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129Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Correspondência *Erica Tatiane da Silva. Fundação Oswaldo Cruz, FIOCRUZ ‑ Unidade II ‑ Brasília. Avenida L3 Norte, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, SC 4. Asa Norte. CEP: 70910900. Brasília, DF – Brasil. Telefone: (61) 33294602. E‑mail: erica.silva@fiocruz.br. RESUMO Introdução: A retenção de uma dentição natural funcional e estéti‑ ca com pelo menos 20 dentes é uma meta global de saúde bucal da Organização Mundial de Saúde. Apesar da redução expressiva das perdas dentárias entre adolescentes e adultos, isso não vem ocorrendo entre idosos, indicando um acúmulo da necessidade de reabilitação protética nessas populações. Objetivo: Identificar os fatores individuais e contextuais associados ao edentulismo funcional em idosos no Brasil. Métodos: Trata‑se de um estudo transversal tendo como amostra os idosos de 65 a 74 anos investigados no levantamento epidemiológico Pesquisa Nacional de Saúde Bucal de 2010 (SBBrasil 2010). O desfecho investigado foi o edentulismo funcional – presença de menos de 20 dentes naturais. As variáveis independentes foram organizadas em modelo multinível, considerando o ambiente externo, características socioeconômicas dos indivíduos, o comportamento relacionado à saúde bucal e suas características demográficas. Resultados: A prevalência de edentulismo funcional foi de 73,3% (IC95%= 69,7‑76,9). Ser do sexo feminino, possuir menores níveis de renda familiar e maior tempo transcorrido desde a última visita ao dentista, e ter realizado a última consulta odontológica por motivos não relacionados à revisão, prevenção ou check‑up, extração, dor ou tratamento foram fatores associados ao edentulismo funcional. Conclusão: Os fatores de risco associados ao edentulismo funcional em idosos reforçam o impacto das desigualdades sociais. Estratégias para melhoria das condições de vida e promoção de comportamentos saudá‑ veis têm o potencial de reduzir a prevalência de perda dentária. Palavras‑chave: Perda de dente; Idoso; Fatores epidemiológicos. ARTIGO ORIGINAL Fatores associados ao edentulismo funcional em idosos brasileiros Factors associated with functional edentulism in elderly Brazilians Erica Tatiane da Silva¹ Rayzah Teodoro de Oliveira1 Cláudio Rodrigues Leles2 ¹Fundação Oswaldo Cruz, Brasília, Distrito Federal, Brasil. 2Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil. 130 Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Silva ET, Oliveira RT, Leles CR ABSTRACT Introduction: The retention of a functional and aesthetic dentition with at least 20 natural teeth is a global goal of World Health Organization. Despite the important reduction of tooth loss in teenagers and adults, this is not occurring in elderly, indicating an accumulation of the need for prosthetic rehabilitation in these populations. Objective: To identify individual and contextual factors associated to functional edentulism in Brazilian elderly. Methods: This cross‑sectional study investigates a sample of 65 to 74 years elderly from the National Oral Health Survey 2010 (SBBrasil 2010). The outcome variable was functional edentulism, i.e., presence of less than 20 natural teeth. Independent variables were organized into multi‑ level model, considering the external environment, socioeconomic char‑ acteristics of subjects, oral health‑related behavior and demographic characteristics. Results: The prevalence of functional edentulism was 73.3% (CI95%=69.7‑76.9). Being female, having lower levels of household in‑ come and more time elapsed since the last visit to the dentist, and having attended the last dental appointment for reasons unrelated to the revi‑ sion, prevention or check‑up, extraction, pain or treatment were factors associated the functional edentulism. Conclusion: The risk factors related to functional edentulism in elderly reinforce the impact of social inequalities. Strategies for improving liv‑ ing conditions and promoting healthy behaviors have the potential to reduce the prevalence of tooth loss. Keywords: Tooth loss; Aged; Epidemiologic factors. INTRODUÇÃO O edentulismo é um agravo que varia amplamente entre os países e suas regiões, refletindo uma complexa rede de determinantes que inclui os modelos de oferta de serviços e de formação de recursos humanos, bem como aspectos culturais e as condições de vida e saúde da população.1‑4 No Brasil, a perda dentária ainda é um problema de saúde pública com alta prevalência e impactos negativos na vida dos indivíduos, apesar da possibilidade de controle por meio de tecnologias preventivas e reabilitadoras voltadas à promoção da saúde bucal.5,6 Entre os fatores relacionados ao edentulismo, ao lado dos aspectos biológicos, destacam‑se as con‑ dições socioeconômicas, de saúde e educação, o uso dos serviços odontológicos, os sistemas de saúde, a autopercepção da saúde bucal e as crenças sociais.2,3 Esses indivíduos geralmente apresentam saúde bucal precária e piores condições socioeconômicas e de acesso e utilização dos serviços de saúde.2,3,7‑10 A perda dentária pode gerar impactos negativos na qualidade de vida dos indivíduos, influenciando em sua autoestima e acarretando desordens funcionais, nutricionais e estéticas.11,12 Contudo, estudos têm demonstrado que uma dentição funcional, com pelo 131Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Fatores associados ao edentulismo funcional em idosos brasileiros menos 20 dentes naturais presentes, pode prover conforto, capacidade mastigatória, estabilidade oclusal e estética satisfatória.13‑15 A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a perda dentária como um problema de saúde pú‑ blica que deve ser considerado na formulação das políticas de saúde. Para o ano de 2000, uma das metas da OMS era de que houvesse pelo menos 50% dos indivíduos de 65 a 74 anos com 20 ou mais dentes na boca (dentição funcional).16 No Brasil, segundo resultados do levantamento nacional SBBrasil 2003, apenas 10,3% da po‑ pulação desta faixa etária possuía 20 ou mais dentes presentes, havendo uma pequena altera‑ ção desse percentual em 2010 para 11,5%.17,18 Apesar da redução expressiva das perdas dentá‑ rias entre adolescentes e adultos, isso não vem ocorrendo entre idosos, indicando um acúmulo da necessidade de reabilitação protética nessas po‑ pulações.5,17,19 Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os fatores individuais e contex‑ tuais associados ao edentulismo funcional em idosos no Brasil, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SBBrasil).20 METODOLOGIA Trata‑se de um estudo transversal com uso dos dados do último levantamento epidemio‑ lógico nacional em saúde bucal, o SBBrasil 2010, aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, sob o registro nº 15.498. O respectivo banco de dados foi disponibilizado aos pesquisadores pela Coordenação Nacional de saú‑ de Bucal (CNSB). Para o recorte de pesquisa proposto, a população de estudo foi composta por idosos de 65 a 74 anos. A variável dependente foi o edentulismo funcional, ou seja, a presença de menos do que 20 dentes naturais. Como variáveis independentes, foram consideradas: região geográfica (norte, nordeste, centro‑oeste, sul e sudeste); tipo de municí‑ pio (capital ou interior); idade no momento do exame (65 a 66 anos, 67 a 69 anos e 70 a 74 anos); sexo (masculino ou feminino); raça autorreferida (branca ou não branca); escolaridade (nenhum ano de estudo, 1 a 4 anos, 5 a 8 anos, e 9 ou mais anos de estudo); renda familiar mensal (até 500 reais, 501 a 1.500 reais, 1.501 a 2.500 reais, 2.501 a 4.500 reais, e acima de 4.500 reais); número de pessoas por cômodo (categorias obtidas a partir dos tercis, sendo até 0,92, 0,93 a 1,49 ea partir de 1,50); número de bens (categorias obtidas a partir de tercis, sendo até 5, 6 a 8 e a partir de 9); se já fez ou não uma visita ao dentista na vida e tempo da última consulta odontológica (menos de um ano, um a dois anos, e três anos ou mais). A influência das variáveis independentes sobre o desfecho investigado seguiu as diretrizes para análise hierárquica propostas por Victora et al.21 A medida de associação utilizada foi a Razão de Prevalência (RP), com respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%), estimada por meio de modelos de regressão de Poisson simples e múltiplos com estimação de variância robusta. A partir do modelo hierarquizado estruturado de acordo com o modelo empregado por Moreira et al.22 (Figura 1), procedeu‑se a análise bivariada em cada bloco de variáveis. Dentro de cada ní‑ vel hierárquico, as variáveis com p<0,20 foram testadas em modelos múltiplos. As variáveis com p<0,05 permaneceram no modelo final de cada nível, sendo consideradas fatores de ajuste para os blocos subsequentes. BLOCO 1: AMBIENTE EXTERNO Região geografica Tipo de município BLOCO 2: CARACTERISTICAS SOCIOECONÔMICAS Escolaridade, Renda familiar mensal, Número de bens, Número de pessoas por cômodo sendo cada variável em uma linha isolada. BLOCO 3: COMPORTAMENTO RELACIONADO À SAÚDE Visita ao dentista Tempo, local e motivo da última consulta odontológica BLOCO 4: CARACTERISTICAS DEMOGRÁFICAS Idade Sexo Raça autorreferida Edentulismo funcional Figura 1 Modelo para análise dos fatores associados ao edentulismo funcional em idosos. Todas as análises foram realizadas através do programa Stata 9.1 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos). Devido ao tipo de 132 Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Silva ET, Oliveira RT, Leles CR amostragem do Projeto SB Brasil, foi feita corre‑ ção pelo efeito do desenho amostral com emprego do comando svy para análise de dados oriundos de amostras complexas. Como indivíduos de determinado cluster possivelmente são mais similares entre si do que aos de outros clusters, quanto maior o número de indivíduos por clus‑ ter e o coeficiente de correlação intraclasse, maior esse efeito (deff). Portanto, a ausência deste ajuste tende à superestimação e perda da precisão das estimativas. RESULTADOS A prevalência do edentulismo funcional entre os idosos na amostra investigada (n=3.917) foi de 73,3% (IC95%= 69,7‑76,9). Isso foi mais críti‑ co em idosos residentes na região Norte, do sexo feminino, nas faixas de renda familiar mensal de até R$ 2.500,00, que foram ao dentista alguma vez e cuja última consulta foi há três anos ou mais, por motivos não relacionados a procedimentos de rotina, extração, dor ou tratamento (Tabelas 1 e 2). Tabela 1 Prevalência e razão de prevalência segundo estimativas do modelo simples de regressão de Poisson para o edentulismo funcional em idosos dentados (n = 3.917), considerando o ambiente externo e características socioeconômicas. Brasil, 2010. Prevalência % (IC95%)* RP não ajustada (IC95%)* Valor de p* BLOCO 1: Ambiente externo Região Sul 75,5 (68,5‑82,4) 1 Norte 88,0 (83,3‑92,6) 1,16 (1,05‑1,29) 0,005 Nordeste 73,8 (68,7‑79,0) 0,98 (0,87‑1,10) 0,702 Sudeste 71,5 (66,3‑76,9) 0,95 (0,84‑1,07) 0,381 Centro‑oeste 71,6 (64,9‑78,1) 0,95 (0,83‑1,08) 0,413 Tipo de município Capital 72,7 (67,7‑77,7) 1 Interior 73,7 (68,7‑78,7) 1,01 (0,92‑1,11) 0,782 BLOCO 2: Características socioeconômicas Escolaridade (anos) ≥ 9 65,6 (56,5‑74,7) 1 5‑8 76,9 (70,9‑82,8) 1,17 (1,00‑1,38) 0,053 1‑4 74,8 (67,6‑82,1) 1,14 (0,96‑1,35) 0,125 0 75,4 (58,3‑92,5) 1,15 (0,88‑1,50) 0,311 Renda familiar (R$) ≥ 4.501,00 46,0 (29,9‑62,0) 1 2.501,00‑4.500,00 59,1 (41,3‑76,8) 1,28 (0,74‑2,22) 0,371 1.501,00‑2.500,00 73,3 (65,2‑81,4) 1,59 (1,10‑2,31) 0,014 501,00‑1.500,00 79,2 (74,1‑84,3) 1,72 (1,19‑2,49) 0,004 Até 500,00 75,4 (62,0‑88,8) 1,64 (1,13‑2,37) 0,009 Número de bens ≥ 9 66,6 (59,1‑74,1) 1 6‑8 74,6 (68,1‑81,2) 1,16 (0,99‑1,36) 0,057 Até 5 77,6 (70,1‑85,0) 1,12 (0,98‑1,28) 0,103 Pessoas por cômodo Até 0,92 71,5 (63,4‑79,7) 1 0,93‑1,49 78,5 (73,3‑83,6) 1,10 (0,96‑1,25) 1,181 ≥ 1,50 69,8 (63,3‑76,4) 0,98 (0,84‑1,13) 0,747 IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência *Corrigido para o desenho amostral 133Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Fatores associados ao edentulismo funcional em idosos brasileiros Tabela 2 Prevalência e razão de prevalência segundo estimativas do modelo simples de regressão de Poisson para o edentulismo funcional em idosos dentados (n = 3.917), considerando o comportamento relacionado à saúde e características demográficas. Brasil, 2010. Prevalência % (IC95%)* RP não ajustada (IC95%)* Valor de p* BLOCO 3: Comportamento relacionado à saúde Visita ao dentista Nunca foi 72,1 (68,1‑76,2) 1 Já foi 84,3 (75,7‑92,8) 1,17 (1,03‑1,32) 0,014 Tempo da última consulta (anos) < 1 66,4 (60,5‑72,3) 1 1‑2 71,9 (61,3‑82,5) 1,08 (0,91‑1,29) 0,364 ≥ 3 82,2 (77,0‑87,5) 1,24 (1,12‑1,37) <0,001 Local da última consulta Serviço privado 70,6 (66,0‑75,2) 1 Serviço público 76,5 (68,1‑84,9) 1,08 (0,95‑1,23) 0,214 Outros 73,5 (59,7‑87,4) 1,04 (0,85‑1,27) 0,692 Motivo da última consulta Revisão/prevenção/check‑up 63,5 (49,5‑77,5) 1 Extração 75,0 (64,8‑85,1) 1,18 (0,91‑1,53) 0,205 Dor 78,8 (66,0‑91,6) 1,24 (0,95‑1,62) 0,114 Tratamento 70,4 (63,4‑77,3) 1,11 (0,85‑1,45) 0,454 Outros 95,7 (92,6‑98,9) 1,51 (1,20‑1,89) <0,001 BLOCO 4: Características demográficas Idade (anos) 65‑66 72,9 (67,0‑78,8) 1 67‑69 75,5 (69,1‑82,0) 1,04 (0,92‑1,17) 0,554 70‑74 72,4 (66,5‑78,3) 0,99 (0,88‑1,11) 0,909 Sexo Masculino 68,8 (63,3‑74,2) 1 Feminino 76,5 (72,0‑80,9) 1,11 (1,02‑1,22) 0,027 Raça autorreferida Branca 72,5 (67,4‑77,6) 1 Não branca 76,4 (70,2‑82,7) 1,02 (0,92‑1,14) 0,639 IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência *Corrigido para o desenho amostral 134 Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Silva ET, Oliveira RT, Leles CR A Tabela 3 mostra os resultados dos modelos múlti‑ plos, segundo o modelo conceitual apresentado na Figura 1. Dentre as variáveis incluídas no modelo final, destaca‑se a maior associação do edentu‑ lismo funcional com a renda familiar, com um aumento de 44% a 58% da prevalência nas faixas de rendimento inferior a R$ 2.501,00 em relação à categoria de referência (acima de R$ 4.500,00). Tabela 3 Razão de prevalência do edentulismo funcional em idosos segundo estimativas do modelo múltiplo de regressão de Poisson. Brasil, 2010. Blocos Variável Edentulismo funcional RP ajustada (IC95%) Valor de p Características Socioeconômicas Renda familiar (R$) ≥ 4.501,00 1 2.501,00 ‑ 4.500,00 1,14 (0,67‑1,96) 0,586 1.501,00 ‑ 2.500,00 1,49 (1,03‑2,15) 0,027 501,00 ‑ 1.500,00 1,58 (1,08‑2,30) 0,012 Até 500,00 1,44 (0,98‑2,11) 0,045 Comportamento Relacionado À Saúde Tempo da última consulta (anos) < 1 1 1‑2 1,04 (0,87‑1,23) 0,662 ≥ 3 1,17 (1,04‑1,31) 0,007 Motivo da última consulta Revisão/prevenção/check‑up 1 Extração 1,05 (0,81‑1,35) 0,700 Dor 1,13 (0,88‑1,46) 0,323 Tratamento 1,04 (0,80‑1,36) 0,773 Outros 1,38 (1,09‑1,74) 0,008 Características Demográficas Sexo Masculino 1 Feminino 1,11 (1,01‑1,23) 0,039 RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de 95% de confiança Nota: RP ajustada pelas variáveis do mesmo bloco e acima DISCUSSÃO O presente trabalho identificou fatores determi‑ nantes da funcionalidade dentária em idosos, investigando desde o ambiente externo a aspectos individuais compreendendo suas características sociodemográficas e comportamento relacionado à saúde bucal. O edentulismo funcional é menos explorado em pesquisas odontológicas brasileirasquando comparado ao edentulismo total, especialmente em modelos hierárquicos. Conforme esperado, a prevalência de edentulis‑ mo funcional em idosos foi alta, sendo similar àquela encontrada por Moreira (78,7%),9 obtida a partir de dados do SBBrasil 2003. O aspecto cumulativo da cárie e da doença periodontal faz com que sua sequela máxima, a perda dentá‑ ria, seja uma condição frequente nesses indiví‑ duos. Além disso, por muito tempo, os serviços foram pautados predominantemente na oferta de exodontias, refletindo nas condições bucais dos idosos de hoje.1,2,4 Diversos estudos reportam o aumento da idade, o sexo feminino e piores condições socioeconômicas como fator de risco para a perda dentária.3‑10,23‑30 Isso é corroborado pelos resultados do modelo múltiplo, o qual revelou como fatores associados ao edentulismo funcional em idosos brasileiros: ser do sexo feminino, possuir menores níveis de renda familiar e maior tempo transcorrido desde a última visita ao dentista, e ter realizado a última consulta odontológica por motivos não relacionados a procedimentos de rotina, extração, dor ou tratamento. 135Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Fatores associados ao edentulismo funcional em idosos brasileiros A associação entre o sexo e o edentulismo funcional indica uma maior dificuldade de manutenção de dentição funcional entre as mulheres, evidenciando fenômenos relacionados aos diferenciais de gênero em saúde.6,8‑10,28 Já as demais variáveis destacadas no modelo final estão em consonância com evidên‑ cias de que as diferenças sociais verificadas para a perda dentária também se manifestam no acesso e uso dos serviços odontológicos.3,4,26 Nesse contexto, a perda dentária mostra‑se como um agravo que reflete as condições de saúde bucal da população, além de ser uma expressão da desigualdade social,11,26 corroborada neste estudo por meio da associação entre menores níveis de renda familiar e o edentulismo funcional. Outro reconhecido fator de risco para a perda den‑ tária é o tempo de realização da última consulta odontológica, especialmente quando igual ou maior do que três anos.5,6,9,24,25,31 Adicionalmente, sua alta prevalência relaciona‑se à incapacidade do modelo de oferta de serviços em incorporar tecnologias de prevenção e promoção da saúde que possibilitem a preservação dos dentes ao longo da vida do indivíduo.5,25 O presente estudo tem como diferencial as bases do modelo teórico utilizado, as quais estão diretamente inseridas no campo da epidemiologia social e dos determinantes sociais da saúde. Como limitação está o uso de dados do inquérito de 2010. O SBBrasil é uma estratégia de vigilância epidemiológica dos principais agravos de saú‑ de bucal em âmbito nacional, fornecendo dados para subsidiar a formulação de políticas públicas.20 Contudo, o atraso temporal dos dados reflete limi‑ tações operacionais e financeiras para realização periódica de estudos deste porte, limitando sua utilização para análises oportunas da situação de saúde da população. Outros aspectos importantes e complementares para o diagnóstico situacional do edentulismo no Brasil e para o planejamento e avaliação dos servi‑ ços de saúde bucal são o impacto da perda dentá‑ ria na saúde geral e bucal e na qualidade de vida e a necessidade e demanda por tratamento proté‑ tico.4,9,12,32,33 Apesar dos avanços proporcionados pela Política Nacional de Saúde Bucal, permanece um quadro de alta prevalência de perda dentária entre os idosos. Diante disso, é necessário o desenvolvimento e monitoramento de indicadores epidemiológicos e sócio‑odontológicos, associados a estratégias efetivas de prevenção e tratamento desse agravo e a medidas para enfrentamento das desigualdades sociais e das iniquidades em saúde. CONCLUSÃO Os fatores de risco associados ao edentulismo funcional em idosos foram o sexo, a renda familiar, o tempo e motivo da última consulta odontológica. Estratégias para melhoria das condições de vida e promoção de comportamentos saudáveis têm o potencial de reduzir a prevalência de perda dentá‑ ria nessa população. 136 Com. Ciências Saúde. 2016; 27(2):129-138 Silva ET, Oliveira RT, Leles CR REFERÊNCIAS 1. Petersen PE. The World Oral Health Report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century‑‑the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Community Dent Oral Epide‑ miol. 2003;31 (Suppl 1):3‑23. 2. Carlsson GE, Omar R. The future of complete den‑ tures in oral rehabilitation. 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