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A Psicologia Científica e a Pesquisa

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1 
A PESQUISA CIENTÍFICA E A PSICOLOGIA
(*)
 
 M. Foucault 
- 
Uma das mais finas figuras da psicologia não gostaria de me ver citar um de 
seus propósitos: eu o fiz sem ironia, unicamente sob o impulso de minha surpresa; ele 
perguntou a um calouro se queria fazer a “psicologia” como o Sr. Pradines e o Sr. 
Merleau-Ponty, ou a “psicologia científica” como Binet e outros, mais recentes, que sua 
modéstia não designava. Eu estou seguro que ele não guardou a lembrança de sua questão, 
ou antes que ele não se lembrava de me tê-la posto; ela deve ser nele quotidiana e evidente, 
tanto para o professor como para o bom aluno: Letras ou Politécnica? Mas como muitas 
coisas que são evidentes, sua questão vai ao cerne, e ela se referia implicitamente a uma das 
estruturas mais fundamentais da psicologia contemporânea. Que essa clareza tenha me 
vindo de um psicólogo me espantara. Mas o paciente trabalho da verdade sempre resulta do 
espanto. 
Um dos a priori históricos da psicologia, na sua forma atual, é essa 
possibilidade de ser, sob o modo da exclusão, científica ou não. Não se pergunta a um físico 
se ele quer ser um cientista ou não, a um especialista da fisiologia dos gafanhotos alpinos se 
ele quer fazer ou não uma obra científica. Porque a física em geral e a fisiologia dos 
gafanhotos alpinos só emergem como domínios de possível pesquisa no interior de uma 
objetividade já científica. Que não me venham portanto dizer que o modo de reprodução 
dos moluscos de água doce pode concernir ao pescador, da mesma forma que ele chama, 
invoca e retém a atenção, talvez decenal, de um naturalista; pois não me perguntem se eu 
me interessaria por minha alma para assegurar sua felicidade e salvá-la, ou para explicitar o 
Logos. Não, falavam-me da psicologia, quem, nela própria, pode ser ou não científico. 
Como o químico que quis, desde o começo, exorcizar a alquimia. Mas é preciso ainda 
retificar a comparação; a química não se escolhe, no inicio, como estranha a alquimia; ela 
não repousa sobre uma escolha, pelo seu próprio desenvolvimento ela a torna derrisória. 
Essa possibilidade originária de uma escolha, o que ela pode significar? Que há 
uma verdadeira e uma falsa psicologia? Que há uma psicologia que faz o psicólogo e uma 
psicologia sobre a qual especula a filosofia? Uma psicologia que mede, conta e calcula e 
uma psicologia que pensa, reflete e desponta pouco a pouco à luz da filosofia? Eu não 
poderia dizer com todo rigor o que pensava meu psicólogo, no fundo de sua alma vestida de 
probidade cândida e de linho branco. O que é seguro, é que para ele a psicologia pode ser 
verdadeira ou falsa antes de começar, a escolha do cálculo ou da especulação antecipa-se 
sobre a psicologia que calcula e que especula, a pesquisa repousa sobre a opção, o risco e 
a aposta de uma psicologia científica. No limite: em psicologia a pesquisa não é cientifica 
de pleno direito, ou, mais exatamente, suas formas concretas não se articulam elas próprias 
sobre o horizonte de uma ciência, que se determinaria em seu próprio movimento como 
pesquisa; mas é a pesquisa que recusa ou escolhe em seu pleno grau um propósito cientifico 
e se situa ela própria sob a constelação da objetividade. O que merece atenção, não é tanto o 
dogmatismo com a qual define-se a “verdadeira psicologia”, quanto a desordem e o 
ceticismo fundamental que põe a questão. Espanto para a biologia aquele que dissesse: você 
 
*
 
 
In Foucault, M., Dits et ecrits, vol.I pg. 137-158. Paris, Editions Gallimard, 1994. 
 Texto traduzido do francês por PATRÍCIA NETTO ALVES COELHO. 
 
 2 
gostaria de fazer da pesquisa biológica científica ou não? Ora o psicólogo do qual eu falo é 
um verdadeiro psicólogo... Um verdadeiro psicólogo que, desde o início da psicologia, 
reconhece que a pesquisa pode ser verdadeira ou falsa, cientifica ou não, objetiva ou não; 
que não é a ciência que se incorpora na pesquisa, mas a pesquisa que, desde o início do 
jogo, opta ou não pela ciência. 
O problema da pesquisa em psicologia recebe um sentido muito particular. 
Pode-se interrogar a pesquisa psicológica como se interroga outra forma de pesquisa, a 
partir de sua inserção no desenvolvimento de uma ciência ou a partir das exigências de uma 
pratica: a pesquisa precisa prestar contas da escolha de sua racionalidade; é preciso 
interrogá-la sobre um fundamento da qual se sabe, já que não é a objetividade constituída 
pela ciência; enfim, é preciso interrogá-la sobre o estatuto da verdade que ela própria 
confere a ciência, uma vez que é sua boa escolha que faz da verdadeira psicologia uma 
verdadeira psicologia. Enfim, é a pesquisa que precisa prestar contas à ciência; trata-se de 
considerá-la não como uma pesquisa no espaço de uma ciência, mas como o movimento no 
qual se busca uma ciência. 
 
 
 
Situamo-nos no ponto onde se encontram os principais paradoxos da pesquisa 
psicológica, quando se a considera no nível de suas instituições, de suas formas quotidianas 
e na dispersão de seus trabalhos. 
Há menos de cinqüenta anos, a psicologia, sob as espécies de um certificado de 
licença, representava a boa consciência positivista e naturalista dos programas filosóficos. E 
se a consciência é difícil de satisfazer, a boa consciência se contenta facilmente: Biran, 
Taine e Ribot eram os beneficiários de uma operação que resulta em fazer da psicologia 
uma filosofia e, por pior que seja, no nível de uma mitologia positivista. Durante (au 
rez-de-chaussée) celebrou-se esses ritos funerários, cujas universidades do interior e de 
importantes cidadelas nos conservam ainda a lembrança, trabalhou-se nos celeiros, para o 
nascimento da psicologia experimental. Binet tinha boas intenções, não tinha cadeiras na 
faculdade, mas tinha sobrinhas e algumas idéias; sonhando com os grandes chefes de 
estação de trem de Leipzig e Wutzbourg, ele dirigia um pequena locomotiva psicológica. 
Distribuída sobre o próprio solo de suas instituições, a psicologia ocupa agora 
uma superfície muito mais extensa. A suspeita de Binet torna-se um laboratório de 
psicologia experimental, seu grupo de estudos tem acento no instituto da universidade, onde 
uma direção policéfala - três professores de medicina, letras e ciências - assegura um 
judicioso ecletismo, e uma autonomia rigorosamente proporcional a amplitude das 
divergências. Sr. Pieron, um aluno de Binet, foi nomeado no Collège de France, onde seu 
mestre não pode entrar; durante mais de trinta anos imperou ali a fisiologia das sensações e 
um laboratório de pesquisa experimental, cujo L’Année psychologique oferecia 
incansavelmente as resenhas. Quanto a psicologia da criança, a orientação vocacional, as 
pesquisas sobre o desenvolvimento escolar e a pedagogia, que haviam colocado Binet no 
céu da imortalidade psicológica, foram retomadas e prosseguidos por Sr. Wallon e Pieron, 
que fundaram em 1927 o Instituto de estudos do trabalho e de orientação profissional, onde 
se constituiu um atendimento para crianças, um centro de orientação, onde lançou-se 
questionários a população escolar, onde formou-se orientadores e psicólogos escolares. 
 3 
Enfim, a psicologia clinica, a qual Binet havia dado para sua escala de inteligência uma 
forma experimental e métrica, irá se associar a psicologia dos psiquiatras: vê-se criar 
centros de estudos de psicopatologia, nos serviços do Pr. Heuyer para as crianças, em 
Henri-Rousselle para os adultos, ao qual é preciso acrescentar o tradicional centro de estudo 
da afasia em Salpetrière. Enfim é preciso mencionar, além dos grandes laboratórios de 
psicologia industrial como aquele daS.N.C.F., o C.E.R.P., inteiramente consagrado às 
pesquisas psicofisiológicas do trabalho. 
Assim, deixamos de lado a atividade de todos os centros de orientação, de todos 
os grupos médico-escolares, e, por razões simétricas e inversas, a atividade de todas as 
universidades do interior
1
: não são institutos de pesquisa, mas centros de aplicação que 
absorvem o trabalho quotidiano, ou centros de ensino cujo sono é inteiramente quotidiano. 
Não é inútil ver com clareza esse progressivo aparecimento dos organismos 
oficiais da pesquisa psicológica. Considerados atualmente em toda sua extensão e 
complexidade, receberam, cada um, a recomendação oficial e o patrocínio das 
universidades ou de diferentes ministérios (Saúde pública, Educação nacional, Trabalho). 
Um único grupo de pesquisa e de formação escapa a essa integração, é a Sociedade francesa 
de psicanálise, mais exatamente suas duas metades, desde que a pêra, se ousamos dizer, foi 
cortada em duas. De uma maneira bastante paradoxal, a psicanálise só pode ser exercida na 
França por médicos, mas não há um único ensino de psicanálise ministrado na faculdade de 
medicina; os únicos membros da Sociedade de psicanálise que são titulares de uma cadeira 
ensinam como professores de psicologia na faculdade de letras: o que concede aos 
psicanalistas e a seus grupos uma independência total em seu recrutamento, em seus 
procedimentos de formação e ao espirito que dão a pesquisa psicanalítica. Quando se 
considera a importância dos conceitos, o número de temas, a diversidade das idéias 
experimentais que a psicanálise forneceu a psicologia desde meio século, não seria 
paradoxal vê-la a margem de uma ciência a qual doou vida e significação? Mas essa 
autonomia da psicanálise é apenas uma contradição aparente com as formas oficiais da 
pesquisa psicológica. 
Não se pode esquecer que na França a pesquisa nasceu a margem da psicologia 
oficial e, se é verdade que agora, na complexidade das estruturas, não se chega quase a 
fazer a separação entre o ensino oficial, a pesquisa e a aplicação prática, se é verdade que 
num organismo como o Instituto de psicologia se superpõe um ensino teórico, um 
laboratório de pesquisa e uma formação prática, não subsiste menos o fato que a pesquisa 
cientifica em psicologia se apresentou na origem como protesto contra a ciência oficial e 
como máquina de guerra contra o ensino tradicional. A situação marginal da psicanálise 
representa apenas um vestígio, ou antes, o signo sempre vivo dessa origem polêmica da 
pesquisa no domínio da psicologia. 
Eis aí um traço indubitável que pode caracterizar a situação de toda pesquisa em 
relação a pesquisa constituída: ela se faz sempre contra um ensino, às custas de uma 
objetividade reconhecida, ela morde um saber muito mais que o completa ou o encaminha 
para a sua realização; em seu nascimento, pelo menos, ela pertenceu mais ou menos as 
margens da heresia da ciência; toda a historia da biologia manifestou esse fato e o 
exaltou/elevou até as formas religiosas do anátema. Mas a intenção polêmica da pesquisa 
 
1
 Com a única exceção de Strasbourg. Se mencionamos o laboratório de Rennes, é apenas para a 
memória/posteridade, para restitui-lo do esquecimento do qual reclama. 
 4 
em psicologia ganha um som particular e envolve uma decisão muito mais grave para o 
próprio sentido de seu desenvolvimento. 
Uma vez que a psicanálise, até em suas instituições, ainda apresenta vivamente 
esse caráter, ao mesmo tempo marginal e polêmico da pesquisa, que transparece menos 
nitidamente nas formas institucionalizadas da psicologia; é dela que nós retiramos um 
exemplo da maneira cujo progresso da pesquisa psicológica se destacou do horizonte 
constituído da ciência. Em um sentido, as pesquisas sobre o Inconsciente, sobre seu 
material, seus processos, suas manifestações que, desde a origem, constituem o essencial do 
trabalho psicanalítico, retomam num estilo experimental o que estava implicado de uma 
maneira obscura em todas as psicologias da consciência; a passagem a uma psicologia do 
inconsciente pode se apresentar logicamente como uma extensão, um alargamento da 
psicologia da consciência. A transposição por Freud de uma psicologia da associação, da 
imagem e do prazer, logo de uma psicologia da consciência clara na noite do inconsciente, 
bastaria para provar isso; poder-se-ia ver nesse alargamento da psicologia apenas uma 
dimensão de abertura de uma ciência que se estende sem cessar sobre as bordas de sua 
investigação, ao nível dos pressupostos que são evidentes, e desenha em linhas de sombra 
as margens da ignorância do saber. De fato, há ainda mais nessa orientação da pesquisa em 
direção ao inconsciente; o abandono de uma definição quase exclusiva do objeto e do 
método psicológicos pela consciência não constitui simplesmente a retomada da ciência 
numa investigação mais geral e mais radical. No caso, a pesquisa aparece antes como uma 
conduta de desvio, para a qual o conhecimento constituído se encontra em curto-circuito e 
invalidado em nome de uma redução da ciência a seu objeto por um deslocamento que faz 
da ciência, não mais o horizonte problemático da pesquisa, mas o objeto polêmico de sua 
investigação. 
De uma maneira mais precisa, a descoberta do inconsciente transforma em 
objeto da psicologia e tematiza em processos psíquicos os métodos, os conceitos e 
finalmente todo o horizonte científico de uma psicologia da consciência; à luz dessas 
pesquisas, esta aparece como conduta de defesa contra o inconsciente, como recusa de 
reconhecer que a vida consciente é transtornada pelas ameaças obscuras da libido, enfim 
como reflexão censurada. Essa maneira de situar o conhecimento psicológico em relação a 
pesquisa, essa empresa crítica como objeto da pesquisa das formas ultrapassadas do saber 
científico, apresenta o perfil mais agudo do lado polêmico de toda pesquisa em psicologia. 
As imputações de vínculo edipiano ou de fixação narcísica que se lançam entre os 
psicanalistas são apenas variações prazeirosas e quase picantes sobre esse tema 
fundamental: o progresso da pesquisa em psicologia não é um momento no 
desenvolvimento da ciência, é um destacamento perpétuo em relação às formas constituídas 
do saber, sob o duplo aspecto de uma desmistificação que denuncia na ciência um processo 
psicológico, e uma redução do saber constituído ao objeto que tematiza a pesquisa. A 
novidade da pesquisa não se inscreve numa critica do conteúdo, nem nessa dialética da 
ciência onde se realiza o movimento de sua verdade, mas numa polêmica contra o saber 
considerado no próprio nível de sua origem, numa redução primordial da ciência a seu 
objeto, numa suspeita crítica sobre o conhecimento psicológico. 
Objerta-se-á primeiramente que toda pesquisa psicológica não obedece 
necessariamente a essa vocação polêmica que aparece tão claramente na psicanálise. Mas, 
de fato, o texto que se escreve de forma rudimentar na história da pesquisa freudiana pode 
 5 
se decifrar em caracteres mais finos em todo o desenvolvimento da psicologia. Ela não se 
faz como nas ciências que caminham por retificações sucessivas, segundo uma 
ultrapassagem sempre renovada do erro, mas por uma denuncia da ilusão: ilusão da 
subjetividade
2
, sofisma do elemento
3
, mitologia da terceira pessoa
4
, miragens aristotélicas 
da essência, da qualidade e do encadeamento causal
5
, pressupostos naturalistas e 
esquecimento do sentido
6
, obliteração da gênese pela estrutura e da estrutura pela gênese
7
. 
O movimento pelo qual a pesquisa psicológica confronta-se com si mesma não valoriza as 
funções epistemológicas ou históricas do erro científico,pois não há erro científico em 
psicologia, somente ilusões. O papel da pesquisa em psicologia não é então de ultrapassar o 
erro, mas de desvendar as ilusões; não fazer progredir a ciência restituindo o erro ao 
elemento universal da verdade, mas de exorcizar o mito esclarecendo-o através de uma 
reflexão desmistificada. 
Pode-se notar que as pesquisas históricas avançam com o mesmo passo e sobre 
caminhos paralelos; o ultrapassagem do erro não se realiza somente como a dialética 
próprio ao saber histórico; é assegurado por uma redução ao movimento do próprio objeto 
histórico. O historiador restabelece sua própria história, e é determinando seus métodos, 
seus conceitos, seus conhecimentos pelas estruturas e pelos eventos, pelas formas culturais 
de sua época que restitui à história sua verdade própria. O erro histórico também tem o 
aspecto do mito e o sentido da ilusão. Mas quando a ilusão torna-se objeto de análise 
histórica, ela encontra na própria história seu fundamento, sua justificação, e finalmente o 
solo de sua verdade. A crítica histórica desenvolve-se num elemento de positividade, uma 
vez que é a própria História que constitui a origem absoluta e o movimento dialético da 
história como ciência. Se a ciência histórica progride por desmistificações sucessivas, 
também é, e num mesmo movimento, pela tomada de consciência progressiva de sua 
situação histórica como cultura, de seu valor como técnica, de suas possibilidades de 
transformação real e de ação concreta sobre a História. 
Não há nada disso em psicologia: se se pode reduzir o erro psicológico a uma 
ilusão, e reduzir suas formas epistemológicas a condutas psicológicas, não é porque a 
psicologia encontra na psique seu fundamento e sua razão de ser como saber, é somente 
porque ela aí encontra obstáculos; a pesquisa histórica não tenta se colocar fora da História, 
enquanto que a pesquisa psicológica deve necessariamente se deixar conduzir pelo mito da 
exterioridade, do olhar indiferente, do espectador que não participa. A relação da verdade 
psicológica com suas ilusões só pode ser negativa, sem que se possa jamais encontrar na 
dialética própria da psique o esboço dos mitos da psicologia. A psicologia somente encontra 
na psique o elemento de sua própria crítica. A crítica da história pela História tem o sentido 
de um fundamento; a crítica da psicologia a partir da psique apenas ganha a forma de uma 
negação. Porque a pesquisa histórica, se ela se dá o aspecto de uma desmistificação, possui 
o mesmo valor de uma tomada de consciência positiva; a pesquisa psicológica sob as 
 
2
 Watson (J.B.), Psychology from the Stand point of a Behaviorist, Londres, J.B. Lippincott, 1919. 
3
 Guillaume (P.), La Psychologie de la forme, Paris, Flammarion, 1937. 
4
 Politzer (G.), Critique des fondements de la psychologie, t.I: La Psychologie et la Psychanalyse, Paris, 
Rieder, 1928. 
5
 Lewin (K.), Priciples of Topological Psychology, New York, Mac Graw-Hill, 1935. 
6
 A psicologia de “inspiração fenomenológica”. 
7
 Piaget (J.), La Psychologie de l’intelligence, Paris, A. Colin, nº. 249, 1947. 
 6 
mesmas espécies da desmistificação só realiza um exorcismo, uma extradição dos 
demônios. Mas os deuses não estão aí. 
Por razões dessa ordem se obtém o espírito tão particular da pesquisa em 
psicologia: por sua vocação e sua origem, ela é crítica, negativa e desmistificadora; ela 
forma o inverso noturno de uma ciência psicológica que tem por vocação comprometer; as 
questões que ela coloca se inscrevem, não numa problemática do saber, nem numa dialética 
do conhecimento e de seu objeto, mas num questionamento e na redução do conhecimento 
a seu objeto. Entretanto essa origem, com tudo o que significa, esqueceu, ou antes ocultou, 
por esse fato que a pesquisa, como redução e desmistificação, é tornada a razão de ser, o 
conteúdo, o próprio corpo da psicologia, ainda que o conjunto dos conhecimentos 
psicológicos se justifique por sua própria redução à pesquisa, e a pesquisa como crítica e 
ultrapassagem do conhecimento psicológico se realize como totalidade da psicologia. Esse 
processo cresce nos organismos de pesquisa: nascidos à margem da ciência oficial, 
desenvolvidos contra ela, são reconhecidos agora como centros de formação e de ensino. O 
curso da psicologia teórica não passa de um rito: aprende-se e ensina-se a pesquisa 
psicológica, isto é, a pesquisa e a crítica da psicologia. 
 
 
 
 
 
A via do ensino do psicólogo é ao mesmo muito próxima e muito diferente 
daquelas que devem seguir os outros estudantes. 
Muito semelhante no que concerne a ineficácia total do ensino distribuído no 
quadro tradicional das faculdades, e sancionado pelos diversos certificados de licença. 
Todos convém que um licenciado em psicologia não sabe nada e nada pode fazer, uma vez 
que, dispõe de todos os seus certificados no jardim em duas tardes de verão: acordo tão 
geral e tão perfeito que se temeria perturbá-lo perguntando para que serve um diploma de 
psicologia. Mas tirante esse traço negativo, aos poucos comum a todos os segmentos do 
ensino superior, a carreira do estudante psicólogo é ainda diferente dos outros. O Instituto 
de psicologia distribui quatro diplomas: psicologia experimental, pedagogia, patologia e 
psicologia aplicada; todos compreendem um ensino prático (testes, psicometria, estatística), 
uma formação teórica, e estágios ou trabalhos de laboratório; os estudantes do instituto que 
não receberam o diploma devem substituí-lo por um ano de estudos preparatórios. O 
Instituto de orientação profissional é inteiramente independente desse ciclo de estudos 
universitários: é-se admitido após um exame, sai-se com um diploma de orientador 
profissional. Quanto ao ensino da psicanálise, é assegurado na França, como em muitos 
países, por um modo ao mesmo tempo rudimentar e esotérico: o essencial da formação de 
um psicanalista é garantido por uma psicanálise didática cujo princípio, depois da 
conclusão dessa análise, recebe a caução da Sociedade de psicanálise. Se o título de doutor 
em medicina é indispensável para empreender curas e receber a inteira responsabilidade de 
uma doença, o pertencimento a Sociedade de psicanálise não exige nenhuma formação 
determinada, a realização de nenhum ciclo de estudos. Somente a Sociedade, sob o aval 
daquele entre seus membros que recebeu o postulando em análise didática, faz juz a seu 
 7 
nível de competência
8
. Acrescentemos que nem os médicos nem os professores recebem, no 
curso de seus estudos, qualquer ensino da psicologia; os próprios psiquiatras não tem 
nenhuma formação psicológica na medida em que a psiquiatria que se os ensina é de tal 
modo vetusta que eles ignoram os quase cinqüenta últimos anos da psicopatologia alemã, 
inglesa e americana, com todos os esforços que foram feitos por uma compreensão 
psicológica dos fenômenos da patologia mental. 
São então privados de toda formação teórica, as mesmas que são requeridas 
para uma prática quotidiana, enquanto que a situação é exatamente inversa no domínio da 
pesquisa propriamente dita. Com efeito, se o I.N.O.P. fornece o título de orientador 
profissional, se o instituto concede diplomas de “psicotécnicos”, cada um sabe, entre 
aqueles que os dão e entre aqueles que os recebem, que eles não abrem nenhum porta real. 
Muitos orientadores não chegam a se empregar; os postos de psicólogos escolares são 
pouquíssimo numerosos, enquanto que se distribui dezenas de diplomas de psicopedagogia; 
e eu não sei se atualmente há na França mais de dez postos de psicólogos clínicos, enquanto 
que há certamente mais de cento e cinqüenta titulares do diploma de psicopatologia. E osprofessores toleram a facilidade dos exames baseados no fato que, de qualquer modo, eles 
não servem para nada. 
Encontram-se numa situação paradoxal: de um lado, a prática real da psicologia 
- aquela que se exerce ou deveria se exercer na organização do trabalho, nas curas 
psicoterápicas ou no ensino - não se baseia em nenhuma formação teórica, e, por via de 
conseqüência, não chegam jamais a ganhar o sentido da pesquisa, nem mesmo definir suas 
exigências precisas em relação a pesquisa científica. De um lado, a aquisição das técnicas 
que podem garantir a psicologia concreta uma segurança prática e uma justificação teórica 
não dá acesso a um exercício da psicologia em que a prática e pesquisa se encontrem 
efetivamente ligadas. Ao contrário, o psicólogo que, no instituto, recebeu uma formação 
técnica suficiente para o exercício de um oficio psicológico, mas insuficiente certamente 
para se tornar um pesquisador, não tem outra opção, para praticar a psicologia, senão pedir 
uma bolsa ao C.N.R.S. e lançar-se na pesquisa. A pesquisa em psicologia não nasce então 
de exigências da prática, e da necessidade que ela encontra de se ultrapassar; ela nasce da 
impossibilidade em que se encontram os psicólogos de praticar a psicologia; ela não 
implica uma formação aperfeiçoada; figura somente como um recurso contra a ineficácia de 
uma formação inútil, o mal necessário de uma prática que não se exerce. 
Não se aborda a pesquisa com uma formação de pesquisador e após a aquisição 
de um horizonte teórico suficiente
9
; fez-se do pesquisador um prático reprimido, para 
mostrar, antes de tudo, que a psicologia pode e deve ser praticada, que ela não é prisioneira 
de um contexto teórico, inútil e duvidoso, mas que, fora de todo postulado especulativo, ela 
é carregada de uma positividade imediata, e se a pesquisa se inscreve tão freqüentemente 
num contexto positivista, se ela reclama constantemente de uma prática real, por oposição a 
psicologia filosófica, é justamente na medida em que ela quer ser a demonstração de uma 
prática possível. Fazer a “verdadeira psicologia”, em oposição àquela de Pradines e de 
 
8
 A criação de um Instituto de estudos psicanalíticos por muito tempo foi uma questão. Notemos que a recente 
cisão na Sociedade francesa produziu-se sobre o tema preciso dessa criação e os princípios de uma formação 
analítica. A pedagogia será sempre a cruz da psicanálise. 
9
 Não é um dos menores paradoxos dessa situação ver uma formação médica, científica ou mesmo filosófica 
servir de caução e de garantia para o recrutamento de pesquisadores que querem fazer a psicologia positiva. 
 8 
Merleau-Ponty, é pesquisar a eventualidade de uma prática cuja impossibilidade atual fez 
nascer a “psicologia verdadeira”, como pesquisa científica. Isto devido ao fato mesmo que a 
pesquisa em psicologia é, ao mesmo tempo, a mais desinteressada de todas as formas de 
pesquisas e a mais pressionada pela necessidade. A mais desinteressada, uma vez que, ela 
não é quase determinada pela resposta a uma exigência prática (salvo para alguns estudos 
precisos de psicologia do trabalho), e a mais interessada ao mesmo tempo, uma vez que é a 
existência da psicologia como ciência e do psicólogo como cientista e prático que 
dependem do desenvolvimento e do sucesso da psicologia como pesquisa científica. A 
não-existência de uma prática autônoma e efetiva da psicologia é tornada paradoxalmente a 
condição da existência de uma pesquisa positiva, científica e “eficaz” em psicologia. 
Assim, a pesquisa dimensiona suas possibilidades no desenvolvimento de 
técnicas que se confirmam umas pelas outras e se dispõe como a arquitetura imaginária de 
uma prática virtual. O exemplo mais decisivo disso é a psicometria e toda técnica dos 
testes: os testes psicométricos são estabelecidos para uma aplicação eventual, e sua 
validação deve sempre repousar, de uma maneira direta ou indireta, em de outros testes já 
validados, numa confrontação com a experiência concreta e os resultados obtidos na 
situação efetiva; mas essa validação empírica logo mostra que o trabalho de pesquisa só 
retira sua positividade de uma experiência que não é ainda psicológica, e que suas 
possibilidades de aplicação são antecipadamente determinadas por uma prática 
extra-psicológica que só retira de si mesma seus próprios critérios. A pesquisa psicológica 
aparece então como o arranjo teórico de uma prática que deve ser ultrapassada, para que 
essa própria pesquisa possa estar segura de sua validade. As relações da psicologia clínica 
com a prática médica se esgotam todas nessa fórmula: trazer a uma prática já constituída 
aperfeiçoamentos técnicos cuja validade será demostrada pelo fato que a clínica médica 
pode perfeitamente dispensa-los para chegar aos mesmos resultados. 
Pode-se medir agora as dimensões desse círculo de paradoxos em que se 
encontra encerrada a pesquisa psicológica: ela se desenvolve no espaço deixado vazio pela 
impossibilidade de uma prática real e não depende dessa prática a não ser sob um modo 
negativo; mas por esse fato mesmo, ela não tem razão de ser a não ser se ela for a 
demonstração da possibilidade dessa prática a qual ela não tem acesso e ela se desenvolve 
então sob o signo de uma positividade que ela reivindica: “positividade” que ela não pode 
conservar nem retirar do solo onde ela nasceu, uma vez que ela nasceu da própria ausência 
da prática, mas que é obrigada a requerer dessa prática que a exclui e se desenvolve numa 
indiferença total em relação a psicologia científica. Excluída desde a origem, e na sua 
própria existência, de uma prática científica da psicologia, a pesquisa é inteiramente 
dependente, em sua verdade e em seu desenvolvimento, de uma prática que não se quer 
nem científica nem psicológica. Prática e pesquisa não dependem uma da outra senão sobre 
o modo de exclusão; e a psicologia “científica”, positiva e prática se encontra assim 
reduzida ao papel especulativo, irônico e negativo de dizer a verdade discursiva de uma 
prática que a dispensa muito bem. A pesquisa não se insere num movimento mesmo do 
progresso técnico que vem pouco a pouco em sua própria luz, ela é o inverso especulativo 
de uma prática que não se reconhece mesmo como psicológica. Ela não pode se apresentar 
se não como a “vérité malgré elle” de uma prática; ela a desmistifica. Mas, essa verdade 
ela só a retira da realidade dessa prática, que, por esse fato, a mistifica. 
 9 
Em suas relações com a pesquisa, como em suas relações com a ciência, a 
pesquisa psicológica não manifesta a dialética da verdade; ela segue somente os ardis da 
mistificação. 
 
 
 
Para considerar esses paradoxos, tentou-se inicialmente interrogar um fato 
histórico, digamos uma situação cronológica própria à psicologia. A rigidez das estruturas, 
o peso das tradições culturais, enfim a resistência que opõe a penetração das técnicas 
psicológicas à organização social, bastariam para dar conta do isolamento da pesquisa em 
relação a prática. Seguramente, o caráter relativamente recente da psicologia 
freqüentemente lhe dá um aspecto problemático, derrisório em face das técnicas que o 
tempo não cessou de tornar estúpido. Pode-se citar nesse sentido a estranha 
impermeabilidade da medicina à psicologia; sobre o espírito da medicina francesa reina 
ainda, de uma maneira mais ou menos obscura, a estranha dialética de Babinski: a 
ignorância do médico, a obscuridade na qual se ocultam, sob seus próprios olhos, os 
princípios de sua técnica só denunciam para ele a irrealidade da doença, como se o domínio 
técnico da cura fosse a medida da existência da doença. Ligado a esse equívoco, entre a 
técnica da cura e a realidadedo fato psicológico, encontra-se a idéia que o patológico se 
desenvolve como a manifestação concreta, como o fenômeno do anormal. O anormal é a 
essência da doença, cuja a terapêutica é a supressão efetiva; como redução da essência do 
anormal ao processo normal, a técnica de cura constitui a medida indispensável da 
existência da doença. Resistindo a penetração da psicologia, a medicina atual não se opõe 
somente a retificação de seus métodos e de seus conceitos, mas sobretudo a um 
questionamento do sentido real da doença e do valor absoluto do fato patológico. Não é 
somente sua técnica, seu ofício e seu ganha-pão quotidiano que os médicos defendem, 
permanecendo surdos a psicologia; isto do qual eles se fazem os defensores, isto do qual 
eles protegem a imprescritível essência, é a doença como conjunto de fenômenos 
patológicos; eles defendem a doença como uma coisa, como sua coisa. Esquivando-se do 
problema do anormal, valorizando instrumentos terapêuticos das condutas como a 
linguagem ou a realização simbólica, a psicologia desrealiza o anormal e “subutiliza” a 
doença; aos olhos dos médicos e no desenvolvimento histórico da medicina, a psicologia só 
pode ser efetivamente um empreendimento mágico. Ela é o inverso do que, durante séculos, 
constituiu a prática médica. 
Mas semelhantes fenômenos de retardo e de adesão acabam sempre por 
desaparecer com o tempo e a maturação das técnicas. Os paradoxos da pesquisa em 
psicologia devem-se a razões históricas mais profundas, do que à simples defasagens 
culturais. Consideremos o exemplo da psicologia do trabalho. De um lado, ela é 
essencialmente feita dos problemas de orientação e de seleção profissional e, por outro lado, 
é feita por problemas de adaptação individual ao posto, ao oficio, ao grupo de trabalho e a 
oficina. Mas é evidente que esse conjunto de considerações não pode ter importância, essas 
questões só podem ter, no sentido estrito do termo, existência em favor e graças a algumas 
condições econômicas. Orientação e seleção profissional só tem realidade em função da 
taxa de ocupação e do nível de especialização nos postos de trabalho. Somente um regime 
de pleno emprego, ligado a uma técnica industrial, exigindo uma alta especialização 
operária (o que até o presente é contraditório em nossa economia, em que o pleno emprego 
 10 
repousa sempre sobre uma utilização massiva de uma mão-de-obra não especializada), 
somente esse regime poderia dar lugar a uma prática psicológica ligada diretamente a 
pesquisa científica. Fora dessa condição, para nós mítica, a orientação e a seleção só podem 
ter o sentido de uma discriminação. Quanto aos pesquisadores que consideram a adaptação 
do indivíduo aos postos de trabalho, eles são, por sua vez, ligados aos problemas 
econômicos da produção, da superprodução, do valor do tempo de trabalho e da 
organização das margens beneficiárias. 
Este é um traço característico da psicologia? O desenvolvimento de todas as 
pesquisas e de todas as ciências não se encontra ligado às condições da vida econômica e 
social? Digam-me tudo o que a balística ou a física atômica devem a guerra e acrescente 
que ocorre o mesmo para o teste “beta” da armada americana... 
Felizmente o problema é um pouco mais complexo. Pode ser que a ausência de 
condições econômicas favoráveis torne inútil em um momento dado a aplicação ou o 
desenvolvimento de uma ciência. Mas, mesmo fora de uma economia ou de uma situação 
de guerra, os corpos continuam a cair e os elétrons a girar. Em psicologia, quando as 
condições de uma prática racional e científica não estão reunidas, é a própria ciência que é 
comprometida em sua positividade; em período de ocupação e de superprodução, a seleção 
cessa de ser uma técnica de integração para tornar-se uma técnica de exclusão e de 
discriminação; em período de crise econômica e aumento do preço do trabalho, a adaptação 
do homem a seu ambiente de trabalho torna-se uma técnica que visa aumentar a 
rentabilidade da empresa e racionalizar o trabalho humano como puro e simples fator de 
produção; enfim, ela cessa de ser uma técnica psicológica para tornar-se uma técnica 
econômica. O que não quer dizer somente que ela é utilizada para fins econômicos ou 
motivada por propostas econômicas, é o destino de todas as ciências aplicadas. Queremos 
dizer, por exemplo, que a noção de aptidão, tal como ela é utilizada em psicologia 
industrial, muda de conteúdo e de sentido segundo o contexto econômico na qual é 
conduzida a se definir: ela pode significar tanto uma norma cultural de formação, um 
princípio de discriminação retirado de uma escala do rendimento, uma previsão do tempo 
de aprendizagem, uma estimativa da educabilidade ou, finalmente, o perfil de uma 
educação efetivamente recebida. Essas diferentes significações do termo aptidão não 
constituem tanto maneiras de considerar a mesma realidade psicológica, mas maneiras de 
dar um estatuto ao nível da psicologia individual à necessidades históricas, sociais ou 
econômicas. Não somente a prática da psicologia torna-se instrumento da economia, mas a 
própria psicologia torna-se a mitologia em escala humana. Enquanto que uma física ou uma 
biologia, cujo desenvolvimento e a aplicação são determinadas por razões econômicas e 
sociais, permanecem uma física e uma biologia, as técnicas psicológicas, pelo fato de 
algumas de suas condições, perdem sua validade, seu sentido e seu fundamento psicológico; 
elas desaparecem como aplicações da psicologia, e a psicologia, por cujo nome elas se 
apresentam, só forma a mitologia de sua verdade. As técnicas físicas, químicas ou 
biológicas são utilizáveis, e como a razão, “flexíveis em todos os sentidos”; mas, por 
natureza, as técnicas psicológicas são, como o próprio homem, alienáveis. 
Através dessas reflexões que parecem nos afastar de nosso problema, nós 
caminhamos pouco a pouco em direção as relações profundas da ciência e da prática 
psicológicas, que determinam o estilo próprio dessa ordem de pesquisa. É curioso constatar 
que as aplicações da psicologia não são jamais oriundas de exigências positivas, mas 
 11 
sempre obstáculos sobre o caminho da prática humana. A psicologia da adaptação do 
homem ao trabalho nasceu das formas de inadaptação que seguiram o desenvolvimento do 
taylorismo na América e na Europa. Sabe-se como a psicometria e a medida da inteligência 
são oriundas de trabalhos de Binet sobre o retardo escolar e a debilidade mental; o exemplo 
da psicanálise e do que se chama agora a “psicologia das profundezas” fala por si mesma: 
elas são inteiramente desenvolvidas no espaço definido pelos sintomas da patologia mental. 
Há um traço especial na pesquisa psicológica? Uma pesquisa não nasce no 
momento em que uma prática alcança seu próprio limite e encontra o obstáculo absoluto 
que a desafia em seus princípios e em suas condições de existência? A biologia, como 
conjunto de pesquisas sobre a vida, não encontra sua origem efetiva e a possibilidade 
concreta de seu desenvolvimento na interrogação sobre a doença, numa observação do 
organismo morto? É a partir da morte que uma ciência da vida é possível, quando se sabe 
medir toda a distancia que separa a anatomia do cadáver da fisiologia do vivo. Da mesma 
maneira, é do ponto de vista do inconsciente que se torna possível uma psicologia da 
consciência que não seja pura reflexão transcendental, do ponto de vista da perversão que 
uma psicologia do amor é possível, sem que ela seja uma ética; do ponto de vista da besta 
que uma psicologia da inteligência pode se constituir, sem um recurso pelo menos implícito 
a uma teoria do saber; é do ponto de vista do sono, do automatismo e do involuntário que se 
pode fazer uma psicologia do homem desperto e percebedordo mundo, que evita se fechar 
numa pura descrição fenomenológica. A psicologia retira sua positividade das experiências 
negativas que o homem faz de si mesmo. 
Mas é preciso distinguir a maneira cuja pesquisa nasce a partir de uma ciência 
ou uma prática, e a maneira cuja pesquisa, prática e conhecimento se articulam a partir das 
condições efetivas da existência humana. Em psicologia, como em todos os domínios 
científicos, a prática não pode se interrogar e nascer dela própria como prática a não ser a 
partir de seus limites negativos e da sombra que envolve o saber e o domínio das técnicas. 
Mas, por um outro lado, toda prática e toda pesquisa científicas podem se compreender a 
partir de uma certa situação de necessidade, no sentido econômico, social e histórico do 
termo, enquanto que a pesquisa e a prática psicológicas apenas podem se compreender a 
partir das contradições nas quais se encontra capturado o homem enquanto tal. Se a 
patologia mental sempre foi e permanece uma das fontes da experiência psicológica, não é 
porque a doença revela estruturas ocultas, nem porque ela condensa ou destaca processos 
normais, não é, em outros termos, porque o homem reconhece mais facilmente o aspecto da 
verdade, mas, ao contrário, porque ele descobre a noite dessa verdade e o elemento absoluto 
de sua contradição. A doença é a verdade psicológica da saúde, na medida em que ela é a 
contradição humana. 
Consideremos, para sermos mais precisos, o exemplo do “escândalo” freudiano: 
a redução da existência humana ao determinismo do homo natura, a projeção de todo o 
espaço das relações sociais e afetivas sobre o plano das pulsões libidinais, o deciframento 
da experiência em termos de mecânica e dinâmica, são reveladores da essência de toda 
pesquisa psicológica. O efeito de escândalo só se deve a maneira pela qual essa redução foi 
operada; pela primeira vez na história da psicologia, a negatividade da natureza não era 
referida a positividade da consciência humana, mas esta era denunciada como o negativo da 
positividade natural. O escândalo não reside que o amor seja de natureza ou origem sexual, 
o que já havia sido dito antes de Freud, mas que através da psicanálise, o amor, as relações 
 12 
sociais e as formas de pertencimento inter-humano apareçam como o elemento negativo da 
sexualidade, enquanto ela é a positividade natural do homem. Essa inversão, em que a 
natureza, como negação da verdade do homem, torna-se para e pela psicologia o solo de sua 
positividade, cujo homem, na sua existência concreta, torna-se a negação, essa inversão, 
operada pela primeira vez de um modo explicito por Freud, agora é transformada na 
condição de possibilidade de qualquer pesquisa psicológica. Considerar a negatividade do 
homem por sua natureza positiva, a experiência de sua contradição para o desenvolvimento 
de sua verdade mais simples, mais imediata e mais homogênea, é desde Freud o projeto, 
pelo menos silencioso, de qualquer psicologia. A importância do freudismo não consiste na 
descoberta da sexualidade senão de um modo derivado e secundário; reside, de uma 
maneira fundamental, na constituição dessa positividade, no sentido que nós dissemos. 
Nessa medida, toda pesquisa da psicologia positiva é freudiana, mesmo quando ela esta 
mais afastada dos temas psicanalíticos, mesmo quando ela é uma determinação fatorial das 
aptidões. 
Desde então, compreende-se porque a reivindicação de uma positividade 
pertence as escolhas originárias da psicologia; ela não se inscreve naturalmente no 
desenvolvimento espontâneo da ciência, da pesquisa e da técnica. A opção de positividade é 
necessariamente prévia, como condição de possibilidade de uma verdadeira psicologia que, 
ao mesmo tempo, seja uma psicologia verdadeira. Mas, uma vez que ela é a reivindicação 
de uma positividade do homem no próprio nível onde ele faz a experiência de sua 
negatividade, por um lado, a psicologia só pode ser o inverso negativo e mitológico de uma 
prática real, e, por outro lado, a imagem invertida em que se revela e se oculta um saber 
efetivo. Ocorre a essa idéia que a pesquisa psicológica constitui toda a essência da 
psicologia, na medida em que ela assume e realiza todas as pretensões positivas; com a 
condição que ela só possa se efetuar como pesquisa invertendo um saber, ou a possibilidade 
de um saber, que ela pretenda desmistificar desde que ela apenas esqueça a exigência 
absoluta; e que ela não possa se desenvolver como pesquisa científica a não ser se tornando 
a mitologia de uma prática que não se exerce. A pesquisa, como essência realizada da 
psicologia, é, simultaneamente, sua única forma de existência e o movimento de sua 
supressão. 
 
 
 
A pesquisa é para a psicologia tanto sua razão de ser quanto sua razão de não 
ser. Em um triplo sentido, ela constitui o momento “crítico”: ela revela o a priori conceitual 
e histórico, estabelece as condições nas quais a psicologia pode encontrar ou ultrapassar 
suas formas de estabilidade, enfim ela julga e decide sobre suas possibilidades de 
existência. As dificuldades contemporâneas da pesquisa psicológica não se inscrevem numa 
crise de juventude; elas descrevem e denunciam uma crise de existência. 
Desde o tempo que a psicologia é uma ciência “jovem”, ela teve o tempo de 
ganhar um pouco de idade. Não é preciso perguntar a cronologia, as razões da imortal 
infantilidade de uma psicologia que não é menos velha que a química, ou a embriologia. A 
história das ciências lhe proíbe de se desculpar pela sua idade mental, pela sua idade real. 
Eu ainda gostaria que a indulgência senil dos psicólogos pueris se divirta e consinta que a 
juventude envelhece. Mas, eis que o tempo da juventude passou, sem que a juventude tenha 
jamais passado. A infelicidade da psicologia não consiste nessa juventude, mas que ela 
 13 
jamais tenha encontrado nem o estilo nem o aspecto de sua juventude. Suas preocupações 
são seculares, mas sua consciência é cada dia mais infantil; ela só é jovem através de uma 
juventude sem viço. Porque o surgimento da pesquisa no domínio da psicologia não 
consiste somente numa crise de maturidade. 
Um evento se produziu em todos os domínios do conhecimento que resultou em 
horizontes novos para a ciência contemporânea: o conhecimento cessou de se desenvolver a 
partir de um único elemento do saber para se tornar pesquisa; em outros termos, ela se 
destacou da esfera do pensamento em que encontrava sua pátria ideal para tomar 
consciência de si, como caminho no interior de um mundo real e histórico em que se 
totalizam técnicas, métodos, operações e máquinas. A ciência não é mais um caminho de 
acesso ao enigma do mundo, mas o devir de um mundo que agora faz simplesmente uma só 
e única coisa com a técnica realizada. Cessando de ser somente o saber para se tornar 
pesquisa, a ciência desaparece como memória para se transformar em história; ela não é 
mais um pensamento, mas uma prática, não é mais um ciclo fechado de conhecimentos, 
mas, para o conhecimento, um caminho que se abre onde se fecha. 
Essa passagem do saber enciclopédico à pesquisa constitui sem dúvida um dos 
eventos culturais mais importantes de nossa história. Não nos cabe discutir o lugar e o papel 
de uma psicologia num saber cuja pretensão fosse de pleno direito e desde sua origem, 
enciclopédico. O único problema que nos concerne é saber o que pode agora significar a 
psicologia como pesquisa, uma vez que, a psicologia transformou-se inteiramente em 
pesquisa. 
Vimos como ciência e prática psicológica se eqüivalem em nossos dias e se 
esgotam num único domínio da pesquisa, e podemos compreender como uma psicologia 
que pode inicialmente posicionar-se como “experimental” ou “reflexiva” não é verdadesenão quando é científica, positiva e objetiva; a pesquisa não é a condição do 
desenvolvimento da ciência e da prática psicológicas; ela forma, enquanto pesquisa 
empírica, destacada de todo horizonte teórico, pura de especulação, enunciada no nível de 
seus resultados experimentais, o a priori de sua existência e o elemento universal de seu 
desenvolvimento. Fazendo “pesquisa”, a psicologia não segue, como as outras ciências, o 
caminho de sua verdade, ela fornece as condições da existência de sua verdade. A verdade 
da psicologia como ciência não conduz a pesquisa, mas a própria pesquisa magicamente 
descortina o céu dessa verdade. A psicologia não deve portanto ser interrogada sobre sua 
verdade no nível de sua racionalidade científica, nem no nível de seus resultados práticos, 
mas no nível da escolha que ela faz ao se constituir como pesquisa. 
A pesquisa é transformada na razão de ser científica e prática da psicologia, a 
razão de ser social e histórica do psicólogo. No momento que se é psicólogo se pesquisa. O 
que? O que os outros pesquisadores vos deixam pesquisar, pois vós não pesquisais para 
encontrar, mas para buscar, para ter buscado, para ser pesquisador. Feitas de pesquisa, da 
pesquisa em geral, da pesquisa sobre o azeite não-maturado, sobre as neuroses do rato, 
sobre a freqüência estatística das vogais na versão inglesa da Bíblia, sobre as práticas 
sexuais da mulher do interior, no lover middle class exclusivamente, sobre a resistência 
 14 
cutânea, a pressão sangüínea e o ritmo respiratório durante a audição da Symphonie des 
psaumes. Pesquisa de grande caminho e pequenos obstáculos, pesquisa de celerados
10
. 
E, como a racionalidade, o caráter científico, enfim a objetividade da pesquisa 
só podem garantir-se pela própria escolha da pesquisa, as garantias efetivas de sua validade 
só podem ser exigidas de métodos e de conceitos não psicológicos. Vê-se pesquisas inteiras 
fundadas sobre conceitos médicos duvidosos, mas que para o psicólogo são objetivos, 
porque simplesmente são médicos. Houve anos de trabalho durante os quais aplicou-se 
métodos fatoriais a um material experimental em que uma purificação matemática jamais 
poderia conferir a validade que inicialmente já não possui. Mesmo após a análise fatorial, 
um dado de introspecção permanece introspectivo. Não se vê muito bem qual forma de 
objetividade é adquirida quando, submete-se ao tratamento fatorial, um questionário 
aplicado a crianças em idade escolar que interroga sobre as suas próprias ilusões ou sobre 
aquelas de seus pequenos camaradas. Não obstante, é-se tranqüilizado pelo resultado: 
ensina-se que as crianças mentem sobretudo para evitar as punições, depois por presunção, 
etc. Conta-se com o próprio fato para que o método ainda seja objetivo. Mas então? Há 
maníacos da indiscrição que para olhar através de uma porta envidraçada tem a tendência a 
olhar o buraco da fechadura... 
Podemos sofisticar: era preciso páginas para enumerar os trabalhos que 
demonstram estatisticamente a não-validade de um conceito médico, ou, clinicamente, a 
ineficácia dos métodos psicométricos. Atinge-se o ápice da pesquisa psicológica: uma 
pesquisa que demonstra a si própria seu caráter científico pelo jogo de métodos e conceitos 
que são emprestados de outros domínios científicos e cuja objetividade interna é destruída. 
Não há então objetividade autóctone na pesquisa psicológica, mas somente modelos 
transpostos de objetividades vizinhas e que delimitam do exterior o espaço de jogo dos 
mitos de uma psicologia precária em matéria de objetividade e cujo único trabalho efetivo é 
a destruição secreta e silenciosa dessas objetividades. 
O trabalho real da pesquisa psicológica não é nem a emergência de uma 
objetividade, nem o fundamento ou o progresso de uma técnica, nem a constituição de uma 
ciência, nem a revelação de uma forma de verdade. Ao contrário, seu movimento é aquele 
de uma verdade que se desfaz, de um objeto que se destrói, de uma ciência que busca 
somente desmistificar-se: como se o desígnio de uma psicologia que se quer positiva, e 
solicitou a positividade do homem ao nível de suas experiências negativas, fosse 
paradoxalmente de só fazer uma tarefa científica inteiramente negativa. Que a pesquisa 
psicológica só possa manter com a possibilidade de um saber e a realidade de uma pesquisa 
relações negativas, está aí o preço que ela paga pela escolha da positividade desde o início 
feita e que constrange qualquer psicólogo desde a entrada no templo. 
Se a pesquisa, com todos os caracteres que nós descrevemos, é, em nossos dias, 
considerada a essência e a realidade de toda psicologia, entretanto não é o signo que a 
psicologia teria enfim atingido sua idade científica e positiva, ao contrário, é o signo que ela 
esqueceu sua vocação eternamente infernal. Se a psicologia quisesse encontrar ao mesmo 
tempo seu sentido como saber, como pesquisa e como prática, deveria se destacar desse 
 
10
 Na medida em que este artigo não tem intenção polêmica nós não reproduzimos o título exato das pesquisas 
em curso. Mas uma vez que, seu propósito é crítico, as modificações acrescidas a realidade são de pura 
polidez e não altera o essencial. 
 15 
mito da positividade na qual hoje vive e morre, para reencontrar seu próprio espaço no 
interior das dimensões da negatividade do homem. 
Nesse sentido originário, ainda é um dos paradoxos e uma das riquezas de 
Freud ter percebido melhor que ninguém, contribuindo mais que ninguém para descobrí-la e 
a ocultá-la. Superos si flectere nequeo, Acheronta movebo
11
... 
A psicologia não se salvará a não ser por um retorno aos Enfermos. 
 
 
 
11
 [N. Da T.]

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