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técnica biomédica

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11 
MARA REGINA TRIPPO KIMURA 
 
 
 
 
 
 
 
AS TÉCNICAS BIOMÉDICAS – A VIDA 
EMBRIONÁRIA E O PATRIMÔNIO GENÉTICO 
HUMANO – À LUZ DA 
REGRA DA PROPORCIONALIDADE PENAL 
 
 
DOUTORADO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
PUC/SP 
SÃO PAULO 
2006 
 12 
MARA REGINA TRIPPO KIMURA 
 
 
 
 
 
 
 
 
AS TÉCNICAS BIOMÉDICAS – A VIDA 
EMBRIONÁRIA E O PATRIMÕNIO GENÉTICO 
HUMANO - À LUZ DA 
REGRA DA PROPORCIONALIDADE PENAL 
 
Tese apresentada à Banca Examinadora da 
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência parcial para 
a obtenção do título de Doutor em Direito (área de 
Direito das Relações Sociais, sub-área de Direito 
Penal), sob a orientação do Professor Doutor Dirceu 
de Mello. 
 
 
 
 
PUC/SP 
SÃO PAULO 
2006 
 13 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
______________________________ 
Professor Doutor Dirceu de Mello (orientador) 
 
______________________________ 
______________________________ 
______________________________ 
______________________________ 
 
 
 14 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
Dedico este trabalho a meu filho, muito esperado 
e muito amado. 
 
 15 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço a Deus, sempre. 
Agradeço ao meu Mestre, Professor Doutor Dirceu de Mello, 
pelo incentivo, pela confiança e pelos ensinamentos. 
Com carinho, agradeço ao parceiro de todas as horas, meu 
marido, Alexandre. Minha gratidão à minha família, 
especialmente à minha mãe. 
 16 
RESUMO 
 
A genética evolui rápido, com ênfase na manipulação de genes e 
de células, facilitada pela reprodução assistida. Ao lado de benefícios (ou 
expectativas), agrega novos riscos, porque as técnicas são experimentais. Para 
controle das atividades, o Direito Penal é reclamado e, a fim de coibir excesso, 
apresenta-se a regra da proporcionalidade, mediante seus elementos: 
necessidade, adequação e proporcionalidade estrita. 
Na aplicabilidade desta regra, a noção central é o bem jurídico. 
Entre eles, destaca-se a vida, cuja tutela a partir da fecundação se afigura mais 
razoável em face da atualidade científica. Atrelados à dignidade humana, 
emergem novos bens, como a integridade genética. 
Iniciado pelo conceito de bem, o juízo da necessidade penal é 
complementado pelas exigências da subsidiariedade e da fragmentariedade. Na 
adequação, perquire-se a idoneidade da norma para evitar infrações e suas 
vantagens e desvantagens perante a impunidade. Nas conexões com a pesquisa 
científica, estes juízos aceitam a atuação preventiva da lei penal, imposta pela 
importância dos bens, irreversibilidade e dimensão imensurável do dano e 
dificuldade probatória do nexo causal. A proporcionalidade estrita preocupa-se 
com a justiça da pena para o delito, valendo-se, na comparação entre as 
categorias, de subsídios de ordem prática. 
 
Palavras-chave: Bioética – Biodireito – Manipulação Genética - Proporcionalidade – Bem jurídico – 
Vida - Patrimônio Genético 
 17 
ABSTRACT 
 
Genetics develops rapidly, with emphasis on 
genes and cells manipulation, facilitated by assisted 
reproduction. Besides its benefits (or expectations), new risks 
are added, because it deals with experimental techniques. In 
order to control such activities, an appeal is made to Criminal 
Law, which in order to control abuse or excess, makes use of 
the proportionality theory, through its basic elements, such as 
need, adequacy and strict proportionality. 
While applying this rule, the main point is the tutelage of legally 
protected rights, among which, human life should be pointed out, whose 
protection, starting from fecundation, seems to be more reasonable in view of the 
current scientific trends. From the human dignity concept, new approaches 
emerge, such as genetic integrity. 
Starting from life protection concept, the judgement of Criminal 
Law requirement is complemented by subsidiary and fragmentary demands. While 
adjusting the situation to the norm, an analysis is made on the suitability of the 
norm to avoid infringements, as well as its advantages and disadvantages before 
impunity. While connecting such judgements with scientific research, they admit 
the Criminal Law preventive action, imposed by the importance of such rights, as 
well as by the irreversibility and immeasurable extent of damage therefrom, as well 
as the difficulty of proving the causality link. Strict proportionality concerns with 
justice of the penalty to be imposed to the tort or delict, taking advantage of 
comparisons among the various categories, of subsidies taken from practise. 
 
Key words: Bioethics – Biolaw – Genetic Manipulation – Proportionality – Legal right – Life – 
Genetic heritage. 
 18 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11 
 
1. A REVOLUÇÃO DA CIÊNCIA, A BIOÉTICA E O DIREITO .....14 
1.1 A ciência da vida e a ética ................................................................................................14 
1.1.1 A revolução científica e a “sociedade de risco” ......................................................14 
1.1.2 Conceitos científicos básicos ..................................................................................20 
1.1.3 A ciência e a ética da responsabilidade..................................................................23 
1.2 A bióetica...........................................................................................................................26 
1.2.1 A origem da bioética................................................................................................26 
1.2.2 A sua conceituação e seus princípios básicos .......................................................30 
1.2.3 As relações da bioética com o Direito.....................................................................32 
1.3 Formas de controle das ciências biomédicas ..................................................................34 
1.3.1 O autocontrole pessoal ou profissional...................................................................34 
1.3.2 A tutela administrativa das atividades.....................................................................36 
1.3.3 Tutela civil no âmbito da biomedicina .....................................................................40 
1.3.4 Tutela penal na seara da biomedicina ....................................................................40 
 
2. AS MODERNAS TÉCNICAS DA GENÉTICA E SUAS 
APLICAÇÕES NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA......43 
2.1 A experimentação no homem...........................................................................................43 
2.1.1 Experimentação terapêutica....................................................................................44 
2.1.2 Experimentação não-terapêutica ............................................................................46 
2.1.3 Experimentação pura ..............................................................................................46 
2.2 A terapia gênica ................................................................................................................47 
2.2.1 Terapia genética em células somáticas ..................................................................49 
2.2.2 Terapia gênica nas célulasda linha germinal.........................................................50 
2.3 A reprodução humana assistida .......................................................................................51 
2.3.1 O indivíduo e as distintas fases do seu desenvolvimento ......................................51 
2.3.1 Noções gerais ..........................................................................................................55 
2.3.2.1 Inseminação artificial (IA) ..........................................................................56 
2.3.2.2 Fecundação in vitro (FIV) ..........................................................................57 
 19 
2.3.2.3 Variantes comuns da fecundação in vitro .................................................58 
2.3.2.4 Pontos controvertidos ................................................................................59 
2.4 A manipulação genética aplicada às técnicas de reprodução humana...........................61 
2.4.1 A seleção genética: eugenia ...................................................................................61 
2.4.2 A clonagem..............................................................................................................63 
2.4.2.1 Clonagem reprodutiva................................................................................65 
2.4.2.2 Clonagem terapêutica e as células-tronco................................................66 
2.4.3 Hibridação, quimeras e partenogênese..................................................................74 
 
3. A PROPORCIONALIDADE ...............................................................................76 
3.1 Os princípios e as regras como normas jurídicas ............................................................76 
3.2 A proporcionalidade como regra.......................................................................................79 
3.3 A nomenclatura .................................................................................................................81 
3.4 A origem e a evolução histórica da proporcionalidade ....................................................83 
3.5 A consagração constitucional ...........................................................................................87 
3.6 A proporcionalidade e os direitos fundamentais ..............................................................90 
3.7 Conteúdo da regra da proporcionalidade no direito penal ...............................................94 
 
4. A SUB-REGRA DA NECESSIDADE ..........................................................98 
4.1 Linhas gerais .....................................................................................................................98 
4.2 A exclusiva proteção dos bens jurídicos ..........................................................................98 
4.2.1 Considerações preliminares....................................................................................98 
4.2.2 Breve evolução histórica .......................................................................................101 
4.2.3 O enfoque sociológico: a fragilização do conceito ...............................................104 
4.2.4 O enfoque constitucional: a recuperação do conceito..........................................110 
4.2.5 Nossa posição .......................................................................................................114 
4.3 A intervenção mínima.....................................................................................................116 
4.3.1 Os postulados: a fragmentariedade e a subsidiariedade .....................................116 
4.3.2 A concretização: os conceitos de dignidade e carência de tutela penal..............122 
4.3.3 As funções do direito penal...................................................................................124 
4.3.3.1 A função promocional ..............................................................................125 
4.3.3.2 A função simbólica...................................................................................127 
4.3.3.3 A função de satisfação de expectativas sociais......................................128 
4.3.3.4 Relações com a genotecnologia: nossa posição....................................129 
4.4 O bem jurídico supra-individual ......................................................................................132 
 20 
 
 
 
5. A SUB-REGRA DA ADEQUAÇÃO ...........................................................138 
5.1 Seus traços comuns........................................................................................................138 
5.2 Os obstáculos no exame da idoneidade penal ..............................................................141 
5.3 O delito de perigo ............................................................................................................144 
5.4 As normas penais em branco.........................................................................................148 
 
6. OS BENS JURÍDICOS (1): CONSIDERAÇÕES SOBRE A 
DIGNIDADE HUMANA E A VIDA ..............................................................152 
6.1 A dignidade humana .......................................................................................................152 
6.1.1 Ponderações preambulares ..................................................................................152 
6.1.2 O plano do direito positivo .....................................................................................156 
6.1.3 A relação com os direitos individuais e a impossibilidade da sua identificação 
como bem jurídico................................................................................................160 
6.2 A vida...............................................................................................................................162 
6.2.1 As teorias sobre o começo da vida .......................................................................163 
6.2.1.1 As posições clássicas: gregos e romanos ..............................................163 
6.2.1.2 A doutrina da Igreja Católica: a teoria da animação ...............................164 
6.2.1.3 A teoria da fecundação ou formação do genótipo ..................................168 
6.2.1.4 A teoria da nidação..................................................................................172 
6.2.1.5 A teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central.........179 
6.2.1.6 Nossa posição..........................................................................................181 
6.2.2 Perfil internacional .................................................................................................184 
6.2.3 Perfil constitucional................................................................................................186 
6.2.4 Parâmetros para a intervenção penal ...................................................................192 
6.2.4.1 A vida humana “in vivo”: algumas considerações sobre o aborto ..........194 
6.2.4.2 A vida humana “in vitro”...........................................................................199 
 
7. AS TÉCNICAS BIOMÉDICAS E O DIREITO À VIDA..................203 
7.1 A seleção pré-implantatória ............................................................................................203 
7.2 A fecundação de óvulos com fins distintos da procriação .............................................212 
 21 
7.3 A criopreservação de embriões ......................................................................................217 
 
8. OS BENS JURÍDICOS (2): CONSIDERAÇÕES SOBRE O 
PATRIMÔNIO GENÉTICO ...............................................................................230 
8.1A dupla faceta: a individual e a coletiva .........................................................................230 
8.2 Perfil internacional...........................................................................................................235 
8.3 Perfil constitucional .........................................................................................................237 
8.4 Parâmetros para a intervenção penal ............................................................................239 
 
9. AS TÉCNICAS BIOMÉDICAS E O PATRIMÔNIO 
GENÉTICO .........................................................................................................................242 
9.1 A manipulação genética..................................................................................................242 
9.2 A clonagem humana.......................................................................................................251 
9.2.1 Clonagem reprodutiva: aspecto individual ............................................................251 
9.2.2 Clonagem reprodutiva: aspecto supra-individual..................................................256 
9.2.3 Clonagem terapêutica ...........................................................................................260 
9.3 A seleção de gametas e de embriões: a escolha do sexo.............................................264 
9.4 Os híbridos e as quimeras....................................................................................................267 
 
10. A SUB-REGRA DA PROPORCIONALIDADE ESTRITA.......271 
10.1 Considerações gerais ...................................................................................................271 
10.2 Proporcionalidade das penas e os delitos referentes à genotecnologia .....................274 
10.3 Relação entre os ilícitos disciplinar, administrativo e penal.........................................280 
 
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS ........................................ 288 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................294 
 
 
 22 
INTRODUÇÃO 
 
 
A busca pelo conhecimento motiva continuamente a humanidade 
para mudanças, que nem sempre representam formas de progresso. A ciência da 
vida ou biomedicina, em virtude da interferência da tecnologia em incessante 
evolução, amplia, com celeridade, seus horizontes. Nessas circunstâncias, 
atormenta conceitos pouco questionados, como o começo da vida humana e o 
padrão genético da espécie. 
Os riscos relacionados às práticas científicas são, em certas 
ocasiões, obscurecidos, em razão de interesses escusos movidos pelo egoísmo, 
pelo interesse no lucro ou pela vaidade. Em outras ocasiões, são dramatizados, 
graças ao sentimento social de insegurança, não constantemente calcado na 
realidade. O medo, porém, não pode inibir a criação científica, porquanto, do 
contrário, muitas melhoras à saúde nunca teriam sido conquistadas, como se 
notou no passado com as vacinas. 
No esforço pelo equilíbrio, o Direito é chamado para disciplinar os 
comportamentos. Partindo de dados científicos, o jurista, sob lente cultural, 
formula normas que, no âmbito penal, objetivam proteger subsidiariamente bens 
jurídicos, sem prejuízo de promoverem valores. 
Posta assim a questão, o presente estudo se propõe à análise da 
tutela jurídico-penal sob o prisma da proporcionalidade, noção que remotamente 
adentrou neste ramo jurídico. Assentados na Constituição Federal brasileira, os 
seus elementos serão introjetados nas práticas biomédicas, a fim de que se apure 
a legitimidade da intervenção penal. 
 23 
O ponto de partida se resume à discussão do formato atual da 
sociedade abalada por novas modalidades de risco, da responsabilidade no 
exercício da atividade científica, do papel da bioética e das formas de controle, 
institucionalizadas ou não. A seguir, para ampliar a esfera de conhecimento e, 
portanto, de compreensão sobre as novas técnicas da biomedicina, serão 
traçadas suas linhas gerais, sem a pretensão de esgotar o tema. 
A fim de estabelecer nosso entendimento acerca da idéia de 
proporcionalidade, será explicitada a correlata categoria normativa que ocupa, 
qual seja a de regra, bem como serão expostos seus elementos: a necessidade, a 
adequação e a proporcionalidade estrita. 
Decodificando o juízo da necessidade, ingressaremos no conceito 
de bem jurídico e, aspirando a alcançar seu sentido material, será percorrido o 
caminho de sua evolução histórica e das teorias atuais. Na complementação do 
raciocínio, serão examinados os postulados da intervenção mínima 
(subsidiariedade e fragmentariamente) e de suas noções concretizadoras 
(dignidade penal e carência de tutela). Fixada a proteção de bens jurídicos como 
função primária do direito penal, serão explanadas as paralelas, dotadas de 
crucial importância na seara da biotecnologia. 
Dada a insuficiência da positividade da necessidade penal para a 
tipificação legítima do comportamento, será ponderado o juízo de adequação, 
quando se esquadrinharão as bases para a suscetibilidade da conduta à tutela 
penal, sob o ângulo das condições reais do sistema jurídico e da sociedade. 
Delineados tais parâmetros, a etapa seguinte compreenderá a 
identificação dos bens jurídicos afetados pela engenharia genética em si mesma, 
bem como em suas relações com a reprodução assistida. Seriam infindáveis as 
 24 
discussões se todos os bens fossem abordados neste trabalho. Por isso, com 
base no quadro vivenciado atualmente, marcado pela preocupação em torno do 
estatuto do embrião e das conseqüências provenientes da alteração do genoma 
humano para a espécie, o debate restará restrito aos bens que os afligem 
diretamente. 
Ato contínuo, mister se faz embrenhar no estudo da dignidade 
humana à vista do conceito de bem jurídico e, após, da vida, suporte ontológico 
de todos os demais bens, com destaque para as teorias explicativas de seu início. 
Para não perder de vista as ponderações, será, após, demarcada a relação entre 
a vida e as técnicas biomédicas, sempre sob o enfoque das sub-regras da 
proporcionalidade. 
A seguir, a análise adentrará na integridade genética humana, um 
novo bem jurídico. Como procedido com a vida, também será abordada a relação 
entre o genoma humano e a biomedicina. Ainda na investigação da vida e do 
patrimônio genético, serão descritos os perfis internacional e constitucional dos 
respectivos bens, como também os parâmetros para ius puniendi. 
Finalizando, não podemos olvidar do juízo da proporcionalidade 
estrita, em que se almeja a justa resposta ao crime para combatê-lo, e cuja 
análise consignará sua relação com os delitos referentes à tecnologia genética. 
A importância de um estudo mais acurado sobre a presente 
temática salta aos olhos face ao estágio da ciência atrelado à postura da 
sociedade perante ele, ora entusiasmada, ora temerosa. Ao aceitar os avanços ou 
ao pugnar por medidas restritivas, o indivíduo, o Estado e a humanidade, num 
plano mais abrangente, exteriorizam a postura diante de fatores essenciais para a 
existência e a dignidade humana. 
 25 
1. A REVOLUÇÃO DA CIÊNCIA, A BIOÉTICA E O DIREITO 
 
 
1.1 A ciência da vida e a ética 
 
1.1.1 A revolução científica e a “sociedade de risco” 
 
O impulso pelo conhecimento, a ânsia pela cura de enfermidades 
ou por uma melhor qualidade de vida, a imposição de interesses financeiros e 
políticos ou até mesmo a vaidade humana conduziram o homem a inovações 
científicas que, paulatinamente, dissiparam a distinção entre o natural e o 
artificial.1 
Nesse contexto, está situada a biomedicina ou ciência da vida, 
que se ocupa doestudo científico da vida e de sua qualidade, com destaque para 
a medicina e a biologia, sobretudo na área da genética.2 Trata-se de campo do 
conhecimento radicalmente marcado por duas transformações, a saber: I) a 
revolução terapêutica que, deflagrada com a descoberta das sulfamidas,3 em 
1936, e da penicilina, em 1946, decorreu da aplicação de novos medicamentos na 
prevenção, no tratamento de doenças e na pesquisa clínica; II) a revolução 
biológica que, processada por meio de descobertas sobre os genes, tem 
propiciado alternativas para a reprodução humana, além de, em paralelo à 
 
1Cf. CANABARRO, Nelson Souza. Prefácio. In: BELLINO, Francesco. Fundamentos da bioética: 
aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Trad. e pref. por Nelson Souza Canabarro. 
Bauru/SP: EDUSC, 1997. p. 11. 
2Cf. ROMEO CASABONA, Carlos María. Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do 
conhecimento e intervenção. São Paulo: IBCCrim, 1999. p. 4. 
3As sulfamidas são medicamentos eficazes contra infecções e foram descobertas por Domagk, na 
Alemanha, e por Tréfouel, em França (1936-1937). 
 26 
prevenção e à cura, almejar a eliminação de propensões a enfermidades 
agregadas à composição genética.4 
A última das revoluções foi impulsionada em 1944, quando 
Oswald Avery, Mc Lead e Mac Carty descobriram o DNA (ácido 
desoxirribonucléico), que é o mensageiro molecular responsável por toda a 
informação genética do indivíduo. A estrutura do DNA, em dupla hélice de quatro 
bases nitrogenadas, foi descrita por James Watson e Francis Crick, em 1953, 
quando se revelou que cada espécie carrega patrimônio genético próprio e que 
cada ser vivo é formado por um patrimônio único, salvo no caso de gêmeos 
monozigóticos. 
Na atualidade, sobressai o “Projeto Genoma Humano” que, 
iniciado em meados de 1980, nos Estados Unidos, tinha como primeiro objetivo o 
estudo do efeito da exposição dos genes humanos a baixas intensidades de 
radiação. Mais adiante, em razão das visíveis vantagens das pesquisas, 
especialmente para a medicina preditiva, que está centralizada em investigações 
sobre a predisposição genética a doenças, seguiram propostas de outros estudos, 
voltados para a cartografia dos genes, os quais impulsionaram, mais e mais, o 
projeto, quando países desenvolvidos decidiram se incorporarem a ele. Entre eles 
estão Canadá, Japão, vários países da União Européia e, recentemente, o Brasil. 
Na Europa, simultaneamente, foram lançados os projetos “Biomed” e “Biomed 2”. 
Graças aos estudos empenhados, vários “mapas” foram 
elaborados com diferentes qualidades de resolução, trazendo a localização de 
genes responsáveis por enfermidades, bem como a seqüência de fragmentos de 
DNA medicamente relevantes. Em 14 de abril de 2003, os pesquisadores do 
 
4Cf. BERNARD, Jean. Da biologia à ética. Trad. por Reina Castilho. Campinas/SP: Psy II, 1994. p. 
29. 
 27 
“Projeto Genoma Humano” anunciaram oficialmente o seqüenciamento de 
3.000.000.000 de bases do DNA da espécie humana. Atualmente, grandes 
esforços são despendidos na aquisição de técnicas e instrumentos para o traçado 
de mapas, com o fim de reduzir o custo e aumentar a eficácia da investigação, 
quando a contribuição da informática desponta como decisiva.5 
O contexto científico contemporâneo acena para a concretização 
de antigas idéias de ficção científica de Aldous Huxley, reveladas na obra 
Admirável mundo novo, cuja primeira edição remonta ao ano de 1932. Mais 
importante, demonstra que o progresso da genética deriva da aproximação entre 
a ciência e a técnica, e desnuda o fenômeno cultural intitulado tecnociência, 
caracterizado pela tendente homologia entre o conhecer - pesquisa ou 
investigação pura (ciência) - e o fazer - emprego dos resultados das descobertas, 
consumado mediante a aplicação técnica do conhecimento.6 Nesta seara, situa-se 
a biotecnologia que significa o conjunto de técnicas em que são usadas as 
propriedades do material biológico para múltiplos fins, como segurança ambiental, 
alimentar, agronegócio, terapia gênica, alimentos geneticamente modificados, 
vacinas e clonagem. 
Sem embargo dos benefícios que apresenta para a sociedade 
presente e das inúmeras expectativas para o porvir, a biotecnologia agrega novos 
riscos, porque as descobertas, além de idealizarem um contexto até então apenas 
cogitado, não poucas vezes estão calcadas em procedimentos que trafegam pela 
fase experimental, com projeção de efeitos não dominados ou inimagináveis. 
 
5Cf. ROMEO CASABONA, Carlos María. Genética e direito. In: ROMEO CASABONA, Carlos 
María (Org.). Biotecnologia, biodireito e bioética: perspectivas em direito comparado. Trad. por 
José Carlos Sampaio Rodarte. Belo Horizonte: Del Rey; PUC-MG, 2002. p. 24-25. 
6A palavra técnica provém do grego teknicas , que significa fazer bem algo. 
 28 
Preocupado com o tema, Ulrich Beck debruçou-se sobre o 
modelo macrosociológico da era pós-industrial, desenhando seus caracteres, 
entre os quais, por ora, são pontuados os mais enfáticos. O primeiro reside na 
diferenciação entre a causa e o potencial dos grandes perigos atuais e os de 
épocas pretéritas. Enquanto outrora os perigos decorriam de desastres naturais 
ou pragas, no presente são marcados pelo artificialismo, pois fabricados pelo 
homem, dependentes de sua decisão e atuação. A par disso, porque ligados à 
exploração da energia nuclear, de produtos químicos, de recursos alimentícios, 
ecológicos ou, frise-se, genéticos, os novos riscos afetam a humanidade como um 
todo e, sendo assim, tendem a uma difusão avassaladora, incluindo 
possibilidades de autodestruição coletiva, acentuadas pelo fenômeno da 
globalização.7 
A segunda peculiaridade, também apontada por Beck, está nas 
conseqüências dos riscos da modernização, posto que, além das primárias, se 
verificam outras, secundárias (Nebenfolgen), que correspondem a efeitos 
indesejados, não previstos ou imprevisíveis, desencadeados nas esferas social, 
econômica e política, os quais, na opinião do sociólogo, correspondem ao 
potencial político das catástrofes. Na sua ótica, os perigos anteriores à 
industrialização eram passíveis de imputação ao destino, às forças da natureza, 
aos deuses, enfim ao fatalismo, e por isso nenhuma resposta se esperava do 
Direito, ao passo que, nos perigos artificiais, onde as respectivas decisões partem 
do ambiente industrial ou técnico-econômico, abre-se margem para a 
responsabilidade pela conseqüência indesejada, campo onde, ao lado das 
 
7Ulrich Beck, Risikogesellschaft Auf dem Weg in eine andere Moderne, Frankfurt am Main 1986, p. 
31, 48, 52 e 103, e Revista de Occidente, n. 150, nov./93, p. 25-33, apud MENDONZA BUERGO, 
Blanca. El derecho penal en la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas, 2001. p. 24-28. 
 29 
pessoas individualizadas, figuram, como possíveis alvos, as autoridades 
administrativas e as empresas implicadas. 8 
Não são poucas as dificuldades a serem trabalhadas no universo 
jurídico, porque, como ainda adverte Beck, são insuficientes as regras tradicionais 
de causalidade e de responsabilização, o que se denota na maioria das atividades 
que exigem a inter-relação de tecnologias, em funcionamento dentro de contextos 
coletivos intricados, quando, muitas vezes, a multiplicidade das ações confere azo 
à irresponsabilidade. 9 
Baseado em tais ponderações, Beck distingue três sociedades: I) 
a tradicional, em que a origem e os efeitos dos riscos são individualizados e 
facilmente constatáveis; II) a industrial, em que a ordemdos riscos segue 
individualizada, mas os efeitos são coletivos; III) a de risco, referente à etapa atual 
(pós-industrial), em que, além dos perigos tradicionais e industriais, se instalam 
outros, cuja origem é, desde logo, generalizada e os efeitos são coletivos, 
residindo, nesses atributos, os seus principais entraves.10 
Em decorrência da nova ordem, a sociedade atual, para Jesús 
María Silva Sánchez, padece de sensação de insegurança subjetiva (“sociedade 
do medo”), que pode advir independentemente de riscos reais, seja em razão da 
velocidade das mudanças, seja em função do acesso quase que instantâneo de 
sua ocorrência, em virtude da evolução dos meios de comunicação, o que se 
traduz numa demanda pública ascendente por normas de controle.11 
 
8MENDONZA BUERGO, Blanca. op. cit. 
9Id. Ibid. 
10Ulrich Beck, Die Erfindung des Politische, Frankfurt am Main 1993, p. 39-41, apud LÓPEZ 
BARJA DE QUIROGA, Jacob. El moderno derecho penal para una sociedad de riesgos. Poder 
Judicial, Madrid, n. 48, 3. época, p. 293, 1997. 
11Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión de derecho penal: aspectos de la política 
criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999. p. 21-28. 
 30 
Essas reflexões revelam, na precisa lição de Figueiredo Dias, a 
superação de uma era em que os riscos provinham de forças da natureza ou de 
ações individualizadas, próximas e definidas, para a contenção das quais era 
bastante a tutela dispensada aos bens clássicos (vida, corpo, saúde, patrimônio). 
É anunciada uma nova sociedade, exasperadamente tecnológica, massificada e 
global, onde os riscos, globais ou tendentes a tanto, podem ser produzidos em 
tempo e lugar largamente distanciados da ação que os originou ou para eles 
contribuiu e podem gerar, como conseqüência, pura e simplesmente, a extinção 
da vida.12 
A mudança instiga reformas nas estruturas política e jurídica que, 
se efetivadas, provocariam a passagem do Estado Liberal Clássico para o Estado 
de Prevenção, que é mais permeável à expansão desmedida do direito penal, 
como admoesta Alessandro Baratta.13 A grande missão do penalista está na 
busca do equilíbrio, para, de um lado, evitar a exclusão do direito penal em 
questões fundamentais, como a preservação do Planeta e das espécies, e, de 
outro, para banir ingerências meramente simbólicas, inócuas na prática, e que 
conferem às normas penais o papel equivocado de compensar o déficit estatal e 
social de controle da tecnologia. A noção de proporcionalidade apresenta-se 
como aparato valioso na tarefa, auxiliando no balanceamento de bens. 
 
 
 
 
12Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal: sobre os fundamentos da 
doutrina penal. Sobre a doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Ed., 2001. p. 158. 
13BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y simbólicas del derecho penal: una discusión 
en la perspectiva de la criminología crítica. Trad. por Mauricio Martínez Sánchez. Pena y Estado: 
función simbólica de la pena, Barcelona, n. 1, p. 44-45, sept./dic. 1991. 
 31 
1.1.2 Conceitos científicos básicos 
 
O controle jurídico das atividades científicas depende do manejo 
de certos conceitos inerentes à biologia, porque são com freqüência importados 
pelo legislador diretamente do campo fenomênico para o mundo normativo. 
Desde logo, são expostos os mais usuais. 
O cromossomo consiste em estruturas cuneiformes situadas no 
núcleo de uma célula que armazenam e transmitem informação genética: é a 
estrutura física portadora dos genes. Está composto essencialmente de DNA ou 
ADN.14 Cada espécie tem um número próprio de cromossomos. O gene é a 
unidade de informação hereditária, situada no cromossomo, e que determina as 
características de um indivíduo.15 O genoma é o conjunto de genes, ou seja, o 
conjunto da informação genética do cromossomo. O genótipo significa a 
constituição genética do indivíduo, isto é, a classe de genes que pessoalmente 
herdou, formando uma espécie em particular. Da interação do genótipo com as 
condições ambientais, resulta o fenótipo, que configura o aspecto ou aparência do 
indivíduo em relação à espécie.16 
 
14O DNA é um filamento alongado, formado por dois filamentos paralelos, enrolados em eixo 
imaginário, em forma helicoidal de escada. Cada filamento é composto por uma cadeia de 
moléculas ou bases nitrogenadas seqüenciais, quais sejam A, T, C e G (adenina, tinina, citosina 
e guanina). Cada base de filamento se emparelha de forma precisa e determinada com a base 
de outro filamento ou cadeia, ou seja, A-T, T-A, C-G e G-C. Não é possível a combinação, por 
exemplo, A-G, quando se está diante de erro ou mutação. No DNA humano, há cerca de três 
milhões de pares de bases. A linguagem (estrutura química) é a mesma, pois, como ensina 
Dussaut, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1980: “É apenas a ordem com que estas 
quatro letras se sucedem o que diferencia a roseira ou o milho de uma bactéria, de um elefante 
ou de um homem”. 
15Recorrendo à representação gráfica de agrado dos biólogos, pode-se dizer que o código 
genético seria um dicionário; as bases nitrogenadas do DNA seriam as letras; os aminoácidos, 
compostos por três bases agrupadas que, combinadas, formam as proteínas, corresponderiam 
às palavras. 
16Cf. MARTÍNEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São Paulo: IBCCrim, 1998. 
p. 23-24. 
 32 
O certo grau de maleabilidade que caracteriza o genoma permite 
nova combinação de genes mediante dois mecanismos naturais: a recombinação 
genética e a mutação. A recombinação genética cons titui o intercâmbio de 
informação hereditária entre 2 dois organismos independentes, o que acarreta 
combinação diferenciada de genes e facilita o aparecimento de organismos 
variantes dentro de uma espécie. Opera nos ciclos de reprodução humana, de 
modo que o novo ser possuirá 50% (cinqüenta por cento) da informação genética 
de cada um dos seus progenitores. A mutação genética é o mecanismo pelo qual 
um gene sofre uma transformação repentina, que resultará em nova forma.17 
A recombinação e a mutação podem ocorrer artificialmente 
graças aos avanços tecnológicos da genética, entre os quais avulta a 
manipulação genética que assume dupla acepção. 
Em sentido estrito, corresponde à engenharia genética ou à 
manipulação genética molecular, cujo material de trabalho está nas seqüências 
de DNA onde se encontram os genes. A engenharia genética engloba o conjunto 
de técnicas do DNA recombinante, conforme o art. 3º, V, da Lei Federal n. 8.974, 
de 5 de janeiro de 1995 18 e o art. 3º, IV, da atual Lei Federal n. 11.105, de 24 de 
março de 2005.19 
 
17MARTÍNEZ, Stella Maris. op. cit., p. 23-25. 
18Cf. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo. Direito ambiental e patrimônio 
genético. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 151. 
19Em 31 de outubro de 2003, foi apresentado Projeto de Lei de autoria do Executivo à Câmara dos 
Deputados, estabelecendo novas regras sobre a segurança e a fiscalização de organismos 
geneticamente modificados. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro de 
2004. Enviado ao Senado, a Casa aprovou o projeto substitutivo do senador Ney Suassuna, em 
6 de outubro daquele mesmo ano, por 53 (cinqüenta e três) votos a favor, 2 (dois) contra e 3 
(três) abstenções. Retornando a Câmara, em 3 de março de 2005, foi aprovado o substitutivo do 
deputado Darcísio Perondi, por 352 (trezentos e cinqüenta e dois) votos a favor, 60 (sessenta) 
contrários e 1 (uma) abstenção. Finalmente, foi sancionado em 24 de março daqueleano, e 
consubstancia a Lei n. 11.105/05, que atualmente regula a matéria. 
 33 
Descobertas em 1972 por Paul Berg, as técnicas do DNA 
recombinante são operacionalizadas pela modificação, inserção, substituição ou 
supressão de genes (fragmentos de DNA). A inserção ou adição consiste na 
introdução na célula de um gene ausente no genoma. A modificação transforma o 
gene defeituoso. Na substituição, extrai-se o gene anômalo e coloca-se o normal 
em seu lugar. Na supressão, o gene é retirado ou neutralizado.20 
Em sentido amplo, a manipulação genética inclui, ao lado da 
manipulação molecular, a análise dos genes e as intervenções não-moleculares, 
que se consumam sobre as células, os tecidos e os órgãos, especialmente na 
fase embrionária, com destaque para a hibridação e clonagem.21 
Em outro posto, estão as técnicas de reprodução assistida que, 
em si mesmas, não alteram o patrimônio genético humano nem o recombinam 
fora dos padrões naturais da espécie. Promovem, exclusivamente, o manuseio de 
gametas e embriões, para a concepção de um ser humano por meios não-
naturais, pelo que são chamadas, em seu todo, de manipulação ginecológica.22 
Entretanto, é patente a proximidade entre as técnicas em apreço e a manipulação 
genética, porquanto aquelas colocam, em laboratório, à disposição dos cientistas, 
os gametas, as células e os embriões, facilitando, à saciedade, a manipulação de 
suas propriedades biológicas. 
 
 
 
 
20Cf. HOMS SANZ DE LA GARZA, Joaquin. Avances en medicina legal ingeniería genética, 
alteraciones psíquicas y drogas. Barcelona: Bosch, 1999. p. 22. 
21Cf. BENÍTEZ ORTUZAR, Ignácio Francisco. Aspectos jurídico-penales de la reproducción 
asistida y la manipulación genética humana. Madrid: Edersa, 1997. p. 31-32. 
22Cf. MARTÍNEZ, Stella Maris. op. cit., p. 23. 
 34 
1.1.3 A ciência e a ética da responsabilidade 
 
Nos últimos 500 (quinhentos) anos, graças ao processo de 
secularização e modernidade, o homem paulatinamente passou a ser 
considerado como o sujeito, o senhor e o proprietário do mundo. Na percepção de 
Anselmo Borges, o giro consagrou a razão técnico-instrumental que, centrada no 
manejo de meios para o controle do universo, exclui considerações teleológicas, 
resumindo-se na lógica do domínio da ação.23 
Sob tal ótica, as ciências da natureza, entre as quais a 
biomedicina, podem ser imaginadas de forma desapegada do meio social, como 
se estivessem numa redoma envolvida pelo manto da neutralidade. O 
pensamento estimula aventuras técnicas ilimitadas, como aquelas dirigidas à 
substituição da casualidade, em que as aleatórias combinações naturais cedem 
enorme espaço para a seleção intervencionista (escolha arbitrária de gametas ou 
embriões para a fecundação assistida, clonagem reprodutiva para cópia de uma 
determinada pessoa). 
Embora o determinismo mecanicista deposite nas mãos dos 
homens poderes antes impensáveis, o desprezo científico pelo fim é apenas 
provisoriamente sustentável. Conquanto a investigação pura (técnicas para as 
descobertas) seja, em princípio, imparcial porque voltada para o conhecimento, 
sempre está condicionada por certas finalidades, as quais integram um processo 
impregnado de escolhas. De fato, a seleção do objeto investigativo e a eleição de 
um entre múltiplos meios englobam uma opção valorativa entre os benefícios e os 
custos de dada pesquisa. 
 
23BORGES, Anselmo. O crime económico na perspectiva filosófico-teleológica. Revista 
Portuguesa de Ciências Criminais, Coimbra, ano 10, fasc. 1, p. 13-15, jan./mar. 2000. 
 35 
Em meio às preferências, a lógica do conhecimento interage com 
fatores históricos, culturais, financeiros e políticos, ou seja, com os caracteres do 
meio social. Destarte, não há ciência totalmente neutra e, ante a conscientização 
dessa realidade, a razão instrumental, porque em extrema penúria de fins e 
deserto de sentido, entra, nos dizeres de Anselmo Borges, em colapso.24 O 
embaraço nos dias de hoje é flagrante no âmbito das novidades genéticas, 
porque muitos dos riscos que provocam nunca foram pensados. 
Para superar a crise, o autor português propõe, com acerto, a 
conscientização de que as novidades científicas, se ameaçam, fazem-no a todos, 
cabendo à humanidade presente, se quiser ter futuro, portar-se como sujeito 
comum da responsabilidade pela vida.25 Via de conseqüência, no exercício de 
atividade científica, cada um dos seres humanos deve fiscalizar e ser fiscalizado, 
de maneira que delimite seu comportamento pelo binômio liberdade-
responsabilidade, salientado por Maria Garcia.26 
O binômio não se impõe para cercear o desenvolvimento 
científico, o que seria negativo para todos, senão para destacar critérios 
humanitários que orientem as pesquisas e a técnica e, nesse propósito, a ética 
ganha espaço. A palavra, dotada de forte carga emotiva, é empregada nos mais 
variados contextos, o que lhe confere aparente confusão de sentido27 que pode 
ser diluída pela diferenciação entre ética e moral. 
Segundo Marco Segre e Cláudio Cohen, a moral assume as 
seguintes características: “1. seus valores não são questionados; 2. eles são 
 
24BORGES, Anselmo. op. cit., p. 23-24. 
25Id. Ibid., p. 31. 
26Cf. GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da 
responsabilidade. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 260. 
27Cf. NALINI, Renato. Ética geral e profissional. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. 
p. 5. 
 36 
impostos; 3. a desobediência às regras pressupõe um castigo”.28 Já a ética é 
recoberta por outros atributos: “1. percepção dos conflitos (consciência); 2. 
autonomia (condição de posicionar-se entre a emoção e a razão, sendo que essa 
escolha de posição é ativa e autônoma); 3. coerência”.29 
Guy Durand apresenta a moral como termo que, associado à 
prática (ao comportamento), forma um sistema fechado de normas, de ordem 
religiosa ou confessional. A ética aparece como ciência da conduta, que tem por 
objeto a moral e opera em questionamento secular, pluralista, prospectivo e 
aberto.30 
Pode-se afirmar que a norma moral é um imperativo de conduta, 
consagrado como tal, cuja violação redunda em sanção. A ética, por sua vez, é o 
estudo sobre as normas morais, que permite preencher vazios normativos ou 
questionar o motivo pelo qual uma conduta é considerada boa para dada 
concepção axiológica de partida e não para outra, a fim de que, expostos os 
fundamentos, seja possível externar objetivamente a preferência.31 
Em meio à tensão valorativa despertada pela biotecnologia, toma 
assento a ética, ou melhor, a bioética, não a bio-moral, porque os 
comportamentos, conquanto envolvam opções valorativas, são social ou 
religiosamente controvertidos, bem como dificilmente reguláveis por ditames 
precisos e fechados. 
 
28COHEN, Cláudio; SEGRE, Marco. Definição de valores, moral, eticidade e ética. In: SEGRE, 
Marco (Org.). Bioética. São Paulo: Edusp, 1998, p. 15-16. 
29Id. Ibid., p. 17. 
30DURAND, Guy. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumento. Trad. por Nicolás 
Nyimi Campanário. São Paulo: Loyola, 2003. p. 74-75. 
31Segundo Nicola Abbagnano, a palavra ética permite as seguintes acepções: 1ª) a ciência do fim 
para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzido 
tanto o fim quanto os meios da natureza do homem (ética teleológica); 2ª) ciência do móvel da 
conduta humana, com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta (ética deontológica), cf. 
ABBAGNANO,Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 380 e 682. 
 37 
O raciocínio é complementado por Peter Singer ao explicar que o 
desafio ético não está no oferecimento de ditames comportamentais para 
diferenciar o bem e o mal, mas em “preparar homens e mulheres para tomar a 
decisão”.32 O debate ético alimenta a esperança de que a sociedade não 
compreenda a genética “unicamente por su valor cognoscitivo (...) sino por lo que 
significa para el hombre y desde el hombre”.33 
Enfim, as ponderações éticas atuam como suporte da ciência, 
com o intento de conscientizar pesquisadores, clínicos e pacientes sobre a 
essência humana, ao avultarem que a liberdade, retrato mais fiel da imagem 
humana, não se realiza no plano individual, mas na convivência entre as pessoas, 
no mundo naturalmente social, o que obriga cada um à atitude de respeito 
perante o outro e de solidariedade perante o todo, implicando atribuição de 
responsabilidade, postura essa que consubstancia a denominada ética da 
responsabilidade, defendida por Maria Garcia.34 
 
1.2 A bióetica 
 
1.2.1 A origem da bioética 
 
O termo Bioética deriva da fusão de vocábulos de origem grega – 
bio (vida) e ethos (ética). As raízes semânticas remetem às preocupações 
daquela civilização: a relação entre a natureza, criadora da força física, e a 
 
32SINGER, Peter. Perito em dilemas de vida e morte. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 
2005. p. J-3. 
33GONZÁLEZ, Juliana. Valores éticos de la ciencia. In: VÀZQUEZ, Rodolfo (Comp.). Bioética e 
bioderecho: fundamentos y problemas actuales. México: Itam - Instituto Tecnológico Autónomo 
de México; Fondo de Cultura Económica, 1999. p. 28. 
34Cf. GARCIA, Maria. op. cit., p. 213 e ss. 
 38 
sociedade, artífice de regras de conduta. O vocábulo foi introduzido, no léxico 
contemporâneo, pelo oncologista Van Renssealer Potter, de Wisconin, ao 
escrever um artigo intitulado The science of survival, publicado em 1970 e, no ano 
seguinte, na obra Bioethics: bridge to the future, quando empregou o termo com 
sentido ecológico (“ciência da sobrevivência”). O pesquisador holandês André 
Hellegers, fundador do Kennedy Institute of Ethics, na Universidade de Georgetown, 
e o teólogo protestante Paul Ramsey contribuíram para o neologismo, introduzindo o 
significado atribuído na atualidade: ética da ciência da vida. 
O movimento bioético é recente, pois deflagrado há cerca de um 
século, embora suas bases sejam bem mais longínquas, sediadas na ética 
médica, na ética deontológica e na ética teleológica.35 
Na ética médica, Hipócrates (460-370 a.C.), grego pertencente a 
uma das corporações médicas mais antigas, elaborou o primeiro código de 
comportamento médico. Em seu famoso juramento, com tom paternalista, 
concebeu o médico como “guardião inapelável, acima da lei e de qualquer 
suspeita”.36 Em maior consonância com o mundo contemporâneo, em 1901, na 
Prússia, foi editada a Instrução sobre intervenções médicas com objetivos outros 
que não diagnóstico, terapêutico ou de imunização, quando foi exteriorizada, de 
modo singelo, a preocupação com o respeito à autonomia da vontade do 
paciente, garantida pelo consentimento.37 Seguiram-se as Diretrizes para novas 
terapêuticas e pesquisas em seres humanos, publicadas na Alemanha, em 1931, 
 
35Cf. DURAND, Guy. op. cit., p. 22. 
36Cf. SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: fundamentos e ética biomédica. Trad. por Orlando 
Soares Moreira. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. v. 1, p. 37. 
37Proibia as intervenções médicas com objetivos outros que não diagnóstico, terapêutico ou de 
imunização quando: a) pessoa fosse menor e não estivesse completamente em sua capacidade; 
b) a pessoa não tivesse declarado de forma inequívoca que consentia com a intervenção; c) a 
declaração não tivesse sido dada com base em explicações apropriadas das conseqüências 
adversas que pudessem resultar das intervenções propostas (cf. DIAFÉRIA, Adriana. Clonagem: 
aspectos jurídicos e bioéticos. Bauru/SP: Edipro, 1999. p. 221). 
 39 
responsáveis pela pontuação da necessidade de balanceamento entre riscos e 
benefícios.38 
Finda a “Segunda Guerra Mundial”, o holocausto estimulou a 
aprovação de vários códigos de ética médica. Entre eles, o Código de Nuremberg, 
de 1946, e o Código de Ética Médica, de 1948, publicado em Genebra pela 
Associação Médica Mundial. É celebre o Código ou Declaração de Helsinque, 
sobre a experimentação e as pesquisas biomédicas, igualmente emanado da 
Associação Médica Mundial em 1964, com as subseqüentes alterações ocorridas 
na 29ª Assembléia Médica Mundial, sediada em Tóquio, em 1975, na 35ª, sediada 
em Veneza, em 1983, na 41ª, sediada em Hong-Kong, em 1989 e na 48ª, sediada 
na África do Sul, em 1996.39 Associam-se as Diretrizes éticas internacionais para 
a pesquisa envolvendo seres humanos, publicadas em 1993, pelo Conselho 
Internacional da Organização Mundial de Ciências Médicas, em colaboração com 
a Organização Mundial de Saúde.40 
Na ética filosófica, os pilares mais remotos da bioética são 
evidenciados sob três expressões. A primeira, ligada a Aristóteles e à sua obra 
Ética a Nicômacos, aproxima a ética da política, ao preconizar o atuar contínuo 
das virtudes no âmbito cívico.41 A segunda, de tradição anglo-saxônica 
 
38Para as novas terapêuticas, exige-se: a) balanceamento entre risco e benefício; b) realização de 
testes prévios em animais; c) consentimento informado; d) emprego não consentido apenas para 
salvar vidas ou prevenir danos severos em circunstâncias especiais; e) especial consideração em 
casos que envolvam menores; f) rejeição à exploração de necessitados; g) cuidados especiais no 
uso de microorganismos vivo; h) aceitação da res ponsabilidade total do médico da instituição; i) 
documentação por escrito; j) publicação com respeito à dignidade dos pacientes. Para as 
pesquisas, acrescem-se aos anteriores, os seguintes pressupostos: a) prévia disponibilidade de 
dados em animais e de laboratório; b) não usar menores; c) não usar pessoas mortas (cf. 
DIAFÉRIA, Adriana. op. cit., p. 222). 
39Cf. SGRECCIA, Elio. op. cit., p. 41-42; DIAFÉRIA, Adriana. op. cit., p. 222-250. 
40Cf. DIAFÉRIA, Adriana. op. cit., p. 251. 
41Para Aristóteles, as virtudes são uma excelência moral. Discorre que a excelência moral, quanto 
ao gênero, cuida de disposição, a qual significa “os estados da alma em virtude dos quais 
estamos bem ou mal em relação às emoções – por exemplo, em relação à cólera estamos mal 
se a sentimos moderadamente, e de maneira idêntica em relação às outras emoções”. Quanto à 
 40 
(utilitarista), confere o valor à ação em proporção direta ao número de pessoas 
beneficiadas. A terceira, de índole kantiana, amarra-se à oposição entre coisa e 
pessoa: aquela com preço e esta com dignidade, de modo que impõe que a 
atuação de cada indivíduo seja produto de suas próprias leis, racionalizadas pela 
moral universal, isto é, pela possibilidade de se tornarem leis adotadas por 
todos.42 
Ingressa, novamente, a codificação que adveio em resposta aos 
horrores chefiados por Hitler, a começar pela Declaração Universal dos Direitos 
do Homem e pela Convenção sobre o genocídio, ambas da Organização das 
Nações Unidas, datadas de 1948. Não obstante, o mundo continuou assistindo, 
nos anos seguintes, a experimentos desvairados em seres humanos, ocorridos, 
em especial, nos Estados Unidos da América,43 e que, em razão do escândalo, 
impulsionaram a retomada de reflexão filosófica na biomedicina, que fez do país o 
berço do movimento intelectual em apreço.44 
Na reconstrução retrospectivada bioética, estão ainda as 
religiões, sobretudo a judaica, a cristã e a mulçumana, que trazem à colação a 
ampla valorização da pessoa humana e do amor ao próximo. 
 
natureza específica, decorre do “meio termo”, um equilíbrio entre dois vícios extremos, duas 
formas de deficiência moral (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego, introdução e 
notas de Maria da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Ed. da UnB, 1999. p. 40-41). 
42O imperativo universal do dever, imperativo categórico, foi enunciado por Kant nos seguintes 
termos: “Age apenas segundo a máxima tal que possas querer ao mesmo tempo em que ela se 
transforme em lei universal” KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes . 
Textos sel. por Marilena de Souza Chauí e trad. por Tânia Maria Bernkopf, Paulo Quintela e 
Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 129-130. (Os Pensadores). 
43Em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas (Jewish Chronic Disease Hospital) do 
Brooklin, nos Estados Unidos, foram realizadas experiências com pacientes idosos, com injeção 
de células tumorais vivas em seus organismos, sem que houvesse o correspondente 
consentimento. Entre 1950 e 1970, o Hospital Estatal Willowbrook (Willowbrook State Hospital), 
de Nova York, promoveu uma série de estudos sobre hepatite, através da inoculação do vírus 
vivo em crianças com retardo mental que se encontravam internadas (cf. BARCHIFONTAINE, 
Christin de Paul de; PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioétieca. São Paulo: Loyola, 2000. 
p. 22-23 e 44). 
44Cf. FROSINI, Vittorio. Derechos humanos y bioética. Santa Fé de Bogotá: Temis, 1997. p. 75. 
 41 
1.2.2 A sua conceituação e seus princípios básicos 
 
Na Encyclopedia of Bioethics, resultado da colaboração de 285 
especialistas e 330 supervisores, a Bioética foi conceituada como “estudo 
sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da 
saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios morais”.45 Transita 
entre a ética geral (filosófica) e a ética aplicada, configurando ferramenta de 
reflexão e de elaboração de critérios de orientação para a tomada de decisões 
oponíveis aos excessos estatais e aos poderes fáticos e difusos de pressão 
(financeiros, econômicos, industriais).46 
A bioética principialista nasceu nos Estados Unidos, quando o 
governo, visando estatuir parâmetros pragmáticos destinados à prática clínica, 
criou a Comissão Nacional para proteção dos seres humanos em pesquisa 
biomédica e comportamental, a qual elaborou o Belmont Report, publicado em 
1978, no qual estão os princípios mais difundidos: I) a beneficência, dirigida ao 
médico e destinada a garantir as máximas vantagens e os mínimos riscos, além 
de não causar dano (não-maleficência); II) a autonomia, que determina o respeito 
à vontade do paciente, à opção terapêutica mais adequada a seus valores 
culturais e aos custos e benefícios, bem como a tutela daqueles cuja liberdade de 
vontade é reduzida (vulnerabilidade); III) a justiça, que implica eqüidade na 
distribuição dos riscos, benefícios e enganos, decorrentes dos serviços de saúde 
em geral, o que encontra relevância nas sociedades do terceiro mundo, onde 
milhares de pessoas morrem de doenças com forma de cura consagrada, como a 
 
45Reich, W.T. (Ed.). Encyclopedia of bioethics. New York- London: The Free Press-Collier 
Macmillan Publishers, 1978, apud CLOTET, Joaquim. Por que bioética? Bioética, Brasília, v. 1, n. 
1, p. 15-16, 1993. 
46Cf. LEGA, Carlo. Manuale di bioetica e deontologia medica. Milano: Giuffrè, 1991. p. 103. 
 42 
diarréia. O Brasil acolheu expressamente e sem descriminação prévia de ordem 
de preferência os princípios em tela na Resolução n. 196, de 10 de outubro de 
1996, do Conselho Nacional da Saúde, e, conforme seu art. 1º, eles refletem a 
eticidade na pesquisa.47 
Em outubro de 2005, foi aprovada pela Organização das Nações 
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) a Declaração Universal 
sobre Bioética e Direito Humanos, texto que demandou 2 (dois) anos e 6 (seis) 
meses de intensos debates diplomáticos. Os países ricos (Estados Unidos, 
Alemanha, Canadá, Reino Unido, Japão e China) queriam reduzir o documento a 
temas médicos e biotecnológicos, em razão do interesse no livre comércio de 
patentes de medicamentos e de tecnologia. O Brasil defendeu a ampliação do 
escopo além desse campo, para atingir o social e o ambiental, costurando acordo 
com os países latino-americanos e africanos, a Índia e a Síria, a fim de atingir 
uma posição mais larga que, finalmente, foi aprovada. 
Para a Unesco, havia a necessidade de que a comunidade 
internacional contasse pelo menos com "princípios universalmente aceitáveis" na 
vasta e mutável zona da bioética. Por isso, os temas mais delicados, que 
mobilizam imensos interesses políticos, econômicos, científicos, jurídicos, 
religiosos e sociais, como a clonagem, a eutanásia, os transplantes de órgãos e a 
pesquisa com embriões, foram excluídos da minuta da declaração já em janeiro 
de 2005. 
 
47Diz o inciso III, do art. 1º: “A eticidade da pesquisa implica em: a) consentimento livre e 
esclarecido dos indivíduos-alvo e proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes 
(autonomia); b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou 
coletivos (beneficência), comprometendo-se ao máximo de benefícios e o mínimo de danos ou 
riscos; c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência); IV) relevância 
social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização dos 
ônus para os sujeitos vulneráveis”. 
 43 
O documento aborda "questões éticas colocadas pela medicina, 
as ciências da vida e as tecnologias associadas aplicadas aos seres humanos, 
tendo em conta suas dimensões sociais, jurídicas e ambientais", segundo a 
Unesco. O primeiro preceito enunciado é o "respeito à dignidade humana e aos 
direitos humanos", complementado pela prevalência dos "interesses e o bem-
estar do indivíd uo" sobre "o interesse da ciência ou da sociedade". Está previsto 
que se a aplicação dos princípios enunciados e aclamados pela comunidade 
internacional tiver que ser limitada, sê-lo-á por lei. Estabelece ainda que a 
declaração deve ser compatível com as legislações nacionais. Outros direitos 
clássicos, tais como o respeito à privacidade, a confidencialidade ou à não-
discriminação, e conceitos inovadores, como a "responsabilidade social”, prevista 
no art. 14, lembram que o progresso das ciências e das tecnologias tem como 
objetivo promover o bem-estar do indivíduo e da espécie humana. 
 
1.2.3 As relações da bioética com o Direito 
 
A bioética e o Direito ostentam, como nota comum, o fato de 
estarem no plano deontológico do dever ser, pois servem para a formulação de 
programas destinados a cumprir certas finalidades a partir de dadas condutas. 
Contudo, não se confundem. A distinção está na forma de abordagem e na força. 
A bioética é a reflexão ética sobre o impacto da revolução tecnológica na vivência 
humana. Envolve meditação ontológica: o que é a vida? Qual o valor do homem? 
Qual o destino da humanidade? Suas considerações, abertas, servem, ao lado de 
outros fatores, como base de sentido (fonte material) para a elaboração ou a 
 44 
aplicação de normas de comportamento, entre as quais estão as normas 
jurídicas, emparelhadas às morais e às sociais. 
A norma moral, segundo Norberto Bobbio, é “cumprida por 
nenhuma outrarazão além da satisfação íntima que nos leva à sua adesão, ou da 
repugnância à insatisfação também íntima que nos causa a sua transgressão”.48 
A sanção é interna, porque se desenvolve no âmbito da consciência pessoal. A 
norma social, com possível fundo moral, é dotada de sanção externa, 
representada pela reprovação, eliminação do grupo, expulsão ou linchamento. É 
falha na proporção entre a violação e a resposta, uma vez que não é 
institucionalizada, ou seja, não é regulada por regras fixas nem executada por 
membros do grupo expressamente designados. Em contrapartida, a norma 
jurídica, além de externa, é institucionalizada, porque emanada do seio da 
organização estatal, e é dotada de caráter coercitivo.49 
Nem todas as considerações sobre preceitos morais relacionadas 
à biomedicina necessitam ou têm dignidade jurídica. Não são todos os 
comportamentos que precisam ser resguardados por instrumento de controle 
social formal, como o Direito. “Uma coisa é a formação do pensamento ético 
comum que trace as pautas dentro das quais terão de caminhar a investigação e 
a experimentação nesse campo, e outra, totalmente diversa, é estabelecer a 
necessidade de atuação do direito, em seus diversos ramos, para assegurar a 
adequação da conduta dos cientistas a essas pautas aceitas por toda a 
sociedade”, escreve Stella Maris Martínez. 50 Os comportamentos de menor 
 
48BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. por Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno 
Sudatti. Bauru/SP: Edipro, 2001. p. 156. 
49Ib. Ibid., p. 157-161. 
50MARTÍNEZ, Stella Maris. op. cit., p. 62. 
 45 
importância para o convívio social são relegados à esfera em que se processam 
as normas morais. 
 
1.3 Formas de controle das ciências biomédicas 
 
O controle das ciências biomédicas não advém para impedir ou 
dificultar o progresso, mas para estabelecer o que significa progresso, afinal 
conhecer algo novo não significa necessariamente avançar se o avanço não 
trouxer proveito para a humanidade. O aludido controle opera sob quatro 
vertentes: a) o autocontrole pessoal ou profissional; b) o controle da 
administração; c) as reparações civis; d) a criminalização. 
 
1.3.1 O autocontrole pessoal ou profissional 
 
O autocontrole pode ser, em primeiro plano, realizado pelo próprio 
cientista, em sua intimidade, conforme os ditames de sua consciência. A 
transgressão à moral pessoal, no exercício do poder trazido pelo conhecimento 
especializado, restrito a alguns, acarreta remorso ou arrependimento, cuja 
ocultação social é fácil e, daí, sua fragilidade: “Siendo la natureza humana como 
es, no cabe esperar que el detentador o los detentadores del poder sean capaces, 
por autolimitación voluntaria, de liberar a los destinatarios del poder y a si mismos 
del trágico abuso del poder”, diz Karl Loewenstein.51 
 
51LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Trad. por Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: 
Ariel, 1964. p. 149. 
 46 
Em segundo plano, o autocontrole agrega-se a normas aplicadas 
pelo órgão de classe, ditas deontológicas, sob a forma estatuída no art. 22, da Lei 
Federal n. 3.268, de 30 de setembro de 1957, e no art. 17, do Regulamento do 
Conselho Federal de Medicina, aprovado pelo Decreto n. 44.045, de 19 de julho 
de 1958.52 Conforme esses dispositivos, o médico infrator fica sujeito às sanções 
disciplinares previstas em lei, quais sejam: a) advertência confidencial; b) censura 
confidencial; c) censura pública, com publicação oficial; d) suspensão do exercício 
profissional, por até 30 (trinta) dias; e) cassação do exercício profissional. 
As decisões do colegiado de classe são baseadas na Resolução 
n. 1.358, de 19 de novembro de 1992, também do Conselho Federal de Medicina, 
a qual funciona como Código de Ética Médica. 
O procedimento administrativo está regulado pelo Código de 
Processo Ético-Profissional (Resolução n. 1.464, de 6 de março de 1996, do 
Conselho Federal de Medicina), com direito a contraditório (apresentar razões, 
arrolar testemunhas, perguntar) perante a autoridade competente (Câmara do 
Conselho Regional de Medicina) e direito de recorrer para o Pleno do Conselho, 
caso a decisão não seja unânime.53 
A decisão é vinculante, de maneira que, se o médico for cassado, 
o posterior exercício da profissão será ilegal. A obrigatoriedade da observância 
das regras do Código de Ética no julgamento, bem como da decisão para o 
condenado, confere ao controle o cunho jurídico, embora não jurisdicional, de 
modo que eventual vício da decisão poderá ser apreciado pelo Poder Judiciário, 
no exercício do amplo acesso à justiça. 
 
52O Conselho Federal de Medicina constitui autarquia, isto é, pessoa jurídica de direito público, 
criada por lei, para desempenhar serviços públicos. 
53Cf. SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica: civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del 
Rey, 2003. p. 291-293. 
 47 
A sanção disciplinar pretende a tutela de interesses da categoria, 
com o intento de manter o decoro, o prestígio e a independência da profissão. A 
preocupação com o ressarcimento dos pacientes e com o impacto da atividade 
sobre os direitos do indivíduo e da coletividade, neste campo, é secundária. Por 
essa razão, precisa ser complementada por outros meios formais de controle, 
exercidos pelo Estado, para o resguardo cabal dos direitos fundamentais 
envolvidos. 
 
1.3.2 A tutela administrativa das atividades 
 
A tutela administrativa de atividades sanitárias e investigativas 
consiste em exigências que disciplinam o exercício das profissões envolvidas, 
para que se mantenham harmônicas com os demais setores sociais, além de 
úteis. 
É concretizada, num primeiro plano, pelas garantias 
administrativo-processuais, de tonalidade manifestamente preventiva: I) a 
autorização para o funcionamento de clínicas e de centros de pesquisa 
(concessão, renovação ou cassação de licenças); II) a autorização e 
acompanhamento de pesquisas (protocolos e relatórios periódicos); III) a 
regulação da divulgação ou do sigilo de dados (disciplina dos seus registros); IV) 
o controle da capacitação técnica do pessoal biomédico.54 
Em segundo plano, a tutela em epígrafe é efetivada pela 
disciplina da atividade em si mesma, com cunho preventivo ou repressivo. A 
aplicação de sanções administrativas, dotadas de coercibilidade, representa das 
 
54Cf. GARCÍA GONZÁLEZ, Javier. Límites penales a los últimos avances de la ingeniería genética 
aplicada al ser humano. Prólogo de Jaime Peris Riera. Madrid: Edersa, 2001. p. 139. 
 48 
mais importantes expressões do poder de polícia conferido à Administração 
Pública. 
A modalidade em epígrafe está consagrada na Constituição 
brasileira, onde é conferida competência ao poder público para regulamentar, 
fiscalizar e controlar as ações e serviços de saúde (art. 196), bem como as 
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, 
§1º, II e V).55 
A matéria foi originalmente regulamentada pela Lei n. 8.974/95 
que, inspirada nas Diretivas 90/219 e 90/220, ambas da Comunidade Européia, 
autorizou a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), 
regulamentada pelo Decreto n. 1.752, de 20 de dezembro de 1995. Após, o 
aludido diploma legal foi revogado pela Lei n. 11.105/05 que, reestruturando a 
mencionada Comissão, inseriu-a no âmbito do Ministério da Ciência e da 
Tecnologia, resguardando sua competência consultiva e deliberativa, inclusive 
para propor a Política Nacional de Biossegurança.56A nova lei também criou o 
Conselho Nacional de Biossegurança (CNBio), órgão de assessoramento 
vinculado à Presidência da República. 
Repetindo o equívoco da Lei de Biossegurança de 1995, a Lei n. 
11.105/05 mescla as intrincadas questões éticas relativas aos embriões humanos 
às técnicas sobre plantas transgênicas. Os temas nem sequer são equiparáveis 
em sua operatividade. A transgenia envolve, principalmente, a manipulação do 
DNA de plantas para torná-las mais resistentes a herbicidas e a pragas, enquanto 
 
55Na mesma linha, a Constituição espanhola incumbe aos poderes públicos a proteção da saúde 
(art. 43). A Constituição italiana reza, na mesma esteira, que à República cabe a tutela à saúde. 
56Biossegurança é o conjunto de normas legais e regulamentares que estabelecem critérios e 
técnicas para a manipulação genética, no sentido de se evitarem danos ao meio ambiente e à 
saúde humana. O conjunto de normas é estabelecido pela CTNBio (cf. SIRVINSKAS, Luís Paulo. 
Tutela penal do patrimônio genético. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 790, p. 475-
494, ago. 2001). 
 49 
as pesquisas com células-tronco abarcam o cultivo de células para pesquisas de 
doenças e possíveis tratamentos em seres humanos, sem desenvolvimento de 
engenharia genética. 
 A junção dos assuntos num único texto obscureceu as 
implicações filosóficas, científicas e religiosas que permeiam biotecnologia 
relacionada à genética humana, como também as celeumas científica, 
ambientalista, de mercado e de saúde que rodeiam os transgênicos. Em 
contrapartida, atendeu aos interessados na liberação da soja transgênica, eis que 
poderiam contar com a dor das mães que têm crianças com deficiência e dos 
próprios enfermos que compareceram nas Casas Legislativas e que foram aos 
meios de comunicação propalar suas esperanças de cura. É inegável ainda que 
se colocou o interesse dos pesquisadores na aprovação do projeto da forma com 
que se encontrava, já que, separadas as matérias, quiçá fosse retardada a 
esperada autorização para pesquisas com células-tronco embrionárias 
congeladas. 
Nos incisos do art. 6º, da Lei n. 11.105/05, estão relacionados os 
ilícitos administrativos. A maioria refere-se aos organismos geneticamente 
modificados: I) implementação de projeto para sua obtenção sem manutenção de 
registro de seu acompanhamento individual (inciso I); II) sua destruição e seu 
descarte no meio ambiente, incluindo seus derivados, em desacordo com as 
normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e 
fiscalização, ou sua liberação no meio ambiente ou no mundo comercial, sem 
aprovação da CTNBio (incisos V e VI); III) utilização e comercialização, registro, 
patenteamento e licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso, que 
se reportem a vegetais (inciso VII). O inciso II alude à engenharia genética de 
 50 
organismo vivo que, segundo a lei, pode ser um vírus , e ao manejo in vitro de 
ADN/ARN natural ou recombinante, punindo os casos que se façam em 
desacordo com a lei. No ramo específico da genética humana, a engenharia 
genética, em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano (inciso 
III); e a clonagem humana (inciso IV) restam punidas administrativamente . 
Entre todas as modalidades, apenas as previstas nos incisos I e II 
não estão tipificadas como ilícitos penais, o que implica reincidência do que se 
verificou com a Lei n. 8.974/95, que praticamente estabelecia equivalência entre os 
ilícitos administrativos e penais, previstos, respectivamente, em seus arts. 8º e 13. 
As sanções seguem a disciplina imposta pelo art. 21, da Lei n. 
11.105/05, própria para pessoas jurídicas (salvo a advertência), variando entre a 
multa, a interdição ou intervenção no estabelecimento e a perda de possibilidade 
de contratação com a Administração Pública ou de incentivos fiscais. Nesse 
ponto, o diploma atual supera em muito o regime instituído pela Lei n. 8.475/95, 
que se restringia à multa. 
A par disso, a Resolução n. 196, do Conselho Nacional de Saúde, 
ligado ao Ministério da Saúde, ao disciplinar as pesquisas com seres humanos, 
regula a atuação dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a Comissão 
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS). A pesquisa relativa à genética ou à 
reprodução assistida está condicionada a parecer favorável do Comitê e à 
posterior aprovação pela referida Comissão (capítulos VII.13 e V III. 4.c.1). 
Ao Comitê cabe o acompanhamento dos projetos aprovados, o 
recebimento de denúncia de abuso ou notificação sobre fato adverso que possa 
alterar o curso do estudo, decidindo sobre a continuidade, modificação ou 
suspensão da pesquisa. Deve ainda requerer a instauração de sindicância à 
 51 
direção da instituição em caso de denúncia de irregularidades de natureza ética 
nas pesquisas (capítulo VII.13). 
 
1.3.3 Tutela civil no âmbito da biomedicina 
 
A tutela civil é exercida principalmente pela reparação do dano. 
Dentro de seus contornos, está o erro médico ou científico que, sob a ótica 
jurídica, corresponde ao mau resultado involuntário, oriundo de imprudência, 
imperícia ou negligência (Código de Ética Médica, art. 29). 
O direito brasileiro é expresso em relação aos organismos 
geneticamente modificados (OGMs), sobre os quais o art. 20, da Lei 11.105/05, 
na esteira do art. 14, da Lei n. 8.975/95, estabelece responsabilidade 
independente da existência de culpa para indenizar ou reparar danos causados 
ao meio ambiente e a terceiros afetados. 
 
1.3.4 Tutela penal na seara da biomedicina 
 
Na seara da biotecnologia, é tendência mundial aquela segunda a 
qual o legislador opta pelo recurso ao direito penal, na medida em que os 
sistemas extrapenais revelam-se insuficientes ou inadequados na tutela dos bens 
jurídicos da mais alta hierarquia constitucional ameaçados, como lembra Silva 
Franco.57 
 
57Cf. FRANCO, Alberto Silva. Genética humana e direito. Bioética, Brasília, n. 4, p. 3, 1996. 
 52 
 No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei n. 11.105/05 regula os 
crimes relativos à manipulação genética humana lato sensu, fazendo-o em 3 
(três) artigos. 
O art. 25 tipifica a conduta de praticar engenharia genética em 
célula germinal humana, zigoto ou embrião. A figura guarda relação com o art. 13, 
I, da Lei n. 8.974/95, onde se vedava a manipulação genética de células 
germinais humanas, embora o supere tecnicamente ao trazer o verbo praticar em 
substituição ao substantivo manipulação, além de contar com definição, em seu 
próprio texto, das expressões engenharia genética e, ainda, de célula germinal 
humana, melhor respeitando o princípio da taxatividade. 
No art. 24, a Lei n. 11.105/05 veda o uso de embrião em 
desacordo com seus preceitos e, em virtude de alteração promovida pelo Senado 
Federal, inova de modo bastante polêmico ao permitir a utilização, em pesquisas, 
do embrião inviável e do embrião já congelado por mais de 3 (três) anos. As 
primeiras pesquisas com as células-tronco embrionárias foram autorizadas em 
setembro de 2005, estreando porém de modo tímido, porquanto entre os 41 
(quarenta e um) projetos aprovados, apenas 3 (três) trabalharão exclusivamente 
com células-tronco de embriões humanos.58 
Finalmente, no art. 26, é vedada a realização de clonagem 
humana e, não obstante as várias definições do termo trazidas no art. 3º 
(clonagem, clonagem para fins reprodutivos, clonagem terapêutica), nenhuma 
delas abrange indubitavelmente a presente. A polêmica técnica, em seu todo, na 
 
58Os 3 (três) projetos sobre células-tronco embrionárias

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