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A CRIANÇA E O LIVRO [Fevereiro/2003] Pra mim, livro é vida, desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. (Lygia Bojunga Nunes) Os Pais Como Modelos A relação criança/livro só ocorre com essa intensidade se os estímulos forem dados desde os primeiros anos de vida. Assim, incalculáveis iniciativas por parte de profissionais - entre eles professores, bibliotecários e livreiros - têm sido tomadas, visando aproximar a criança do livro, despertando nela o prazer pela leitura. Porém, esses esforços podem rolar água abaixo se no dia-a-dia os pais, os maiores modelos, não se mostrarem interessados pelos livros. Por mais simpáticos e atenciosos que sejam os profissionais do livro, nada substitui a relação afetiva entre pais e filhos no momento da leitura. Se o pai e a mãe entram numa livraria para comprar um livro ou numa biblioteca para emprestar um livro e lê para seu filho, torna-se cúmplice dele. E essa cumplicidade é o toque mágico que aproxima, que une, que apaixona, que completa, que amplia uma relação. E esse comportamento passa a ser copiado. Essa criança tem tudo para ser um leitor. Histórias para dormir A prática de se contar estória antes de dormir debaixo dos cobertores, se perdeu... Hoje, a maioria das mães trabalha fora e no final do dia está exausta. Hoje, a televisão ocupa o pouco do tempo de lazer que os adultos possuem. Assim, raras são as crianças que têm o privilégio de dormir mergulhando no mundo maravilhoso das estórias infantis. Logo hoje, que os livros brasileiros estão cada vez mais ricos em texto e ilustração. Campanhas estão sendo feitas para voltar-se a esses hábitos. Professores também Outro modelo para as crianças e jovens são os professores e deles depende também o estímulo à leitura. A indicação precisa estar envolta numa nuvem de emoção. E para que atinja o seu objetivo, o professor precisa estar atento às necessidades e interesses dos seus alunos e, no mínimo, gostar de ler. Muitos professores, na ânsia de cumprir etapas de currículos, acabam por escolher livros desinteressantes e massantes, afastando o leitor do livro. Leitor adulto Se o adulto sente o desejo de recuperar o tempo e iniciar suas leituras, deve procurar leituras curtas, em geral com temas do cotidiano e de humor. O mais importante, é que cada leitor faça o seu próprio ritmo, encontre seu caminho e consiga uma vivência prazerosa com os livros. ERA UMA VEZ... [Março/2003] Era uma vez uma história de verdade, onde tinha uma tia de verdade, que curtia pra valer o seu sobrinho Fernando de sobrenome Spagnuolo. Fernando morava em Londrina e estudava numa Escola chamada Pequeno Polegar, mas o Fernando era grande. Ele tinha 9 anos e tinha uma paixão... Fernando era maluquinho por livros, lia todos os livros que caíam em suas mãos (os que não caíam ele pegava). Essa tia, que era muito especial, leu na Folha de Londrina sobre o livro Eu e a minha luneta da Editora Formato e quis comprar o livro para dar de presente ao Fernando. Na livraria a dona não queria vender, pois estava apaixonada pela luneta do livro e tinha comprado só um, pra ela (muito egoísta). A insistência de Marta fez a dona da livraria ficar curiosa (ela é sempre muito curiosa) e a tia acabou contando que além de ler muito, Fernando escreve coisas incríveis. - Vou trazê-lo aqui, para você conhecer! Aí, a história continuou e eu conheci o Fernando. E eu também fiquei fã dele. Virei tia coruja também. Descobri as coisas criativas que ele escreve... Idéias de Fernando ... uma pequena zebrinha que estava cansada de usar pijama listrado, só preto e branco... resolveu comprar tecido vermelho e outro branco. Foi para a loja comprar uma máquina de costura. Voltou para a floresta e deu uma roupa branca com bolinhas vermelhas para todas as zebras... Ou ... e caí num planeta com seres bem diferentes! Eles tinham poderes e raios. Um deles com 6 pernas me atingiu com um RP (raio paralisante). Eu fiz amizade com um extraterrestre que estica o pescoço e tem dentes enormes, pés pequenos, coração que brilha, rosto chato e é gorduchinho... Ou Cenas do cotidiano Quando Fernando nasceu, ele foi muito bem recebido: - Toma, filho, a chave da cidade! No nascimento de sua irmãzinha, ele escreve: - Quem é essa estranha criatura que quer roubar os meus poderes? Estímulo constante Atualmente, no Brasil, muitas inovações e pesquisas estão sendo feitas com o propósito de estimular na criança o prazer em ler, além de despertar o senso crítico e a capacidade para desenvolver o texto. Esse estímulo, muitas vezes está na disponibilidade de tempo e paciência para ouvir a criança e também num simples afago. É importante que pais e professores estejam atentos para levar a criança a "falar o mundo", "ler o mundo" e "escrever o mundo". EU JOGO, TU JOGAS, ELE É JOGO [Abril/2003] O elemento lúdico é essencial na conquista e formação do leitor, ele aparece no livro infantil em forma de rimas, travalínguas, músicas, cartas enigmáticas, embaralhamento de páginas, movimentação de peças, cortes/recortes, dobraduras, etc. O ato de brincar, além de ser estimulante, torna o leitor mais participativo. Nesse exercício democrático só não vibra, não se apaixona quem não tem acesso ao livro. Vários escritores e ilustradores nacionais e estrangeiros criam livros-jogos; que provocam alvoroço junto às crianças e os jovens. O enigma, o suspense, a poesia e o humor são os melhores temperos para se fazer do livro um brinquedo prazeroso. O leitor decide ... o monstro avança em tua direção furibundo de raiva! Se você acha que é mole liquidá-lo com um golpe de karatê, vá para a página 37. Se você está se pelando de medo fuja para a página 41. Este é um delicioso convite à aventura encontrado nos textos da Coleção Agora Você Decide da EDIOURO. Aqui o leitor escolhe evitar perigos ou desafiar a sorte. Não existe uma norma estabelecida, uma seqüência rígida. É ler e escolher o seu final. O leitor procura Outro tipo de livro-jogo é o famoso Onde está o Wally? com várias reimpressões, editado pela Martins Fontes desde 1990, hoje tendo outros volumes, com aventuras na praia, no camping, na estação, no estádio. Esta coleção, além de aguçar no leitor a percepção, provoca na família (ou na vizinhança) a competição em achar com rapidez o Wally. O ilustrador e escritor Ziraldo, lançou uma versão humorada do Wally chamada Onde está o Menino Maluquinho? que, ao inverso do Wally, está em quase todos os lugares e o leitor precisa descobrir onde ele não está. O leitor abre janelas Que o livro abre todas as janelas do mundo para o leitor, já é sabido, mas no livro Eu e minha luneta, de Cláudio Martins, publicado pela Editora Formato, é permitido abrir janelas e usar lunetas. As crianças (e adultos também) curtem muito. Essas janelas são de um grande prédio, em cada uma delas acontece uma estória. Em que janela olhar? Quantas janelas são? Quantas estórias contam essas janelas? Será que uma estória pode interferir na outra? Como termina a estória? Ou a estória não termina e eu posso voltar atrás? Com uma luneta na mão e, como diz o escritor Murilo Mendes, com "olhar armado" a criança pode descobrir a cada leitura, muito mais e se divertir.LÊ, BIBLIOTECÁRIO! [Maio/2003] Uma das venturas a ser partilhada no paraíso será podermos nos dedicar às leituras todos os momentos de nossas vidas. (Jorge Luís Borges) Por mais autoritário que o título deste texto possa parecer, é com ele que eu vou interceder a favor da leitura. Durante os anos de exercício da minha profissão, convivi com muitos profissionais e sempre ouvi a mesma indagação: "O que fazer para despertar o gosto pela leitura?" Parece simplório, mas só tenho uma resposta: - Não há uma receita pronta para essa árdua, porém instigante tarefa. Se houvesse, era só seguir e "colocar no forno". No entanto, existem algumas idéias que os mediadores de leitura (entre eles o bibliotecário) devem refletir e por em prática cotidianamente. A primeira delas é quase uma obrigação - LÊ, BIBLIOTECÁRIO! Pois antes de ser pensar em levar alguém a se interessar pela leitura, é primordial ser leitor para que, desta forma, venha a contagiar outros leitores. Não deixe que, na sua Biblioteca, a leitura seja relegada a segundo ou terceiro plano. Elabore multidisciplinarmente um programa de estímulo à leitura de maneira seqüencial e não apenas eventual. Aprenda a "ler" os seus leitores, perceba as suas expectativas e interesses. Deixe o seu conhecimento, a sua sensibilidade e o seu bom senso fluírem no momento do planejamento das atividades a serem realizadas na biblioteca, pois nem tudo o que se faz em nome da leitura, leva à leitura. Torne a leitura literária algo prazeroso, para que você possa eliminar os condicionamentos mecânicos de seu leitor e levá-lo a um verdadeiro adentramento no texto. Proponha textos atuais que desperte a atenção de seu leitor, para que ele realmente "curta" o que está lendo e deseje ler sempre. Esqueça os seus preconceitos, deixe a leitura ser plural. Faculte ao leitor o acesso as mais variadas leituras, respeitando as suas fases e seu ritmo. Faça- o perceber que, acima de tudo, leitura é algo "vivo" e divertido. Quando você conseguir tudo isso, poderá perceber que a inquietação sobre o despertar para o gosto da leitura continuará existindo, pois você estará buscando novamente, para e com os leitores, novos textos e novas informações sobre a leitura. E sem que você perceba (pois estará envolvido com novas idéias) formará leitores enriquecidos e com uma visão mais ampla do mundo e de si mesmos. Você pode estar pensando: Tudo isto é um sonho? E novamente, eu só tenho uma resposta: Aqueles que sonham acordados têm conhecimento de mil coisas que escapam àqueles que sonham apenas adormecidos. Em suas brumosas visões, apanham lampejos da eternidade e ao despertarem têm arrepios ao ver que estiveram por um instante às margens do grande segredo. (Edgar Allan Poe) OBS: adaptação do texto originalmente publicado, em junho de 1999, com o título - LÊ, PROFESSOR!!! HISTÓRIAS VERDADEIRAS [Junho/2003] os japoneses e um mediador de leitura que queria galinhas A literatura infanto-juvenil é repleta de histórias fantásticas, mas sem dúvida a fantasia tem muito de verdade. Hoje quero sair um pouco da estrutura de texto da minha coluna, quero falar de uma história verdadeira que povoou a minha infância. Quando criança meu pai era funcionário do Conselho Londrinense de Serviço Social (uma instituição já extinta) e fomos morar num casarão na Vila Nova. Lá havia sido a sede de uma comunidade japonesa e eles quando se mudaram deixaram armários enormes (que ficavam maiores nos meus cinco anos) cheios de livros. Esse era um dos meus poucos brinquedos. Com eles eu passava horas me divertindo, como não era alfabetizada em português, menos ainda em japonês; lia imagem. Assim, começou a minha paixão por livros infantis e juvenis... Outra história verdadeira Falando sobre isso em sala de aula, no curso de Biblioteconomia na UEL, Maria do Carmo, uma aluna me contou sua história: "Quando criança no sítio dos meus pais, sempre vinha da cidade um homem, que era esperado com muita expectativa, com livros para trocar por galinhas. Vejam só trocar livros por galinhas!!! E foi assim que aprendi a gostar de ler e principalmente de literatura de cordel; muitas histórias ainda tenho completas em minhas cabeça..." O PONTO "G" DA LEITURA [Julho/2003] QUE GOSTOSURA!!! Cá estou eu novamente envolvida com meus alunos do Curso de Biblioteconomia, que numa discussão em sala de aula me desafiaram a escrever um texto, para essa coluna, com o título - "O ponto G da Leitura". A polêmica surgiu quando falávamos de "fruição literária" e do que isso significa. A palavra fruição, segundo o Dicionário Aurélio, deriva do latim fruitione e é "a ação ou efeito de fruir; Gozo [...]". Isso nos reportou as idéias de Freud (prazer estético), de Barthes (prazer do texto) e de Jauss (fruição estética), pois todos eles vinculam o ato de ler (diferentes linguagens) ao prazer e à satisfação. E é assim que defendemos a leitura para a criança e o adolescente na escola, com Prazer, com Gosto e Gozo. Sem avaliações e cobranças, sem uma rotina didática e autoritária. Na biblioteca também, pois o bibliotecário não pode esquecer que é responsável pela mediação da leitura, que num sentido genérico é a intermediação ou "ponte" entre o leitor e o texto. E precisa lembrar ainda, que sua "intervenção pode ampliar ou anular possibilidades, despertar ou adormecer sensibilidades, facilitar ou dificultar emoções" (PERROTTI, 1990, p.17). Como intermediário de leitura, encontra-se em uma situação privilegiada, pois tem nas mãos uma diversidade de suportes e a possibilidade de levar crianças e jovens a infinitas descobertas. Sugestões de Leitura: BARTHES, Roland. O Prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987. JAUSS, Hans Robert. O Prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis e katharsis. In: LIMA, Luiz Costa (Coord.). A Literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. PERROTTI, Edmir. Confinamento cultural, infância e leitura. São Paulo: Summus, 1990. (Novas Buscas em Educação, 38). Agosto/2003] Quando pensamos em leitura, imediatamente pensamos na leitura de palavra. Porém no cotidiano somos solicitados, cada vez mais, a ler imagens. Mas será que estamos "alfabetizados" para isso? Minha resposta é: nós adultos da geração "SLI" (Sem Livro Infantil), não. Mas as gerações que têm contato com diferentes fontes imagéticas, estão se preparando para isso. Uma das possibilidades de aprendizagem de leitura de imagem é o acesso ao livro infantil de qualidade. E, para aqueles que costumam valorizar somente a produção estrangeira, informo que no Brasil temos ilustradores criativos, competentes e premiados internacionalmente. Entre eles podemos citar: Ziraldo, Ciça Fitipaldi, Zélio, Eva Furnari, Rogério Borges, Eliardo França, Ana Raquel, Luís Camargo, Helena Alexandrino, Rubens Matuck, Ricardo Azevedo, Angela Lago, Regina Coeli Rennó, Luiz Maia, Roger Mello e Regina Yolanda. Luís Camargo, autor, ilustrador e pesquisador de literatura infantil, lembra que "tem gente que faz cara feia para livro de poucas páginas, com muitas ilustrações, com pouco texto" e questiona: "Por que essa má vontade? As letras impressas no papel também têm um desenho - não são pensamentos para serem captados telepaticamente..."* No livro infantil destinado às crianças bem pequenas, é necessário valorizar a imagem, pois ela tem a mesma função que o texto, ou melhor, é "texto" também. Destaco aqui, o "livro de imagem", que é aquele que conta histórias sem a existência de palavras. Eles são chamados também de "livros sem texto" ou "livro mudo".O primeiro livro desse gênero, publicado no Brasil, foi Ida e Volta de Juarez Machado em 1976 pela Editora Primor. Na atualidade ele está sendo publicado pela Editora Agir. Cito outros exemplos de livros de imagem brasileiros, sugerindo que sejam lidos não somente na infância, mas pela vida toda. BOA LEITURA !!!! Coleção Ping-Póing Eva Furnari Editora FTD Coleção - Ponto de Encontro Eva Furnari Edições Paulinas Coleção - As Meninas Eva Furnari Formato Editorial Coleção Imagens Mágicas Regina Coeli Rennó Editora Lê Coleção Bons Tempos Rogério Borges Editora Kuarup QUERO SER UM CONTADOR DE HISTÓRIAS [Novembro/2003] Silvia Bortolin Borges (co-autora) Mesmo sem perceber narramos histórias cotidianamente, isto por meio de uma piada, de uma amenidade no dia-a-dia, da descrição de um capítulo da novela, de um "causo", de um desabafo no portão da vizinha, de um relato na terapia, de um jogo de RPG e de uma conversar na Internet. Apesar da inovação nas formas de se narrar histórias, essa atividade continua tendo na sua essência, a preocupação de trabalhar a afetividade, a emoção e o imaginário do ouvinte. E a quem cabe o papel de contar histórias? Em que lugar deve-se contar uma história? Quando se deve contar uma história? A resposta é: todos devem contar histórias, em todos os lugares e sempre. Para ser um contador de histórias, não é necessário ter dom, como muitas pessoas afirmam, mas é necessário sensibilidade e poder de encantamento. Assim, para se contar uma história sugerimos: · O conhecimento antecipado do texto (escrito ou imagético, impresso ou eletrônico), observando os elementos que o compõe, vivenciando as emoções e familiarizando-se com os personagens; · A escolha de um texto que dê prazer, para que se possa transmiti-lo com prazer; · A utilização de "senhas" para iniciar e terminar a história. Alguns exemplos: NO INÍCIO "Era uma vez ... " "Há muito tempo atrás ..." "No tempo em que os bichos falavam ..." "No tempo em que a galinha tinha dentes..." "Numa floresta muito distante ..." NO FINAL Entrou por uma porta Saiu pela outra Quem quiser que conte outra Entrou por uma porta Saiu pela outra Mande el rei, meu senhor Que me conte outra. Entrou pelo pé de um pinto Saiu pelo pé de um pato Mande el rei, meu senhor Que conte quatro. Minha história acabou Um rato passou Quem o pegar Poderá sua pele aproveitar. E assim terminou a história... ALGUMAS DICAS PARA UM CONTADOR DE HISTÓRIAS Haja com naturalidade; Opte por ler ou por contar a história, sem mesclar; Não esconda as palavras difíceis. Se o ouvinte for criança fale a palavra naturalmente, caso seja um objeto ou personagem fora de contexto, brinque com a palavra antes de iniciar a história. Ex: urinol; Evite utilizar a linguagem no diminutivo, "apequenando" o ouvinte; Ex: Criancinhas, eu vou contar uma histórinha deste livrinho, mas antes vamos cantar uma musiquinha; A história não deve ser utilizada para dar lição de moral ou para corrigir comportamentos; Não apresente apenas histórias "fechadas", pelo contrário utilize-se de histórias com facetas contraditórias. Ex: Branca de neve (branca e bonita) Menina bonita do laço de fita - Ana Maria Machado (negra e bonita); Quando possível utilize músicas e cantigas, porque elas seduzem as pessoas em qualquer faixa de idade; Apresente diferentes versões de uma história, porém antes de iniciar, informe ao ouvinte, pois em especial as crianças menores, não admitem alterações; ENFIM: faça do ato de contar histórias um momento prazeroso. SUGESTÃO DE LEITURA COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986. POESIA INFANTO-JUVENIL NO BRASIL [Janeiro/2004] Um dia desses acordei com uma poesia infantil martelando minha cabeça, aproveitei que o Pedro, meu sobrinho que tem apenas 2 anos, estava em casa e declamei para ele, assim: Uma estrelinha no céu piscando, piscando. Parece que está me chamando. Quando eu crescer e papai me comprar um avião. Vou te buscar estrelinha. Na palma da minha mão. Nesse momento, me lembrei que já havia feito isso com minha amiga Mariana, quando também tinha 2 anos, e a reação foi a mesma. Os dois me pediram para repetir, repetir... e alguns dias depois, sabiam a poesia por inteiro e recitavam também, incluindo os gestos ensinados. Maria da Glória Bordini em seu livro "Poesia Infantil", defende que "poesia é brinquedo de criança", e é isso que defendemos também. Ler ou ouvir poesia, tem que ser divertido, provocar emoção e dar prazer. Porém, durante muito tempo, a poesia foi utilizada como um instrumento para ensinar "bons comportamentos" ou "deveres infantis". "Um levantamento da poesia dirigida à criança e publicada no Brasil de 1965 a 1978 não inclui mais de trinta títulos acessíveis no mercado, dos quais somente oito são comentados favoravelmente pelos analistas [da Fundação Nacional do Livro Infantil e juvenil]" (BORDINI, 1986, p.56). Da década de 80 para cá, houve um maior número de escritores que se dedicaram e se dedicam a poesia para crianças e jovens. Eles publicaram e estão publicando poesias criativas (como a que citei no começo desse texto) que não objetivam "fazer a cabeça do leitor", mas sim diverti-lo. Um modelo de poesia que tem musicalidade, compasso, e não obrigatoriamente rima. Para quem não conhece, citarei os autores que mais gosto. Vou colocá-los em ordem alfabética, não por uma tendência bibliotecária, mas para respeitá-los em suas grandezas: Almir Correia, Angela Leite de Souza, Carlos Queiroz Telles, Cecília Meireles, Elias José, Hardy Guedes, José de Nicola, José Paulo Paes, Luís Camargo, Maria Dinorah, Roseana Murray, Rose Sordi, Sérgio Caparelli, Sidônio Muralha, Sylvia Orthof e Vinícius de Moraes. Vocês devem estar pensando que esqueci o Mário Quintana, não esqueci não, só quero colocá-lo em destaque e em destaque colocar um poema dele que sei que as crianças gostam muito. HAI-KAI No meio da ossaria Uma caveira piscava-me Havia um vagalume dentro dela. Sugestão de Leitura: BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Atlas, 1986. QUINTANA, Mário. Sapo amarelo. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. MÚSICA E OS LIVROS INFANTIS [Fevereiro/2004] Entender de música eu não entendo, mas gostar de música é outra história. Acho que não conheço sequer uma pessoa que não goste de música. E caso exista, é preciso fazer um plágio e cantar para ela aquele refrão: "quem não gosta de música, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé". Se para os adultos a música é fundamental, para as crianças isso é indiscutível. Pois a música "seduz" a criança, desde o berço, quando ouve a voz da mãe (ou outro adulto) ao ser embalada. Por instinto, o bebê, responde positivamente as percepções auditivas, pela repetição de um canto, com batidas dos pés no chão, pelas palmas ritmadas ou por uma dança. É fácil perceber o prazer que as crianças sentem quando ouvem músicas, mas a elas é necessário apresentar a maior diversidade possível de canções; e aos adultos cabe essa tarefa. Por sermos uma Nação marcada fortemente pela oralidade, os conteúdos musicais acabam sendo transmitidos de geração para geração e de uma maneira espontânea. A cultura brasileira é rica em jogos, brincadeiras, histórias, trava-línguas, parlendas, cantigas de roda, mnemonias, advinhações, que quando não têm música, são envolvidos em uma musicalidade genuína, existente nas palavras. Quem não se lembra, por exemplo, dessa parlenda?Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu. Cadê o gato? Foi para o mato. Cadê o mato? O fogo queimou. Cadê o fogo? A água apagou. Cadê a água? O boi bebeu. Cadê o boi? Foi amassar trigo. Cadê o trigo? A galinha espalhou. Cadê a galinha? Foi botar ovo. Cadê o ovo? O padre bebeu. Cadê o padre? Foi rezar missa. Cadê a missa? Acabou. Cadê o povo da missa? Passou por aqui... por aqui...por aqui... Assim, preocupados com a ludicidade das crianças e o resgate de brincadeiras e músicas infantis, alguns autores de literatura infantil, têm publicado livros como: TÍTULO AUTOR EDITORA Atirei o pau no gato Edmir Perroti Paulinas O cravo brigou com a rosa Edmir Perroti Paulinas Enquanto seu lobo não vem Edmir Perroti Paulinas Ciranda, cirandinha Edmir Perroti Paulinas Dona aranha Mônica Haibara FTD O sapo não lava o pé Mônica Haibara FTD Jacaré Mônica Haibara FTD Pombinha branca Mônica Haibara FTD A barata diz que tem Mônica Haibara FTD Fui morar numa casinha Mônica Haibara FTD Indiozinho Mônica Haibara FTD O livro do trava-língua Ciça Nova Fronteira O que é o que é 1 Ruth Rocha Quinteto Editorial Sua alteza a divinha Ângela Lago RHJ 10 adivinhas picantes Ângela Lago RHJ Uni duni e tê Ângela Lago Compor Mini-glossário: Trava-línguas: modalidade de parlenda, em prosa e verso, ordenada de tal forma que é difícil pronunciá-la. Ex: Iara amarra a arara rara a rara arara de Araraquara. Parlenda: rimas infantis, em versos de cinco ou seis sílabas. Ex: Hoje é domingo do pé de cachimbo... Mnemonias: do grego menominikós (memória). Ex: um, dois, feijão com arroz; três, quatro... BEBETECA: uma maternidade de leitores [Março/2004] Mariana Senhorini (Mariana foi minha orientanda no Curso de Biblioteconomia da UEL. Como seu trabalho de pesquisa, além de ter sido considerado de uma excelente qualidade, tratou de um tema inédito em nosso país, optei em abrir um espaço nessa coluna para que ela apresentasse aos leitores um gênero muito especial de biblioteca. Sueli Bortolin) Muitas são as discussões sobre o incentivo à leitura devido à problemática existente em nossa sociedade, e várias destas discussões acontecem nesse espaço reservado aos colunistas. Então, fui convidada a apresentar um novo espaço de incentivo a leitura chamado Bebeteca. O estudo deste espaço foi tema de meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e com ele pude perceber o quanto é importante o incentivo à leitura em bebês. Afinal, o que é uma Bebeteca? É uma biblioteca especialmente destinada aos bebês, seus pais e demais responsáveis a fim de trabalhar as possibilidades de leitura, envolvendo a criança no mundo lúdico, despertando primeiramente, o prazer e a paixão pela leitura. Por meio dessa atitude, é possível proporcionar maior convivência e familiaridade com o livro e a leitura, inserindo-os ao seu cotidiano. A bebeteca também procura estimular nas crianças o gosto de estar no ambiente de uma biblioteca, contribuindo para formarem um conceito positivo deste espaço em nossa sociedade. Não localizamos Bebetecas no Brasil, mas em pesquisas efetuadas na internet encontramos esse gênero de biblioteca em países como: Espanha, Colômbia, Chile, Portugal e Argentina. Este trabalho, além de apresentar reflexões sobre aspectos como o desenvolvimento infantil e a participação dos pais neste período, define o perfil dos usuários da Bebeteca, os serviços que podem ser prestados a eles, propõe uma classificação para o acervo, espaço físico (sala de contos, cozinha, fraldário, etc.) entre outros aspectos que uma bebeteca precisa possuir. A integração do bibliotecário na Bebeteca ultrapassa as atividades de organização e elaboração de atividades. O profissional precisa estar integrado com seus usuários e participar efetivamente, aguçando ainda mais seu perfil de educador, contribuindo com o nascimento de mais e mais leitores. Sugestões de leitura sobre o tema Bebeteca: BEBETECA: inculcale el amor por la lectura a tus bebés. Bogotá, 2002. Disponível em: http://www.terra.com.co/madres/hijos/12-11- 2002/nota72261.html ESCARDÓ, Mercê. B: bebeteca. Disponível em: <http://parets.org./article2.htm> SENHORINI, Mariana. Bebeteca: prazer em conhecê-la. 2004. 87 f. TCC (Graduação em Biblioteconomia) - Universidade Estadual de Londrina. Londrina Mariana Senhorini é bibliotecária. Contato: marianabib@yahoo.com.br MONTEIRO LOBATO NO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO [Abril/2004] Léo Pires Ferreira O Sítio do Picapau Amarelo foi idealizado por Monteiro Lobato para ser a sede de todas as suas estórias infanto-juvenis. De todos os 23 títulos escritos para crianças e jovens e, com certeza, também dirigidos aos adultos que conseguem abandonar o falso amor próprio dessa idade com relação às coisas relativas às crianças o centro das atenções é o Sítio. Não há dúvidas de que o Sítio do Picapau Amarelo fazia parte da memória infantil de Monteiro Lobato calcada na fazenda São José no município de Buquira, hoje Monteiro Lobato, de propriedade do avô materno, o Visconde de Tremembé. Essa fazenda foi herdada por Lobato, quando da morte do avô, em 1911. Monteiro Lobato foi o iniciador da editoração literária no Brasil. Antes dele, havia outras editoras que se limitavam a livros didáticos, principalmente voltados ao primeiro e segundo graus. Naquela época (1918), inicia a publicação de escritores brasileiros, cujos livros eram, então, editados na Europa, principalmente em Portugal e em França. Nesse ano, Lobato edita o seu primeiro livro para adultos, com o título Urupês. Os mil exemplares da primeira edição esgotaram-se em trinta dias e, menos de um ano após, já haviam sido vendidos 12 mil exemplares. Nesse livro, é lançada a figura do personagem Jeca Tatu, descrição do caipira rural acusado por Lobato como agente de queimadas, e ao qual chamou de piolho da terra. Mas esse personagem criticado pejorativamente tem sua imagem refeita no livro O Problema Vital, também de 1918, no qual Lobato se redime das críticas formuladas no Urupês, quando da constatação de que o Jeca Tatu era (ou ainda é) um homem doente e conclui: "O Jeca não é assim, está assim". A produção da literatura infantil se inicia em 1920 com a publicação, pela Revista do Brasil, de propriedade de Lobato, do livro A Menina do Narizinho Arrebitado. No ano seguinte, esse livro, com a tiragem fantástica de 50 mil exemplares é adotado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo como o segundo livro de leitura para o uso nas escolas primárias. Com esse livro, Lobato inicia a sua produção de estórias infanto-juvenis, voltadas à informação e formação da juventude brasileira, escrevendo 23 títulos diferentes. Como inovações para a época, nessas obras são introduzidas ilustrações de desenhos vistosos, dando colorido e graça aos livros. Apesar de esses fatos terem ocorrido bem antes da Semana de Arte Moderna, de fevereiro de 1922, Lobato, por ter escrito uma crônica (Paranóia ou Mistificação), criticando obras de Anita Malfati, pintora que expôs seus quadros em uma vernissage em 1917, foi alijado como participante desse movimento cultural no Brasil. Mas Lobato era um crítico de arte àquela época, antes mesmo de se tornar o maior escritor de obras infanto-juvenis que se conhece. Felizmente, em algumas situações, a justiça tarda mas não falha. Um dos principais mentores daquela Semana e daquele movimento, Oswald de Andrade, em 1943, envia uma carta a Lobato cumprimentando-o pelos vinte e cinco anos do lançamento de Urupês (1918) e chamando-o de "o Gandhi" do modernismo. O objetivo do autor, entre outros, estavabaseado na verdade de que é necessário saber para crescer, não apenas biologicamente, mas culturalmente, pois só é culturalmente livre quem tem conhecimento. Assim, nas obras infanto-juvenis de Monteiro Lobato, não há nem a figura do vilão nem a do herói, como na quase totalidade das outras obras infantis. O vilão, ou melhor a vilã, nas estórias de Lobato, é a ignorância e nos seus livros, através dos seus personagens, há sempre a busca do conhecimento, que é o herói, e que sempre derrota a ignorância. Outro ponto que ressalta diferença nos livros de Lobato quando comparados com outros livros infantis é a íntima união entre o real e o imaginário, situação que não causa estranheza nem às crianças que os leem e nem aos adultos. É perfeitamente aceitável a existência de um boneco feito de sabugo de milho, o Visconde de Sabugosa, que fala e é um sábio, conhecedor de muita ciência, e de uma boneca de pano, a Emília, que fala e é muito esperta e que, na realidade, é o próprio pensamento e procedimento - alter ego - de Lobato. Há o Burro Falante, um personagem com procedimentos e pensamentos de filósofo, há o Quindim, um rinoceronte que foge de um circo e se refugia no Sítio do Picapau Amarelo, e é adotado pelos seus habitantes; esse rinoceronte fala e é conhecedor de gramática, sendo o instrutor dessa matéria à turma do Sítio que busca esses conhecimentos, no livro Emília no País da Gramática. Há o Faz-de-Conta da Emília, que o usa quando alguma coisa mais extravagante precisa ser feita, e o pó de pir-lim-pim-pim, preparado pelo Visconde com seus conhecimentos de química, que possibilita aos personagens do Sítio fazerem viagens à Grécia e à Ilha de Creta, nos livros O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, e à Lua, Marte e Saturno, no livro A Viagem ao Céu, entre outros. Completam a turma dos personagens do Sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, que representam os adultos; a primeira, o adulto culto, a avó que dá conselhos e transmite conhecimentos, mas que aceita as atividades dos jovens sem o processo dominante da figura da mãe e do pai, e a segunda, o adulto de cultura popular, cheio de crendices, muito bem contadas no livro Histórias de Tia Nastácia. Pedrinho e Narizinho, cujo nome é Lúcia, são os representantes das crianças da faixa etária de 9 -10 anos. E o Marquês de Rabicó, um leitão que vive no sítio e que se casa com a Emília, no livro Reinações de Narizinho. Cientificamente falando, o Visconde de Sabugosa assume papel muito importante em dois livros. A Reforma da Natureza, onde a Emília resolve mudar algumas coisas como pondo torneiras no úbere das vacas, fazendo borboletas que voem mais lentamente para que se possa pegá-las como aos besouros, moscas sem asas, mais fáceis de controlar, e o livro comestível que, terminando de ler uma página, a mesma seria comida porque já foi lida. Nesse mesmo livro, o Visconde altera o tamanho de alguns animais, causando alguns problemas no Sítio. No livro O Poço do Visconde, esse personagem dá aulas de geologia, ensinando muito sobre petróleo. Nos outros livros, como História do Mundo para as Crianças, em que é contada a história da espécie humana, A Chave do Tamanho, em que Emília vai ao País das Chaves e, na tentativa de desligar a chave da guerra, desliga a chave do tamanho, reduzindo todos os humanos ao tamanho de três centímetros, O Picapau Amarelo, em que o Sítio é visitado por todos os personagens das histórias infantis, Os Doze Trabalhos de Hércules, em que a Emília, o Visconde de Sabugosa e o Pedrinho ajudam o herói Hércules nos seus difíceis trabalhos impostos por Zeus, A História das Invenções, quando Dona Benta explica como existem o vidro, o telégrafo, a lâmpada, o telescópio e o microscópio, As Caçadas de Pedrinho, onde eles encontram o Quindim, A Aritmética da Emília, onde se aprende matemática, Geografia de Dona Benta e os Serões de Dona Benta, onde muita coisa é ensinada. Além do livro Fábulas, no qual Monteiro Lobato modifica, com a participação principal da Emília, algumas coisas nas fábulas de Esopo e La Fontaine. Todos devem ler os livros que Monteiro Lobato escreveu, crianças e adultos, as crianças para aprenderem muita coisa, inclusive a formarem senso crítico positivo das coisas que nos cercam, e os adultos para voltarem a rever conceitos que talvez tenham esquecido ou que não tenham aprendido. Lobato disse que "Um país se faz com homens e livros" e para isso escreveu vários livros muito bons à formação desses seres humanos, nos seus 66 anos de vida (1882 -1948). Além dos 23 livros da literatura infanto-juvenil, escreveu outros 19 livros para adultos, perfazendo um total de 42 livros. Mesmo com toda essa bagagem literária, Monteiro Lobato não faz parte da Academia Brasileira de Letras, em última instância, porque não quis. Perto do fim da vida, Lobato disse: "Estou arrependido de ter escrito tanto para os adultos, deveria ter escrito mais para as crianças. Perdi tempo escrevendo para os adultos". Foi casado com Dona Maria Pureza da Natividade, com quem teve quatro filhos: Marta (1909), Edgar (1910), Guilherme (1912) e Ruth (1916). Lutou muito pelo petróleo no Brasil e por isso esteve preso por três meses. Na véspera da morte, disse: "Meu cavalo está cansado, querendo cova, e o cavaleiro tem muita curiosidade em verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final". Morreu de espasmo vascular na madrugada de um domingo, o dia 4 de julho de 1948. O Sítio do Picapau Amarelo está em qualquer lugar onde nossa imaginação o colocar, e, nos leitores de Monteiro Lobato, crianças e adultos, o Sítio está dentro dos seus corações. _______________ Léo Pires Ferreira é agrônomo da EMBRAPA/Londrina e pesquisador da obra de Monteiro Lobato. e-mail: marileo@sercomtel.com.br 1o. ENCONTRO PARANAENSE DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL [Maio/2004] Glória Kirinus uma das organizadoras do 1o Encontro Paranaense de Literatura infanto-juvenil promovido pela Fundação Sidónio Muralha em Curitiba, me convidou para compor uma mesa redonda nesse evento, e ela foi intitulada - Como a Academia pode pensar o ensino de literatura? Apesar de não trabalhar com o ensino de literatura na graduação, aceitei o desafio, pois trabalho cotidianamente na educação continuada de professores, bibliotecários e demais profissionais da leitura. Além disso, tenho um especial interesse por essa área, por paixão e amor. Na academia não é muito "normal" falar em paixão e amor, mas, amor é isso aí, a gente não explica, sente. Por isso, eu me apoderei da música - "Dueto" do Chico Buarque, que é pura poesia e numa brincadeira bradei meu amor pela literatura infanto-juvenil. Consta nos astros. Nos signos. Nos búzios. Eu li num anúncio. Eu vi no espelho. Tá lá no evangelho. Garantem os orixás. Serás o meu amor. Serás a minha paz. É triste saber que a academia ainda é muito resistente à poesia. E nem é preciso de metodologia científica para perceber que na academia há muita reflexão e pouca paixão. Mesmo quando, Consta nos autos. Nas bulas. Nos dogmas. Eu fiz uma tese. Eu li num tratado. Está computado. Nos dados oficiais. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Paz? Isso é, se for possível ter paz com a literatura: porque a "boa literatura" sempre é instigante e inquietante. E o mediador de leitura também tem que ser instigante e mais do que isso afetuoso (cuidado! a academia, acredita que ser afetuoso também não é uma atitude científica). Mas vou em frente e me lembro de Teixeira Coelho (1999) quando defende "[...] o universo do homem contemporâneo (e sobretudo dos jovens) é, em ampla medida, afetual - quer esse afetual se manifeste e seja exercido de forma simbólica, quer concretamente." Portanto, o mediador de leitura seja ele um familiar, um professor, umbibliotecário, um escritor, um editor, um crítico literário, um redator, um livreiro ou um amigo, precisa saber que "[...] não bastam, pois, competência e profissionalismo ao mediador de leitura; a afetividade faz parte da sua relação consciente com o leitor, menos no sentido de gestos afetuosos e mais no sentido de disponibilidade e compreensão no que se faz [...]"(BARROS, 1995). Mas se a ciência provar o contrário. E se o calendário nos contrariar. Mas se o destino insistir. Em nos separar. Danem-se. Os astros. Os autos. Os signos. Os dogmas. Os búzios. As bulas. Anúncios. Tratados. Ciganas. Projetos. Profetas. Sinopses. Espelhos. Conselhos. Se dane o evangelho. E todos os orixás. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Você leitor deve estar perguntando: o que tem a música "Dueto" do Chico Buarque com a literatura infanto-juvenil? Nada. Ela foi uma forma (ou fórmula) que encontrei para falar para o mediador que apesar do frio em Curitiba, do cansaço de ficar manhã - tarde - noite em um evento durante uma semana, o encontro com os textos literários nos faz acreditar na possibilidade de que "a vivência da leitura propicie o desenvolvimento do pensamento organizado, capaz de levar o jovem [e as demais faixas etárias] a uma postura consciente, reflexiva e crítica frente à realidade social em que vive e atua" (CATTANI; AGUIAR, 1982). Portanto vale a pena! Consta na pauta. No Karma. Na carne. Passou na novela. Está no seguro. Picharam no muro. Mandei fazer um cartaz. Serás o meu amor. Serás a minha paz. Mas é necessário refletir sobre a prática do mediador para que se de "[...] uma postura professoral lendo 'para' e/ou 'pelo' educando, ele passar a ler 'com', certamente ocorrerá o intercâmbio das leituras, favorecendo a ambos, trazendo novos elementos para um e outro" (MARTINS, 1983). Consta nos mapas. Nos lábios. Nos lápis. Consta nos Óvnis. No Pravda. Na vodca. Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de leitura pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de uma coletividade. Espero ainda, que os mediadores facultem aos leitores uma pluralidade de experiências, para que eles percebam a leitura não apenas como aprendizagem escolar, mas como elemento de lazer e satisfação. Referências BARROS, Maria Helena T.C. de. Leitura do adolescente: uma interpretação pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa trienal. Marília: UNESP, 1995. CATTANI, Maria Izabel; AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura de 1 grau: a proposta dos currículos. In: ZILBERMAN, Regina. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. MARTINS, Maria Helena. O Que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983. TEIXEIRA COELHO, José. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. 2.ed. São Paulo: Fapesp/Iluminuras, 1999. ADONIRAN PARA CRIANÇAS [Agosto/2004] Ao fazer um trabalho para uma disciplina que estou cursando na Universidade Estadual de Londrina, optei em pesquisar a linguagem utilizada por Adoniran Barbosa em suas composições. Já sabia muito a respeito dessa importante personalidade brasileira, mas me deparei com um livro muito especial. Seu título é: "Adoniran: uma biografia" e foi escrito pelo jovem jornalista - Celso de Campos Júnior, publicado pela Editora Globo. Fiquei impressionada com o nível da pesquisa, e "alucinada" com a riqueza de detalhes. Detalhes que uma fã sempre gosta de saber. Nesse momento acabei indagando: será que existe um livro que apresenta Adoniran Barbosa para as crianças? Ansiosa, logo respondi: tem que ter. As crianças merecem ter contato com a biografia dele. Assim, comecei a busca e localizei na Coleção Mestres da Música no Brasil um livro escrito por Juliana Lins e André Diniz para a Editora Moderna. E como diria meu sobrinho de quase 3 anos: - Muito bom, titia! Muito bom! Em linguagem acessível e ilustrado com fotografias de São Paulo e do compositor, a criança é levada a uma viagem aos tempos em que Adoniran viveu. Na folha de rosto desse livro infantil, os autores incluíram a seguinte observação: "uma história para os avós contarem e cantarem para os netos". Isso porque, além da biografia, há também alguns trechos de músicas de Adoniran. E só para você ficar com "água na boca", estou trazendo uns pedaços dos dois livros, para, quem sabe, você ler em companhia de seus filhos, netos, sobrinhos, amigos... Ele nasce João Rubinato e se transforma, por opção, em Adoniran Barbosa, pois considerava que seu nome era "simplório e macarronado". Explica que Barbosa vem de Luiz Barbosa, cantor famoso de sua época e Adoniran era um amigo querido, companheiro de boemia (GOMES, 1987, p.18). Adoniran é o sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, oriundos de Cavarzere (Veneza), nasceu em Valinhos, próximo de Campinas, interior de São Paulo, em 1912, numa família economicamente desfavorecida, portanto, começou a trabalhar ainda criança, aos 10 anos. Como a lei da época proibia que a criança trabalhasse antes dos 12 anos, eles falsificaram a sua certidão de nascimento indicando que seu nascimento ocorreu em 1910. Entre as profissões que exerceu estão a de: garagista, pintor de paredes, entregador de marmitas, encanador, mascate vendedor de meias, operário de fábrica de tecidos, vendedor de tecidos, vendedor dos cosméticos Helena Rubstein, metalúrgico, esmerilhador de ferro fundido, garçom, despachante, varredor de tecelagem, balconista, guardador de filas, mecânico e conferente de mercadorias. Sobre seus empregos, Adoniran comentava que não conseguia permanecer nos mesmos por muito tempo, pois os seus chefes se irritavam com seus batuques ao compor os sambas. Assim, "aos 16 anos João já tinha feito uma porção de coisas e comido muito pastel com os trocados que ganhava" (LINS; DINIZ, 2003, p.9). Em 1932, precisando ajudar na manutenção da casa em busca de um emprego mais lucrativo, muda-se para a capital, deixando para trás sua família. E é em São Paulo que ele descobre as profissões que ele irá exercer grande parte da sua vida: radioator e compositor. O teatro fascinava Adoniran Barbosa desde a adolescência, "Naturalmente que gostava de música, mas compor para ele vinha em segundo plano, pois o seu principal objetivo era o teatro [...]. Sonhava em ser um grande ator, e até o fim de sua vida ele reclamava ter sido rejeitado nos meios teatrais" (GOMES, 1987, p.9). Desencantado com o teatro, decide pela carreira de cantor radiofônico. Carreira, esta, que exerceu a "duras penas". Sua primeira experiência foi num Programa de Calouros, foi reprovado várias vezes, mas insistiu muito até ser contratado. Muitos anos se passaram, muitas dificuldades surgiram na vida de Adoniran Barbosa, e, apenas em 1936 grava seu primeiro disco, cujo título é: [...] Colúmbia no 8.171, lançado no mês de janeiro, com orquestração e regência de seus parceiros, maestro José Nicolini. Gravou cantando um samba cujo título era "Agora pode chorar", composição fraca, ainda no estilo tradicional e que, por não acrescentar nada que merecesse aparecer, ninguém tomou conhecimento, tornando-se mais uma tentativa frustrada para Adoniran. Esse disco, entretanto, serve para comprovar que a voz dele era boa e nada se assemelhava a rouquidão dos últimos tempos (GOMES, 1987, p.14). Ele foi casado duas vezes, primeiramente com Olga Rodrigues, seu casamento durou aproximadamente 16 meses e dessa união nasceu apenas uma filha, Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, que lhe deu um neto chamado Alfredo. Com a separação a convivência com a filha no iníciofoi mais intensa, mas com o passar do tempo ele transferiu essa responsabilidade para sua irmã e para o seu cunhado. Apesar de, também, não ter convivido com o seu neto cotidianamente, Adoniran refere-se a ele da seguinte forma: meu neto é lindinho. Está uma beleza. É o fim do mundo. Já toca violão. Já fala errado..." (CAMPOS JUNIOR, 2004, p.546). "Adoniran gostava de brincar e era extremamente habilidoso com as mãos. Tanto que, mais velho, com mais tempo para ficar em casa, construiu uma oficina nos fundos de casa e deu para inventar brinquedos. Fazia trens, carros, carroças, bicicletas, tobogans com criancinhas escorregando, carrocel, usando tudo que caía em suas mãos" (LINS; DINIZ, 2003, p. 30). Porém em 1982, no último ano de vida, Adoniran Barbosa sofreu com um enfisema pulmonar, que se agravava com o cigarro e a cachaça ou uísque. Passou a se utilizar de nebulizador e bomba de oxigênio todos os dias. Em conseqüência disso, alterou seus hábitos noturnos. Não perdera a calma costumeira (era agitado, mas não violento) e nem o bom-humor, afirmando que agora só realizava "boêmia vespertina". Na última vez que esteve internado no Hospital São Luiz, segundo Campos Junior (2004, p.546) "[...] o artista procurava não demostrar abatimento. Espirituoso, distribuiu apelidos aos aparelhos hospitalares: os tambores de oxigênio eram Mercedão e Mercedinho, o compressor era Romisetta, a máscara de oxigênio a Corneta e o urinol o terrível Canhão de Navarone". Fazendo referência as músicas do compositor e para finalizar o livro infantil - Adoniran Barbosa de Juliana Lins e André Diniz, os autores sugerem: "embarque nesse trem que sai agora às onze horas e vá ouvir o samba do Arnesto numa das milhares de malocas espalhadas por aí. Mas cuidado! Muito cuidado para não ser frechado para todo o sempre pela música de Adoniran Barbosa". Embarque você também !!! Sugestão de Leitura: CAMPOS JUNIOR, Celso de. Adoniran Barbosa: uma biografia. São Paulo: Globo, 2004. GOMES, Bruno. Adoniran, um sambista diferente. 2.ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1997. LINS, Juliana; DINIZ, André. Adoniran Barbosa. São Paulo: Moderna, 2003. O MEDIADOR DE LEITURA [Junho/2007] Esse tema tem me acompanhado por muitos anos... Ou será que sou eu que o persigo há vários anos? Esse interesse pode ser explicado pela preocupação que tenho em destacar a importância desse personagem (mediador) nada vida de cada leitor. Eu defino mediador como aquele indivíduo que aproxima o leitor do texto. Em outras palavras, o mediador é o facilitador desta relação. E como intermediário de leitura, o mediador encontra-se em uma situação privilegiada, pois tem nas mãos a possibilidade de levar o leitor a infinitas descobertas. Mas, quem pode mediar leitura? Afirmo com convicção que: os familiares, os professores, os bibliotecários, os escritores, os editores, os críticos literários, os jornalistas, os livreiros, os tradutores, os webdesigners, e até os amigos que nos emprestam um livro ou indicam um CD-ROM e uma página literária na Internet. Porém, os mediadores que mais se destacam são os familiares, os professores e os bibliotecários; e estes precisam estar conscientes da responsabilidade que têm. Os familiares deveriam ser os primeiros mediadores de leitura, pois são os primeiros elos da criança com o mundo; entretanto os pais e demais membros da família, em geral, não têm a dimensão da influência que podem exercer sobre as crianças, no sentido de motivá-las à leitura. Assim, aos pais, em especial, cabe a tarefa de aproximar a criança do texto, pois o gosto pela leitura “[...] deve ser adquirido no período em que se está ainda no processo de aquisição da linguagem oral [...]”(POSTMAN, 1999, p.90). Ou seja, no período em que as crianças estão mais flexíveis, inquietas, curiosas e desejosas de aprender o novo; portanto, desprendidas de conceitos e preconceitos, interessando-se em explorar tudo que está ao seu redor. Este é um período em que se deve aproveitar para estreitar a convivência com o texto literário; porém, infelizmente, nem sempre as condições econômicas do brasileiro permitem a ele a inclusão do livro, de um CD-ROM ou da Internet no orçamento familiar, resultando que a maioria passa toda uma vida, sem nunca ter comprado sequer um jornal. Desta forma, se a família não tem condições (econômicas e culturais) de cumprir a tarefa de mediadora da leitura, as escolas, de maneira precária ou de forma enriquecida, tentam fazer esta mediação. Assim, o professor é encarregado compulsoriamente de aproximar o educando da leitura; porém, é fundamental que ele faça esta mediação, mostrando o texto como algo prazeroso e não como instrumento de avaliação e tarefa. Além disto, se o professor não for [...] “crítico, sensível, consciente e um bom leitor, jamais poderá passar o prazer do texto, literário ou não literário” (JOSÉ, 1992, p.203). É preciso ler com gosto, porém, o que acontece quotidianamente é que, muitas vezes, o professor não tem tempo para refletir que o seu papel “[...] na intermediação do objeto lido com o leitor é cada vez mais repensado: se, da postura professoral lendo ‘para’ e/ou ‘pelo’ educando, ele passar a ler ‘com’, certamente ocorrerá o intercâmbio das leituras, favorecendo a ambos, trazendo novos elementos para um e outro” (MARTINS, 1983, p.33). E assim o leitor, além de se cumpliciar com o autor e os personagens, tem no professor também um cúmplice; isto é, se o professor estiver disposto a compartilhar com ele a leitura/as leituras. Da mesma forma, esperamos que isto também ocorra com o bibliotecário. Vou colocar nesta conversa a “voz” da minha querida amiga Maria Helena T. C. de Barros, ex-orientadora do mestrado (ex? será que existe ex- orientadora?). Para ela “[...] mediar leitura, na biblioteca, significa fazer fluir material de leitura até o leitor, eficiente e eficazmente, formando e preservando leitores. Significa uma postura ativa, de acordo com uma biblioteca moderna e aberta”. Tamanha responsabilidade deve ser interpretada pelos mediadores como um desafio constante, pois o papel que eles desempenham na motivação de leitura pode interferir com maior ou menor profundidade na formação dos leitores de uma coletividade. Portanto, os mediadores interessados em uma mediação eficiente, devem ser empáticos; para que posicionados no lugar do outro (leitor), possam percebê-lo com maior nitidez. E para terminar nossa conversa de maneira apetitosa, resgato a alegoria que Paulo Freire faz a respeito da leitura e que serve como reflexão aos mediadores: Ler é como chegar a uma horta e saber o que é cada planta e para que ela serve. Quem não sabe nada de “ler horta”, entra dentro dela e só vê um punhado de plantas de mato. Um monte de plantas diferentes, mas parecendo que é tudo igual. Quem não aprender a “ler” a horta, a conhecer os seus segredos, não sabe o que é cada uma, como é que se prepara cada uma, com o que é que se come (BRANDÃO, 2005, p. 49). E quem não ensina a ler a horta, como fica? Resposta: perde tempo e não podemos perder tempo, precisamos cultivar a terra brasileira! Sugestões de Leitura: BARROS, Maria Helena Toledo Costa de. Leitura do adolescente: uma interpretação pelas bibliotecas públicas do Estado de São Paulo - pesquisa trienal. Marília: UNESP, 1995. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, o menino que lia o mundo: uma história de pessoas, de letras e de palavras. São Paulo: Editora UNESP, 2005. JOSÉ, Elias. Minando o terreno. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 8, 1991, Campinas. Anais... Campinas, 1992. p.201-204. MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1983.POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. SILVA, Ezequiel Theodoro da. O bibliotecário e a formação do leitor. Leitura: teoria & prática, Campinas, v.6, n.10, p.5-10, dez. 1987. Maio/2007] No mês passado você conheceu duas garotas apaixonantes e apaixonadas por leitura. E creio que tenha percebido que ambas são passionais. (Coitadinhas! Não fale assim! Psiu!) Tá bom, eu vou sussurrar: elas são passionais, elas são passionárias! Elas são passioneiras! Falo baixo, pois ser passional, no mundo atual, para algumas pessoas é um grande defeito, quase uma doença a ser tratada. (Ainda sussurrando!) Há muito tempo venho defendendo o texto literário como algo imprescindível em nossas vidas. Não desisto, acho que esta ainda é uma tarefa gigantesca. Esta conversa está te parecendo estranha? Está difícil de saber o que eu quero dizer? Então vou voltar a falar alto: A CONVERSA NÃO É ESTRANHA NÃO! É REAL! Pois ainda percebo no discurso de muitas pessoas a idéia equivocada sobre a leitura literária transformar o leitor (em qualquer idade) em uma pessoa ensimesmada, com dificuldade de relacionamento. Ainda é comum ouvir quando alguém está com um livro nas mãos: “nossa um sol tão lindo lá fora e você aqui lendo um livro?” ou “ler estraga os olhos, ler no sol então!”. Matilda a minha nova amiga (personagem do livro – Matilda - Roald Dahl mesmo autor da Fantástica Fábrica de Chocolate) escuta, com um livro nas mãos, em uma de suas brigas com o pai, ele gritar: “vai procurar coisa mais útil para fazer”. Considero ser estes, e outros conceitos semelhantes, sem fundamento, pois acreditar que a leitura possa causar danos na formação da personalidade, à saúde ou qualquer outra justificativa, é ter uma “visão estrábica” da vida. Encontrar um texto é algo precioso, encontrar um bom texto então é uma dádiva (presente, oferta). Obviamente que “um bom texto” para mim, pode não o ser para outra pessoa, ou vice-versa. Porém ele existe e assim que é lançado no “ar” (seja qual for o formato) cria autonomia, cria vida e se desprende do autor, passando a ser re- escrito pelo leitor no momento da leitura. Um texto pode provocar no leitor “tantas emoções” (estou aproveitando essa expressão pois o Roberto Carlos está em evidência na mídia e dessa vez não é por causa de sua música, mas sim por causa de um texto. Roberto larga disso, deixe o leitor ler! Autoriza Roberto!). Polêmicas à parte, é notório na fala de muitos autores que se interessam pelo ato de ler, a percepção apaixonada na relação leitor-texto. Preciso contar que em geral durmo cedo, mas para conseguir matar a minha sede de leitura, ando dormindo muito tarde. E foi na noite de ontem que conheci o Daniel (11anos), personagem do livro – A sombra do vento. Outro personagem encantador. Esse menino seguindo a recomendação do pai de que quando chegasse pela primeira vez no “Cemitério dos Livros Esquecidos” (local secreto em Barcelona) precisaria adotar um dos livros que ali se encontrasse. Isso para garantir que o livro “nunca desapareça, que se mantenha vivo para sempre”. Mas Daniel no momento da escolha tem a nítida sensação de que não adotaria o livro, mas “o livro me adotaria”, e foi isso que realmente aconteceu. A Sombra do Vento o adotou, esse “livro maldito que mudará o rumo de sua vida e o arrastará para um labirinto de aventuras repleto de segredos e intrigas enterrados na alma obscura da cidade”. CONFIRA! É UM TEXTO ENVOLVENTE! Esse envolvimento, essa reação do leitor ao encontrar um texto foi destacado por Roland Barthes no livro O Prazer do Texto (ainda preciso me debruçar sobre esta obra): “eu sei que são apenas palavras, mas mesmo assim... (emociono-me como se essas palavras enunciassem uma realidade)”. Desculpe-me, mas é impossível deixar de trazer para cá a voz de Alberto Manguel: [...] - e então vagamos a esmo naquelas paisagens ficcionais, perdidos de admiração, como dom Quixote. Mas, na maior parte do tempo, pisamos em terra firme. Sabemos que estamos lendo, mesmo quando suspendemos a descrença; sabemos porque lemos mesmo quando não sabemos como, mantendo em nossa mente, a um só tempo, o texto e o ato de ler. Lemos para descobrir o final, pelo prazer da história, não pelo prazer da leitura em si. Lemos buscando, como rastreadores, esquecidos de onde estamos. Lemos distraidamente, pulando páginas. Lemos com desprezo, admiração, negligência, raiva, paixão, inveja, anelo. Lemos em lufadas de súbito prazer, sem saber o que provocou esse prazer. [...] E às vezes, quando as estrelas são favoráveis, lemos de um único fôlego, como se alguém ou algo tivesse “caminhando sobre nosso túmulo”, como se uma memória tivesse subitamente sido resgatada de um lugar no fundo de nós mesmos – o reconhecimento de algo que nunca soubemos que estava lá, ou de algo que sentimos vagamente, como um bruxuleio ou uma sombra, cuja forma fantasmagórica ergue-se e instala-se em nós sem que possamos ver o que é, deixando-nos mais velhos e sábios (MANGUEL, 1997, p.340). E por falar em velho, li outro dia num texto de Borralho e Viegas o pensamento de Vicente Ferreira da Silva (que deve ser velho, pois a referência era de 1964. Estou procurando o texto, pois é saudável gostar também de idéias velhas) “Vicente Ferreira da Silva tinha razão quando nos alertava para o perigo de sociedades eficazes e rentáveis feitas de gente triste e desajustada.” AVE ALEGRIA! VIVA O TEXTO! Sugestões de Leitura: BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1973. BORRALHO, Maria Luisa Malato; VIEGAS, Ângela Maria Fonseca. Para uma escola com masmorras e dragões – as estratégias do jogo de R.P.G. na sala de aula. DAHL, Roald. Matilda. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ORTHOF, Sylvia. Ave alegria. São Paulo: FTD, 1989. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas: Papirus, 1986. ALGUNS LIVROS QUE LIDAM COM AS ANGÚSTIAS (QUASE INVISÍVEIS) DA INFÂNCIA [Maio/2006] Uma Estória Eu vou te contar uma história agora atenção que começa aqui no meio da palma da tua mão bem no meio tem uma linha ligada ao coração que sabia desta estória antes mesmo da canção dá tua mão, dá tua mão dá tua mão, dá tua mão Paulo Tatit Sandra Peres (disco - Canções de Ninar) Puxando a linha dessa música, quero provocar uma reflexão a respeito da afetividade durante a mediação da leitura. Em muitos casos, por inúmeros fatores, o ato de mediar é meramente técnico e sem vida. Para que se possa realmente formar leitores ávidos, são necessários, para o mediador, muitos requisitos, entre eles: interesse e conhecimento prévio do texto, “curtir” a atividade e empatia. Avalio que o requisito mais difícil é a empatia, pois é de senso comum que todas as crianças são felizes, portanto se interessam por todos os temas e textos. Isso não é verdade e nem uma regra. Crianças são exigentes e mesmo sendo da mesma idade, às vezes, se interessam por temas completamente opostos, pois isso depende das experiências boas ou ruins que elas passaram ou estão passando. Assim, o conceito de infância feliz é relativo e para entender melhor essa questão, sugiro a leitura da Antologia - “O mito da infância feliz”, organizado por Fanny Abramovich. Nela os autores escancaram angústias que muitas vezes passam despercebidas pela grande maioriados adultos. Como exemplo, extraímos dessa obra três depoimentos tristes e angustiantes: “[...] eu devia ter uns seis anos. E, por essa época, o que eu mais tinha de suportar eram uns apertões de moça nas minhas bochechas [...]: - Ai que olhos lindos! Esse menino quando crescer...” (Paulo Afonso Grisolli). ou “Enquanto todos tentavam me convencer da minha felicidade, eu tinha ainda que engolir Deus inteiro. A hóstia não podia tocar nem os dentes do canto da minha boca. Era uma coisa sem gosto, branca, que me levava a desmaios quando em jejum esperava pela missa das onze, e comungar pelas santas mãos do padre” (Bartolomeu Campos Queiroz). ou “Quando ele começou a bater em mim eu mordi os dedos sem dar um grito, e meu pai dizia: chora, seu vagabundo, chora. Mas eu não chorava, e como eu não chorava ele batia mais [...] minha mãe chegou também gritando pára com isso você vai matar o menino. Cala boca, sua égua, disse meu pai todo vermelho, chora, seu vagabundo” (Luiz Fernando Emediato). Bom, vou parar por aqui, pois o objetivo da Coluna é provocar reflexões e não angústias. É ressaltar para o mediador de leitura que o encontro com um texto, muitas vezes é um encontro “de si para consigo”, portanto é necessário que ele se preocupe em escolher um texto de qualidade literária antes de apresentá-lo as crianças. Se preocupar também em atender as insistentes reivindicações – “lê de novo”, “conta outra vez”, “só mais uma vez”, tentando perceber o valor de cada texto para cada leitor. Lamentavelmente os adultos, em geral, ainda não têm a dimensão da importância do texto para as crianças, da afetividade no momento da leitura, do afago no colo quente, da voz macia e dos braços acolhedores. Pense nisso e comece a ler, primeiro para você, e depois para os outros. E para começar listei a seguir alguns livros que tratam de separação, medo, morte, envelhecimento, gravidez da mãe... Título Autor Editora A cristaleira Graziela Bozano Hetzel Ediouro Um amigo para sempre Marina Colasanti Quinteto Editorial Nós Eva Furnari Global Eu vi mamãe nascer Luiz Fernando Emediato Geração Editorial Gorda e magra abracadabra Giselda Laporta Nicolelis Moderna Coração conta diferente Lino de Albergaria Scipione Guilherme Augusto Araújo Fernandes Mem Fox Brinque-Book Os rios morrem de sede Wander Piroli Comunicação O menino e o pinto do menino Wander Piroli Comunicação Homem não chora Flávio de Souza Cultrix Chora não...! Sylvia Orthof Nova Fronteira Paieê! Marcelo Pacheco Quinteto Editorial O dia de ver meu pai Vivina de Assis Viana Comunicação Layla Terezinha Alvarenga Miguilim O que está acontecendo comigo? Peter Mayle/Arthur Robins/ Paul Walter Nobel Quando meu irmãozinho nasceu Walcir Carrasco Quinteto Editorial Um guri daltônico Carlos Urbim Tchê Palavra palavrinhas & palavrões Ana Maria Machado Quinteto Editorial O tapa Ciça FTD Quando eu comecei a crescer Ruth Rocha Nova Fronteira Tajá e sua gente J.J.Veiga Salamandra Areia da grossa areia da fina areia me faça ficar pequenina May Shuravel FTD Eu sou mais eu Sylvia Orthof Moderna De olho no escuro Daniela Chindler Salamandra O gambá que não sabia sorrir Rubem Alves Loyola Referência: ABRAMOVICH, Fanny (Org.). Antologia: o mito da infância feliz. São Paulo: Summus, 1983. OS CONTOS DE FADAS E OS 200 ANOS DE ANDERSEN [Agosto/2005] (Sueli Bortolin e Rovilson José da Silva) A coluna desse mês será composta de duas vozes, a minha e a do meu amigo Rovilson (que também é colunista deste site). E essa conversa é a reprodução de uma palestra que proferimos na Feira de Livro Infantis do SESC/Londrina no mês de junho. O tema contos de fadas sempre esteve presente em nossas vidas, pois somos contadores de histórias, mas ele recebe um tom especial por se tratar de um dos autores mais importantes da literatura infantil universal - Hans Christian Andersen. Antes de dissertar a respeito de um autor muito apreciado por nós, gostaríamos de lembrar que o ser humano sempre foi narrativo por natureza. Desde os tempos imemoriais ele sentiu a necessidade de contar sobre si, sobre o que via, o que sentia, exemplo disso é a pintura, ou escrita pictográfica e ideográfica nas cavernas e paredes (ROCHA, 1992). Sempre as famílias embalaram suas crianças com histórias cantadas. Histórias foram e são inventadas pelos pais para que as crianças comam, vistam-se ou tomem algum remédio. Há também a história da própria família... Cada família tem uma história a ser contada. Cada história tem um tesouro a ser cultivado para ser dividida e transmitida para a geração vindoura. Os contos de fadas fazem parte dessas histórias antigas, transmitidas de boca em boca, passadas de geração em geração. Eles fazem parte de uma herança cultural que é conhecida como tradição oral. E como "quem conta um conto aumenta um ponto" - os mesmos têm sido transmitidos ao longo dos séculos. A estrutura dos contos de fadas, em sua maioria, possui príncipes e princesas, reis e rainhas, castelos, bruxas, madrastas, anões, gigantes e heróis que enfrentam perigo, magia e encantamento. É constante nos contos de fadas a transformação dos seres e das coisas; o uso de talismãs e objetos mágicos (lâmpada, varinha, luz azul, sangue); valores humanistas, morais, éticos (bem versus mal) etc. Hoje as crianças não crescem mais dentro da segurança de uma família numerosa, ou de uma comunidade bem integrada. Por conseguinte, mais ainda do que na época em que os contos de fadas foram inventados, é importante prover a criança moderna com imagens de heróis que partiram para o mundo sozinho e que [...] encontraram lugares seguros no mundo seguindo seus caminhos com uma profunda confiança interior (BETTELHEIM, 1980). Acreditando na importância desse gênero de literatura e na importância de Andersen como produtor dos contos de fadas, optamos por falar a seu respeito na coluna desse mês. Hans Christian Andersen, nasceu na ilha Fiônia em Odensee na Dinamarca no dia 2 de abril de 1805 (em sua homenagem é comemorado nesse dia, o Dia Mundial do Livro Infantil). Carvalho (1984) pesquisadora da história da literatura infantil comenta a respeito do autor: "as regiões nórdicas, cheias de névoas e de sonhos, guardavam o mistério de suas legendas, que tanto encantaram o menino Andersen. Andersen adormecia embalado pelas velhas lendas do Norte, contadas por seu pai. Muitas vezes visitava os abrigos dos pobres, para ouvir de alguns velhinhos as extraordinárias estórias encantadas. Tudo isso povoou sua alma de sonhos. Era de família pobre e humilde. Seu pai era um modesto sapateiro, porém de acentuada vocação literária, estimulando no filho o gosto que mais tarde veio torná-lo famoso. Durante a noite, enquanto trabalhava, narrava ao filho belos contos, lia cenas de teatro, fábulas, etc.". Sua mãe era uma lavadeira analfabeta, que acreditava em superstições e magia. Quando seu pai morreu, Andersen tinha apenas 11 anos, ela sempre demonstrava que não o amava e, para completar sua tristeza, casou-se novamente. E ele acabou sendo criado pela irmã de um pastor (que era chamado de "poeta", e que compreendia bem o jeito sonhador de Andersen). Certo dia chega a sua terra natal uma Companhia de Teatro vinda de Copenhague e ele, que queria ser ator, suplicou um papel até conseguir. Então aos 15 anos vai para Copenhague, se sente novamente abandonado e lá sofre muito. Pede apoio e assistência a um cantor lírico italiano chamado Siboni. Mais tarde recebeu proteção de Jonas Collin e este, passou a subsidiar os estudos até a universidade. Seu talento começa a ser conhecido, e ele foi introduzido na casa da Família Real (rei FredericoVI). Cada vez mais estimulado ele escreve mais contos e estes lhe dão mais fama e reconhecimento. Seu primeiro conto para crianças foi "O menino moribundo", escrito em 1827. Depois deste, vieram mais 156, sendo os mais conhecidos: Patinho Feio, Os novos trajes do Imperador ou A roupa nova do Imperador, João Pato ou João trapalhão, O isqueiro mágico, O soldadinho de chumbo, A sombra, O rouxinol e o Imperador da China, A pequena vendedora de fósforo, A pastora e o limpador de chaminés, Nicolau grande e Nicolau pequeno ou João grande e João pequeno, A pequena sereia ou Sereiazinha, Os cisnes selvagens, Pequetita, O sino, O companheiro de viagem, O homem de neve, João e Maria, O sapo, O pequeno Tuque, A menina que pisou no pão, O pinheirinho, A gota d'água, As galochas da felicidade, As flores da pequena Ida, Tininha, Tommelise, A colina dos Elfos, A verdade verdadeira e A rainha da neve. Sem ter a pretensão de nos aprofundar, pelo contrário, apenas com a intenção de fazer uma provocação para uma possível leitura, apresentamos no quadro a seguir, algumas considerações retiradas de análises existentes em diferentes obras. Título do Conto Abordagem A gota d'água As galochas da felicidade As flores da pequena Ida Sátira, ironia sutil. Sapatinhos vermelhos A sereiazinha ou A pequena sereia Aborda o amor de maneira lírica e trágica (amor ideal, edificante, verdadeiro). O Pinheirinho Tininha O vício não é corrigido e nem a virtude é premiada, demonstra, porém que devemos ter virtudes. O patinho feio Esse personagem é a representação da própria vida de Andersen (desprezado pela mãe, pelos colegas da escola) tem que fugir para longe e amadurecer sozinho. A pastora e o limpador de chaminés Faz uma critica a desigualdade de classes. A pequena vendedora de fósforo Valoriza as qualidades interiores das pessoas. O soldadinho de chumbo O homem de neve Aponta as situações precárias da vida. O rouxinol e o Imperador da China Defende que a natureza é superior às coisas artificiais da vida. O pequeno Tuque Os cisnes selvagens Sugere a necessidade de resignação perante os problemas da vida. A roupa do Imperador ou O novo traje do Imperador João grande João pequeno ou Nicolau grande e Nicolau pequeno Faz uma critica o ato de enganar os outros A menina que pisou no pão Condena a arrogância e a maldade. Andersen parou de escrever apenas três anos antes de sua morte. Morreu em 1875 aos 70 anos, quando doou sua fortuna para as crianças abandonadas ou pobres. "Andersen é filho do povo, a sua experiência é vivida e sentida: ninguém foi mais sincera e verdadeiramente povo do que Andersen" (CARVALHO, 1984). Sugestões de Leitura BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 7.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica e crítica. 3.ed. São Paulo: Global, 1984. ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O livro da escrita. 9.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1992. Sugerimos ainda a leitura da Coleção "Era uma vez... Andersen", publicada pela Editora Kuarup de Porto Alegre. PAI, ME CONTA UMA HISTÓRIA? Quem, eu!? [Maio/2005] As pessoas que me conhecem sabem que, para mim, contar histórias é uma terapia, pois essa atividade desenvolvo com muita alegria e prazer. Numa conversa com um pai interessado em contar histórias aos seus filhos, ele me perguntou: - "Por que não é comum um pai contar histórias?" A minha resposta poderia ser superficial e tender para as corriqueiras respostas - "a mulher é mais maternal e isso combina com as histórias...", mas parei e de repente começou a passar um filme em minha cabeça. Lembrei-me da minha infância, do meu avô em sua charrete, e do meu pai em sua bicicleta, contando histórias. Voltei aos diferentes encontros com escritores que promovi e estava lá, entre outros, o Luis Camargo e Hardy Guedes, contando histórias. Recordei-me que na história das bibliotecas infantis brasileiras, consta que as crianças cercavam Monteiro Lobato para ouvi-lo contar histórias que escrevia. Lembrei-me do meu amigo Rovilson José da Silva nas escolas municipais em Londrina, narrando inesquecíveis histórias. Em seguida imaginei o Oswaldo Francisco de Almeida Junior (mantenedor deste site) inventando histórias com seus filhos (há mais de 20 anos) pelas ruas de São Paulo, de personagens que saiam das rachaduras das calçadas (essa história foi ele que me contou). Imaginei também o meu oftalmologista William Procópio dos Santos contando histórias para seus filhos fazendo sombras na parede do quarto (essa história ele me contou há muito tempo). De repente, como num passe de mágica voltei em 1998 quando iniciei meu mestrado em Marília e via meu amigo Paulo Henrique Coiado Martinez, todas as noites, contando histórias para a pequena Mariana (isso mesmo, a garota que escreveu o texto comigo no mês de janeiro). Nesse instante percebi que ele, o Paulo Henrique, pode mais do que eu responder a pergunta que me foi feita: "- Por que não é comum um pai contar histórias?" Assim, a coluna desse mês será uma entrevista com um pai contador de histórias e esperamos que ela (a coluna) e ele (o pai) possam motivar outros homens a entrarem no saudável mundo de histórias, fantasia e imaginação. SUELI: Contaram histórias para você na infância? PAULO: Histórias de livro, propriamente, não. Minha família é grande (somos em dez irmãos) e meu pai foi um grande contador de "causos", sempre narrando fatos extraordinários que, geralmente, teriam ocorrido com ele. Mas eram histórias contadas à mesa, com toda a família reunida ou então quando tínhamos visitas. Que eu me lembre, meu pai nunca contou histórias exclusivamente para mim, como na hora de dormir, por exemplo. Eu sou quase a "rapa do tacho" e eram minhas irmãs, e não meus pais, que cuidavam de mim e de meu irmão mais novo. Passei a maior parte da infância na área rural e minhas irmãs contavam muitas histórias orais, do folclore ou dos contos de fadas (do jeito que elas lembravam, eu acho), pois não tínhamos acesso a livros. A maioria das histórias, porém, eu ouvia sozinho, através de uma "vitrola". Não sei a qual dos meus irmãos pertencia, mas havia em casa uma "vitrola" (vermelha, eu acho), daquelas portáteis, se não me engano modelo "Sonata", e uma boa quantidade de discos de histórias infantis, da série "Disquinho" (que foi relançada recentemente em CD) e alguns discos antigos, tipo Long Play, daqueles pesadões de 78 rpm. Havia a história do Junco e o Carvalho, da Formiguinha e a Neve, do Burro e o Grilo, Peter Pan, entre outras. Eu me lembro até hoje do prazer que essas histórias me davam, bem como o pavor que eu sentia ao ouvir a história do Barba Ruiva. Todas as noites uma de minhas irmãs me punha para dormir, ligava a vitrola e me deixava no quarto ouvindo as histórias. SUELI: O que motivou você a contar histórias? PAULO: Primeiro, porque eu gosto. Não sou um grande contador de "causos" como meu pai, apesar de já ter contado para a Mariana a maioria das histórias que ouvi dele e outras que aconteceram comigo (juro!), mas minha imaginação e memória não são tão prodigiosas como as de meu pai, por isso tenho que recorrer mais aos livros. Ademais, eu acho importante esse tipo de contato entre pais e filhos. Você cria uma cumplicidade e consegue estimular na criança a imaginação e o hábito da leitura de forma natural. É lógico que demanda muito boa vontade, pois não é todo dia que você está a fim de contar histórias. Mas o resultado é compensador. Eu tenho duas filhas, a Mariana, com oito anos e pouco, e a Paula, com
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