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O pensamento de Heidegger

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O pensamento de
 
Martin Heidegger
FONTES:
FEIJOO, A.M.L.C. A clínica daseinsanalítica: considerações preliminares. Revista da abordagem gestáltica. XVII(1): 30-36, jan-jun, 2011.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2012.
PIETRANI, E.E.M. O pensamento de Martin Heidegger (material elaborado para estudo em sala), 2017.
Martin Heidegger
 Filósofo, escritor, professor e reitor universitário e um dos grandes pensadores do século XX. 
Nasceu em Messkirch, Alemanha, em 1889. Morreu em Freiburg, Alemanha, em 1976.
Em 1915, Heidegger tornou-se assistente de Husserl, o qual o influenciou em toda a sua obra e transmitiu a ele toda a doutrina fenomenológica.
Escreveu muitos livros, mas sua obra mais referenciada é Ser e Tempo, publicada em 1927.
O pensamento heideggeriano
O trabalho de Heidegger possui 3 momentos importantes: uma fase pré-filosófica, isto é, quando ainda estava ligado à teologia; uma fase filosófica (conhecido como primeiro Heidegger) e uma fase poética (conhecido como segundo Heidegger).
Pré-filosófica (teologia, da adolescência até 1911)
Filosófica (de 1911 – 1930, primeiro Heidegger)
Poética (de 1930 – 1976, segundo Heidegger)
O momento que vamos estudar é o momento filosófico do pensamento heideggeriano, em particular aquele que ele trabalha em sua obra mais conhecida, Ser e tempo, de 1927.
O pensamento heideggeriano
Uma questão fundamental orienta o pensamento de Heidegger: é preciso reconsiderar o modo como o fenômeno humano é posicionado.
Heidegger é do início do século XX, uma época na qual a ciência alcança poderes inimagináveis, mas ao custo de relegar o homem a apenas mais uma coisa explicável entre outras.
Assim como seu professor, Edmund Husserl, Heidegger se vê diante da situação de tentar “salvar” o homem das explicações científicas e de um outro modo de compreender o humano. 
Isso também foi uma questão para Kierkegaard em meados do século XIX, estabelecendo, portanto, Kierkegaard como o primeiro existencialista.
O pensamento heideggeriano
Como já sabemos, a influência de Husserl em seu pensamento é clara. Ela se dá principalmente em duas direções bem definidas: o homem como movimento para “fora”, em direção ao mundo, e como algo sem fundamento prévio no qual possa balizar e justificar a sua existência.
Também para Heidegger não há psiquismo nem qualquer tipo de interioridade/subjetividade que pré-determina o homem. O homem é radicalmente seu fluxo existencial.
O pensamento heideggeriano
Para falar da existência humana, Heidegger abandona termos da biologia, da psicologia, da antropologia etc. e tenta criar termos novos.
 Para ele, falar de existência e continuar falando dela por termos como “objeto”, “ego”, “sujeito”, é manter o discurso no pensamento biológico, ou psicológico ou outra ciência.
Heidegger vem, assim, radicalizar a concepção de “homem”, “comportamento humano” e afins como fundamentalmente a relação homem-mundo.
Ser-no-mundo e ser-aí (Dasein)
De início, o que significaria dizer que não há psiquismo, e que o homem é um ser lançado, em fluxo?
Isso quer dizer que o homem é radicalmente o seu espaço. Para essa característica da existência Heidegger dá o nome de ser-no-mundo. 
A existência humana precisa de um mundo para que ela possa ser a existência que ela é. Sem a abertura de um mundo o homem ficaria preso em lugar nenhum, pois sua existência não teria como desempenhar-se.
Essa primeira característica da existência traz consigo uma outra: uma vez que o homem não é previamente nada e é radicalmente o seu espaço (o seu mundo), posso chamar esse ente de ser-aí (Dasein).
Dasein = ser-aí, ser-no-mundo.
Um ser que é lançado no mundo, mas ao mesmo tempo constrói sua existência a partir dele.
Resumindo, por não ser nada, o ser-aí “cai” no mundo. Porém, não apenas cai no mundo, como precisa do mundo para ser.
A expressão ser-no-mundo, também cunhada por Heidegger e escrita com hífen, remete à ideia da unidade que se desenvolve entre ser e mundo, em que ambos se encontram ligados em uma relação mútua de constituído e constituinte. Essa mutualidade se configura como uma unidade originária, que antecede a qualquer denominação que se possa atribuir ao homem. 
Ser-no-mundo e ser-aí (Dasein)
“De acordo com o que foi dito, o ser-no-mundo não é uma ‘propriedade’ que o ser-aí às vezes apresenta e outras não, como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela. O homem não ‘é’ no sentido de ser e, além disso, ter uma relação com o mundo, o qual por vezes lhe viesse a ser acrescentado. O ser-aí nunca é primeiro um ente, por assim dizer, isento de mundo, que, algumas vezes, tem a gana de assumir uma certa ‘relação’ com o mundo. Esse assumir relações com o mundo só é possível porque o ser-aí, sendo-no-mundo, é sua própria espacialidade”. (Heidegger, 1988, p. 95).
Ser-no-mundo e ser-aí (Dasein)
Para Heidegger, a expressão ser-aí (ou ser-no-mundo) vem demonstrar que homem e mundo encontram-se imbricados, em um processo de relação mútua.
“O Dasein não é nem um objeto no meio do mundo, nem um sujeito sem mundo, mas ele “é” seu mundo, numa familiaridade original que funda toda relação posterior de sujeito a objeto e todo conhecimento” (Dartigues, 2005).
Ser-no-mundo e ser-aí (Dasein)
“Ao necessitar dirigir-se para o mundo, o ser-aí não sai de uma esfera interna em que antes estava encapsulado. Em seu modo de ser originário, o ser-aí já está sempre ‘fora’, junto aos entes que lhe vêm ao encontro no mundo já sempre descoberto” (Heidegger, 1988, p. 101).
Para Heidegger (1927/2012), o que diferencia o ser-aí em relação aos outros entes no mundo refere-se à presença.
O ser-aí não é um ente entre tantos outros, convivendo aleatoriamente no mundo. Ele não se encontra em justaposição com o mundo ou com outros entes, convivendo em um mesmo espaço simplesmente dado. O ser-aí tem o “privilégio” da presença, que se caracteriza no desvelar de possibilidades, próprio do ser-aí e não de outros entes.
“Só o homem existe, as coisas são” (Heidegger, 1927/2012)
O ser-aí e a Presença
O ponto é que o mundo que o ser-aí cai é sempre um mundo histórico(*).
Portanto, toda existência é uma existência envolvida por um contexto histórico que limita as suas possibilidades de ser. Esse cerceamento histórico Heidegger chama de facticidade da existência.
(*) Ao falar de mundo histórico (horizonte histórico, contexto histórico), quer se dizer a respeito da historicidade na qual a existência se encontra lançada, um determinado contexto histórico, o qual a existência se lança e se acostuma com ela, dando-lhe um sentido.
O ser-aí e a facticidade da existência
O ser-aí, o horizonte histórico e a impessoalidade
Uma vez que “cai” na existência necessariamente circunscrito por um determinado horizonte histórico, o ser-aí necessariamente precisa se tornar íntimo dos sentidos e significados desse mesmo horizonte, sem que nenhum estranhamento interrompa sua assimilação.
De início e na maior parte das vezes o ser-aí se encontra retido nos sentidos e significados que o seu horizonte histórico entrega como óbvios. 
Ex.: Uma criança precisa de início se habituar aos sentidos e significados do seu ambiente para que possa posteriormente existir sem sobressaltos. Geralmente quem introduz a criança nessa intimidade com as coisas é a família. Família essa que já se habituou ao seu horizonte histórico.
Portanto, de início e na maior parte das vezes, o ser-aí é o que se chama de “impessoal”. Isto quer dizer que o ser-aí “pega” por empréstimo os sentidos e significados do seu mundo. 
O ser-aí, de início lida, com as coisas como “todo mundo” lida com elas. A essa postura do ser-aí, Heidegger chama de impessoalidade.
Impessoalidade para Heidegger não é um mal que deve ser combatido, mas um processo e um passo necessário para uma existência própria e singular. 
O ponto é que de início e na maior parte das vezes não fazemos esforço para sair da impessoalidade. Viver como “todo mundo” vive é, nesse sentido, mais confortávele fácil.
O conforto próprio da postura impessoal tem a ver com a desoneração da responsabilidade e do peso da própria existência. O “quem” da existência impessoal é um “alguém”; “qualquer um”.
Resumidamente, o ser-aí cai na existência e sai de uma indeterminação originária na direção da absorção dos sentidos e significados de um determinado mundo histórico, que já sempre disse pro ser-aí o que é normal e o que não é. De início e na maior parte das vezes, o ser-aí simplesmente absorve de forma inquestionada esses sentidos e permanece nele.
Portanto, há uma ligação da impessoalidade com o discurso do mundo; dos outros, absorvido sem nenhum filtro singular.
O ser-aí, o horizonte histórico e a impessoalidade
“O mundo cotidiano é sempre o mais imediato e óbvio. Na utilização dos meios de transporte público, no emprego dos meios de comunicação e notícias (jornal), cada um é como o outro. Este conviver dissolve inteiramente o próprio ser-aí no modo de ser dos ‘outros’, e isso de maneira desapercebida a princípio. O impessoal desenvolve sua própria ditadura nesta falta de surpresa e de possibilidade de constatação. Assim nos divertimos e entretemos como impessoalmente se faz; lemos, vemos e julgamos sobre a literatura e a arte como impessoalmente se julga; achamos revoltante aquilo o que impessoalmente se considera revoltante. O impessoal é o modo de ser do cotidiano” (Heidegger, 1927/2012, p. 179).
O ser-aí, o horizonte histórico e a impessoalidade
A questão da verdade
Ao discutir sobre a questão da verdade, Heidegger traz à tona a discussão sobre a construção da verdade ao longo do tempo:
1º) Antiguidade: O homem busca a verdade através dos mitos.
2º) Explicações sobre a verdade das coisas baseadas na religiosidade (Deus).
3º) A partir da Era Moderna: O homem busca a verdade no rigor científico, no método científico – lógica da calculabilidade, da mensuração , seguindo um padrão prévio. 
Ocorre que, para Heidegger, a verdade da ciência coloca o método e a teoria acima do homem, desconsiderando a existência tal qual ela se dá.
A questão da verdade
Heidegger vem, assim, propor um questionamento acerca do endeusamento da verdade construída em paradigmas absolutos e irrefutáveis, calcados em uma submissão à idolatria da ciência, instalada luminosamente no mundo ocidental. 
O pensamento de Heidegger busca refletir sobre as certezas petrificadas advindas do modo de pensar científico e abre a possibilidade da verdade como constituída na movimentação do Dasein, ou seja, no modo como o homem se dá em sua relação com o mundo. 
A verdade mais originária é a própria existência, é a lida; não é o juízo, a razão; nem o objeto, o empírico. É pela lida, pela inseparabilidade homem-mundo, no cotidiano da existência, que o ser mais próprio do homem pode se mostrar.
Pensamento 
técnico-calculante
Pensamento reflexivo
em detrimento do
Heidegger e a questão da Técnica
Era da Técnica: denominação utilizada por Heidegger ao se referir ao modo de pensamento do homem, a partir da modernidade, em que o homem passou a pensar as coisas apenas sob o efeito da ciência, da racionalidade, da mensuração e da quantificação das coisas.
Ou seja, o homem passou a pensar as coisas apenas sob a relação de causa e efeito, de mensuração e quantificação das coisas.
Heidegger, 1953/2007)
Principais Atributos da Era da Técnica
Fundo de reserva: o homem toma, por um acúmulo constante, os entes ao seu redor. Trata-se de ter o máximo possível de saberes, fazeres, objetos, utilitários etc., de forma a ter sempre uma reserva, uma estocagem à disposição aos chamados da técnica. 
Funcionalidade: designa o modo utilitário com que os entes são tomados para fins de uso pela técnica moderna. As coisas só têm valor quando apresentam alguma utilidade, uma atribuição prática.
Produtividade: visa o produzir incessantemente, obter resultados, sem se atentar aos demais aspectos que emergem no homem.
Heidegger e a questão da Técnica
Heidegger, 1953/2007)
O pensamento técnico-calculante visa:
 o controle das coisas, a partir de uma intervenção calculada e mensurada.
 
Um meio para se atingir determinados fins.
 Provocação da natureza até a sua exaustão.
 Acúmulo e descarte das coisas, visando a produtividade incessante.
Heidegger e a questão da Técnica
Heidegger, 1953/2007)
Heidegger e a questão da Técnica
“O fazer do camponês não desafia o solo do campo. Ao semear a semente, ele entrega a semeadura às forças do crescimento e protege seu desenvolvimento. Entretanto, também a preparação do campo entrou na esteira de um tipo de preparação diferente, um tipo que põe a natureza. Esta preparação põe a natureza no sentido do desafio. O campo é agora uma indústria de alimentação motorizada. O ar é posto para o fornecimento de nitrogênio, o solo para o fornecimento de minérios, o minério, por exemplo, para o fornecimento do urânio, este para a produção de energia atômica, que pode ser associada ao emprego pacífico ou à destruição” (Heidegger, 1953/2007, p. 382).
Heidegger e a Daseinsanalyse
O termo daseinsanalyse é tomado inicialmente pelo psiquiatra suíço Ludwig Biswanger (1881-1966) e, posteriormente, por outro psiquiatra suíço, Medard Boss (1903-1990),a partir de encontros com Heidegger, na cidade suíça de Zolikon.
Nesses seminários, Heidegger propôs aos psiquiatras participantes uma suspensão do olhar científico-natural em que foram formados, para que pudessem ter acesso a uma atitude fenomenológica com relação à realidade das coisas.
A origem do termo
Compreendendo primeiramente a concepção de análise na Psicologia clínica tradicional:
Psicologia clínica tradicional: visa produzir mudanças, dentro de certas margens de controle e previsibilidade. Ou seja, o psicólogo trabalha com a ideia de uma teoria a qual procura aplicar na sua prática clínica.
O psicólogo, nesta ótica, é procurado como aquele que vai analisar e solucionar problemas, especialista em adaptar comportamentos com vistas ao sucesso nas diversas áreas da vida: profissional, escolar, afetiva, social, familiar.
A concepção de análise em Heidegger
Daseinsanalyse = análise/analítica do Dasein
Remonta ao mito grego, Odisseia, de Homero, e descreve aquilo que Penélope fazia todas as noites para aguardar o retorno do seu esposo, Ulisses, da guerra: desfazer a trama da colcha que ela tecera durante o dia.
A análise (ou analítica, como Heidegger preferia denominar) tece e destece a trama existencial do sujeito para libertar o sentido que possibilita o tecido. 
A analítica existencial em Heidegger não conduz a uma análise prévia do fenômeno, menos ainda pela sua desintegração em partes, mas sim pelo sentido, pela condição de possibilidade em que o fenômeno se mostra. 
Daseinsanalyse = análise/analítica do Dasein
A concepção de análise em Heidegger
O exercício da analítica na Daseinsanalyse não será, portanto, uma decomposição do homem em elementos, o que faria perder de vista o fenômeno, mas sim uma atitude reflexiva que remeta o homem (Dasein) aos seus caracteres existenciais que constituem seu ser de modo geral: temporalidade, espacialidade, sua relação com o mundo, etc. e, assim, encontrar o homem em sua vivência mais originária, no cotidiano da sua existência.
Daseinsanalyse = análise/analítica do Dasein
O pensamento de Heidegger e a Daseinsanalyse
O terapeuta, de abordagem fenomenológico-existencial, e baseado nas concepções heideggerianas, deve prescindir de certezas, abolir a ideia de verdades universais e manter-se o máximo possível no estranhamento.
Além disso, seu olhar voltará totalmente para o cotidiano da existência daquele que o procura na clínica, da sua relação com o mundo, o modo como se dá essa relação, e as questões que a atravessam. 
Buscará conduzir o analisando a si mesmo, possibilitando a livre relação com aquilo que o encontra, apropriando-se destas relações e deixando-se solicitar por elas.

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