Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
QUÍMICA FARMACÊUTICA I (Apontamentos Teóricos 2007/2008) Elaborado por: Pedro Brandão (2º Ano) 1 QUÍMICA FARMACÊUTICA: DAS MOLÉCULAS AOS FÁRMACOS A Química Farmacêutica é uma ciência independente que se relaciona intimamente com outras disciplinas, tratando-se portanto de uma ciência multi-, inter- e transdisciplinar. Química farmacêutica está relacionada com as seguintes áreas: - Química, instrumentação, biologia celular, genética, biotecnologia, informática, bioquímica, fisiologia, biologia molecular, proteómica, farmacologia. Definição: Área cientifica multidisciplinar que, tendo como base a química, estuda as substancias biologicamente activas, o seu isolamento, invenção, descoberta, desenho, identificação, preocupa-se em compreender a sua interacção com o mundo biológico a nível molecular, o seu metabolismo, o estabelecimento de relações estrutura- actividade e contribui para a sua utilização segura ao serviço do Homem, utilizando para o efeito princípios orgânicos químicos e físicos, a análise farmacêutica e a síntese química. Paul Ehrlich postula a existência de quimiorreceptores e refere a “bala mágica” (composto direccionado apenas e só para um receptor). Da molécula ao fármaco há 3 fases essenciais: I. Descoberta II. Desenho III. Desenvolvimento Moléculas naturais ou sintéticas “Moléculas úteis” biologicamente activas Aquelas que intervêm com a vida dos seres vivos, não fazendo parte da nutrição. - Poluentes - Pesticidas - Semioquímicos - Nutracêuticos - Fármacos 2 Há 3 grandes períodos históricos na evolução deste tipo de ciência: 1. Até meados do séc. XX - antes do séc. XIX: ervas e poções - a partir de meados do séc. XIX: isolamento e purificação de substâncias naturais activas - elucidação de estruturas activas - síntese de análogos - nada se sabia sobre mecanismo de acção em termos moleculares. 2. 1950 – 1980 - menor contributo do acaso/sorte e maior racionalização - cooperação entre químicos e biólogos - maior preocupação em saber o que se passa a nível molecular - a investigação sobre fármacos incide no composto Líder – o principio activo isolado – o qual é modificado quimicamente até poder ser utilizado como fármaco - metodologia: tentativa-erro. Velho Paradigma (Fisiológico) 3. 1980 até à actualidade - Estudo dos alvos terapêuticos (macromoléculas geralmente) Ex: receptores, enzimas, hormonas e factores, canais iónicos, receptores nucleares, ácidos nucleicos. - Química computacional e combinatória - Rastreio massivo Novo Paradigma (Reducionista ou baseado no alvo) A capacidade de identificar/validar um grande nº de alvos, de rastreio massivo e automatização do processo de descoberta de novos fármacos, bem como a possibilidade de formular requisitos simples e claros sobre a estrutura das moléculas capazes de interagir com determinado alvo terapêutico, conduz a uma Selectividade, maior potência e diminuição/eliminação dos efeitos laterais dos fármacos. Ex: Inibidores da COX2 (anti-inflamatórios) - Celecoxib Inibidores selectivos da recaptação de serotonina (antidepressivos) – Fluoxetina Inibidores da acetilcolinesterase (Alzheimer) – Donepezilo Inibidores da Cinase da tirosina (anticancerígenos) – Imatinib A produção de novos fármacos baseada neste novo paradigma, conduziu a uma diminuição no número de fármacos realmente inovadores: os fármacos que surgem actualmente não têm nenhuma “novidade terapêutica”, são apenas fármacos Substância Modelo animal da doença Efeito Optimização Molecular 3 com o mesmo modo, ou semelhante, de tratar uma doença (esta envolve um conjunto de mecanismos bioquímicos interdependentes, e este paradigma ao “dissociar-se” da fisiologia, falha!) Fármacos como Aspirina, Ibuprofeno, Cimetidina, Fluticasona e Budenosida não seriam descobertos pela aplicação do novo paradigma. Assim, há 2 abordagens na descoberta de fármacos: - Baseada no alvo: desenvolve molécula que afecta determinado alvo ou mecanismo. - Baseada na função fisiológica: desenvolve molécula que produz um determinado efeito biológico, independentemente do mecanismo de acção. Caso: Malária (pela técnica do alvo) - em glóbulos vermelhos. - produção de hematina mata o parasita; contudo este tem um mecanismo de destoxificação que consiste em polimerizar a hematina, formando a hemozoína (junção de dímeros). - fármacos com actividade anti-malárica podem actuar a nível desta polimerização (receptores putativos complementares ao potencial electrostático). - as xantonas apresentam este tipo de complementaridade. A História da quase totalidade dos fármacos começa com a identificação de uma substância dotada de actividade biológica, mas que não pode ser usada como fármaco – HIT (“Substância Activa”). 1. Descoberta - encontrar hits - gerar lideres a partir de hits. 2. Desenho - optimizar hits até obter candidatos a fármacos (melhorar farmacocinética e farmacodinâmica) 3. Desenvolvimento - transformar um fármaco candidato num fármaco viável clinicamente (ensaios clínicos, regulamentação) A transformação de Hit a fármaco, passando pelos líderes é um processo “afunilado”. Substância Substância Alvo/Mecanismo Função fisiológica Interacção especifica Selectividade Normalização da função EFICÁCIA TERAPÊUTICA 4 HIT seleccionado: Estrutura molecular com potencial para ser optimizado (estrutura confirmada, potência e selectividade adequadas, fiabilidade farmacocinética). São eliminados HITs com aspectos estruturais proibidos (grupos reactivos ou moléculas que apresentem toxicidade) ou HITs pouco específicos para um alvo (HITs promíscuos). “Drug-Like” HIT: Conceito que tem de acompanhar todo o processo evolutivo de criação de um fármaco, depende da via de administração e dos descritores utilizados na sua avaliação. Há 32 esqueletos-base para a quase totalidade dos fármacos e cerca de 20 a 30 grupos laterais diferentes. É uma estrutura com características biológicas (ADMET) e físico-químicas (solubilidade, estabilidade) consistentes com a eficácia clínica. “Druglikeness” corresponde a um conjunto de propriedades comuns a uma dada classe de fármacos (presença ou ausência de certos grupos estruturais e funcionais; características bio-físico-químicas numa dada gama de valores). 5 Regra de 5 de Lepinski - para fármacos administrados por via oral (90%) - PM < 500 - Log P < 5 - dadores de ligações de H < 5 - aceitadores de ligações de H < 10 - se uma molécula falhar um destes pressupostos é pouco provável ter a actividade desejada em administração oral (o aspecto negativo da regra é que pode levar a uma eliminação precoce de moléculas cuja capacidade terapêutica podia ser muito importante) Optimização de Farmacodinâmica e Farmacocinética: Optimização - A: construção de análogos estruturais; - B: avaliação da actividade; - C: determinação de parâmetros bio-físico-químicos. A, B e C ocorrem quer na passagem de Hit a Líder, quer na passagem de Líder a Candidato. A optimização é multidimensional: os diferentes parâmetros para melhorar a molécula são executados simultaneamente, e não um a um. Assim, com a optimização, à medidaque a toxicidade e os efeitos laterais vão diminuindo, a selectividade, afinidade, potência e características de ADMET vão melhorando. A. Optimização da farmacodinâmica (interacção com o alvo) - estabelecimento de relações estrutura-actividade - identificação do farmacóforo - síntese de análogos (estratégias de modificação estrutural clássicas, bioisósteros, “desenho de fármacos baseado na estrutura”, modelização molecular, RMN). 6 B. Optimização da farmacocinética (acesso ao alvo) - melhorar a absorção (modificar polaridade e/ou pKa) - inibir ou promover o metabolismo - aumentar a selectividade - utilizar pró-fármacos - associar fármacos - utilizar substâncias endógenas. 7 QUÍMICA MEDICINAL A Química Medicinal está relacionada com a invenção, descoberta, design, identificação e preparação de compostos biologicamente activos, assim como com o estudo do seu metabolismo, interpretação do seu modo de acção a nível molecular e o estudo da relação estrutura-actividade. Fármaco: Fármaco é uma substância pura, quimicamente definida, extraída de fonte natural ou obtida por síntese dotada de actividade biológica e que poderá ser aproveitada pelos seus efeitos terapêuticos. Medicamento: Medicamento é toda a substância (ou mistura) fabricada, vendida, posta à venda ou recomendada para tratamento, alívio, prevenção de sintomas ou diagnóstico de uma enfermidade ou estado físico anormal e para o estabelecimento, correcção ou modificação de funções orgânicas no Homem ou em animais. Desenvolvimento de um fármaco: 1. Descoberta de uma nova molécula líder; ensaios in vitro (tenta recriar condições in vivo) 2. Ensaios em animais 3. Ensaios clínicos (Fase 1: segurança e farmacocinética; Fase 2: dose-efeito; Fase 3: eficácia comparada (placebo/produto de referencia)) 4. Comercialização (Fase 4: farmacovigilância e fármaco-epidemiologia) 5. Patente Todo este processo pode demorar entre 10 a 17 anos. 8 O que se passa a nível celular e molecular? Comunicação Intercelular Comunicação química: Pequenas moléculas/Iões + Macromoléculas Quando esta comunicação química é alterada, pode conduzir a estados patológicos, que conduz à necessidade de definir os alvos a atingir para corrigir/curar essa patologia. ALVOS A nível estrutural: 1 . Receptores: - de membrana - intracelulares - nucleares Não envolvem reacção química: o mensageiro liga-se ao local activo, há alteração conformacional do receptor e a mensagem é passada, sendo que o receptor saí deixando o receptor intacto. 2. Enzimas Envolvem reacção química. 3. Canais Iónicos Podem formar poros hidrofílicos e funcionar como alvos para anestésicos locais. 9 4. Transportadores São muito usados como alvos de antidepressivos, porque bloqueando o transportador que recoloca os neurotransmissores no neurónio pré-sináptico, vamos conseguir aumentar a concentração destes na fenda sináptica. A Glicoproteína P (Pgp) é uma bomba de efluxo para retirar compostos tóxicos (e por vezes fármacos) do interior da célula pelo que o seu bloqueio é útil como anticancerígenos. 5. Ácidos Nucleícos (Doxorrubicina e Daunorrubicina, derivados da Idarubicina) 6. Mitocôndrias. Ainda não é muito usado como alvo, mas poderá ser muito útil no tratamentos de doenças tumorais, neurodegenerativas e prevenção de cardiopatias. A nível molecular: 1. Proteínas - Receptores - Enzimas - Transportadores - Estruturais (tubulina) – a tubulina é um dos constituintes do citoesqueleto, constituído por microtúbulos; em situações tumorais ou neurodegenerativas há problemas na tubulina, pelo que está pode ser um alvo (Taxol estabiliza microtúbulos e há morte celular – anticancerígeno; Vinblastina destabiliza os microtubulos e destrói células tumorais) 2. Lípidos Alvos para anestésicos gerais. 3. Carbo-hidratos Glicoproteínas/Glicolípidos = Glicoconjugados Funcionam como etiquetas à superfície da membrana, porque permitem o reconhecimento. 4. Ácidos Nucleícos No Homem, fármacos que actuam no DNA enquanto agentes antitumorais; em bactérias fluoriquinolonas formam complexos com o DNA e topoisomerase. 10 RECONHECIMENTO MOLECULAR Pequenas moléculas: - substrato - ligandos - fármacos Para que o reconhecimento molecular seja eficaz, tem de haver complementaridade de: - Forma - Tamanho - Características electrostáticas Quando o receptor é uma molécula quiral, e a pequena molécula se trata de uma mistura de dois enantiómeros, apenas um destes se liga ao receptor. Tipos de interacções: 1. Electrostáticas - ião-ião - ião-dipolo - dipolo-dipolo 2. Ligações de H (dipolo-dipolo) 3. Hidrofóbicas - entre duas cadeias apolares ou dois aromáticos. - induzem dipolos instantâneos. 11 4. Complexos de transferência de carga - empilhamento ∏. - depende dos substituintes (NO2 – retirador de densidade electrónica; CH3 – dador) - no empilhamento aresta-face o electrão do H é puxado pelo sistema ∏ do outro anel. Interacções não covalentes: - As superfícies moleculares têm de estar próximas, dependendo as ligações da distância. - Interacções fracas - Efeitos resultantes são reversíveis e a acção é limitada no tempo - em estimulantes do SNC. Interacções covalentes: - Estabelecem-se com DNA ou algumas enzimas - Ligações muito fortes - Formação de complexo muito estável - em anticancerígenos e fármacos suicidas. 12 Mudanças Conformacionais Estas mudanças conformacionais são importantes para que a macromolécula ou a pequena molécula adquiram a conformação bioactiva. Por exemplo, a progesterona encontra-se na conformação bioactiva quando está em conformação de “meia-cadeira”. Fármacos: Fundamentalmente não são mais do que pequenas moléculas que modulam patologias por ligação a proteínas alvo e nesse local alteram o comportamento destas (por ex: agonistas, antagonistas). A proteína pode ser do organismo humano ou de um organismo invasor. HIT: Estrutura não optimizada obtida a partir de um processo de screening numa proteína alvo. Os compostos sujeitos ao screening podem ser de origem natural ou sintética. - Ensaios “clássicos”; - Screening de alta eficiência (High-Throughput Screening=HTS) Geralmente, o HIT ideal é aquele que consiste num ligando com uma ligação não covalente, reversível, com alta afinidade e que depois poderá ser convertido num bom líder, com grande probabilidade de optimização. LÍDER: Estrutura geralmente derivada de um HIT e, embora continue sem ser optimizada, possui características apropriadas para ser percursor de um fármaco. - Estrutura química definida; - Actividade biológica/farmacológica pretendida – pode apresentar características indesejáveis (toxicidade, insolubilidade, problemas metabólicos) pelo que se efectuam modificações sintéticas, fazendo-se assim a optimização do composto Líder. Descoberta de um composto líder: identificação de novas entidades químicas que, por subsequentes modificações químicas, podem ser transformados em fármacos. Assim, para se obter um fármaco: - Extracção de compostos; - Identificação; - Ensaios in vitro; - Selecção do HIT; - Maior variedade estrutural; - Determinação da REA (relação estrutura-actividade); - O HIT tem de ser optimizado para chegar ao Líder (“filtros”); - O Líder (que geralmente parte do HIT)ainda tem de ser optimizado para chegar a fármaco 13 O Ácido Salicílico É um exemplo de um bom líder que é um mau fármaco, porque apresenta um mau sabor e é tóxico para a mucosa gástrica. Percurso de um fármaco no organismo Absorção – passagem do local de administração para a corrente sanguínea (etapa inexistente em administração endovenosa). Tecido terapêutico = Local de acção terapêutica. 14 Metabolização e Eliminação – após exercerem a sua actividade ou durante a distribuição (a última etapa não é obrigatória). No caso dos pró-fármacos, a metabolização ocorre antes do efeito terapêutico pretendido. O fígado é o principal órgão de metabolização. É nele que ocorre o efeito de primeira passagem, que consiste na metabolização dos fármacos antes de estes se dirigirem para locais alvo. Existem duas fases: 1. Fase farmacocinética: Absorção, distribuição, biotransformação e eliminação; 2. Fase farmacodinâmica: Formação do complexo fármaco-receptor. A intensidade da resposta biológica depende da: - concentração do fármaco; - afinidade do fármaco para o receptor. Esta afinidade é expressa pela constante de dissociação KD. 15 Quanto menor for o valor de KD maior será a afinidade do fármaco para o receptor e maior a concentração do complexo F-R. Está relacionado com a Potência do fármaco. Factores que influenciam a acção dos fármacos: - via de administração - modo de administração - período de latência (intervalo de tempo entre administração e efeito terapêutico). Fármaco Ideal Implica o equilíbrio entre as propriedades bio-físico-químicas para o composto atingir o local de acção no organismo, a uma dada concentração, durante uma duração de acção necessária e com uma janela de segurança adequada para dar a resposta terapêutica esperada. 16 FACTORES QUE INFLUENCIAM A ACTIVIDADE DE FÁRMACOS Influenciam a forma de interacção com o receptor (Fase Farmacodinâmica), ADME, biodisponibilidade – proporção da dose do fármaco que efectivamente atinge a corrente sanguínea (fala-se sobretudo na via oral, embora exista em todas as vias excepto endovenosa) – e tempo de vida no organismo (Fase Farmacocinética) 1. Propriedade Físico-Químicas 1.1. Solubilidade (Lipofilicidade; Hidrofobicidade) O organismo humano possui meios aquosos e meios não aquosos (membranas), pelo que os fármacos têm de conseguir dispersar-se em ambos os tipos de meios. Isto exige uma espécie de “equilíbrio” entre lipofilicidade e hidrofilicidade. Hidrofilicidade: É a tendência que um determinado composto exibe para ser solvatado pela água (relaciona-se com ligações de H e ião-dipolo) Hidrofobicidade: Traduz-se pela associação de grupos ou moléculas não polares num ambiente aquoso e que surge na tendência exibida pela água para excluir moléculas não polares. Lipofilicidade: Representa a afinidade de uma molécula ou porção dela para um ambiente lipofilico. É habitualmente medida pelo seu comportamento de distribuição num sistema bifásico, seja líquido-líquido (ex: coeficiente de partilha em 1-octanol/água) ou sólido-líquido (ex: retenção em HPLC ou num sistema de TLC). Coeficiente de partilha (P) P = [fármaco] óleo / [fármaco] água - é difícil fazer in vivo - realiza-se em ampolas (in vitro: n-octanol / tampão fosfato pH 7,4) - Solubilidade (Lipofilicidade): Log P = log [fármaco] óleo / [fármaco] água 1.2. Coeficiente de Ionização (pH, pKa) - Maior parte dos fármacos são ácidos fracos ou bases fracas. 17 - Apenas a forma não ionizada (sem carga) é que consegue atravessar as membranas, já que a forma ionizada é solvatada pela água. - Grande parte dos fármacos contém grupos amina. - Forma ionizada facilita a distribuição em meio aquoso, bem como as interacções. A pH fisiológico 7,4: - Os fármacos ácidos encontram-se sobretudo na forma aniónica. - Os fármacos básicos encontram-se sobretudo na forma catiónica. O grau de dissociação é expresso pelo pKa: pKa = pH + log [RCOOH] / [RCOO-] pKa = pH + log [RNH3+] / [RNH2] A constante de ionização afecta: - a Farmacocinética: as formas ionizadas geralmente não atravessam as barreiras lipídicas. - a Farmacodinâmica: se os fármacos interagem com o receptor na forma ionizada, o pKa e o pH afectam a sua actividade. 2. Topografia e Estereoquímica dos Fármacos 2.1. Isomeria Conformacional Um fármaco pode possuir uma grande variedade de confórmoros e o receptor apenas ligar-se a um deles (conformação bioactiva). 2.2. Isomeria Geométrica Dietilestilbestrol (Honvan®) 18 2.3. Quiralidade Nos mamíferos, os aminoácidos que constituem os alvos são constituídos por L-aa (quirais) pelo que podem actuar de forma diferente ou até mesmo discriminar certos enantiómeros → Enantiosselectividade. Esta enantiosselectividade encontra-se portanto muito presente em fenómenos enzimáticos, processos metabólicos e interacções receptor-mensageiro/fármaco. A quiralidade neste contexto é então tida como uma propriedade intrínseca das moléculas. Os enantiómeros caracterizam-se por serem estruturas não sobreponíveis, que são o objecto/imagem no espelho e por ausência de um plano de simetria. É preciso ter em conta que existem moléculas quirais sem centros estereogénicos (os designados atropisómeros – exemplo: 2 anéis aromáticos com 2 grupos volumosos em cada anel, que se encontram ligados por uma ligação simples, não pode rodar totalmente). Os enantiómeros apresentam propriedades físicas e físico-químicas idênticas excepto na rotação específica. O reconhecimento molecular, pelos motivos descritos, pode portanto ser mais eficiente para um determinado enantiómero, o que é explicado pelo Modelo dos “3 pontos de ligação”, que afirma que um receptor pode diferenciar enantiómeros se houver, pelo menos, 3 locais de ligação (ex: enantiómero R (-) da Epinefrina). Actividade Biológica e Farmacológica R ou S - Situação ideal, contudo pouco comum. 19 R = S - Situação pouco comum (Prometazina é um anti-histamínico). R ≠ S - É o caso do Propoxifeno - Da Cetamida e da Penicilamina - E um dos casos mais divulgados é o da Talidomida, uma vez que foi comercializada na forma racémica e depois descobriu-se que a (R)-(-)-Talidomida tinha uma acção sedativa e a (S)-(+)-Talidomida uma acção teratogénica. A administração do enantiómero R puro não é viável uma vez que à racemização reversível dos enantiómeros no organismo. 20 R < S / R > S - Trata-se da situação mais comum, e os 2 enantiómeros têm o mesmo tipo de acção terapêutica contudo um é muito mais activo – o Eutómero – em comparação com o outro – o Distómero. Ou seja, só muda a acção em termos quantitativos. - Dexclorfeniramina é um anti-histamínico em que o isómero (S) é 200 vezes mais potente que o (R). - Ciclofosfamida é um antineoplásico em que o enantiómero (S) tem actividade 2 vezes mais efectiva. - Salbutamol é um broncodilatador em que o enantiómero (R) é 80 vezes mais activo. - O Verapamil tem dois tipos de acção: cardio-depressora em que o enantiómero (R) é 8 a 10 vezes menos potente; vasodilatadoraem que ambos os enantiómeros são equivalentes na potência. Razão Eudísmica = Potência (afinidade) do eutómero Potência (afinidade) do distómero Quanto maior a potência do eutómero, maior será esta razão. Quando o centro estereogénico está localizado na região crítica de ligação ao receptor verificam-se razoes eudísmicas elevadas; quando fora dessa região, verificam-se razões baixas. 21 Fármacos enatioméricamente puros patenteados nos últimos anos (“Quiral Switching”): Comercialização de racematos/misturas racémicas: - Actividade semelhante nos 2 enantiómeros; - Difícil síntese e resolução dos enantiómeros; - Difícil isolar enantiómeros puros ou estes reconvertem-se; Vantagens da comercialização de fármacos enantiomericamente puros: - Doses menores; - Produtos mais activos; - Menos efeitos indesejáveis; - Simplificação da monitorização do fármaco; - Rapidez da relação dose-resposta. Obtenção de enantiómeros puros: - Abordagem Quiral: síntese enantiosselectiva. - Abordagem racémica: separação da mistura racémica (mais fácil). Resolução de enantiómeros - Método Indirecto A uma mistura de enantiomeros adicionamos reagente opticamente puro, que origina uma mistura de diastereoisómeros (que têm propriedades físico-químicas diferentes). De seguida, é efectuada uma separação convencional, por exemplo, por cristalização, cromatografia, destilação, etc. Depois de separados os diastereoisómeros, faz-se uma reconversão e obtemos então os enantiómeros separados. É um processo demorado e com muitos critérios. É preciso ter em atenção que quando o reagente não apresenta 100% de pureza óptica, obtemos pares de enantiómeros. 22 - Método Directo Trata-se de um processo cromatográfico, em que se efectua uma eluição por coluna (não convencional), em que esta tem de ser quiral para separar os enantiómeros – selector quiral (na fase estacionária ou móvel). - Selector quiral + enantiómero = complexo diastereoisómerico (transitório). Selector quiral: componente quiral do sistema de separação capaz de interactuar de forma enantiosselectiva com os enantiómeros a serem separados. HPLC (High Performance Liquid Chromatography) Fases estacionárias quirais em HPLC disponíveis no Mercado: Classificação das FEQs para HPLC baseada na formação do complexo analito-FEQ (Wainer, 1993): 23 FEQ Tipo I Base da estratégia de Pirkle Um anel aromático com substituintes retiradores de electrões designa-se π ácido; quando possui substituintes dadores de electrões chama-se π básico. Os trabalhos de Pirkle permitiram: - Conhecer mecanismos responsáveis pela resolução enantiomérica; - Desenvolvimento de FEQs para analítos específicos; - Aumento da selectividade enantiomérica devido a aperfeiçoamento das FEQs anteriormente concebidas. 24 METABOLISMO - Biotransformação de substancias endógenas; - Mecanismo de defesa contra xenobióticos de baixo PM; - Geralmente envolve processos enzimáticos (sobretudo de enzimas hepáticas); - Facilita a excreção; Xenobióticos: Todos os compostos estranhos/exógenos ao organismo que não desempenham funções fisiológicas, ou seja, após exercerem a sua acção têm de ser excretados. - Há cerca de 30 enzimas/sistemas enzimáticos responsáveis pela transformação dos xenobióticos (enzimas promíscuas); - Metabolitos são, por norma, mais hidrossolúveis, o que facilita a sua eliminação; - Há contudo fármacos que são eliminados intactos. As enzimas intervenientes no metabolismo de fármacos estão a concentrações diferentes consoante o órgão: - [ ] alta – Fígado; - [ ] média – Pulmões, Rins, Intestino; - [ ] baixa – Pele, Testículos, Placenta, Adrenais; - [ ] muito baixa – Sistema Nervoso. As alterações metabólicas conduzem a: - aumento da polaridade, hidrossolubilidade e excreção renal; - diminuição da actividade. O metabolismo envolve 2 tipos fundamentais de reacções: 1. Reacções de Fase I - São reacções de funcionalização; - Aumentam a polaridade e alteram os grupos funcionais. 25 1.1. Oxidação - Envolve/exige presença de C, N ou S; - Catalizada pela Citocromo P450 e por várias oxidases que promovem reacções de hidroxilação ou epoxidação em vários substratos; - Oxidases de função mista (requer O2 e NADPH – agente redutor). Sistemas enzimáticos como a Flavina Monoxigenase, MAO A e B, Prostaglandina Sintase, Aromatase, Xantina Oxidase são responsáveis por processos oxidativos sobretudo em substâncias de origem endógena. 1.1.1. Oxidação Alquílica - Origina álcoois e/ou ácidos carboxilicos. 1.1.2. Oxidação Olefínica - Origina a formação de epóxidos, que são altamente reactivos e não raras vezes tóxico/cancerígeno. 1.1.3. Oxidação Aromática - Leva à formação de fenóis (intermediários: epóxidos). 26 1.1.4. N-Oxidação - Libertação de cetona ou aldeído; - N-desmetilação / N-desalquilação oxidativa. - Semelhante para fármacos com S (são raros). 27 1.2. Redução - Envolve/exige grupos carbonilo, nitro, azo ou sulfóxido. - Catalizada por várias reductases e são reacções mais raras que as oxidações. - Cetorredutases: transformação de cetona em álcool. - Azorredutases (no caso do Prontosil – 1º pró-fármaco): transformação de grupo azo em grupo amina. - Nitrorredutases (no caso do Cloranfenicol, que é um antibiótico): transformação de grupo nitro em amina. - Sulfóxidorredutases: transformação de grupo sulfóxido em tioéter. 28 1.3. Hidrólise - Envolve/exige ésteres ou amidas e as reacções são catalizadas por esterases e amidases consoante o substrato (estas últimas promovem as reacções de uma forma mais lenta). - Os ésteres originam um álcool e um ácido carboxílico. - As amidas originam uma amina e um ácido carboxílico. 2. Reacções de Fase II - São reacções de síntese. - São reacções de conjugação (da molécula do fármaco ou de um seu metabolito da Fase I com uma molécula endógena polar (ácido glucurónico, sulfato, aminoácidos, glutationa). - Há fármacos que não precisam de fase I. - Catalizadas por várias transferases. 29 Substrato (xenobiótico) Reagente Endógeno Reacção de Conjugação Ác. carboxílicos, álcoois, fenóis, aminas Ác. glucurónico Glucuronidação Álcoois, fenóis, aminas Sulfato Sulfatação Aminas Acetil-CoA Acetilação Fenóis, aminas, tióis S-adenosinametionina Metilação Ác. carboxilicos Glicina, glutamina Epóxidos, óxidos de areno, compostos clorados, quinona-imina glutationa 2.1. Glucuronidação - É das mais frequentes; - Enzima: UDP-glucuronosiltransferase. 2.2. Sulfatação - Enzima: sulfotransferase; - Ocorre no ácido salicílico. 2.3. Acetilação 2.4. Metilação Processos metabólicos são estereosselectivos Consequências: - Moléculas aquirais podem ser transformadas em metabolitos quirais; - Dois enantiómeros podem dar origem a dois metabolitos diferentes, por passos metabólicosdiversos; - Um racemato pode sofrer metabolismo como se se tratasse de 2 xenobióticos, em que cada enantiómero tem a sua farmacocinética e farmacodinâmica própria. 30 Caso: Propanolol (quiral; racemato) Por via oral, o produto final é o da via 2 (porque sofre metabolização de 1ª passagem). Via 2 é mais selectiva para enantiómero R; vias 1 e 3 são mais selectivas para enantiómero S. Locais de Metabolismo: - Fígado; - Rins e Intestinos (Fase II); - Sangue e Plasma (hidrólise de amidas e ésteres). Factores que afectam o metabolismo 1. Dose - Dose exagerada – metabolitos tornam-se tóxicos (porque o conjugante endógeno normal foi esgotado); ocorre um novo tipo de conjugação. - No caso do Paracetamol, uma overdose conduz a uma saturação, em que a formação de metabolitos tóxicos leva a hepatotoxicidade. 2. Via de Administração - No caso da administração oral, por acção da microflora intestinal, das enzimas digestivas e devido ao efeito da 1ª passagem no fígado leva a circulação sistémica (baixa concentração). Exemplo: 31 3. Idade - A acção de algumas enzimas varia de acordo com a idade. 4. Certas Patologias - Sobretudo patologias hepáticas; - Dificuldades de previsão da influência na excreção de fármacos. 5. Interacções com outros fármacos - Competição para o mesmo sistema enzimático; - Muitos fármacos são capazes de inibir/induzir o metabolismo de outros fármacos; - Interacções fármaco-fármaco; - Inibição do metabolismo (por destruição do citocromo P-450; por formação de complexos inactivos com o citocromo P-450). 6. Factores Genéticos - Diferenças individuais na expressão de isoenzimas (ex: 3A4 do Citocromo P- 450). 7. Espécie - Variações quantitativas na Fase I (velocidade); - Variações qualitativas na Fase II. 8. Sexo - As enzimas metabólicas actuam de forma diferente em homens e mulheres (alguns antibióticos, cardiotónicos, analgésicos), 32 DESCOBERTA DE UM COMPOSTO LÍDER… Bioensaio - Meio de determinar, num sistema biológico e em relação a um composto controlo, se o composto em estudo possui Actividade desejada e qual a sua Potência; - Iniciados em testes in vitro, podendo também ser executados testes in vivo. Metodologias para Obtenção de Novos Fármacos 1. Extracção a a partir de fontes naturais; 2. Síntese (ureia foi o 1º composto orgânico a ser sintetizado). 1. Produtos Naturais - Origem vegetal (mais significativa); - Origem marinha; - Compostos de bactérias e fungos (ex: penicilina); - Venenos e toxinas de origem animal. Metabolitos secundários de origem vegetal Efeito biológico ou farmacológico pretendido Dose do fármaco requerida para produzir um efeito específico de dada intensidade quando comparado com um padrão de referência. Quanto maior a afinidade fármaco-alvo, maior a potência Usados tal e qual ou servindo de modelo. Extraído a partir da Vinca - (Catharantus roseus) 33 PENICILINA Metabolitos secundários de fungos Toxinas (+) - Epibatidina é líder para analgésicos fortes. É obtida através de uma espécie de rã. Venenos O veneno da jararaca (uma serpente), formado por péptidos, podem ser usados enquanto agentes anti-hipertensores, tendo uma actividade inibitória sobre a ECA. Metabolitos secundários de origem marinha As Briostatinas são lactonas macrocíclicas obtidas a partir de uma esponja marinha. Em monoterapia não exercem actividade anti-cancerígena. Contudo, associada ao Taxol, parece aumentar a actividade anti-cancerígena deste em certos tipos de cancro, nomeadamente cancros da mama, ovário e pulmão. TAXOL Actua a nível dos microtúbulos, apresentando act. antitumoral. Foi isolado em 1969 e introduzido na terapêutica em 1994. Extraído a partir do Teixo (Taxus baccata). 34 Os produtos naturais podem portanto ajudar a resolver problemas no reconhecimento molecular. 2. Síntese Há 3 métodos sintéticos: 2.1. Síntese Clássica Envolve vários passos e muito controlo das condições experimentais. 2.2. Síntese Biomimética Visa mimetizar o que ocorre na natureza (fornecedora de blocos construtores chave), envolvendo controlo mais brando das condições reaccionais, menos etapas e maiores rendimentos. Exemplo: Kielcorinas (xantonolignóides) = Xantona + álcool E nvolve reacções de acoplamento oxidativo. De 10 kielcorinas iniciais, depois do bioensaio, foi obtido um composto “hit”, que apresentava quiralidade, que por cromatografia, sofreu posteriormente bioensaio quer do racemato, quer de cada enantiómero, para o estudo da inibição do crescimento de linhas celulares tumorais humanas. 2.3. Síntese Combinatória A química combinatória tem por finalidade a obtenção de bibliotecas de compostos através da síntese de todas as combinações possíveis de um conjunto de pequenas moléculas (blocos construtores). Podem ser aplicadas tecnologias de robótica para química em fase sólida ou solução, assim como equipamento para de alta eficiência (“high-throughput”) em purificação. 35 - Processo mais rápido e mais barato; - Sabe-se a estrutura o que nem sempre ocorre em extractos naturais; - A síntese em fase sólida usa resina insolúvel à qual se liga o produto final; - Pode envolver síntese em conjunto ou em paralelo (individual mas simultânea). NOVOS FÁRMACOS Serendipismo - Descobertas “acidentais”. - É o caso da descoberta das penicilinas, por contaminação de uma placa com Staphylococcus aureus com Penicillium notatum. Estratégias para Descoberta de Novos Fármacos 1. Clássicas As estratégias clássicas usam moléculas naturais como modelo para novos fármacos. É o caso da utilização da morfina, a sua conversão em Meperidina, entre outros analgésicos opióides; e da cocaína, cuja conversão em Procaína leva à obtenção de um anestésico local. Pode ocorrer Screening de intermediários de síntese, que possuem “semelhança molecular” com os compostos bioactivos e que são sujeitos a ensaios biológicos e/ou farmacológicos. Ocorre por exemplo na conversão de quinazolina (benzodiazepina) em clordiazepóxido, que é um tranquilizante. Deste composto foi desenvolvido o Diazepam (Valium®). Outra estratégia é a melhoria de fármacos já existentes, na qual, conhecendo- se o princípio activo, se desenvolvem-se novas moléculas, tendo por principais objectivos aumentar a potência, melhorar a especificidade e aumentar a segurança. Geralmente há 3 tipos de intervenção que podem ser efectuadas em fármacos já existentes: 1. Pequenas alterações – mascarar sabor, novas formas de administração, aumento da duração da acção, aumento da potência (novas moléculas Pró-fármacos); 2. Exploração dos efeitos laterais – desenvolvimento de novas moléculas com a mesma aplicação terapêutica e menos efeitos secundários ou a transformação de um efeito secundário numa aplicação terapêutica útil; 3. Fase I das vias metabólicas – com origem de novos compostos bioactivos (metabolitos activos). O conceito de “Mee too drugs” surgiu pela utilização de fármacos desenvolvidos por outras empresas farmacêuticas como compostos líder de série, para o desenvolvimento de novos fármacos. 36 A exploração dos efeitos secundários levou ao aparecimento de inúmerosfármacos, tal como a Tolbutamida (a partir da Carbutamida), de anti-hístaminicos H1 clássicos (Fenbenzamina, Prometazina, Difenidramina), assim como do Sildenafil (Viagra). Este último foi inicialmente concebido como agente anti-hipertensor e antianginoso inibidor da fosfodiasterase (PDE-5), contudo não mostrava os efeitos desejados durante os ensaios clínicos. Mecanismo de acção do Sildenafil: O Viagra apresenta uma estrutura semelhante ao cGMP: A utilização da Fase I de vias metabólicas como origem de novos compostos bioactivos consiste na utilização dos metabolitos activos resultantes do metabolismo de Fase I de um fármaco como origem de novos fármacos (é o caso de antidepressivos tricíclicos Imipradina => Desipramina; e das benzodiazepinas). 37 2. Planeamento Racional Este baseia-se na estrutura da pequena molécula ou na estrutura da biomacromolécula, implicando o conhecimento a nível molecular dos processos fisiológicos e bioquímicos associados a uma dada patologia e envolve ensaios in vitro e in vivo adequados e fiáveis. Só é possível devido a avanços em diferentes áreas, tais como a Biologia Molecular, técnicas cristalográficas de alta eficiência, fontes de synchroton de alta energia, RMN, Química Combinatória, screening de alta eficiência e Química Computacional. 2.1. Planeamento racional baseado na pequena molécula - Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) como agentes anti- hipertensores (veneno da jararaca). 38 Angiotensina II é o agente hipertensor e o veneno contém péptidos que impediam a formação desta, nomeadamente o teprotide (9 aa). A ECA é uma zincometaloproteinase difícil de isolar. Usando o teprotide como líder de série, chegou- se ao fármaco Captopril, IECA de natureza não peptídica e o primeiro a poder ser administrado por via oral. 2.2 Planeamento racional baseado na biomacromolécula Este tipo de planeamento necessita de um conhecimento prévio da estrutura tridimensional do alvo, para estudo da topografia das superfícies complementares dos ligandos e das respectivas proteínas alvo, para assim ser possível sintetizar compostos optimizados para formar melhores interacções, permitindo uma maior potência e selectividade. O planeamento racional levou ao desenvolvimento de antivirais baseados na estrutura do ácido siálico, que fossem reconhecidos pela neuraminidase mas que a bloqueasse, que levou à obtenção de fármacos como o Zanamavir (Relenza®) e o Oseltamivir (Tamiflu®). O Zanamivir é administrado por inalação por ser muito polar. O planeamento racional utiliza ferramentas como a Química Computacional, a Cristalografia de Raios X e a RMN (permite saber se há interacção). 39 ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS DE MODIFICAÇÃO MOLECULAR Modificação Molecular: Pode ser usada para: - tornar um “hit” em líder; - optimizar um líder; - proceder a estudos de relação estrutura-actividade; - contribuir para a identificação do farmacóforo; - modular a actividade de um fármaco (aumentar a potência, alterar sabor, modificar biodisponibilidade ou farmacocinética, etc). Métodos de Modificação Molecular: 1. Simplificação 2. Associação 2.1. Adição Molecular 2.2. Replicação Molecular 2.3. Hibridação Molecular 3. Replicação Moduladora 1. Simplificação (variação estrutural disjuntiva) - Moléculas de complexidade estrutural significativa, principalmente de origem natural; - Visa eliminar componentes que não interessam, não alterando o farmacóforo; - Envolve muitas vezes a supressão de anéis. Através da optimização molecular, podemos melhorar as propriedades de compostos com baixa actividade e baixa selectividade. 2. Associação Molecular - União de duas estruturas com uma determinada actividade com o objectivo de a potenciar; 2.1. Adição Molecular - Implica a associação de moléculas diferentes por ligações débeis, de natureza electrostática. 2.2. Replicação Molecular - Envolve a associação covalente de unidades idênticas. 2.3. Hibridação Molecular - Associação covalente de duas ou mais unidades diferentes. 3. Replicação Moduladora - É a estratégia mais frequente; - Substituição ou introdução de determinados grupos, segundo critérios determinados, tendo como base um composto líder; - Alteração das propriedades físico-químicas dos compostos (pka, polaridade, flexibilidade). Critérios Clássicos para a Modificação Molecular 1. Abertura e formação de anéis; 2. Introdução de ligações duplas; 3. Homologia; 4. Introdução de grupos volumosos; 5. Isosterismo 40 No planeamento de análogos é importante considerar: - Evitar introduzir demasiadas modificações na molécula líder simultaneamente; - Alterações estruturais simples na molécula líder originam informação útil; - A acessibilidade sintética das moléculas. 1. Abertura e formação de anéis Uma cadeia fléxivel, por anelação, pode apresentar a mesma actividade, mas está mais rígida. A abertura de um anel geralmente leva a alteração da actividade. 2. Introdução de insaturações - Aumento da rigidez molecular; - Modificação das propriedades físico químicas; - Possibilidade de alteração das propriedades farmacológicas. Princípio da Vinilogia Dois substituintes (X e Y) unidos por uma cadeia vínilica, polivinílica ou anel benzénico comportam-se, sob o ponto de vista electrónico, como se estivessem unidos directamente. O grupo vinilo ou combinações deste pode(m) transmitir os efeitos electrónicos característicos de grupos conjugados – Efeito de Ressonância. Cortisona Prednisona Glucocorticóides Complexo mais estável com o receptor. 41 Quando a acção farmacológica está ligada ao efeito electrónico, a actividade mantém-se nos vinílogos do composto de referência. 3. Homologia Série homóloga: uma série de compostos que diferem uns dos outros por uma unidade repetida, geralmente um grupo metileno. A actividade farmacológica pode ser alterada se a homologia afecta uma parte da molécula que participa na união ao receptor. 4. Introdução de grupos volumosos Relação Agonista Antagonista - Há diminuição da potência, ligação com reconhecimento molecular mas não vai elicitar a resposta biológica correspondente. Interrupção da conjugação 42 5. Isosterismo Numa molécula activa, a substituição de um átomo ou grupo de átomos por outro que apresente um arranjo electrónico e estérico comparável é baseada no conceito de isosterismo. Isosterismo Clássico: O conceito de Langmuir (1919) – duas moléculas são consideradas isostéricas se contêm o mesmo número de átomos e o mesmo número e arranjo de electrões, apresentando propriedades físico-químicas semelhantes: O2-, F-, Ne, Na+, Mg2+, Al3+ → 1 átomo, 8 electrões de valência. ClO4-, SO42-, PO43- → 5 átomos, 32 electrões de valência. Isósteros isoelectrónicos: -C=O e - N=N - ; CO2 e NO2 O conceito de Grimm (1925) – “Lei de Deslocamento de Hidreto” – um determinado átomo será isóstero de uma espécie que resulta da adição de hidreto (H: -) ao átomo que o precede no sistema periódico. O conceito de Erlenmeyer (1932) – Expansão doconceito de isosterismo – isósteros como “elementos, moléculas ou iões nos quais as camadas periféricas de electrões pudessem ser consideradas idênticas”. 43 Expansões do conceito de isosterismo de Erlenmeyer: - Todo o grupo de elementos presente numa dada coluna da tabela periódica; - Grupos que, à primeira vista, parecem totalmente diferentes mas, que na prática, possuem propriedades similares (-Cl, -CN, -SCN); - Equivalentes anelares. Conceito de Bioisosterismo - Friedman: “Bioisósteros são compostos que correspondem à definição mais larga de isóstero e têm o mesmo tipo de actividade biológica, mas que exibam propriedades opostas (antagonistas)”. - Thornber: “Bioisósteros são grupos de moléculas que têm semelhanças químicas e físicas e produzem, de um modo geral, efeitos biológicos similares”. Conceito actual de Isosterismo O principal conceito para isosterismo é que duas moléculas isostéricas devem apresentar volumes e formas semelhantes ou idênticas. Os isósteros são muitas vezes mais semelhantes nas suas propriedades biológicas que nas suas propriedades físicas e químicas. Isosterismo “Não Clássico”: Aspectos a ter em consideração: - Posição relativa de certos grupos; - Densidade electrónica; - Acidez, solubilidade, capacidade de ligações de H; - Tridimensionalidade. Modificações Isostéricas mais frequentes 1. Substituição de átomos ou grupos univalentes 2. Substituição de átomos ou grupos bivalentes Análodos de Meperidina (Hipnoanalgésico) 44 3. Substituição de átomos ou grupos trivalentes - Antidepressivos tricíclicos 4. Equivalentes anelares - Sulfonamidas antibacterianas - Anti-histamínicos H2 5. Substituição por grupos com efeitos polares similares 5.1. Da função do ácido carboxílico 5.2. Da função éster - Anestésicos locais Procaína Procaínamida 45 5.3. De amidas e péptidos 5.4. Inversão da posição de grupos funcionais - Anestésicos locais 46 Alterações resultantes de Substituições Isostéricas 1. Parâmetros Estruturais Respeitantes à forma global da molécula, são importantes quando a porção da molécula envolvida na substituição isostérica serve para manter determinados grupos funcionais numa geometria particular. 2. Parâmetros Electrónicos Relacionados com a natureza das interacções ligando-receptor alvo, através de efeitos indutivos, polarizabilidade e capacidade de formar ligações de hidrogénio. 3. Parâmetros de Solubilidade Quando o grupo funcional envolvido na mudança isostérica desempenha um papel importante na absorção, distribuição e excreção da molécula activa, é preciso ter em atenção os parâmetros hidrofilia-lipofilia. Assim, a abordagem do isosterismo só tem interesse se tiver por consequência: - Aumento da potência, selectividade e melhoria da disponibilidade e/ou; - Diminuição da toxicidade e efeitos laterais indesejáveis. Modificação Molecular – caso prático HIT 47 Adição de grupos lipofílicos volumosos. Formação de anéis melhora actividade e ligações duplas contribuem para aumentar a planaridade da molécula. 48 MODULAÇÃO FARMACOCINÉTICA Pró-Fármacos Pró-fármaco é… - qualquer composto que sofre biotransformação antes de exibir a respectiva actividade farmacológica; - considerado como fármaco contendo grupos “protectores” não tóxicos, usados de uma forma transitória, para alterar ou eliminar propriedades indesejáveis da molécula base. Há 3 tipos fundamentais de objectivos - Farmacêuticos, Farmacocinéticos e Farmacodinâmicos: Ex: lipófilo em solução aquosa. Ex: acumulação em tecidos não terapêuticos. Enzimática ou Química (ex:pH) 49 Tipos de Pró-Fármacos - Com Carregador - Bipartido - Tripartido - Bioprecursores Pró-Fármaco com Carregador - Contém na sua constituição uma ligação temporária de um dado composto activo com um grupo carregador, que leva a uma mlehoria das propriedades físico- químicas ou farmacocinéticas, e que pode ser facilmente removido in vivo geralmente por quebra hidrolítica. - O carregador, por norma, não é tóxico, é quimicamente estável, de fácil obtenção e transporta o fármaco até ao alvo adequado. Exemplos: - Prontosil; - Estradiol; Melhor aceitabilidade Melhor biodisponibilidade Efeito de 1ª passagem. Relaciona efeito terapêutico com efeito tóxico. Mútuo O fármaco é obtido in vivo Act. estrogénica Maior duração da acção porque há aumento da lipofilia, o que dificulta a absorção. 50 - Cloranfenicol Pró-fármaco Mútuo - Corresponde à associação numa única molécula de 2 fármacos, geralmente sinergistas, em que um deles funciona como carregador para o outro e vice-versa. Exemplos: - Benorilato Pró-fármaco Tripartido - O carregador está ligado ao fármaco activo por uma ponte química. Ocorre geralmente quando o carregador é demasiado estável ou demasiado frágil. Antibiótico Melhor sabor porque a cadeia alifática diminui a dissolução na saliva. Paracetamol Ácido Acetilsalicílico 51 Pró-fármaco tripartido mútuo Exemplo: - Penicilina associada a um inibidor de β-lactamases Pró-fármacos Bioprecursores - Não implica ligação a um grupo carregador, mas resulta de uma modificação molecular de um composto. - Esta modificação gera um novo composto, com capacidade de ser transformado metabólica ou quimicamente, sendo o composto resultante o próprio composto activo. Obtenção de pró-fármacos 1. Pró-fármacos de ácidos carboxílicos, álcoois e fenóis Via oral Injectável Apenas 15 a 20% do fármaco seria absorvido (baixa biodisponibilidade). Pró-fármaco aumenta a absorção. Pró-fármaco é 18x mais hidrofílico. Éteres (R-O-R) Menor hidrofilicidade Ésteres (Esterases) Modulação da solubilidade e estabilidade 52 Exemplo: Metilprednisolona (R=H) - corticoesteróide; - aumenta lipofilicidade com acetato (R=COCH3); - aumenta hidrofilicidade com succinato sódico (R=COCH2CH2COO- Na+). Tamiflu - anti-viral; - pró-fármaco – éster; - composto activo (g. carboxílico) – maior interacção com receptor. 2. Pró-fármacos de Aminas Exemplo: Eritromicina - tem sabor amargo e é alterada em pH ácido. - o pró-fármaco, formado por esterificação, leva a um melhor sabor e maior estabilidade em meio ácido, assim como a uma maior lipofilia, facilitando a absorção. → Muito estáveis (formadas por N-acilação). → Envolve enzimas plasmáticas. 53 Progabide - anticonvulsionante; - pró-fármaco muito lipófilo porque precisa de atravessar a barreira hematoencefálica. 3. Pró-fármacos de Aldeídos e Cetonas Exemplo: PGE2 - havia problemas no armazenamento, uma vez que o compostosólido se liquefazia; - a formação de um acetal origina um sólido estável. Modulação Metabólica - O metabolismo como base para o planeamento de fármacos menos tóxicos. O metabolismo oxidativo (Hepático) conduz à formação de intermediários muito reactivos (epóxidos, radicais livres) que são tóxicos. Para evitar esta toxicidade há 2 tipos de estratégia: - Suprimir o metabolismo: - Fármacos de eliminação rápida; - Fármacos resistentes à metabolização. - Promover metabolismo não oxidativo Fármacos “duros”/”Hard Drugs” Fármacos “brandos”/”Soft Drugs” 54 Obtenção de fármacos “duros” A finalidade dos fármacos “duros” é obter uma molécula farmacologicamente activa que seja resistente à biotransformação e excretada sem alteração. Obtenção de fármacos “brandos” Éster Amida Dificilmente são hidrolizadas. 55 Uma forma de evitar/minimizar os problemas de toxicidade relacionados com o metabolismo oxidativo é através da criação de fármacos activos com o metabolismo controlável e previsível que originem metabolitos não tóxicos depois de produzir o efeito farmacológico adequado. Os fármacos “brandos” funcionam quase como o oposto dos pró-fármacos, uma vez que o fármaco administrado está na sua forma activa e o metabolismo leva a produtos não tóxicos. “Antedrug” é definido como derivado sintético activo localmente que é desenhado de forma a sofrer biotransformação para a forma inactiva eliminável assim que entra na circulação sistémica, minimizando efeitos laterais. 56 QUIMIOTERAPIA Definição: Utilização de fármacos para combater (matar ou inibir o crescimento) organismos estranhos (bactérias, parasitas, vírus, protozoários, metazoários) e células aberrantes (células cancerígenas). Baseado no princípio da quimioterapia, originalmente o conceito de “bala mágica” de Ehrlich, sendo que os principais agentes quimioterápicos são: - Antibacterianos; - Antifúngicos; - Anti-parasitários; - Antivirais; - Anticancerígenos; - Imunomoduladores. Geralmente actuam por inibição de enzimas específicas, intervenientes em processos de: - Deficiência/excesso de metabolito (ex: GABA, ácido úrico); - Infecção por organismos estranhos; - Crescimento de células aberrantes; em que a normalização ou destruição da actividade provocam uma melhoria do estado de saúde. Assim, a actividade de um fármaco deveria ser de um inibidor “ideal”, capaz de uma inibição selectiva. Como tal é difícil de encontrar, é necessário explorar as diferenças entre o microrganismo e o hospedeiro: - Enzimas únicas, que apenas existem no microrganismo; - Enzimas compartilhadas, podemos aproveitar quando o hospedeiro possui uma via alternativa, à qual este recorre quando a via afectada pelo fármaco é inibida, resultando assim em diferenças qualitativas; - Propriedades farmacológicas diferentes, resultantes por exemplo do facto de a enzima ser igual mas o composto ter maior afinidade para a enzima do microrganismo (diferenças qualitativas). Estes três pontos são importantes para se entender a toxicidade selectiva, baseada em diferenças qualitativas ou diferenças cinéticas (esta última ocorre, por exemplo, nas células cancerígenas, que apresentam um maior metabolismo). Assim, de acordo com estas características, um agente quimioterápico ideal apresenta toxicidade selectiva para o parasita (especificidade total para uma enzima alvo) e é simultaneamente inócuo para o hospedeiro. As características do fármaco podem ser avaliadas através de: Índice Quimioterápico = Dose máx. tolerada pelo hospedeiro/Dose mín. terapêutica Índice Terapêutico = LD50(dose letal)/ED50(dose efectiva) Os agentes quimioterápicos podem apresentar 2 tipos de efeito: o efeito cida(ex: β- -lactâmicos) ou efeito stático(ex: sulfamidas, que podem ter efeito cida em doses mais elevadas). O efeito apresentado depende de vários factores: - Concentração do fármaco; - Temperatura, pH; - Espécie do organismo estranho; - Fase do crescimento desse organismo. 57 Outro conceito a ter em conta é o conceito de “Reacções Adversas”, que podem ser: - Alérgicas; - Biológicas; - Tóxicas. Quanto ao Espectro de Acção, este pode ser largo ou estreito. Para uma mesma dose de fármaco, que deveria ter actividade terapêutica, por vezes verifica-se a ausência desta actividade. Isto indica que foram desenvolvidos “Mecanismos de Resistência”, tais como: - Alteração do uptake do fármaco que pode dever-se, por exemplo, a alteração da carga da membrana; - Overprodução ou alteração da enzima alvo; - Produção de uma enzima destruidora do fármaco (ex: β-lactamases); - Depleção da enzima que activa o pró-fármaco; - Overprodução do substrato da enzima alvo (competição impede que o fármaco iniba a enzima); - Nova via de formação do metabolito para enzima alvo. O uso simultâneo de dois fármacos pode levar a efeitos sinergistas, aditivos, antagonistas, etc. No caso do sinergismo, este tem por principais mecanismos: - Inibição da enzima destruidora do fármaco; - Bloqueio sequencial; - Inibição de enzimas em diferentes fases metabólicas; - Uso de vários fármacos para o mesmo alvo. SULFAMIDAS ANTIBACTERIANAS Em termos históricos, a primeira sulfonamida foi obtida por Gerhard Domagk em 1935, obtida a partir do Prontosil, utilizado para infecções estreptocócicas). Em 1948 já haviam sido identificadas 4500 novas sulfamidas. Metabolismo do Prontosil 58 Síntese de Azocompostos Síntese da Sulfanilamida 1º Passo: I) Sulfonação da acetilanilida; II) Formação do cloreto de p-acetamidobenzenosulfonilo. 2º Passo: Síntese da p-acetamidobenzenosulfonamida. 3º Passo: Síntese da p-aminobenzenosulfonamida. 59 Nomenclatura das Sulfamidas Modificações Moleculares (obtenção de análogos) Os objectivos das modificações moleculares são: - Melhorar as propriedades farmacocinéticas; - Aumentar a actividade; - Diminuir a toxicidade; - Alargar o espectro de acção; - Conferir maior especificidade. Relação Estrutura-Actividade R1 - Grupo amino na posição para é essencial, pelo que não deve ser substituído; - Quando num pró-fármaco este é substituído, in vivo tem de estar livre; - Anel aromático e grupo sulfonamido, sendo que o anel só pode ser para-substituído. R2 - Forma activa = ionizada; - Substituição ↑ 2-6 X, monossubstituído por heterocíclicos e aromáticos; - ↓ sulfona, carboxamida e cetona. Apresenta um pKa = 6,6 – 7,4. Análogo das Sulfonamidas 60 - De rápida acção ou acção intermédia (rapidamente absorvidas e eliminadas). 61 As sulfamidas de rápida eliminação são geralmente utilizadas em infecções urinárias. - De longa duração (rapidamente absorvidas e lentamente excretadas) - Grupos lipofílicos (metilos, alcoxilos, cloro); - Não devem ser administrados a doentes com comprometimento renal pois pode ocorrer cristalúria (formação de cristais nos tubos renais). - Pró-fármacos (pouco absorvidas).- Utilizados em infecções intestinais (acção local), colites ulcerosas e redução da flora bacteriana. A razão pela qual as sulfas em pró-fármacos são pouco absorvidas pode ser explicada pelo que se passa com o Succinilsulfatiazol. In vivo Substituições no azoto amínico por grupos benzoílo (hidrofobicidade). 62 Mecanismo de Acção 63 Há cofactores/coenzimas que são importantes para a síntese de piridina (dos ácidos nucleicos), uma vez que estes transferem um átomo de carbono para a síntese desta molécula. As sulfamidas vão inibir a produção destes cofactores. A vantagem do uso destes compostos é que, como pode ser visto pelo esquema anterior, o Homem apresenta uma via alternativa para sintetizar os cofactores, pelo que as sulfamidas apresentam uma toxicidade selectiva, uma vez que a enzima diidropteroato sintetase apenas existe nas bactérias. O Metotrexato/Trimetropim actua numa enzima comum aos dois organismos, a diidrofolato redutase, contudo apresenta maior afinidade para a das bactérias, pelo que a sua acção se baseia em diferenças qualitativas. O que as sulfamidas fazem é mimetizar o substrato natural (o ácido p- aminobenzóico – PABA), bloqueando a enzima. Conseguem produzir este efeito porque as estruturas, características electrónicas e distâncias são semelhantes como vemos na imagem que se segue: A imagem que se segue mostra exactamente a acção do composto no centro activo da enzima diidropteroato sintetase, através do modelo do receptor: 64 Podemos então caracterizar as Sulfamidas Antibacterianas da seguinte forma: - Antimetabolitos clássicos; - Similares ao substrato (PABA); - Inibidores Competitivos (inibição reversível); - Toxicidade selectiva; - Actividade bacteriosctática. Antimetabolitos do ácido fólico: As principais aplicações terapêuticas desta classe de fármacos são em infecções urinárias, oculares, intestinais e das mucosas. Apresentam contudo limitações ao uso, a nível de toxicidade, por provocar cristalúria, danos renais, hematúria, hipersensibilidade e convulsões por hipoglicemia (teste sensibilidade). Os principais mecanismos de resistência a este tipo de fármacos consistem no aumento da produção do PABA, a síntese de diidropteroato sintetase mediada por um plasmídeo menos sensível e o decréscimo da permeabilidade da membrana celular. Os efeitos secundários das sulfamidas antibacterianas podem ser aproveitados na terapêutica. A partir das convulsões por hipoglicemia, através de modificações moleculares adequadas, foi possível produzir sulfamidas hipoglicemiantes. Por outro lado, a partir do facto de produzirem alcalinidade da urina, aumentarem a diurese, provocarem acidose sistémica e aumentarem [anidrase carbónica], e procedendo a modificações moleculares adequadas, produziram-se sulfamidas diuréticas. Anidrase Carbónica Esta enzima é responsável pela manutenção do balanço iónico e aquoso entre os tecidos e a urina e degrada o CO2. 65 Trata-se de uma metaloenzima, tendo o ião Zn2+ em 4 resíduos de histidina e ainda uma molécula de água. Nesta imagem vemos o que ocorre quando a enzima não é inibida. Neste caso, o Na+ acompanha HCO3-, sendo que este último é reabsorvido, enquanto que o Na+ é trocado por H3O+ ou K+. 66 Na imagem que se segue vemos o que ocorre quando a AC é inibida, que leva a diminuição do H+ e HCO3-, sendo que tanto este último e o Na+ não são reabsorvidos. Ocorre ainda excreção de Na+ (e K+) H2O em grandes quantidades (efeito osmótico) aumentando portanto a diurese. O HCO3- é eliminado pela urina o que leva à sua alcalinidade. Assim, é importante reter que o grupo SO2NH2 livre é importante para a actividade antidiurética. Por sua vez o grupo NH2 livre é importante para a actividade antibacteriana. Os compostos que se seguem são exemplos de sulfamidas inibidoras da AC: As aplicações terapêuticas deste tipo de compostos são, por exemplo: - o tratamento do glaucoma (diminuição do humor aquoso e da pressão intra- ocular, por acção sobre a AC presente nos olhos). - controlo de certas formas de epilepsia (em combinação com anticonvulsionantes). 67 Este composto é a Carbutamida, que provoca convulsões por hipoglicemia. Tornou-se então num composto líder que através de modificações moleculares foi transformado em sulfamidas hipoglicemiantes (importantes no tratamento da diabetes tipo II sobretudo). Estas sulfamidas hipoglicemiantes são também designadas por sulfonilureias, sendo que da sua metabolização origina a formação de compostos activos (não administrar a doentes com problemas hepáticos). Dos compostos abaixo, verificou-se, por exemplo, que a troca de CH3 por Cl aumenta o tempo do composto na corrente sanguínea. A relação estrutura-actividade (REA) indica que: - a actividade máxima é atingida quando R’ contém uma cadeia entre 3 a 6 átomos de carbono; - substituintes arílicos em R’ originam compostos tóxicos; - substituintes em R influenciam sobretudo a duração da acção. O Mecanismo de Acção destes compostos baseia-se na capacidade de inibirem a saída de K+ e permitir a entrada de Ca2+, que a nível das células β do pâncreas permite que o ATP passe a cAMP (aumento da relação ATP/ADP) por acção dos receptores β2 e permite a libertação da insulina. Actualmente há uma série de compostos em estudo, que são novos análogos das sulfamidas, com actividade antitumoral e antiviral. 68 Antibióticos β-Lactâmicos Por definição, os Antibióticos são compostos químicos específicos derivados de organismos vivos ou produzidos por eles, bem como análogos estruturais obtidos por síntese, capazes de inibir, em baixas concentrações, processos vitais de outros microrganismos. A Classificação dos antibióticos pode ser de duas formas: 1. Mecanismo de Acção: - Inibidor da síntese da parede celular; - Inibidores da síntese proteica; - Inibidores na transcrição e replicação dos ácidos nucleicos; - Antimetabolitos, como as Sulfonamidas (que são antimetabolitos do PABA e bacteriostáticas). 2. Química: - β-lactâmicos clássicos: - Penicilinas; - Cefalosporinas. - β-lactâmicos não clássicos: - Tienamicinas; - Norcadicinas; - Monobactâmicos; - Ácido clavulânico. - Aminoglicosídeos; - Tetraciclinas; - Macrólidos; - Cloranfenicol; - Quinolonas. PENICILINAS Naturais Esta molécula é o ácido 6- aminopenicilânico (6-APA). A sua síntese é muito difícil, devido à existência de 3 C estereogénicos e uma grande tensão angular. Os anéis condensados não são coplanares (117º). Contudo trata-se de uma boa molécula a partir da qual podem ser obtidos análogos da penicilina. Estes compostos inibem a síntese da parede celular bacteriana, sendo Bactericidas. 69 As penicilinas possuem dois tipos de nomenclatura: sistemática e simplificada. A influência da tensão anelar e torcional do anel β-lactama é muito importante na grande reactividade destes compostos. Por exemplo, leva facilmente à abertura do anel em meio ácido, o que inactiva o composto. Estes compostos apresentam uma grande sensibilidade aos nucleófilos. O grupo carbonilo da cadeia lateral é muito importante paraa sensibilidade demonstrada por estes compostos ao meio ácido, que ao sofrer alteração/inactivação a pH baixo, justifica o facto destes compostos não poderem ser administrados por via oral. Assim, as principais reacções de inactivação das penicilinas são: 70 Síntese (ou semi-síntese) do 6-APA: A benzilpenicilina é um composto de origem natural (penicilina G) que pode sofrer semi-síntese. Neste processo usa-se a piridina para captar os protões, para que o pH não desça e degradar o anel β-lactâmico. Ocorre por 4 passos fundamentais: esterificação, cloração (para haver um bom grupo abandonador), metilação e posterior hidrólise para obter o 6-APA. A hidrólise enzimática é um processo mais simples e directo, contudo é menos executado porque tem baixo rendimento, exige a manipulação de microrganismos potencialmente perigosos e demora mais tempo. A partir do 6-APA podemos passar à semi-síntese da ampicilina: Assim, o método químico de obtenção do 6-APA é vantajoso porque elimina a manipulação de microrganismos, reduz a duração do processo e aumenta o rendimento. Em termos de REA, é importante o COOH livre, pois é o local onde se podem obter pró-fármacos, já que se podem formar sais de ácidos (orgânicos e inorgânicos) e ésteres. As modificações moleculares que podem ser feitas para a obtenção de análogos apresentam várias vantagens, tais como: 71 - diversificar a via de administração; - melhorar as propriedades farmacocinéticas; - aumentar a resistência ao pH ácido; - aumentar a resistência às β-lactamases; - alargar o espectro de acção. Os grupos a introduzir em R para atingir estes objectivos são sobretudo de 3 tipos: 1) Volumosos – por impedimento estérico, aumentam a resistência às β-lactamases; 2) Electrofílicos – diminuem a reactividade do carbonilo lateral, permitindo a administração por via oral, pois aumenta a resistência ao pH baixo; 3) Hidrofílicos – permitem a passagem por canais de purina de Gram -, aumentando o espectro de acção. Para a sensibilidade da benzilpenicilina aos ácidos, a tensão do anel é essencial, bem como o carbonilo altamente reactivo desse mesmo anel. A reactividade do grupo carbonilo da cadeia lateral também é um factor importante. A. Penicilinas de Administração Oral. B. Penicilinas Resistentes às Penicilases (β-lactamases) 72 No caso da Meticilina, embora resistente às penicilases, não é resistente a pH ácido. C. Penicilinas Resistentes às Penicilases e ao pH ácido O espectro de actividade de cada penicilina é assim dependente de vários factores; - estrutura; - facilidade para atravessar membrana exterior das bactérias Gram -; - susceptibilidade às enzimas β-lactamases; - afinidade para a enzima alvo; - velocidade com que é bombeada para fora da célula (Gram +). O aumento da actividade contra Gram – é maior quanto o grupo hidrofílico (NH2, OH, COOH) está ligado ao C7α do carbonilo da cadeia lateral. Grupos hidrofílicos em C6 da cadeia lateral: 73 1) Aminopenicilinas (Penicilinas de largo espectro) Estas penicilinas são resistentes a ácidos, não são tóxicas, são sensíveis às β- lactamases e têm fraca absorção a nível intestinal. Para melhorar a absorção intestinal são transformadas em pró-fármacos que depois sofrem a acção de esterases. Não são usados ésteres muito pequenos porque não impedem a acção de esterases por impedimento estérico em locais inadequados, mais próximos dos anéis (o que ocorre com ésteres maiores). Eis alguns exemplos de pró-fármacos da Ampicilina: A hidrólise que estes pró-fármacos sofrem in vivo pelas esterases ocorre do seguinte modo: Os pró-fármacos da benzilpenicilina, caracterizam-se pela introdução de grupos lipófilos, que diminuem a solubilidade em água: 2) Carboxipenicilinas (Penicilinas de Largo Espectro) Quando vemos que ocorre a administração da Ticarcilina com o ácido clavulânico, é porque este é um antibiótico não clássico que destrói as β-lactamases. 74 3) Ureídopenicilinas (também Penicilinas de Largo Espectro) Em termos de Modificações Moleculares em C3, sabe-se que estas modificam a Absorção e Libertação do fármaco e que são feitas sobretudo 2 tipos: 1) Sais - Com bases inorgânicas (sódica e potássica): - rapidamente absorvidas; - Com bases orgânicas (procaína e benzaína): - limitam a solubilidade em água; - formas “depôt” ou de latenciação, isto é, o fármaco é libertado/usado quando necessário. 2) Ésteres - Obtenção de pró-fármacos por esterificação: - hidrolisados enzimaticamente após absorção pela mucosa intestinal a fármaco activo. Em termos de efeitos laterais, aqueles que se verificam mais envolvem: - reacções alérgicas; - reacções de hipersensibilidade cutânea; - toxicidade hepática; - toxicidade renal; - perturbações gastro-intestinais. 75 CEFALOSPORINAS Trata-se do 2º maior grupo, e verificou-se que o composto sintetizado pelo Cephalosporium acremonium, a Cefalosporina P1 (esteroídica) não tinha actividade anti-bacteriana. O segundo composto, a Cefalosporina N (Penicilina N) verificou-se que não apresentava grande actividade anti-bacteriana. Por sua vez, a Cefalosporina C, com cadeia lateral distinta das penicilinas, bem como um anel diferente, embora apresentasse baixa actividade, tinha uma maior resistência às lactamases a baixo pH, transformando-se no composto líder. O núcleo mais importante, o 7-ACA, não é sintetizável. As Cefalosporinas são compostos que apresentam uma tensão angular menor que as penicilinas, bem como menor reactividade. Seguem um sistema de nomenclatura semelhante às penicilinas. As cefalosporinas podem sofrer vários tipos de reacções de inactivação: 76 No caso da inactivação por acção de H+/esterases, verifica-se a redução do grupo acetoximetilo (bom abandonador), que leva à formação de um álcool ou cetona (inactivos). A síntese do 7-ACA e dos análogos de cefalosporinas ocorre do seguinte modo: O primeiro passo reaccional para a formação do grupo cloroimino ocorre do seguinte modo: A REA deste tipo de compostos indica que o átomo de enxofre não é essencial, contudo é essencial: - o anel β-lactama e o sistema biciclo; - o grupo carboxilato ionizado na posição 4; - a cadeia acilamino na posição 7; - a estereoquímica dos grupos e do anel biciclo é importante (cis). As modificações moleculares executadas nestes compostos têm por objectivos: - diversificar a via de administração; - melhorar as propriedades farmacocinéticas; - aumentar a resistência a pH ácido; - aumentar a resistência às β-lactamases; - alargar o espectro de acção. As substituições em R’’ afectam sobretudo a farmacocinética e metabolismo dos compostos (r. nucleofílica ou r. de redução), havendo formação de sais e ésteres. No caso da Cefalotina, a acção das esterases leva à inactivação do composto, o que implica que hajam modificações moleculares em C3 (1): 77 - Carboiloximetilo - aumenta a estabilidade metabólica e os níveis séricos. - Metilo - aumenta a estabilidade metabólica e a absorção oral.
Compartilhar