativa”. 14 Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895 - 1975) foi um lingüista russo. Seu trabalho é considerado influente na área de teoria literária, crítica literáriae semiótica. Bakhtin é na verdade um filósofo da linguagem e sua lingüística é considerada uma "trans-lingüística" porque ela ultrapassa a visão de língua como sistema. Para Bakhtin, não se pode entender a língua isoladamente, mas qualquer análise lingüística deve incluir fatores extra-lingüisticos como contexto de fala, intenção do falante, a relação do falante com o ouvinte, momento histórico (MARI, 2004). 40 de relações: um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros. Todo discurso é visto como um estado de um processo discursivo mais amplo, contínuo. Não há, desse modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis. Além de lidar com a questão conceitual, observações, indagações e reflexões ao longo da minha vida acadêmica e profissional, principalmente no Mestrado e no convívio com pessoas com necessidades educacionais especiais, constituíram-se em inspiração das principais abordagens deste estudo investigativo. O estudo foi organizado em duas partes, distribuídas em cinco capítulos. Na Primeira Parte abordei concepções, cunhadas pela cultura no decorrer do Século XX e nos primeiros anos do Século XXI, acerca da educação geral e da Educação Especial, o que permitiu discutir os conceitos de exclusão e inclusão no cotidiano escolar, possibilitando assim, analisar as políticas públicas educacionais que exploram as características de universalização e democratização da educação, sua evidência ou não nas políticas públicas educacionais endereçadas aos que apresentam necessidades educacionais especiais, pós-promulgação da nossa mais recente Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96). Ao longo dessa parte procurei evidenciar os avanços recentes, apresentados em estudos sobre os desafios da inclusão escolar, como também articular uma construção a respeito da educação para analisar e compreender os sentidos e significados produzidos no cotidiano de uma escola regular com a presença e permanência de alunos com necessidades educacionais especiais. Pesquisei a presença de idéias implícitas em alguns conceitos que amparam e norteiam estudos sobre a inclusão escolar, nos quais encontrei respaldo para pensar sobre as 41 concepções construídas historicamente de “normal e anormal”, “igualdade e diferença”, “inclusão e exclusão”. Na introdução, busco discutir a pertinência de debater e discutir sobre a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino. Recorro a minhas observações e reflexões ao longo de uma experiência acadêmica e profissional com o intuito de compreender os sentidos e significados produzidos no cotidiano dessa escola comum por alunos e professores. Apresento os recursos metodológicos que possibilitaram a realização do trabalho empreendido. No segundo capítulo, que denominei “Educação Especial na História”, tive como propósito refletir a respeito da evolução histórica da educação especial brasileira. Parti da exclusão dos alunos com deficiência em instituições especializadas de cunho eminentemente terapêutico até chegar aos dias de hoje, em que esta modalidade educacional propõe uma escola para todos, aberta às diferenças e, conseqüentemente, inclusiva. O caminho percorrido é enfocado do ponto de vista dos documentos legais, dos planos e políticas educacionais. No terceiro capítulo, sobre “Cidadania e Políticas Públicas Para a Educação Inclusiva”, busco trabalhar conceitos de cidadania que configuram novos e diferentes cenários sociais, políticos e culturais presentes nas sociedades contemporâneas, analisar e refletir acerca das principais contribuições teóricas de autores pertinentes a abordagem. O caminho percorrido é enfocado do ponto de vista dos exames da literatura recente sobre o tema, baseados na Filosofia Política, nas concepções de cidadania e direitos do homem e o significado atual dessas definições em contraste com o seu significado ideal. Uso como suporte o resgate histórico, a problematização, também, o próprio conceito de “pessoas com necessidades 42 educacionais especiais”, tal como formulado no Brasil, e suas interfaces às próprias políticas públicas destinadas a este grupo social. No quarto capítulo parto das idéias implícitas em alguns conceitos que amparam e norteiam estudos sobre deficiência, nos quais encontrei respaldo para pensar sobre o tema “Deficiência como Diferença”, concepções cunhadas durante séculos de história, pela mitologia, religiosidade e superstição, o que contribuiu significativamente para que o foco fosse na deficiência, como impacto e desconforto que gera no outro, e não na pessoa. Aqui, busquei trabalhar deficiência e diferença em ícones, com a finalidade de repensar criticamente a educação e a escola como sistemas culturais. Na Segunda Parte da dissertação foi realizado um mergulho no cotidiano de uma escola regular a fim de realizar uma abordagem interpretativa, crítica e dialética de um tema tão complexo como inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino, seus sentidos na ótica de alunos e professores no cotidiano escolar. No capítulo cinco, intitulado “Os Lugares da Pesquisa” preocupei-me em resgatar a história da cidade (Bom Despacho), do bairro (Bairro de Fátima) e da escola (Escola Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto”) para melhor compreender como os conceitos de exclusão/inclusão foram construídos e difundidas historicamente. Não se pode perder de vista que a história do passado dessas comunidades é parte fundamental para se ter um perfil mais nítido do todo. Os relatos foram baseados em fontes primárias, documentos, arquivos, livros, relatos, projetos desenvolvidos na escola que foram úteis e necessários para se conhecer os pormenores da vida cotidiana da escola, aquilo que os bom-despachenses fizeram e fazem, num esforço poderoso de continuidade e sobrevivência. 43 O capítulo seis se constituiu como uma imersão no cotidiano da escola para se compreender a rede de sentidos e significados, normas, valores, ideais e crenças estabelecidos nos diferentes ambientes culturais de convivência produzidos, no cotidiano escolar por alunos e professores com a presença de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular e que se configuram como ethos específico. O processo de análise foi realizado por aproximações, reconstrução analítica, descoberta de novas maneiras de acercamento dos problemas, usa de recursos metodológicos da análise de discursos dos atores. Segundo Tura (2000), certos estudos terminam por ater-se a uma mera descrição das culturas e fogem à interpretação e reflexão sobre elas. Contudo, necessário se faz reconhecer que somos parte do mundo que estudamos, a idéia do caráter da reflexibilidade das pesquisas sociais tem como implicação metodológica exatamente levar em conta as interpenetrações entre o senso comum e a teoria social. Explica a autora: Assim, ao invés de o pesquisador iludir-se em procurar eliminar os efeitos de sua presença no campo de investigação, o importante é buscar entendê- las. Afora isto, atentar para o fato de que, se desenvolvemos uma explicação do comportamento humano, essa deve também ser aplicada em nossas atividades como pesquisadores e na busca de estratégias de investigação. Vale nesse ponto lembrar da afirmação de Geertz de que estaremos sempre diante de uma versão dos fatos e de uma visão provisória e parcial dos acontecimentos. (TURA, 2000b, p. 19-20). No cuidado de não identificar os sujeitos da pesquisa, fiz uso de siglas dos nomes dos alunos, professorese funcionários. O tempo prolongado em que permaneci no campo de investigação, os muitos momentos em que me senti confusa, os imensos esforços para acompanhar uma dinâmica escolar, as relações interpessoais que mantive, os interesses que fui adquirindo pelas coisas da Escola 44 Estadual “Prof. Wilson Lopes do Couto” fizeram com que, ao final da pesquisa, eu sentisse um grande carinho pela escola e sua gente. Nas considerações finais procurei fazer exposições que a pesquisa me permitiu de acordo com os objetivos propostos. Busquei retomar alguns dos sentidos e significados que parecem circular em torno da questão da inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na escola regular e a discussão dos significados produzidos na escola acerca dos termos deficiência e diferença. Meu propósito foi pôr sob suspeita algumas naturalizações que foram feitas dessas expressões de acordo somente com as imposições legalistas, para sugerir que talvez se trate de um novo sistema ordenador da alteridade, de uma maneira de querer reduzir o outro. E só uma maneira de assegurar-se da própria identidade, do próprio olhar, da tediosa e estúpida mesmice. Enfim, com base nessas considerações, comprova-se a urgência de se conceber uma educação para uma sociedade inclusiva pautada em propostas de mudanças que busquem superar preconceitos, barreiras e desenvolva assim, na escola e na sociedade, uma ação mais coerente e comprometida com os novos paradigmas. 45 2. EDUCAÇÃO ESPECIAL NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA A escola, enquanto instituição surgiu como uma tentativa de resguardar a educação dentro dos parâmetros adequados e necessários ao fortalecimento e ampliação da sociedade capitalista. Contida nos muros da escola, a educação seria passível de um maior controle da classe dominante não só de seus objetivos, como de sua organização (PARREIRAS, 1999). 15 A evidente relação entre escola e modo de produção capitalista significou, por um lado, um grande avanço dentro das teorias educacionais que consideravam na sua maioria, o espaço pedagógico neutro e apolítico, mas, por outro, justificou atitudes descrentes frente à possibilidade de mudança. A perspectiva de análise da escola, em termos de seu significado social e político, devem-se fundamentalmente aos autores de inspiração marxista, bem como as alternativas que acentuam basicamente esses aspectos. Gomes (1999) afirma que as interpretações de Bourdieu e Passeron (1970), de Baudelot e Establet (1977) são esforços para evidenciar e revelar o significado sociopolítico da escola encoberta pela ideologia dominante. O que também pode ser visto em obras de outros autores, como Freinet e Wallon16. Entretanto, este tipo de análise está presente em autores que, sem fazer profissão de fé marxista, analisam as analogias 15 PARREIRAS, Arthur Gomes. Educação Especial. Belo Horizonte: PUC Minas, 1999. Notas de aula. 16 Sobre os autores ver: FREINET, Celestin; SALENGROS, R.. Modernizar a escola. Lisboa: Dinalivro, 1977 e MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. (Org.). Henri Wallon: psicologia e educação. São Paulo: Loyola, 2000. 46 educativas em termos de relações de poder e promovem alternativas em que a liberação da opressão e da exploração é tão importante quanto a liberação da ignorância e da falta de cultura17. O caso de Paulo Freire talvez seja o mais claro de todos. 18 A análise do tipo de instrução que seria conveniente para cada classe social em nome da nova psicopedagogia (respeito às diferenças individuais, às aptidões inatas do aluno, às diferentes personalidades), que já encontra suas evidências desde 1927, resultou na diversificação da apreciação das nossas realidades educacionais. Defendia-se a expansão da instrução pública e a necessidade de se diferenciar a escola para o atendimento de clientelas diferentes. Citando Arroyo: Para as lideranças políticas e econômicas a linguagem é direta. Cada população deve ter um tipo de instrução, não por causa das diferenças psicopedagógicas no processo de ensino-aprendizagem, mas pelo destino que terão na diversificada estrutura sócio-econômica. (ARROYO, 1984, p.04). Segundo Mazzotta (1996), a história da educação brasileira mostra que esta foi centro de atenção e preocupação apenas nos momentos e na medida exata em que dela sentiram necessidade os segmentos dominantes da sociedade. A educação para as classes populares, portanto, foi sendo concebida à medida que ela se tornou necessária para a subsistência do sistema dominante, pelo menos até o momento em que se estruturaram movimentos populares que passaram a reivindicar a educação como um direito. 17 Sobre a literatura acerca da análise sociopolítica da escola, ver PALÁCIOS, Jésus. Tendências contemporâneas para uma escola diferente. In. Cadernos de Pedagogia nº 51, março/1979. Ano V, Barcelona. 18 Segundo (Streck, 1999), Paulo Freire (1921-1997) destacou-se por seu trabalho na área da educação popular. As suas maiores contribuições foram no campo da educação popular para a alfabetização e a conscientização política de jovens e adultos operários. Sempre com o conceito básico de que não existe uma educação neutra: segundo a sua visão, toda educação é, em si, política. 47 Esse modelo de interpretação da história educacional fornece também os elementos para o entendimento da história da educação especial. Considerando que a abordagem histórica implica a consideração do movimento histórico da dinâmica social. Kassar (2000) nos ensina que Vygotsky, em suas análises que tomam por base a constituição social dos processos psíquicos do sujeito, assinala para a relação implacável entre movimento e história. O repúdio do “olhar” estático leva-o a dizer que “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança” (VYGOTSKY, 1984, p.74). É essa tendência que se pretende considerar: o desenvolvimento de constituição de sujeitos na apropriação de práticas socialmente instituídas e o processo da história social, a qual o sujeito está/é imerso/participante. A história das pessoas portadoras de deficiência19 tem sido contada por documentos institucionais, legislação ou outras formas de registros escritos. Trabalhos como os de Pessotti (1994), Jannuzzi (1985), Bueno (1997), Mazzota (1986) trazem grandes contribuições para o entendimento do “lugar” das pessoas com deficiências na história da sociedade brasileira. O desenvolvimento histórico da educação especial no Brasil inicia-se no Século XIX, quando os serviços dedicados a esse segmento de nossa população, inspirados por experiências concretizadas na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte, foram trazidos por estudiosos brasileiros que se dispunham a organizar e a implementar ações isoladas e particulares para atender a pessoas com deficiências físicas, mentais e sensoriais. Essas iniciativas não estavam integradas às políticas públicas de educação e foi preciso o passar de um século, aproximadamente, para que a educação especial passasse a ser uma das componentes do sistema educacional (MAZZOTTA, 1996). 19 Deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. Classificação proposta pela Organização Mundial de Saúde – OMS (1988). 48 Segundo Mantoan (2001), pode-se afirmar que a história da educação de pessoas com deficiência no Brasil encontra-se dividida entre três grandes períodos: de
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