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RESENHA HOLOCAUSTO BRASILEIRO

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Disciplina: Redação para Mídia Impressa 
Atividade: Resenha Crítica sobre a série de reportagens de Daniela Arbex, 
intituladas: “Holocausto Brasileiro” 
Acadêmico: Charles Alves 
 
O filósofo Michel Foucalt em seu percurso pelo universo da insanidade, escreveu “A 
História da Loucura”. Mas quando esteve no Brasil em 1979, a convite do psiquiatra 
Ronaldo Coelho, ao tomar conhecimento da história do Hospital Colônia, afirmou: 
“este capítulo eu não escrevi!”. Talvez em todos os matizes correspondentes nas 
ciências físicas, no freudismo, no behaviorismo e nos positivismos, ninguém, à 
exceção do holocausto promovido pelos alemães entre 1939 e 1945, tomou 
conhecimento de tão semelhante tragédia, que assim como a desgraça do povo judeu, 
a sua similar brasileira tem sido negada pela história, mas resgatada por uma série de 
reportagens investigativas publicadas na Tribuna de Minas em 2011. 
A concepção de Foucault de que a loucura é como uma ação divina, em que os loucos 
seriam criaturas misteriosas com poderes místicos. Mas essa ótica não passa de uma 
ilusão ou um fantasma do desejo deste pensamento para amainar a loucura e a forma 
como ela era encarada no Brasil do começo do século XX. Tomada por essa busca 
não tão romanceada como ilustrou Foucalt, a jornalista Daniela Arbex abre uma caixa 
de Pandora há muito fechada, uma história de horror que começou em 1903, e que é 
motivo de um silêncio sepulcral, mesmo depois de quase 120 anos após o primeiro 
trem rebocando o “vagão dos doidos” parar nos fundos do Hospital Colônia, em 
Barbacena, interior de Minas Gerais. 
Criado sob a pretensão humanitária de "dar assistência aos alienados de Minas", esta 
instituição acabou se tornando o maior hospício do país com quase cinco mil internos 
atrás de seus muros. A semelhança com o holocausto do povo judeu durante a 
segunda grande guerra é inconfundível, já que os trens chegavam abarrotados de 
gente não só de Minas, mas do restante do país - que eram considerados loucos-, 
sem nenhum critério ou exame médico, apenas rotulados para embarcar em uma 
viagem sem volta a um inferno dentro do inferno. 
Como animais, ou até pior, pois estes têm o instinto de viver em melhores condições 
de saúde e bem-estar, os internos dividiam entre trezentos, alimento suficiente para 
trinta pessoas, e se não dormiam no chão, eram obrigados a ir ao matagal próximo, 
colher capim seco repleto de formigas para dormir em cima e não morrer de frio. Um 
cenário tão dantesco, que o psiquiatra italiano Franco Basaglia, chegou a afirmar 
 
durante uma das visitas que fez ao Colônia em 1979, que em nenhum lugar do mundo, 
tinha visto uma tragédia como aquela. 
A sociedade contemporânea, que sobre quase todos os temas opina, nem de longe 
parece se indignar com a história de horror pela qual passaram as mais de 60 mil 
vítimas não só da loucura, mas também do poder público e da própria sociedade que 
as renegou e as condenou a uma vida de sofrimentos indizíveis. E que mesmo após 
90 anos, persistem nas lembranças, mas não assombram seus algozes. Tratados 
como párias por uma vida inteira, talvez nem suas almas se lembrem mais de que um 
dia foram seres humanos. 
Vítimas de um tecido social que sempre alijou a loucura com a mesma veemência das 
deformidades físicas. Conferido até mesmo às transgressões e subversões o status 
de doença mental, fez com que durante a década de 1930, até inimigos do estado 
serem internados como alienados e por lá esquecidos sem as necessidades de um 
processo legal e formal que uma prisão civil exigiria. As famílias também não lhes 
conferiam parentesco, pois, uma vez internados na Colônia, os parentes até se 
mudavam de Barbacena para não mais ter contato com os “loucos”, pois, ter um louco 
na família não era assunto para se comentar em público. 
Em vida, não lhes bastou tirar somente a dignidade e a falta de convívio social. 
Também era parte do tratamento: a escravidão. Os mais lúcidos, quando não eram 
pinçados a servir de pedreiro “voluntário” - ou pago com vícios, como um maço de 
cigarros ou uma garrafa de aguardente -, na residência dos diretores, eram cedidos 
voluntariamente à prefeitura de Barbacena para fazer a limpeza pública. Mesmo de 
quem se esperaria misericórdia, os pacientes do Colônia não obtiveram nenhuma, já 
que até as irmãs de "caridade" de Barbacena lucravam neste insano comércio da 
loucura, pois algumas internas “mansas” eram usadas como mão de obra para 
confeccionar trabalhos em crochê que eram comercializados como produto do 
convento. Tudo sob o pretexto de "terapia". 
Durante o processo de apuração, Daniela Arbex encontrou documentos chocantes 
que comprovam a existência de um capítulo tétrico: a venda de cadáveres. A 
dignidade que os pacientes do Hospital Colônia não tinham em vida, nem na hora da 
morte lhes foi conferida. Novamente em similaridade com o holocausto judeu, os 
pacientes, que no inverno chegavam a morrer em número de 60 por dia, eram 
enterrados em grupos na vala comum, sem qualquer identificação. Ao longo de três 
 
décadas foram tantos que a terra, já saturada e amarga com tanto sofrimento, se 
recusava a decompor tantos corpos. 
É nesse período, entre 1969 e 1980 que mais de 1800 corpos foram comercializados. 
Vendidos para 17 faculdades de Minas gerais, virou até produto pró-exportação para 
a Universidade de Valência, na Espanha, como exemplares de estudo anatômico a 
serviço de uma ciência desumana. Fadados a uma existência post mortem 
mergulhados em tanques de formol no eterno abre e fecha de necropsias infinitas, 
magros, doentes e execrados da sociedade até na morte. Vendidos como mercadoria, 
eram carregados em caçambas da mesma maneira que o lixo não reciclável. 
Quando não tinham o destino cruel de ser vendido, embora os ex-funcionários 
neguem a prática que os documentos e livros de registros com preços teimam em se 
apresentar para fora do obscurantismo. Com o fim da prática, pois o mercado 
consumidor já estava saturado de cadáveres, a criatividade e a ganância pareciam 
não ter fim, impossibilitados de vender os cadáveres, os corpos eram dissolvidos em 
ácido, depositado em tambores dentro do pátio, à vista de todos, para lhes extrair a 
carne e vender seus esqueletos no mercado da morte. 
Aos sobreviventes, como instinto de autopreservação, só lhes coube pausar a 
memória afetiva no tempo de antes de serem internados e abandonados, para que os 
horrores sofridos não fossem computados nas memórias da loucura. Por um sopro de 
misericórdia da natureza, pelo menos para eles, essas memórias são apenas delírios, 
ruins, mas ainda assim delírios.

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