Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Política de Assistência Social | 47 13 estudos de caso para debate com a equipe marcelo Garcia 5capítulo É assistente social. exerceu a Gestão social Nacional, estadual e municipal. atualmente é professor em cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor executivo da consultoria agenda social e cidades. desde 2009 trabalha e estuda de forma continuada estratégias para combater a pobreza. escreve diariamente para o site <http://www.marcelogarcia.com.br>. SiStema único de aSSiStência Social 48 | Política de Assistência Social Neste capítulo, o autor Marcelo Garcia, convida você leitor (a), a expandir a discussão temá- tica desta Capacitação para outros ambientes. Propõe 13 “casos” para você estudar e dialo- gar com a sua equipe de trabalho, com o firme propósito de envolver e implicar um número cada vez mais ampliado de trabalhadores (as) na consolidação do SUAS. Como estratégia pedagógica, os “estudos de casos” aqui propostos, são dispositivos de refle- xão sobre o próprio trabalho, como base de problematização e mudança. São exemplos de situações e problemas que contam a história da política de assistência social em movimento, suas contradições e possibilidades. Ao ler estes “estudos de casos” observe que eles descrevem recortes do cotidiano e das experiências dos (as) trabalhadores (as). São descrições de parte de uma realidade complexa e dinâmica que se concretiza na gestão da política; nos serviços de proteção social básica e especial; na divisão e realização do trabalho profissional; na relação com os governos esta- dual e federal, com os conselhos e, com as entidades de assistência social, dentre outras. Você verificará também que em cada “estudo de caso” há circunstâncias, contextos e temáticas diretamente vinculadas às legislações e instruções normativas (CF, LOAS, PNAS, SUAS, NOB-RH, Resoluções, etc), às referências bibliográficas e a textos já estudados nesta Capacitação. Por isso, tomar o cotidiano de trabalho para refletir, aprender e mudar deve ser um exercício de conexão entre fundamentos (teóricos, normativos e metodológicos) e a rea- lidade, pensamento e ação. Boa discussão! Ao ler o texto, procure relacioná-lo ao seu local de trabalho e pensar nas seguintes questões: Como você já deve ter percebido, para dialogar com a sua equipe você precisará preparar-se antecipadamente. Seguem algumas sugestões: 1. Apresente à sua equipe de trabalho a proposta de realização de encontros para discus- são de “estudos de casos” sobre o SUAS. Defina com a equipe o dia e o horário mais adequado. 2. Discuta um “caso” em cada encontro. Para orientar sua leitura... Política de Assistência Social | 49 3. Antes da discussão com a equipe: faça uma reflexão dos elementos centrais do “caso” escolhido; busque informações (na norma, texto, bibliografia, espaço do aluno) que subsi- diem a análise e problematização do “caso”. 4. No encontro com a equipe leiam, analisem, questionem, proponham encaminhamentos, intervenções no “caso” em estudo. 5. No processo de estudo com a equipe, atente-se para: o conteúdo e o modo como o “caso” é abordado; os ângulos percebidos e problematizados (e outros não abordados); os pontos do “caso” que mais se aproximam do cotidiano; a conexão entre os fundamen- tos (teóricos, normativos e normativos) e a realidade; outros assuntos e questões que o “caso” disparou etc. 6. Apresente suas experiências, dúvidas, indagações e propostas no “espaço do aluno”. 50 | Política de Assistência Social apresentação A prática e o fazer social têm múltiplas experiências – negativas e positivas – na construção e na consolidação da Política de Assistência Social. Na minha prática, iniciada em 1990 como estudante e em 1993 como profissional, e nas minhas atuações em organizações governamentais, gestão federal, estadual e municipal bem como conselheiro municipal e nacional da Assistência Social, e também na presidência dos Colegiados Estadual e Nacional de gestores municipais de Assistência Social e nas minhas intervenções na CIB e na CIT, conheci um volume imenso de outras práticas. Meu cotidiano de trabalho, minhas leituras, estudos e supervisões me apresentaram práticas corretas e incorretas na relação com a gestão, com os usuários e com os trabalhadores. Visitei minha memória e construí 13 estudos de caso para serem avaliados nos espaços de trabalho. Nenhum desses casos é real, mas ao lê-las você vai se identificar com muitos delas. A proposta é que estes situações sejam exercícios de debates nas reuniões de trabalho, a partir da leitura, da avaliação e de comentários do que está correto ou errado na prática, fazendo uma relação com a LOAS, a PNAS, a NOB-RH e NOB/SUAS. Os casos que desenvolvi para serem debatidos são uma estratégia estruturada de construir novas práticas e novos fazeres sociais. Todos nós temos uma prática e é a partir dela que a Política de Assistência Social está sendo cons- truída. Não podemos e nem devemos nos distanciar do processo crítico de nossa prática social. Espero que a partir destes exercícios possamos ressignificar nosso olhar sobre nossa prática individual e sobre nossa prática coletiva. E sobretudo que a partir deste debate sobre experiên- cias concretas possamos construir um novo caminho para nosso fazer social. Nestes dez estudos de caso , busquei apresentar de forma sucinta experiências na proteção básica, na proteção especial, na gestão do trabalho, na vigilância socioassistencial, no vínculo SUAS, no financiamento e nos recursos humanos. Mais do que tudo pretendo com isso pro- vocar um debate nas equipes. 13 estudos de caso para debate com a equipe 5capítulo SiStema único de aSSiStência Social Política de Assistência Social | 51 Sugiro que a cada semana a equipe debata um caso diferente, apontando erros, falhas, descompassos com a legislação e contradições com a LOAS e a Política de Assistência Social. Mas que também se reconheçam ações importantes para o fortalecimento do SUAS. Bom exercício para você e sua equipe, e se quiserem mandem comentários para o espaço do aluno. Estudo de caso nº 1 O CRAS de um bairro pobre de uma grande cidade tem três assistentes sociais, um psicólogo e um pedagogo. Funciona 40 horas por semana, mas os cinco trabalhado- res fazem horários diferentes para que o CRAS tenha um responsável com ensino superior o tempo todo. Oitenta por cento da carga horária dos assistentes sociais é destinada a realizar o cadastro do Bolsa Família. Visitas domiciliares só são realizadas por demanda do TCU em relação a esse programa. Dos três assistentes sociais, um ocupa tam- bém o cargo de diretor, um é terceirizado e um é servidor de carreira; o psicólogo definiu que vai fazer clínica; e o pedagogo realiza atividades com as crianças durante a espera dos pais no atendimento dos assistentes sociais. Não existe reunião de equipe nem estudo de caso. Além disso, a gestão munici- pal não consegue definir um processo de capacitação e supervisão. Para comple- tar, o CRAS não tem transporte, e não consegue realizar busca ativa nem fazer vigilância do território. O CRAS funciona em prédio alugado e adaptado. Estudo de caso nº 2 O CRAS começou a funcionar recentemente, depois que a Câmara Municipal apro- vou sua criação e sua estrutura. Possui uma diretora – indicada pelos funcionários em concordância com os usuários –, quatro assistentes sociais, dois psicólogos e dois pedagogos. Todos são servidores, e trabalham 40 horas, pois a prefeitura decidiu fazer complementação de carga horária para que as equipes trabalhem o horário integral. Todas as terças de manhã é realizada uma reunião com a equipe para definir a agenda, organizar a vigilância socioassistencial e definir as visitas domiciliares necessárias. O CRAS está planejandocom o suporte do órgão gestor – vigilân- cia – uma busca ativa organizada. Nenhum dos profissionais da equipe define sozinho o que será feito; todas as atribuições são definidas em conjunto. Toda 52 | Política de Assistência Social semana, a diretora tem uma reunião com a diretora da escola e com a diretora do posto de saúde. A equipe produz relatórios mensais das prin- cipais privações do território e os apresenta para a comunidade e para a prefeitura. Além disso, mantém um mapa de resoluções e uma mapa de ações que não avançaram. Dois assistentes sociais e um pedagogo fazem pós-graduação em gestão social, e um dos psicólogos faz mestrado em sociologia. O CRAS media casos de complexidade média com o CREAS da cidade, que atende de forma descentralizada uma vez por semana no CRAS. Estudo de caso nº 3 A prefeitura recebeu recursos para implan- tar um CREAS para atuar contra o abuso e a exploração sexual. Deu o aceite no sistema sem que houvesse um debate com o con- selho municipal da Assistência Social e da Criança e do Adolescente. Tinha um prazo de três meses e não con- seguia implantar o CREAS. Cobrada pelo governo do Estado, conseguiu uma casa emprestada na Secretaria de Fazenda no bairro central da cidade. Como não tinha móveis para equipar a sede, pediu doações para a Secretaria de Educação e Saúde. O CREAS não foi aprovado em sua estrutura e por isso não havia o cargo de diretor. Dessa forma, a secretaria fez um convênio com uma ONG para a contratação de um diretor, três assistentes sociais, dois psicólogos, dois pedagogos e um advogado. Como a ONG não conseguiu contratar um advogado, a prefeitura autorizou a contratação de dois estagiários. A ONG procurou o Judiciário e o Ministério Público para apresentar o trabalho do CREAS e suas rotinas. O Judiciário ficou com o endereço da ONG para referenciar os casos. Logo, a equipe selecionada pela ONG come- çou a trabalhar, mas no primeiro mês um assistente social e um psicólogo desistiram do trabalho, depois de terem conseguido um novo emprego. Mais uma vez a ONG abriu processo de seleção. As reuniões com a equipe no CREAS são às terças de manhã e são coordenadas pelo diretor da ONG. A Secretaria de Assistência Social pede relatórios mensais para a ONG sobre os resultados do trabalho. Os diretores do CRAS procuram o diretor da ONG para apresentar casos de abuso a exploração. O CREAS não tem relação com o sistema de vigilância da Secretaria, e a população não identifica esse conselho como uma uni- dade da prefeitura. Esta, por sua vez, pediu ao diretor da ONG que consiga recursos e trabalhadores voluntários para aumentar a capacidade de atendimento. Estudo de caso nº 4 O CREAS da cidade funciona há 11 anos. Quando foi inaugurado em 2001, era conhecido como projeto Sentinela. Ao assi- nar convênio com esse projeto, em 2001, a prefeitura resolveu realizar concurso público para a equipe. Fez um concurso dirigido ao CREAS para a seleção de cinco assistentes sociais, três psicólogos, dois pedagogos e dois advogados. Em 2005, com a aprovação da NOB/SUAS pelo CNAS, a prefeitura mandou projeto de Lei para a Câmara de vereadores criando dois CREAS na cidade. O projeto Sentinela passou Política de Assistência Social | 53 a ser um desses dois CREAS ligado diretamente à coordenação de proteção social espe- cial da Secretaria de Assistência Social. Criou-se na lei o cargo de diretor do CREAS e foi necessária a realização de um novo concurso, uma vez que alguns trabalhadores chamados no primeiro concurso pediram exoneração e não havia mais banco de espera para preencher as vagas. A diretora do CREAS é servidora pública da própria Secretaria. Toda semana ela se reúne com as diretoras do CRAS da cidade, com o Judiciário e com o Ministério Público. Todos os casos atendidos no CREAS são relatados mensalmente ao MP e ao Judiciário. Os Conselhos Tutelares da cidade se reúnem uma vez por mês com a equipe téc- nica do CREAS. Cada Conselho Tutelar é atendido por um assistente social, de acordo com a divisão feita pela diretora do CREAS. Os pedagogos fazem um traba- lho de acompanhamento das crianças na escola e na relação com os professores. Um psicólogo trabalha diretamente com os abusadores das crianças, e outro com as crianças. Os estudos de caso ocorrem às terças de manhã e às quintas à tarde, e uma vez por mês equipes técnicas do Judiciário participam da reunião. Os advoga- dos fazem o acompanhamento dos processos judiciais das famílias, além de prestar assistência jurídica e organizar a relação com a defensoria pública. Recentemente, o CREAS passou a ser demandado por questões relacionadas ao uso de drogas, mas a equipe não sente capacitada para esse trabalho. Para isso, está sendo debatida a importância de a prefeitura contratar um psiquiatra para fazer parte do grupo. A diretora mantém um diálogo constante a esse respeito com a Secretaria de Saúde. A Coordenação de Proteção Especial da Secretaria começou a debater a aber- tura de um terceiro CREAS na cidade, com foco e especialização na questão das drogas. Depois de a equipe do CREAS ter recebido supervisão, a Secretaria decidiu diminuir a carga horária dos trabalhadores em quatro horas semanais. Estudo de caso nº 5 O problema das drogas na cidade começou a ganhar grandes proporções. O prefeito chamou o secretário de Saúde e de Assistência Social para uma reunião, e disse que contribuiria com 2 milhões de reais para quem cuidasse do problema. Como o secre- tário de Saúde estava com muitas demandas, não pôde cuidar do problema de forma direta mas colaborou. O secretário de Assistência aceitou coordenar a ação e assumiu a tarefa, recebendo para isso o crédito de 2 milhões de reais no orçamento. Alugou uma casa bem grande para servir de abrigo e espaço de atendimento, e, como não havia funcionários dispo- níveis na Secretaria, realizou um processo simplificado para novas contratações. Foram selecionados dez assistentes sociais, 12 psicólogos e 24 educadores sociais. Para cada turno, havia seis educadores sociais. 54 | Política de Assistência Social Logo, o Centro de Atendimento Social ao Usuário de Drogas (CASUD) passa a fun- cionar 24 horas por dia. Em 20 dias, já tem 48 abrigados e chega a fazer 100 aten- dimentos por dias. A Polícia leva todos os usuários de drogas para o CASUD, e a equipe recebe pessoas em processo de grave drogadição. Como a Secretaria de Saúde não pode enviar médicos e enfer- meiros, cabe à equipe de assistentes sociais e psicólogos fazer o primeiro atendimento e os atendimentos secundários. O CASUD recebe homens e mulheres de todas as idades e tem recebido ido- sos e pessoas com deficiência. A equipe técnica diz que trabalha sem segurança. Recentemente, traficantes de drogas inva- diram o CASUD e resgataram dois homens que estavam abrigados. Isso leva várias pessoas da equipe a desistir do trabalho, fazendo a Secretaria de Assistência abrir todos os meses novos processos seletivos. Sem condições de garantir atividades para os usuários, o diretor do CASUD autorizou a entrada da igreja católica nas segundas, nas quartas e nas sextas, e a da igreja evangé- lica nas terças, nas quintas e nos sábados. Há ainda no domingo de manhã missa e à noite culto da igreja evangélica. Não foram autori- zadas atividades de grupos de umbanda. Duas mulheres, abrigadas há três meses, des- cobriram que estão grávidas e ainda usam drogas. Os assistentes sociais estão pro- curando apoio no programa de saúde da mulher para que elas possam fazer pré-natal, mas os médicos dizem que não sabem tratar dependentes químicos. O secretário pediu demissão do cargo ao prefeito, pois a pressão é gigantesca. O diretor do Fundo Municipal avisou ao novo secretario que os 2 milhõesque o prefeito destinou ao abrigo já acabaram e que não há dinheiro para os próximos meses. O novo secretário não consegue se reunir com os CRAS e os CREAS da cidade, pois o CASUD toma todo seu tempo. O prefeito tem reclamado dos assistentes sociais do CASUD, dizendo que eles são pouco enérgicos com os usuários. Para completar, ele foi aos jornais dizer que vai fechar o CASUD, pois não recebe apoio nem do governo estadual nem do governo federal. O juiz proibiu o prefeito de fechar o CASUD, e então este demitiu o secre- tário, nomeando outro, linha-dura, para pôr em ordem o centro de atendimento. A Secretaria gasta mais de 70 por cento de seu tempo e recursos cuidando do CASUD e já começa a ter problemas em cumprir seu plano decenal. Estudo de caso nº 6 O prefeito nomeou um novo secretário de Assistência Social, que ao assumir reuniu toda a equipe para lerem juntos a LOAS. Para o novo secretário, a partir dessa leitura poderiam comentar a Nova Política de 2004, a NOB/SUAS, a NOB-RH e a Tipificação. O secretário e a equipe logo verificaram que a estrutura não se adaptava à PNAS. Assim, o secretário procurou o prefeito e juntos decidiram mandar um projeto de Lei para a Câmara Muncipal para orga- nizar a Política de Assistência Social na cidade. Os CRAS, os CREAS e os Centros de Acolhimento foram criados em lei bem como a estrutura de Gestão do Trabalho, de Vigilância, e as Coordenações de Proteção Básica e Especial na Secretaria. O mesmo PL aprovou concurso público e plano de cargos e salários para os servidores. O concurso foi realizado, e então todos os CRAS, os CREAS, os Centros de Acolhimento e as estruturas da Secretaria tiveram aloca- ção de servidores públicos. Política de Assistência Social | 55 A Coordenação de Gestão do Trabalho organizou um programa de capacitação e supervisão dos trabalhadores, e a Coordenação de Vigilância Socioassistencial, a par- tir dos dados do Censo 2010, começou a organizar as áreas de maior privação social da cidade, mantendo os CRAS e os CREAS semanalmente informados. A mesma coordenação passou a organizar com os CRAS as estratégias de Busca Ativa. Toda semana, o secretário faz uma reunião de gestão com as Coordenações de Proteção Básica e Especial, com a Coordenação de Gestão do Trabalho e com a Coordenação de Vigilância, com a participação dos coordenadores dos CRAS e dos CREAS. Essas reuniões são fundamentais para avaliar a gestão do SUAS na cidade e as novas demandas que a gestão apresenta. O secretário criou também o cargo de secretário executivo do Conselho de Assistência Social e do Conselho da Criança e do Adolescente, e uma vez por mês se reúne com os conselheiros. Atualmente, está sendo debatido com os técnicos padrões de atendimento e o pro- cesso de avaliação dos usuários sobre os serviços socioassistenciais. Foi identificada a urgência de organizar a relação técnica e de supervisão com a rede socioassistencial através do Vínculo SUAS. Quando o secretário assumiu a Secretaria, havia uma gestão básica na Assistência Social, mas agora a equipe sente que pode solicitar a gestão plena para a CIB. Os resultados começam a se consolidar, e o prefeito deu um aumento de 10 por cento no orçamento da Secretaria. Estudo de caso nº 7 Na atual gestão, que começou há dois anos, o prefeito já nomeou quatro secretários de Assistência Social, sempre em composição política com a Câmara Municipal. A Secretaria é bem-estruturada, com Coordenação de Gestão do Trabalho, núcleos de proteção básica e especial e Coordenação de Vigilância Social. Os últimos quatro secre- tários não mantiveram nenhum servidor na chefia e sempre indicaram pessoas do seu partido para ocupar os cargos, mesmo que elas não tivessem relação com a Política de Assistência Social e com o tema de cada coordenação. Agora, o prefeito escolheu um secretário que é professor da universidade, tem dou- torado em sociologia, mas não tem experiência em gestão. Esse novo secretário é muito sério, mas não convidou servidores para as áreas estratégicas da Secretaria, e sim outros professores da universidade. Logo notou-se um descompasso entre o ritmo dos professores e as urgências da gestão da Assistência Social. Alguns convênios começaram a atrasar, recursos começaram a ficar parados na conta e começou a faltar alimentação nos abrigos da Secretaria. Nos jornais, já se viam 56 | Política de Assistência Social matérias sobre o atraso dos salários de educadores sociais e a falta de produtos de limpeza e alimentação. Sem experiência em gestão, o novo secretário e sua equipe começaram a gerar sérios problemas no dia a dia da Assistência Social. A equipe de gestão preparou excelente material de planejamento, capacitação e diag- nóstico, mas tinha dificuldades para decifrar os enigmas da gestão e da administração da Secretaria. Logo, o acúmulo de problemas fez que o prefeito começasse a cobrar de forma mais dura resultados na gestão. Ao mesmo tempo, o número de crianças na rua aumentou, e a equipe de gestão da Secretaria resolveu verificar a quantidade de pessoas que viviam as ruas. Feita a conta- gem e o relatório, o secretário foi aos Conselhos da Assistência e da Criança apresentar os dados. Um vereador de oposição que havia sido secretário propôs na Câmara a CPI dos moradores de rua, que foi então aprovada. Isso deixou o secretário ainda mais fra- gilizado e, apesar de seu empenho e equipe técnica com diagnósticos, planejamentos e estudos, resolveu pedir demissão. O prefeito, pressionado pela CPI de população de rua, resolveu convidar um vereador para ser o novo secretário. Ao tomar posse, este nomeou membros do seu partido para os principais cargos da Secretaria. A equipe, que estava com bastante esperança na gestão técnica do professor universitário, viu então o sexto secretário em três anos começar uma gestão, trazendo, como é comum, novos membros. A equipe começa a se preparar para as novidades do novo secretário. Estudo de caso nº 8 O secretário fez um levantamento do número de trabalhadores no SUAS, na Secretaria de Assistência Social. Fez um censo geral, apontando os locais de atuação, a função e a experiência. Esse censo mostrou que 60% dos assistentes sociais, psicólogos e pedagogos estavam trabalhando na Secretaria e que os demais 40 por cento dos trabalhadores estavam atuando em seis CRAS e dois CREAS. De acordo com o censo, havia uma forte concentração na área de plane- jamento e gestão em detrimento da execução. Para resolver o problema, foi criada a Coordenação de Gestão do Trabalho. Logo, o Coordenador de Gestão do Trabalho fez uma proposta para que 30% dos trabalha- dores ficassem na Secretaria e 70% nos CRAS, nos CREAS e nos centros de acolhi- mento. Os servidores, em quase sua maioria, disseram que não aceitavam ir para os CRAS e os CREAS, pois não tinham experiência para lidar diretamente com os usuá- rios, e que eles estavam nas secretarias antes de esses conselhos terem sido criados. O secretário tentou uma portaria de redistribuição, mas os servidores foram para o confronto e impediram o deslocamento. Dessa forma, os CRAS e os CREAS con- tinuavam com uma equipe inferior à mínima definida pela NOB-RH. O secretário Política de Assistência Social | 57 então procurou o prefeito para pedir con- curso público, que não foi aprovado. Assim, foi feito um convênio com uma ONG para a contratação de assistentes sociais, psicó- logos e pedagogos para os CRAS, os CREAS e os centros de acolhimento. Os funcionários terceirizados começaram a trabalhar, mas ganhavam a metade do que recebiam os funcionários públicos, e assim se deu uma disputa entre os dois grupos. Os ter- ceirizados reclamavam que ganhavam muito menos e que os servidores não trabalhavam todos os dias como eles. Logo, as reuniões de equipecomeçaram a se tornar inviáveis. O secretário, vendo o impasse, transferiu todos os servidores para a Secretaria e deixou nos CRAS e nos CREAS apenas os trabalhadores terceirizados. Dessa forma, o coordenador de Gestão do Trabalho acabou tendo que lidar com duas lógicas diferentes. Como a equipe de servi- dores na Secretaria aumentou muito, alguns projetos passaram a ser executados direta- mente do nível central, com cada grupo de servidores propondo projetos novos e desar- ticulados dos CRAS e dos CREAS. A Secretaria passou a contar com seis CRAS, dois CREAS e 26 projetos diretos. Estudo de caso nº 9 A Secretaria de Assistência Social foi criada em 1997. Antes havia uma Fundação de Apoio Social que basicamente repassava recursos para entidades sociais, função que coube à Secretaria até 2005. Com a Nova Política de Assistência Social de 2004 e a NOB/SUAS, foi realizado o primeiro concurso de servidores. A Secretaria se habilitou em gestão básica e recebeu cofinanciamento do Fundo Nacional de Assistência Social para implantar quatro CRAS e um CREAS. O financiamento dos MDS não era suficiente para a implantação de CRAS e CREAS, e as entidades sociais da cidade começaram a pressionar que os recursos da prefeitura não poderiam serem usados aí, pois eram federais. As entidades também começaram a deba- ter, nas reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social, que os CRAS estavam entrando nas ações das entidades assis- tenciais e que a cidade não poderia jogar fora a história de trabalho que as entidades vinham desenvolvendo havia cerca de 50 anos. Para a grande parte dessas entidades, o SUAS era um problema para a continuidade do trabalho social que elas desenvolviam. As reuniões do Conselho Municipal de Assistência Social passaram a ser uma disputa entre o governo e as entidades sociais. O desa- fio na cidade era construir um SUAS em que o Estado fosse a inteligência do processo. A Secretaria e os servidores entenderam como um enorme desafio construir um SUAS público, mas parceiro das entidades sociais a partir do Vínculo SUAS. O debate estabelecido no dia a dia desde então é o papel que o governo tem no SUAS e o papel das entidades. Estudo de caso nº 10 Em 2009, a prefeitura resolveu implantar um Centro de Referência da Assistência Social na área rural da cidade. O gestor do Trabalho fez então um levantamento na Secretaria e nenhum técnico quis ser transferido para esse CRAS. Ao mesmo tempo, a Coordenação de Vigilância socioassistencial identificou uma série de privações sociais na área rural a partir dos estudos do Censo 2010. 58 | Política de Assistência Social O secretário, vendo que não conseguiria equipe para atuar no CRAS rural, decidiu comprar um carro para transportar a equipe, garantir a diminuição de 20 por cento da carga horária para as pessoas que fossem tra- balhar no CRAS rural e garantir uma gratifica- ção de 25% nos salários de quem ali atuasse. O projeto que estava estagnado havia mais de um ano, depois da avaliação da Secretaria e da Coordenação da Gestão do Trabalho e das novas propostas para atrair pessoal, conseguiu em um mês uma equipe mais do que sufi- ciente para sua inauguração. Hoje, o CRAS rural está fazendo um ano de funcionamento e conta com uma diretora, cinco assistentes sociais, dois psicólogos e um pedagogo. Todas as casas da área rural já foram visitadas, e a Secretaria mapeou todas as privações sociais das famílias, con- seguindo organizar um planejamento para suas ações. Como as casas são distantes, as equipes fazem atendimentos descentrali- zados por região da zona rural, pois conta com dois veículos. Todas as famílias que não tinham acesso a programas de transferência de renda já estão no BPC, no Bolsa Família e na renda cidade, e todas as crianças que estavam fora da escola já estão estudando. A diretora do CRAS criou uma rede de tra- balho com as escolas e com o programa saúde da família, e os casos são debatidos quinzenalmente. Enquanto isso, a prefeitura já começa a debater a inauguração de um segundo CRAS rural. Estudo de caso nº 11 A prefeitura inaugurou um CRAS, mas não realizou concurso público para pro- ver os cargos de assistente social, psicólogo e pedagogo. Por não ter equipe própria de servidores, fez um convênio com a ONG Lar da Crianças para que ela fizesse a cogestão do CRAS, num convênio que a prefeitura cha- mou de convenio de Cogestão/Parceria. O Conselho Municipal de Assistencia Social passou começou, então, a questionar a secretaria de assistência social sobre esse modelo de gestão. O Conselho organizou um seminário sobre a Gestão Pública do CRAS com uma mesa sobre a Nob Suas e outra sobre a NOB RH. Após o seminário uma delegação do conselho solicitou audi- ência com o secretário e apresentou suas considerações sobre o modelo de gestão dos CRAS da cidade. Os conselheiros disseram ao secretário que o modelo contrariava totalmente a NOB SUAS e a NOB RH. A cidade Gestão Plena na Assistência Social desde 2005 não podia ter um CRAS sendo gerenciado por uma ONG. O Lar das Crianças contratou quatro assis- tentes sociais, dois psicólogos e um pedagogo para a gestão do CRAS. Todos os funcionários eram contratados diretamente pelo Lar. O secretário disse aos conselheiros que o CRAS em modelo de parceria era uma ino- vação experimental e que a população estava muito satisfeita com a chegada do CRAS. Segundo ele, os resultados desse CRAS eram melhores que os dos demais, pois os fun- cionários não eram servidores públicos, não faltavam e nem trabalhavam menos do que deviam. O secretario disse também aos Conselheiros que eles estavam sendo conser- vadores e que o novo modelo de gestão era uma realidade; os novos CRAS seriam feitos em modelo de parceria. O presidente do Conselho perguntou ao secretário como era possível uma ONG ser responsável pela Vigilância Sócio-Assistencial e pela supervisão da rede sócio- assistencial do território. O secretario respondeu que tudo estava sendo realizado e apresentou o Política de Assistência Social | 59 mapa de privações sociais do território do CRAS. Os conselheiros disseram que iriam recorrer ao Conselho Estadual de Assistência Social e à Comissão Bipartite. O secretario argumentou que o CRAS era municipal; não haviam recursos estaduais e federais no CRAS. Os conselheiros recorreram ao CEAS e a CIB, que ainda estão avaliando o caso. O segundo CRAS no modelo parceria começou a ser organizado pela Secretaria. O secretario apresentou o relatório de avaliação dos usuários sobre os quatro CRAS da cidade. O CRAS que está sendo gerenciado pelo LAR das Crianças tem avaliação posi- tiva 40% maior do que os demais. O Secretario inscreveu o projeto CRAS em Parceria para ser apresentado no Seminário do Ministério do Desenvolvimento Social sobre o trabalho dos CRAS em relação ao programa Brasil Sem Miséria. O prefeito suspendeu concursos públicos para a Assistencial Social e definiu que toda a rede da Assistência passaria a funcio- nar no modelo Parceria. Estudo de caso nº 12 A equipe do CRAS é formada por cinco assistentes sociais, dois psicólogos e dois pedagogos, além da diretora. A equipe tem uma reunião todas as quartas-feiras, das 10h as 13h. Nesse horário, o CRAS não realiza atividades para que todos os membros da equipe estejam juntos no debate sobre a prática e o fazer social. Dois técnicos de nível médio são responsáveis pela recepção nesses três horas de reunião e agendam o retorno para um outro horário de quem procura o CRAS na período da reunião de equipe. Além disso, a equipe definiu que um técnico estará sempre disponível para atender alguém que precise muito falar com o CRAS. O Conselho de Usuários do CRAS, que se reúne uma vez por semanacom a direção, pactuou a reunião de equipe semanal. Na reunião, todos os técnicos apresentam as ações que estão desenvolvendo e os casos mais complicados que estão atendendo. Também é organizada a agenda de visi- tas domiciliares e a agenda de supervisão da rede socioassistencial do território. Em uma reunião por mês, a equipe da Coordenação de Vigilância Social da Secretaria apresenta um mapa de indicadores para a equipe que identifica novas vulnerabilidades e regiões do território que devem ter uma olhar especial da equipe. A direção, por sua vez, apresenta o relato da reunião com o Conselho de Usuários. Na reunião dessa semana foi organizado um grupo de trabalho com três técnicos para que se organize um Plano de Capacitação para os trabalhadores que atuam na rede socioassistencial do território. Também uma vez por mês, são selecionados os casos mais complexos para serem apresentados para a supervisão realizada com os técnicos. O supervisor é um assis- tente social com ampla experiência na politica de Assistência Social na proteção 60 | Política de Assistência Social social básica. A Secretaria tem uma equipe de cinco supervisores. Todos com expe- riência na pratica profissional. Os momentos de supervisão são muito importantes para que a equipe debata os casos que atendem. A supervisão é o fundamental pois ela rompe com o isolamento dos técnicos e ressignifica para toda a equipe os desafios do CRAS. Recentemente a Secretaria fez uma avaliação dos CRAS da cidade. Este tem a menor taxa de atendimento dos cinco CRAS da cidade mas é o que registra maior resultado de resolutividade dos casos atendidos e de satisfação dos usuários. Estudo de caso nº 13 O Conselho Municipal de Assistencial Social fez um questionamento ao Secretário de Assistência Social sobre a ausência de psicólogos nos CRAS. A cidade possui seis CRAS e dois 2 CREAS e nenhum assistente social trabalha nos CRAS. Os assistentes sociais questionam todos os dias a ausência de psicólogos nos CRAS. Depois da pressão do Conselho e dos técnicos, a prefeitura abriu concurso para 12 vagas de psicólogos para que cada CRAS tenha dois psicólogos. As três vagas restantes seriam para a equipe da direção da Proteção Social Básica. O concurso teve 1214 inscritos e foram aprovados 317 psicólogos, para serem chamados os 15 primeiros. Todos foram lotados na Proteção Básica, que ficaria responsável pela distribuição psicólogos nos CRAS. A direção da Proteção Básica fez uma divisão por proximidade de residência e ficou com três psicólogos para a coordenação. A primeira semana de trabalho dos psicólogos no CRAS foi bastante confusa pois apesar do Conselho Municipal e dos Assistentes Sociais exigirem o concurso público para psicólogos nos CRAS não se construiu um projeto de intervenção profissional. Na segunda semana cada psicólogo começou a definir sozinho o que faria nos CRAS. Dos 12, sete resolveram que iriam fazer clínica; três iriam trabalhar com as escolas e dois iriam fazer grupos de idosos. Dos sete que resolveram fazer clínica, quatro eram lacanianos e três freudianos. Os três psicólogos que que ficaram na coordenação de proteção básica não receberam nenhuma indicação para colaborar na construção do fazer social dos psicólogos nos CRAS. Os psicólogos começaram, então, a mostrar muita insatisfação com o trabalho e os assistentes sociais passaram a questionar a falta de concretude do trabalho dos deles. Ao final de primeiro ano, dos 15 aprovados, quatro já haviam pedido exoneração e três conseguiram transferência para a Secretaria de Saúde. Restavam oito. A coordenação de gestão do trabalho resolveu fazer uma oficina com os oito psi- cólogos para definir a prática e o fazer social deles antes de se chamar mais sete do banco de concurso. Após a oficina com os psicólogos, ficou claro que cada pro- fissional tinha uma pratica diferente que não se articulava ao CRAS. O Secretario Política de Assistência Social | 61 achou melhor chamar mais sete assistentes sociais para compor as equipes dos CRAS e definiu que cada CRAS teria apenas um psicólogo. Os dois que forma man- tidos na coordenação de Proteção Básica ficaram responsáveis pela organização de um fluxo de atividades para os psicólogos. Depois do Concurso, o Conselho Municipal da Assistência Social nunca mais voltou a debater o trabalho dos psicólogos nos CRAS. Dos oito assistentes sociais, um resolveu fazer pós-graduação em gestão do SUAS, mas não encontrou nenhum debate sobre o trabalho do psicólogos nos CRAS.
Compartilhar