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AT 1 O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO SÓCIO-JURÍDICO 2 32 S U M Á R IO 3 UNIDADE 1 - Introdução 5 UNIDADE 2 - A performance do assistente social no âmbito sócio-jurídico 11 UNIDADE 3 - A atuação nas varas de família, infância e juventude 11 3.1 A atuação do Assistente Social nos casos de adoção 13 3.2 A atuação no caso de Minas Gerais 15 UNIDADE 4 - Estudo, perícia social e afins 15 4.1 Conceitos básicos para o entendimento da atuação do Assistente Social no contexto sócio-jurídico 21 4.2 A utilização do estudo/perícia social 26 UNIDADE 5 - Atuação junto ao idoso 33 5.1 A Política Nacional do Idoso 36 UNIDADE 6 - O contexto prisional 37 6.1 O Assistente Social e a Lei de Execuções Penais 44 REFERÊNCIAS 2 33 UNIDADE 1 - Introdução O caráter instrumental do Serviço Social vai além de utilizar técnicas e instrumen- tos para seu fazer profissional, significa a razão de ser dessa categoria. Ele possibili- ta, como diz Brandão (2006), a passagem das teorias às práticas de maneira reflexi- va e crítica, principalmente sobre as ques- tões que envolvem concepções e valores, uma vez que estes elementos constroem, delimitam e dão concretude à ação profis- sional. A intenção nesta apostila é justamente contribuir com reflexões sobre a dimen- são técnico-operativa do Serviço social que passa pela ação interventiva, prin- cipalmente no contexto sócio-jurídico. Antes de usar os instrumentos e técni- cas disponibilizados para que efetive sua prática, ele deve refletir sobre os aportes teóricos que, diga-se de passagem, são muitos. O assistente social é o trabalhador que vende sua força de trabalho. Ou seja, ele não detém os meios de produção de seu trabalho. Os objetivos, as diretrizes e princípios da instituição, os recursos ma- teriais e humanos que lá existem são de propriedade de seu empregador. Por isso, é de fundamental importância que o as- sistente social saiba reconhecer quais são os meios que possibilitam o seu trabalho e, principalmente, quais são as demandas apresentadas para o serviço social pelo seu empregador. Ao Serviço Social, concretamente, vem sendo delegado o papel de realizar os es- tudos sociais, que são reconhecidos como material que vai subsidiar as decisões dos juízes acerca da matéria de cada processo. Verifica-se que a inserção do assistente social no Poder Judiciário é datada da dé- cada de 1940, prioritariamente nos Juiza- dos da Infância e Juventude. Segundo estudos de Barrison (2008), que foca o trabalho do Assistente So- cial no Poder Judiciário, observa-se que o modo como o assistente social vem ocu- pando este espaço sócio-ocupacional tem se alterado no decorrer da história: mu- danças estas que acompanham a própria dinâmica da instituição e ainda a própria dinâmica da profissão. E como bem diz Pontes (1997, p. 155): O Serviço Social constitui-se numa profissão de natureza interventiva, cuja ação se coloca em face das de- mandas sociais que substanciam a sua intervenção sócio-histórica na sociedade. [...] O Assistente Social realiza sua prática através da rede de mediações, que ontologicamente estrutura o tecido social. Logo, o Assistente Social é um agente mediador, entre burguesia e proletariado, que intervém numa rede de relações so- ciais, e esta ação é fruto de uma demanda, que procede da sociedade. Essa demanda é fruto do desenvolvimento histórico e social desta mesma sociedade: as neces- sidades de hoje provém das necessidades surgidas e supridas (ou não) ontem (BAR- RISON, 2008). Deste modo, a prática do Assistente Social é um conjunto de ações, os serviços sociais visam sanar essa demanda social 4 54 através de políticas que atendam o âmbito social. Essas políticas vão variar de acordo com o campo de trabalho do funcionário. A prática profissional do Assistente So- cial é entendida como conjunto de ações e práticas desenvolvido pelo Assistente Social, na administração e prestação de serviços sociais priorizados nas diretrizes das políticas sociais e assistenciais imple- mentadas pela instituição da qual é fun- cionário (GUEIROS, 1991, p. 15). Neste momento do curso, nosso foco passa pela performance do Assistente Social no âmbito sócio-jurídico; falaremos do estudo e da perícia social; a dinâmica dos relatórios, laudos e pareceres; o aten- dimento a famílias, infância e adolescên- cia, bem como ao idoso e no contexto pri- sional. Esperamos que apreciem o material e busquem nas referências anotadas ao fi- nal da apostila subsídios para sanar pos- síveis lacunas que venha surgir ao longo dos estudos. Ressaltamos que embora a escrita aca- dêmica tenha como premissa ser científi- ca, baseada em normas e padrões da aca- demia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científi- cos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. 4 55 UNIDADE 2 - A performance do assistente social no âmbito sócio-jurídico Estudos de Santos (2008) mostram que na área sócio-jurídica, o Assistente Social exerce um importante trabalho na intermediação entre o sistema judiciário e seus respectivos usuários. E como forma de trabalho, o profissional precisa lançar mão de diversos instrumentos, baseando- -se, para isso, numa teoria profissional e de vida, que lhe dá o norte para direcionar suas decisões e ações. Esta teoria é que embasará sua prática profissional, assim como sua própria concepção de mundo. Contudo, nossas observações recaem so- bre as condições teórico-metodológicas adotadas em consonância com o projeto ético-político-profissional e com o Código de Ética do Assistente Social (1993). De acordo com Zanetti (2003), a magis- tratura é um dos pontos mais sensíveis da instituição, pois detém o poder de decidir sobre o destino das pessoas, sendo que em torno desta categoria o Poder Judiciá- rio se estrutura. A instituição, de modo geral, tende a creditar numa efetiva resolução dos con- flitos. Estes, porém, não são resolvidos na sua totalidade, normalmente, o que ocorre é apenas uma decisão sobre o lití- gio. Nesse contexto, a forma como o pro- fissional do Serviço Social se insere faz a diferença: pode ser considerado um tra- balhador social, um assessor ou um perito social. É certo afirmar que as atribuições do Assistente Social Judiciário são relativa- mente atualizadas para um poder ainda distante da modernidade e das reais ne- cessidades dos sujeitos envolvidos. Esta afirmação está embasada no princípio de que o litígio, propriamente dito, não é a problemática de que o sujeito atendido no Serviço Social necessita de auxílio imedia- to; comumente sua questão emergencial é referente a alguma das necessidades básicas, as quais são indispensáveis à ma- nutenção de vida digna. Uma especialização é muito bem vinda para que se forme um corpo técnico que desenvolva habilidades e competências específicas para desenvolver a profissão no Poder Judiciário, muito embora a pro- dução acadêmica de conhecimentos nes- sa área não seja muito extensa. De todo modo, espera-se que o Assistente Social tenha claro em sua mente a importância dos elementos técnicos operativos que compõem sua intervenção. Nesse sentido, elaborar relatórios, pa- receres, realizar entrevistas, visitas do- miciliares, investigação, planejamento com grupo e comunidades são elementos constitutivos do processo de trabalho. É preciso qualificar esse processo, dando consistência a esses instrumentos (ZA- NETTI, 1992, s/p apud SANTOS, 2008, p. 5). O Código de Ética devepermear todo o trabalho do Assistente Social. Normas, regulamentos profissionais, concepções como cidadania, direitos humanos devem ser orientadores em toda a extensão da atuação, principalmente porque sabemos da complexidade da condição humana, demandando cuidados, ao mesmo tempo, individuais e coletivos. 6 7 É fundamental que o assistente social faça com qualidade a construção do seu trabalho, obtenha conhecimento espe- cífico, acrescentando uma visão crítica e analítica sobre as informações, ultrapas- sando as limitações estritamente buro- cráticas e formais, dadas pela instituição (SANTOS, 2008). De acordo com Magalhães (2003), ao longo dos últimos anos, o Serviço Social veio configurando práticas profissionais que evidenciam o contraditório da to- talidade social. Num Tribunal de Justiça, as contradições tornam-se mais eviden- ciadas, em especial, nas formas como os atores sociais envolvidos se comunicam, revelando o contraditório da sociedade. Uma das atribuições do assistente social nessa área, por determinação do magis- trado, num trabalho subordinado ao juiz, tem sido a de subsidiar a decisão judicial, embora desempenhe, também, funções de aconselhamento e acompanhamento dos casos. No cotidiano das relações sócio-profis- sionais entre juiz e técnico, a preponde- rância da comunicação escrita, que ocorre sob a forma de laudos, retrata uma atua- ção conjunta no processo decisório. Vale considerar que, a partir do momento em que o laudo é apensado (anexado) ao pro- cesso, passa a fazer parte do sistema de comunicação do fórum como um todo, tra- mitando em diversos setores e por vários profissionais. Nessa trajetória, é importante assina- lar o caráter avaliativo desenvolvido em um Tribunal de Justiça (TJ), uma vez que envolve a ação do assistente social, que investiga e julga para avaliar um caso, com o objetivo de subsidiar a decisão judicial. Esse encaminhamento requer do assis- tente social, atenção redobrada para não se deixar enredar pelas teias do cotidia- no, em especial num TJ, onde são avalia- das ações, comportamentos, modos de interagir na família e na sociedade, num processo de investigação e de julgamen- to. Logo, é preciso que o Assistente So- cial tenha presente os princípios e valores que orientam a ética profissional nas suas ações. Portanto, ter clareza sobre as ques- tões que envolvem a instrumentalidade é de suma importância para o desempenho de seu papel no âmbito sócio-jurídico. O assistente social utiliza-se dos ins- trumentos de sua profissão para analisar um caso, sob a ótica de sua competência. Não pode usá-los como um fim, mas tam- bém deles não pode prescindir, para que sua ação cotidiana não se transfigure na prática pela prática, burocratizando-se e perdendo-se no senso comum, princi- palmente, na cotidianidade das relações sociopolíticas forenses notadamente hie- rárquicas e nas quais a burocracia é parte integrante de sua rotina. Em acréscimo, a demanda é enorme, tornando o trabalho massificante (SANTOS, 2008). Em meio à rotina estressante de um fó- rum, o Assistente social tem que intervir, avaliar e elaborar um laudo. Geralmen- te, são feitas entrevistas e visitas para a emissão do parecer social. Por vezes, a visita domiciliar adquire o caráter de um relatório avaliativo e, também, precisa ser registrada. Como num TJ, todo o trabalho é direta- mente subordinado ao juiz, faz-se neces- sário o seu registro, já que vai ser lido e interpretado por diversos profissionais. Nesse cotidiano profissional, o contradi- 6 7 tório que caracteriza as relações sociais aparece ao vivo e em cores, reproduzin- do o processo das relações existentes na totalidade social, na particularidade do fórum e na singularidade das relações só- cio-profissionais que ali se efetuam. Ao desprender-se da base histórica em que a profissão surge, o Serviço Social pode qualificar-se para novas competên- cias, buscar novas legitimidades, tudo além da mera requisição instrumental- -operativa do mercado de trabalho. Este enriquecimento da instrumentalidade do exercício profissional resulta num pro- fissional que, sem prejuízo da sua instru- mentalidade no atendimento das deman- das, pode antecipá-las (...) reconhecendo a dimensão política da profissão (...) invis- ta na construção de alternativas (...) à su- peração da ordem social do capital (GUER- RA, 2000, p. 62). Não adianta escondermos, e vale res- saltar que a maioria dos usuários do Servi- ço Social pertence aos estratos mais pau- perizados da população. No atendimento, embora o assistente social esteja ali para ouvi-lo, acolhê-lo e mais precisamente, para avaliá-lo, expõe sua vida. Além de intervir no caso sob a ótica profissional, intervém junto ao juiz, por meio de sua avaliação, que, mesmo isenta de precon- ceitos ou de envolvimento pessoais, traz implícitos os seus juízos de valor, as suas visões de mundo e ideologias (SANTOS, 2008). Na visão de Iamamoto (2004), apesar do trabalho do assistente social na esfera sócio-jurídica ter adquirido pouca visibili- dade na literatura especializada e no de- bate profissional das últimas décadas, a atuação nessa área dispõe de larga tradi- ção e representatividade no universo pro- fissional, acompanhando o processo de institucionalização da profissão no Brasil. O Poder Judiciário pode ser definido como uma instituição que tem como com- petência, na divisão clássica dos poderes, a aplicação das leis e a distribuição da jus- tiça, o que implica o ato de julgar – para o qual deve o Poder Judiciário ser autônomo e independente frente aos Poderes Exe- cutivo e Legislativo (FÁVERO, 1999, p. 19). Constituiu-se historicamente num es- paço de relevante transcendência para a inserção ocupacional dos assistentes so- ciais, visto que desde as origens da profis- sionalização do Serviço Social, tem exis- tido uma forte e notória participação de seus agentes neste âmbito, que tem se constituído, com o passar do tempo, em uma área dominante de intervenção pro- fissional (MARTINS, 2008). Da mesma forma que nos contextos norte-americano e europeu, o surgimen- to da profissão no Brasil desenvolveu-se em um cenário de avanço do processo in- dustrial e de constituição de uma classe operária organizada, a qual vivia as con- sequências de uma sociedade capitalista excludente, fazendo com que o Estado brasileiro passasse a mobilizar a categoria profissional recém surgida de assistentes sociais “para auxiliar no enfrentamento do conjunto de manifestações decorren- tes do sistema capitalista” (KOSMANN, 2006, p. 53). A regulação exercida pelo Estado sobre a sociedade através da legislação social e trabalhista e das políticas sociais tornou possível o trabalho do profissional de Ser- viço Social, gerindo o confronto de forças 8 9 e intervindo nas diferentes expressões da questão social. Portanto, as diversas con- figurações da questão social, manifestas em face da não obtenção de acesso aos di- reitos e garantias, passaram a agravar-se e serviram de espaço institucional para a inserção do assistente social também no espaço judiciário. Como destaca Fávero (1999, p. 58), o Judiciário, como parte do Estado, é aciona- do para agir frente a contradições ou des- vios. Como instância normatizadora no dia a dia de indivíduos, grupos e classes so- ciais buscam, pela lei, enquadrar determi- nadas situações, visando à manutenção ou restabelecimento da ordem, aplicando seu poder de forma coercitiva ou repressi- va, direcionando-o para o disciplinamento e normatização de condutas. Neste sen- tido, os traços que marcaram a profissão emergente no Brasil são de um profissio- nal técnico e intelectual, que, contudo, é um reprodutor da ideologia capitalista, pois suas ações objetivavamo disciplina- mento e o controle. A inserção do assistente social no âm- bito da Justiça brasileira remonta aos anos de 1930, onde os profissionais atuavam como comissários de vigilância no Juiza- do de Menores do Estado de São Paulo. A Constituição de 1937, em seu artigo 127, previa como dever do Estado prover as condições para a preservação física e moral da infância e juventude, podendo pais em situação de miserabilidade pedir auxílio ao governo para a subsistência da prole. De acordo com Pocay e Colman (2006), naquele mesmo momento histórico, em 1936, surgia a primeira Escola de Serviço Social em São Paulo e, nos anos seguin- tes, tem início as primeiras aproximações entre os profissionais e o Juizado de Me- nores através do Comissariado de Meno- res que integrava a Diretoria de Vigilância do Serviço Social de Menores (órgão esta- dual que centralizava o “atendimento ao menor”). Segundo Fávero (1999, p.37), os casos dos menores abandonados e infratores chegavam ao conhecimento do juiz atra- vés dos comissários de vigilância que pas- sou a ser integrado por assistentes sociais ou estagiários de serviço social, que viam na área de menores um campo privilegia- do para a intervenção e adentraram neste espaço do Juizado, inicialmente, através do serviço voluntário. A introdução de assistentes sociais no exercício dessa função buscava atenuar o seu caráter eminentemente policial, dan- do-lhe uma conotação técnico-profissio- nal e protetiva. Porém, o Juízo de Menores da Capital não partilhava dessa opinião, dando preferência à constituição de um corpo de comissários de sua confiança e sob sua subordinação (COLMAN, 2004 apud FUZIWARA, 2006, p. 13). Nesta época estava em vigência o pri- meiro Código de Menores (Lei n° 17.943-A, de 12/10/1927) que previa o auxílio dos comissários de vigilância, os quais tinham, dentre suas atribuições, a responsabilida- de de “proceder a todas as investigações relativas aos menores, seus pais, tutores ou encarregados de sua guarda, e cumprir as instruções que lhes forem dadas pelo juiz” (art. 152). O inquérito desenvolveu-se como prin- cipal instrumento de auxílio ao magistra- do nas questões relativas à menoridade, 8 9 “enquanto possibilitador da coleta de in- formações com vistas ao restabelecimen- to da verdade dos fatos, ou construção de provas a respeito da ação em litígio ou em exame, numa direção coercitiva e discipli- nadora da ordem social” (FÁVERO, 2006, p. 19). O serviço social, enquanto participante das práticas judiciárias, utiliza-se do in- quérito e do exame para, no atendimento que realiza, pesquisar “a verdade”. O as- sistente social é solicitado pelo Judiciário como sendo elemento neutro perante a ação judicial para trazer subsídios, co- nhecimentos que sirvam de provas, de ra- zões para determinados atos ou decisões a serem tomadas. Através de técnicas de entrevistas, visitas domiciliares, observa- ções, registros, realiza o exame da pobre- za e dá o seu parecer sobre a situação in- vestigada e a medida mais adequada a ser aplicada, no caso do Juizado de Menores, ao menor ou à família. (FÁVERO, 1999, p. 64). Em suma, da performance dos Assis- tentes sociais, por meio dos estudos so- ciais por eles realizados, estes auxiliavam os juízes quanto à medida da internação, evitando que os jovens permanecessem em celas e presídios comuns, além do que agilizavam os atendimentos, propiciando condições ao Juízo para que tomasse pro- vidências que iam do encaminhamento à família, à internação, e à liberdade vigia- da, além de outros procedimentos atinen- tes aos casos. Assim, segundo Pocay e Colman (2006), os profissionais foram consolidando sua participação no Judiciário, uma vez que concretizavam as propostas formuladas nas Semanas de Estudos do Problema de Menores, quais sejam: auxiliar a Justiça de Menores nas ações pré-judiciárias (pre- venção); judiciárias propriamente ditas e pós-judiciárias (acompanhamento dos ca- sos). Com a promulgação do segundo Código de Menores (Lei n° 6.697, de 10/10/1979), que dispunha sobre assistência, proteção e vigilância a menores (art. 1°), contendo orientação para a realização de estudos de caso, enquanto subsídio técnico ao juiz, o profissional de Serviço Social pas- sou a ser integrado em maior número no interior do Judiciário, na medida em que, para a aplicação dessa lei, seriam leva- dos em conta, dentre outros elementos, o contexto socioeconômico e cultural, em que se encontrem o menor e seus pais ou responsável, bem como o estudo de cada caso deveria ser realizado por equipe de que participe pessoal técnico, sempre que possível (art. 4°) (FÁVERO, 2006, p. 21). Dentre as competências do assistente social destacava-se a realização do es- tudo social, “valendo-se das técnicas de entrevistas, da visita domiciliar, da obser- vação, da análise da documentação, de in- formações e entendimentos com colate- rais ou entidades de bem-estar social da comunidade” (ADDUCCI, 1982 apud FÁVE- RO, 1999, p. 26). O Estatuto da Criança e do Adolescen- te ampliou as fronteiras do campo profis- sional, impulsionando o reconhecimento institucional do papel do assistente social judiciário, não apenas como responsável pela elaboração do estudo social, mas também com aspectos de intervenção junto à família e à sociedade local (con- selhos tutelares, instituições, entre ou- tros) através de mediações, conciliações, 10 1110 orientações e encaminhamentos (DAL PI- ZZOL, 2001). Gradativamente, os trabalhos dos as- sistentes sociais foram ampliando-se e estes profissionais foram sendo chama- dos a atuarem em processos sobre ques- tões familiares diversas, não envolvendo somente crianças e adolescentes, esten- dendo seu campo profissional para além da jurisdição das Varas de Infância e Ju- ventude, como será analisado na próxima unidade. 10 1111 UNIDADE 3 - A atuação nas varas de famí- lia, infância e juventude Historicamente, a família sempre este- ve inserida na área de atuação do Serviço Social, porém, na maioria dos serviços, ela vem sendo contemplada de maneira fragmentada, ou seja, cada integrante da unidade familiar é visto de forma indivi- dualizada, descontextualizada e portador de um problema. Em vista disso, um dos desafios da profissão é a busca de meto- dologias para trabalhar a família como um grupo com necessidades próprias e únicas (JESUS, ROSA, PRAZERES, 2004). Antes da vigência do Estatuto da Crian- ça e Adolescente (ECA), ocorriam alguns procedimentos denominados “sindicân- cias” e realizavam-se avaliações intitula- das como sociais. Estas possuíam aspec- to de questionário e não fazia qualquer aprofundamento ou análise das questões levantadas. Eram efetivadas por leigos, oficiais de justiça e voluntários, denomi- nados “comissários de menores”, os quais não dotavam de qualificação técnica, para o desenvolvimento de tal função. Atualmente, a justiça da Infância e da Juventude apresenta uma avaliação mais adequada dos atores envolvidos com o processo e abarca todos os segmentos que atuam diretamente ao melhor alcan- ce aos superiores interesses da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na seção III – Dos Serviços Auxilia- res (arts. 150 e 151), destaca a importân- cia destes serviços, composto por equipe interprofissional, cujo objetivo primordial é assessorar a justiça da Infância e da Ju- ventude. No Poder Judiciário, o grande propulsor demandatário da atuação profissional, emana da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o (ECA), que é o referencial para o serviço social judicial. 3.1 A atuação do Assistente Social nos casos de adoção No contexto da adoção, os profissionais de serviço social atuam como auxiliares,cuja função suprema está em assessorar os juízes de direito, subsidiando-o na ótica relativa aos fenômenos econômicos e so- cioculturais que envolvem as relações do sujeito participante de litígio na socieda- de e na família. Atua com base na observância dos princípios fundamentais resguardados pela Lei nº 8.662/93 que regulamenta a profissão do disposto no Código de Ética do Assistente Social (Resolução CFESS nº 273/93); e nos princípios resguardados no Estatuto da Criança e do Adolescente. É por meio de relatório e laudos sociais que se compõem os autos. O Conselho Federal de Serviço Social (2004, p. 44-45) esclarece que o relatório social, como documento específico elabo- rado por assistente social (...) se dá com a finalidade de informar, esclarecer, subsi- diar, documentar um auto processual re- lacionando alguma medida protetiva ou sócio-educativa, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. O principal objetivo dos serviços au- xiliares referidos no (ECA; art. 150) é o assessorar, mediante o fornecimento de subsídios por escrito, através de laudos 12 13 ou parecer social, bem como desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação e encaminhamento. Instrumentos neces- sários para o destino final do processo. Vale ressalta, também, a relevância do Estudo Social e da Perícia Social no âm- bito do judiciário. Por ser o primeiro um processo metodológico específico do ser- viço social, especificamente nos aspectos socioeconômicos e culturais que pode ser utilizado nas diversificadas áreas da in- tervenção do Serviço social como instru- mento fundamental na atuação do profis- sional no sistema judiciário. Por meio de uma fundamentação rigo- rosa, teórica, ética e técnica, pautada no projeto da profissão, fazem-se necessária a utilização do instrumento supra para a garantia e ampliação de direitos dos sujei- tos usuários dos serviços e do sistema de justiça. Enquanto que a Perícia Social no con- texto desse sistema, refere-se a uma avaliação, exame ou vistoria, que depen- dendo da solicitação e/ou determinação exige um parecer técnico ou científico de uma demarcada área do conhecimento e contribua com a convicção do juiz para a tomada de decisão. Quando solicitado a um profissional de Serviço Social, o ins- trumento é denominado de perícia social. Por se tratar de estudo e parecer cuja fi- nalidade é subsidiar uma decisão judicial, realizada por meio do estudo social, impli- ca na elaboração de um laudo e emissão de um parecer. O artigo 167 do Estatuto da Criança e do Adolescente explica que a autoridade judiciária, de ofício ou o requerimento das partes ou do Ministério Público, determi- nará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofis- sional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência. Quanto aos recursos técnico-operati- vos, de forma geral, além da observação direta, o profissional de serviço social re- aliza também entrevista individual e/ou coletivas; visitas domiciliares e institucio- nais, técnicas de apoio e reflexão conjun- ta, dentre outros, nos quais, os usuários que são protagonistas das ações em pau- ta estão inseridos. Nesse sentido, o Poder Judiciário como propulsor do processo de mudanças posi- tivas da sociedade e na garantia de direi- tos às crianças e adolescentes envolvidos no instituto da adoção, determina alguns procedimentos que compreende a impor- tância do fazer profissional do assistente social nesse processo. Junto às Varas da Infância e Juventude, a atuação do assistente social se dá com o objetivo de contextualizar e proceder à análise das condições vivenciadas por crianças e adolescentes em situação es- pecial, com vistas a reintegrá-los, dentro do possível, ao contexto da cidadania. A prática profissional do Assistente So- cial judicial pode também ser baseada no Estudo de Caso e pressupõe a elaboração de Estudo Social, que envolve os procedi- mentos técnicos abaixo relacionados. Sobre a análise dos autos para o conhe- cimento dos fatos inerentes à problemá- tica estudada/trabalhada e a determina- ção judicial, pode-se estabelecer visitas domiciliares orientadas pelo problema em pauta e pelas hipóteses de trabalho, mo- mento em que as pessoas são observadas 12 13 em seus contextos familiares, quando o profissional privilegia a análise de com- portamento, interações do local e de suas circunstâncias, além de observar as con- dições de moradia e de acolhimento, es- trutura e funcionamento doméstico. Entrevistas com as partes processuais e, quando se faz necessário, com colate- rais, são aplicadas com a finalidade de se inteirar da verdade de cada um dos envol- vidos e esclarecer outras questões per- tinentes ao Serviço Social. Atendimento em grupo dos envolvidos, quando o caso demandar visitas institucionais, também são orientadas pelo problema em pauta e pelas hipóteses de trabalho, cujo obje- tivo se condiciona ao objeto e à função da frente de atuação na qual o profissio- nal está inserido, é mais um instrumento operativo. A elaboração de relatório é a etapa fi- nal do trabalho, onde o técnico, de acor- do com o objetivo do estudo, expõe suas conclusões sobre a problemática analisa- da, emitindo um parecer sob o prisma so- cial, visando sempre ao melhor interesse das crianças e adolescentes nela envolvi- dos e assegurando os direitos de adultos também envolvidos em ações de várias naturezas. Desse modo, o profissional de servi- ço social transcende a mera constatação acerca do contexto familiar dos envolvi- dos no processo de adoção. Ele considera as contradições do campo jurídico e a re- gulação da vida social dos sujeitos e pela lei, o espaço de trabalho do profissional de serviço social, em esfera geral e, no contexto da adoção, torna-se gratifican- te, tendo em vista que o ideário pessoal, aliado à formação acadêmica, os direciona a perseguir a justiça e a verdade, que são construídas pelos acontecimentos. Dentro desses parâmetros, é pertinen- te considerar que o papel do assistente social no âmbito judiciário, especialmente no contexto da adoção, ocupa um espaço peculiar e significativo, haja vista ser esse profissional na sua ação propositiva, um agente multiplicador de ideias. No sistema judiciário, além de ser um dos responsáveis pela desmistificação dos reais pilares da adoção e do desen- cadeamento do processo em questão, oriundo da questão social, realiza também a execução e implementação de projetos pertinentes ao atendimento das deman- das, com vistas à garantia de direito e qua- lidade de vida, tanto do adotando quanto do adotante. O Serviço Social na dinâmica da adoção, não está unicamente restrito aos inte- resses superiores da criança e do adoles- cente. É um gesto sublime que alcança as partes envolvidas nos aspectos centrais dos sujeitos, inclusive na sua subjetivi- dade. Para muitos significa realização de sonhos, mas para outros pode ser a for- mação ou continuação de um crescimento familiar. Diante disso, enquanto operadores do sistema jurisdicional que compõe a rede de proteção à criança e ao adolescente, o papel do assistente social é subsidiar as decisões judiciais no tocante à adoção (SOUSA, 2008). 3.2 A atuação no caso de Mi- nas Gerais Segundo Bertelli (2003 apud FERNAN- DES, 2003), o Estatuto da Criança e do 14 15 Adolescente (ECA) não faz menção nomi- nal ao profissional de Serviço Social, mas exerceu grande influência para que se ampliasse o quadro de Assistentes Sociais no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, através de concurso público, em 1993. À equipe interdisciplinar compete, “[...] fornecer subsídios por escrito, median- telaudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminha- mento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judi- ciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico” (art. 151 do ECA). Os(as) Assistentes Sociais no Judiciário mineiro atuavam antes da vigência do ECA nos Juizados de Menores e em algumas Va- ras de Família. Atualmente estão atuando nos Juizados da Infância e Juventude, nas Varas de Família, nas Varas de Execução Criminal e nos Juizados Especiais (JAR- DIM, 2003). Suas atribuições estão des- critas no Plano de Carreiras (Resolução nº 367/2001) do Tribunal de Justiça de 1ª Ins- tância do Estado Minas Gerais, sendo elas: Assessorar o magistrado no aten- dimento às partes, quando solicita- do, nas questões relativas aos fenô- menos socioculturais, econômicos e familiares; realizar estudos sobre os elementos componentes da dinâmi- ca familiar, as relações interpessoais e intragrupais e as condições eco- nômicas das partes para possibilitar a compreensão dos processos inte- rativos detectados nos ambientes em que vivem; planejar, executar e avaliar projetos que possam con- tribuir para a operacionalização de atividades inerentes às atividades do Serviço Social; contribuir para a criação de mecanismos que venham a agilizar e melhorar a prestação do Serviço Social; conhecer e relacionar a rede de recursos sociais existentes para orientar indivíduos e grupos a identificar e a fazer uso dos mesmos no atendimento de seus interesses e objetivos; acompanhar, orientar e encaminhar indivíduos e/ou famílias, quando necessário, por determina- ção da autoridade judicial; realizar visitas domiciliares e/ou institucio- nais; realizar estudos sociais e apre- sentar laudo técnico, nos casos a ele submetidos; assessorar autoridades judiciais na realização de exame cri- minológico previsto na Lei de Execu- ção Penal; executar atividades afins identificadas pelo superior imediato. Atuam ainda baseados nos princípios fundamentais resguardados pela lei que Regulamenta a Profissão (lei nº 8662/93); pelo disposto no Código de Ética do Assis- tente Social (Resolução CFESS nº 273/93); pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/90); pelo Estatuto do Idoso (lei nº 10.741/03); pela lei de Execução Pe- nal (lei nº 7.210/84) e pelo disposto no Có- digo de Processo Civil sobre os Auxiliares da Justiça (lei nº 5.869/73). 14 14 1515 UNIDADE 4 - Estudo, perícia social e afins 4.1 Conceitos básicos para o entendimento da atuação do Assistente Social no con- texto sócio-jurídico O Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, segundo a Consti- tuição da República Federativa do Brasil (CF) de 1988, formam os três poderes da União, e todos devem manter autonomia e independência. Em seu artigo 5°, XXXV, a CF estabele- ce que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direi- to”; e segundo o Código de Processo Civil (CPC) o juiz é a autoridade que representa o Poder Judiciário, encarregado de prestar a jurisdição (dizer o direito), independen- te da instância em que atua. Para auxiliar o juiz em seu trabalho, elenca o Código de Processo Civil, em seu artigo 139, uma sé- rie de profissionais designados auxiliares da justiça, entre eles o escrivão, o oficial de justiça e o perito. O Fórum representa a estrutura de pri- meiro grau do Poder Judiciário, sendo uma instituição de caráter público, subordi- nado ao Tribunal de Justiça que é o órgão máximo do Poder Judiciário no Estado. Tem como responsabilidade a administra- ção da justiça onde está localizado, com o julgamento das ações, como previsto em lei, zelando pelo seu fiel cumprimento. Tem como missão humanizar a Justiça, as- segurando que todos lhe tenham acesso, garantindo a efetivação dos direitos e da cidadania, com eficiência na prestação ju- risdicional. Para o julgamento dos litígios, o juiz aprecia provas, ora apresentadas pelas partes, ora requeridas por elas ou pelo representante do Ministério Público. Quando considera necessário o magistra- do pode ordenar a produção de provas, e dentre as possíveis de serem produzidas estão a prova documental (art. 364 e se- guintes do CPC), a prova testemunhal (art. 400 e seguintes do CPC) e a prova pericial (art. 420 e seguintes do CPC). A prova pericial é definida por Robles (2004, p. 55 apud MARTINS, 2008) como “a opinião fundamentada de uma pessoa especializada ou informada em ramos de conhecimento que o juiz não está obriga- do a dominar. A pessoa dotada de tais co- nhecimentos é o perito, e sua opinião fun- damentada, o laudo.” Este tipo de prova deve ser elaborada por profissional espe- cialista em alguma área do conhecimento humano, cujo objetivo é o assessoramen- to do juiz no esclarecimento da questão em litígio. Entre os profissionais do conhecimen- to científico, está o assistente social, cuja profissão, devidamente reconhecida e re- gulamentada, há muito vem contribuindo com a Justiça, desenvolvendo uma série de trabalhos, entre eles o de perícia social judiciária (PIZZOL, 2005, p. 23). O perito é o auxiliar do juiz que, dota- do de conhecimentos especializados que o juiz não está obrigado a ter, é chamado por este em um processo para dar sua opi- nião fundamentada, quando a apreciação dos feitos controvertidos requer conheci- mentos especializados em alguma ciência 16 17 (ROBLES, 2004 apud MARTINS, 2008). A perícia pode ser traduzida como vis- toria de caráter técnico e especializado, cujo objetivo é elucidar situações, fazer averiguações, esclarecendo sobre diver- sas circunstâncias e tendo como fim a constituição de um documento capaz de embasar decisões. No âmbito do judiciário, a perícia diz respeito a uma avaliação, exame ou vis- toria, “solicitada ou determinada sempre que a situação exigir um parecer técnico ou científico de uma determinada área do conhecimento, que contribua para o juiz formar a sua convicção para a tomada de decisão” (FÁVERO, 2006, p. 43). O laudo, por sua vez, “registra por es- crito, e de maneira fundamentada, os es- tudos e conclusões da perícia” (FÁVERO, 2006, p. 29). Nesta direção têm-se o conceito de pe- rícia judicial que é a atividade técnica e processual que se materializa no processo através de laudo ou de qualquer outra for- ma legalmente prevista, na condição de instrumento. Perícia judicial é atividade, é trabalho técnico desenvolvido em proces- so judicial dentro das normas aplicáveis (ROSA, 1999 apud PIZZOL, 2005, p. 30). O assistente social no âmbito do Poder Judiciário não pode perder de vista que a tarefa pericial, “enquadrada em um dos poderes do Estado, requer uma inserção crítica e comprometida, que supere a prá- tica instrumental e possibilite o desenvol- vimento de uma prática reflexiva e trans- formadora” (ROBLES, 2004, p. 21 apud MARTINS, 2008). A Lei nº 8662/93 elucida que dentre as competências do assistente social está a de “realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da adminis- tração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades”, e dentre as atribuições privativas “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, infor- mações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social”. De acordo com Pizzol (2005), o tema perícia social vem sendo estudado gra- dativamente por assistentes sociais que se deparam com determinações da auto- ridade judicial, a fim de emitirem parecer sobre uma questão de cunho social. O es- tudo social tem sido, no decorrer da ativi- dade profissional, o documento pelo qual o assistente social manifesta seu trabalho técnico e científico,frente a uma realida- de específica. O estudo social é um processo meto- dológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profun- didade, e de forma crítica, uma determi- nada situação ou expressão da questão social, objeto de intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos socio- econômicos e culturais (FÁVERO, 2006, p. 42). Segundo Mioto (2001), o estudo social no âmbito do Serviço Social é um instru- mento vastamente utilizado nas diferen- tes áreas e modalidades de intervenção, cuja finalidade é a orientação do processo de trabalho do próprio assistente social, sendo empregado para conhecer e ana- lisar a situação, vivida por determinados sujeitos ou grupo de sujeitos sociais, so- bre o qual o assistente social foi chama- do a opinar. Ele consiste numa utilização articulada de vários outros instrumentos 16 17 – entrevistas individuais ou conjuntas, observação, visita domiciliar e análise de documentos – que permitem ao assisten- te social a abordagem dos sujeitos envol- vidos na situação. O assistente social utiliza o estudo so- cial para orientar o seu trabalho, tanto na fase de planejamento de certas interven- ções, como para demonstrar a situação sobre a realidade investigada. Mioto (2001, p. 157) esclarece que a distinção estabelecida baseia-se na ob- servação que a realização de uma perícia social implica na realização do estudo so- cial, porém o estudo social não é em prin- cípio uma perícia. Isto porque a perícia tem uma finalidade precípua, que é a emissão de um parecer para subsidiar a decisão de outrem (muito frequentemente o juiz) so- bre uma determinada situação. Neste sentido “(...) a perícia social, en- quanto expressão judicial do estudo so- cial, visa esclarecer situações considera- das problemáticas e/ou conflituosas no plano dos litígios legais” (ARAÚJO, KRÜGER e BRUNO, 1994, p. 21). Quando realizada uma perícia, o laudo deverá ser o instru- mento de manifestação, evidenciando-se “que a utilização do referido termo para expressar um serviço há de deixar suben- tendido ser este o instrumento adequado para demonstração de um trabalho peri- cial” (PIZZOL, 2005, p. 36). É de se notar que o Código de Processo Civil não menciona o termo estudo social. O artigo 145 do Código de Processo Civil é genérico e assim estabelece: “Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assisti- do por perito, segundo o disposto no art. 421.” Em regra, são processos em que o juiz necessita respaldar-se em provas convin- centes, a fim de proferir sua decisão de maneira mais acertada; por vezes, com o objetivo de certificar-se sobre as provas já produzidas pela partes; em outras cir- cunstâncias, para verificar in loco ques- tões de que deva saber. Quando não, como é o caso da maioria das vezes, para que o especialista em serviço social verifique, observe e emita sugestão técnica para melhor solução da situação sócio-jurídica apresentada (PIZZOL, 2005, p. 48). No entanto, há de se considerar que ao realizar um estudo social, o assistente so- cial não se utiliza das regras que norteiam a perícia judicial, e por isso não está res- trito às questões do impedimento e da suspeição, de compreender a figura do assistente técnico, de responder quesi- tos ou de ser penalizado por agir com dolo ou culpa em desfavor de uma das partes (MARTINS, 2008). Dell’Aglio (2004 apud MARTINS, 2008) faz uma reflexão para chamar a atenção a respeito de alguns que opinam que o perito “é o olho do juiz”, ressaltando que isso tem um forte estigma jurídico e legal, posto que o controle, a vigilância e o dis- ciplinamento têm um destaque justifica- tivo nesta frase, suscitando conotações que se relacionam com a investidura do magistrado e com tudo que sua figura re- presenta, [...] o perito social não é o olho do juiz, porque tem seu próprio olho, que é o que o permite ver o social, desde o cotidiano e seu acontecer histórico, social e político. Tudo isso se refletirá no parecer ao juiz, que deixará de ser um mero relato descritivo e assumi- 18 19 rá sua função: dar elementos ao juiz e colaborar com que se faça justiça (DELL’AGLIO, 2004, p. 24 apud MAR- TINS, 2008, p. 24). Para a realização de uma perícia social, o assistente social utilizar-se-á de todo o instrumental técnico-operativo utilizado para a elaboração de um estudo social, pois ambos fazem parte de uma metodo- logia de trabalho de domínio específico do profissional de Serviço Social. Os instrumentais a serem utilizados fi- carão a critério do assistente social, haja vista sua autonomia técnica garantida legalmente e devem atender o fim dese- jado, consubstanciados por preceitos de natureza ética e legal que norteiam o fa- zer profissional. A metodologia utilizada para a realização do estudo social ou de perícia social consiste tanto na aplicação de instrumentos de coletas de dados e no uso de técnicas de apoio, compreensão e orientação, os quais compõem a metodo- logia específica do Serviço Social, quanto na adoção de conceitos e pressupostos teóricos das áreas sociais e do comporta- mento. Araújo, Bruno e Kruger (1994, p. 22) ressaltam que durante a fase de coleta de dados, o assistente social utiliza-se também de técnicas de atendimento do Serviço Social que possam possibilitar aos litigantes o desenvolvimento de maior consciência sobre sua situação de conflito e, a partir dessa clarificação, autocapaci- tarem-se para resolvê-la. Os principais instrumentais técnico- -operativos utilizados no Judiciário são a entrevista, a visita domiciliar, a análise de documentos e a observação. Em Serviço Social, é por meio da en- trevista que se estabelecerá um vínculo entre duas ou mais pessoas. Os objetivos a serem buscados por quem a aplica e os fundamentos da profissão é que definem e diferenciam seu uso. A coleta de informações, por meio de técnicas de entrevista, além de conhe- cimento e compreensão das situações, possibilita a construção de alternativas de intervenções, devendo, para tal, par- tir do manifesto pelos sujeitos e/ou situ- ação que provocou a ação, em direção à construção sócio-histórico-cultural, da- quilo que se busca apreender. O diálogo é o elemento fundamental da entrevista, exigindo dos profissionais a qualificação necessária para desenvolvê-lo com base em princípios éticos, teóricos e metodo- lógicos, na direção da garantia de direitos (FÁVERO, MELÃO, JORGE, 2005, p. 121). O Serviço Social é uma das profissões que tem no relacionamento interpesso- al o seu maior instrumento de interven- ção (SILVA, 2001, p. 24). Devido a isso, o assistente social deve compreender a entrevista “em termos de intervenção profissional com um cidadão sujeito de direitos que expressa de forma individual um problema social ou uma consequência do mesmo” (DELL’AGLIO, 2004, p. 70 apud MARTINS, 2008). Toda entrevista tem uma finalidade, uma intenção e uma direção, “de tal ma- neira que, se não se colocam em comum os interesses e objetivos, não será fácil trabalhar em uma relação que implique diálogo, confiança e busca de soluções” (DELL’AGLIO, 2004, p. 73 apud MARTINS, 2008). Para que haja uma aproximação com o sujeito que permita uma comuni- 18 19 cação mais fluente, baseada em laços de confiança e respeito mútuo, “é necessá- rio reforçar a ideia de pessoa sujeito de direitos, porque cada área onde inter- vém o assistente social refere-se a um direito social enraizado na constituição” (DELL’AGLIO, 2004, p. 38 apud MARTINS, 2008). Segundo Silva (2001 apud MARTINS, 2008), conforme se der a acolhida pelo entrevistador, ambos conseguirão ou não atingir seus objetivos: o usuário, de rece- ber a informação correta e os encaminha- mentosnecessários, ou subjetivamente, de receber a especial atenção sobre sua situação; o entrevistador, de ter conse- guido usar a entrevista como forma de ajudar efetivamente a pessoa. O usuário precisa sentir que pode com- partilhar com o profissional suas dúvidas, incertezas, questionamentos e que está diante de alguém que, naquele momento, só se ocupa dele e se empenha na com- preensão de suas dificuldades; “alguém disposto a ajudá-lo na reflexão necessária para o encaminhamento prático daquilo que deseja resolver” (SILVA, 2001, p. 27 apud MARTINS, 2008). Na construção do estudo social, o pro- fissional não pode perder de vista a di- mensão social do usuário, considerando-o como indivíduo social dentro de uma rea- lidade social que condicionou a sua histó- ria. As particularidades sociais, econômi- cas e culturais devem ser trazidas à tona, sem deixar de, obviamente, construir in- terpretações e estabelecer relações com as questões estruturais, nacionais e mun- diais que interferem e determinam o dia- -a-dia dos sujeitos. Portanto, o estudo so- cial envolve uma dimensão de totalidade que deve ser expressa nos registros que o expõem ao conhecimento do outro [...] (FÁVERO, 2006, p. 37). Relembrando, a visita domiciliar obje- tiva esclarecer condições socioeconômi- cas e familiares em que vivem os sujeitos, permitindo a leitura da realidade cotidia- na em seus aspectos sociais e culturais, olhando a família como sujeito político dentro de um contexto que a influencia econômica, social, política e culturalmen- te. Por meio do contato com as pessoas em seu ambiente familiar, o assistente social aproximar-se-á do cotidiano da fa- mília, tendo acesso à intimidade da mes- ma, observando as interações familiares, a vizinhança, a rede social, a distribuição dos espaços, enfim, na visita domiciliar há a possibilidade de utilização de outros ins- trumentais em conjunto, como a própria entrevista e a observação, na tentativa do desvelamento do não dito e do real que se apresenta (KOSMANN, 2006, p. 89). Sarmento (1994, p. 44) aponta que a visita domiciliar deve ser compreendida como um instrumento que potencializa as possibilidades de conhecimento da reali- dade, na medida em que permite conhe- cer com o cliente as suas dificuldades, e, que tem como ponto de referência, a ga- rantia de direitos onde se exerce um pa- pel educativo, colocando o saber técnico à disposição da reflexão sobre a qualidade de vida. No entanto, o assistente social deve avaliar criteriosamente o uso e a aborda- gem da visita domiciliar como instrumen- tal de sua prática, pois a mesma requer sensibilidade aos anseios e reações da família. É importante que a família com- preenda que a equipe realmente quer co- 20 21 nhecê-la melhor, conhecer outros mem- bros da família e compreender a natureza e o ambiente da vida cotidiana. As famílias sentem-se frequentemente importantes por se reunirem em sua própria casa, mas são sensíveis à intrusão e à crítica ao seu estilo de vida. Nem é preciso dizer que o profissional deve entrar com respeito e que o propósito da visita deve ser o con- tato e a comunicação (SILVA, 2001, p. 32 apud MARTINS, 2008). Vale ressaltar que a visita domiciliar é um importante instrumento na perspecti- va de respeito ao usuário, para que no seu próprio espaço possa se expressar. As- sim, é antes a possibilidade de conhecer melhor este sujeito, seu percurso, suas conquistas, dificuldades e as respostas que elabora diante das suas vivências. É mais uma possibilidade de permitir voz e vez. Ainda que não se possam igualar os lugares que cada um ocupa nessa rela- ção criada por um conflito judicial, é uma estratégia para o profissional identificar outros elementos que fogem à artificia- lidade imposta pelas instituições. Fun- damentalmente, pode ser uma ação que permita empatia e alteridade. Por meio da visita é possível verificar as relações sócio familiares, muito mais a partir da lógica do pertencimento dos usuários em seus ter- ritórios e dos seus laços de sociabilidade. Para tanto, é preciso se despir de precon- ceitos e estar aberto a ouvir e ver a reali- dade (FUZIWARA, 2006, p. 55). Quanto à observação, Sarmento (1994, p. 23) afirma que a mesma deve ter como foco a realidade, no entanto, tendo como ângulo o da constatação técnica e neutra, para ser o mais completa e exata possível. Entretanto, o mesmo autor destaca que o profissional deve tomar cuidado para ser o mais objetivo possível, não se deixando levar pelas disposições do momento. A visita institucional também é um ins- trumento técnico-operativo largamente utilizado pelos assistentes sociais do Po- der Judiciário, constituindo-se numa das etapas da realização de um estudo social no meio institucional. Assim, o Assistente Social, por iniciativa própria ou por solici- tação da autoridade desloca-se até uma instituição para, através da observação, coleta de dados, entrevistas, análises de documentos, conhecer a realidade de atendimento e prestação de serviços a um dado segmento da população-alvo de uma política pública: idoso, criança, ado- lescente, pessoas em conflito com a lei, portadores de deficiência, desprovidos de renda, entre outros (GOMES E PEREIRA, 2005, p.03). Além dos registros realizados nas en- trevistas e visitas domiciliares, o assisten- te social pode utilizar-se de informações constantes no processo, as quais servirão como instrumentos de análise para for- mação da opinião profissional no parecer social. Como falado inicialmente, dentre as formas de registro passíveis de serem elaboradas pelo assistente social estão o relatório social, o laudo social e parecer social, as quais serão utilizadas de acordo com o objetivo almejado pelo profissional. O relatório social é um documento es- pecífico elaborado pelo assistente social, podendo ser utilizado em diversos espa- ços ocupacionais e visa descrever e inter- pretar uma determinada situação. Quando utilizado no Judiciário tem por objetivo [...] informar, esclarecer, subsidiar, documen- tar um auto processual (...) ou enquanto 20 21 parte de registros a serem utilizados para a elaboração de um laudo ou parecer (FÁ- VERO, 2006, p. 45). Conforme destacado por Fávero (2006, p. 45), o laudo social é utilizado como ele- mento de prova no processo, com a fina- lidade de dar suporte à decisão judicial, a partir de uma determinada área do conhe- cimento, no caso, o Serviço Social. Contri- bui para a formação de um juízo por parte do magistrado, para que ele tenha ele- mentos que possibilitem o exercício da fa- culdade de julgar e oferece elementos de base social para a tomada de decisão que envolve direitos fundamentais e sociais. Quanto aos objetivos do parecer social, Fávero (2006, p. 47) informa que trata-se de exposição de manifestação sucinta, enfocando-se objetivamente a questão ou situação social analisada, e os objeti- vos do trabalho solicitado e apresentado; a análise da situação, referenciada em fundamentos teóricos, éticos e técnicos, inerentes ao Serviço Social – portanto, com base em um estudo rigoroso e fun- damentado – uma finalização, de caráter conclusivo ou indicativo. Não há dúvidas que o Assistente Social precisa ter um olhar crítico e expansivo, ou seja, deve conhecer a conjuntura na qual se desenvolve o processo judicial e o papel de cada um dos atores intervenien- tes (a família, a criança ou adolescente, os advogados, outros peritos, o promotor de justiça, o ambiente social em que vive o sujeito, parte interessada do processo). 4.2 A utilização do estudo/ perícia social O estudo/perícia social apresenta-se como suporte para aplicação de medidas judiciais dispostas no ECA e na legislação civil referente à família. Para desenvolvereste trabalho, o assistente social estuda a situação, realiza uma avaliação, emite um parecer, por meio do qual pode apontar medidas sociais e legais que poderão ser tomadas. “Na realização deste estudo, o profissional pauta-se pelo que é expres- so verbalmente e pelo que não é falado, mas que se apresenta aos olhos como in- tegrante do contexto em foco” (FÁVERO, 2006, p. 27). Ele dialoga, observa, anali- sa e registra acontecimentos e situações que levaram a uma determinada situação vivida pelo sujeito objeto da ação judicial. Através do domínio dos meios a serem utilizados, o profissional constrói o es- tudo social, “ou seja, constrói um saber a respeito da população usuária dos servi- ços judiciários” (FÀVERO, 2006, p. 28). Um saber que pode se constituir numa ver- dade, pois é uma ação operacionalizada a partir de uma posição de poder a qual ocu- pa o assistente social. Por isso, relembrando as dimensões da instrumentalidade do Serviço Social, o profissional deve trabalhar norteado pelo projeto ético-político e teórico-metodoló- gico da profissão, tendo em vista que do- minar os meios implica no domínio de um poder. Poder dado pelo saber profissional que no caso de Judiciário, soma-se ao po- der inerente à natureza institucional, que é um poder de julgamento, de decisão a respeito da vida dos sujeitos. Pode-se in- dagar, então, qual é a real finalidade do estudo social nesse campo de interven- ção, e como planejar o trabalho, de manei- ra que a finalidade se articule ao domínio dos meios pra chegar até ela. Dessa forma, Martins (2008) analisa 22 23 que uma das primeiras perguntas fren- te à demanda do estudo social seria para quê? Para subsidiar a decisão judicial: E pergunta-se também quais as implicações na vida do sujeito essa decisão trará? Que responsabilidade tem o profissional do Serviço Social, nessa decisão? Levando em conta que o Judiciário bus- ca a “verdade” dos acontecimentos ou da situação para julgar com justiça, indaga- mos qual a sua participação na construção dessa verdade. Ele tem clareza de que a “verdade” é histórica, construída social- mente? (FÀVERO, 2006, p. 35) Dado que o assistente social é um dos poucos profissionais que têm acesso à vida cotidiana das pessoas, resulta desafiador envolver a tarefa pericial no contexto das novas questões sociais, que exigem res- postas diferentes às do século passado. Repensar o laudo social faz parte desse processo; revisar sua elaboração em ter- mos éticos significa romper com velhos modelos “que pelo uso costumeiro nos im- pedem de sair de uma alienação rotineira, onde então o laudo social se converte em um relato descritivo de feitos isolados da vida de uma pessoa” (DELL’AGLIO, 2004, p. 47 apud MARTINS, 2008). Este é um ins- trumento de poder com o qual o profis- sional pode decidir sobre o futuro e a vida das pessoas e das famílias. A intervenção dos assistentes sociais no espaço familiar pode ser vista por dois aspectos: por um lado constituiu-se na apropriação da privacidade dos sujei- tos que vivem situações de conflitos, em nome de um poder institucionalizado e, por outro, as questões e conflitos familia- res de ordem privada invadem o campo ju- rídico, isto é, os sujeitos deixam nas mãos dos profissionais do judiciário a resolução de problemas de ordem privada (SILVA, 2005, p. 57/58 apud MARTINS, 2008). Fávero (1999) ressalta que o servi- ço social tem na instituição judiciária sua prática perpassada cotidianamente por relações de poder. O seu saber transfor- mado em ações avaliativas e diagnósticas “está em relação intrínseca com o poder e, direciona seu parecer, influindo de forma determinante sobre a decisão a ser toma- da com relação à trajetória, ao destino da criança ou adolescente sujeito – ou objeto – da investigação” (FÁVERO, 1999, p. 11). Essa noção de poder advém da institu- cionalização do Serviço Social no Poder Ju- diciário, um Poder de Estado que, enquan- to responsável pela aplicação das leis e distribuição da justiça, tem sido visto, tradicionalmente, como se estivesse num patamar superior ou à parte dos demais poderes, o que via de regra, se reproduz em diversas instâncias de ações em seu interior (FÁVERO, 1999, p. 11). Inserido no espaço jurídico, o assisten- te social lida com questões que envolvem a vida de sujeitos, tendo como desafio fundamental a garantia de direitos em contraposição à violação de direitos. Nes- se sentido, a palavra do profissional pode ter papel fundamental, pois ele é deten- tor de um saber/poder e assume um lugar importante na vida dos sujeitos e na dinâ- mica das famílias (MARTINS, 2008). O Serviço Social, independentemente de sua natureza interventiva, foi-se adap- tando ao longo de sua história de inserção no Poder Judiciário, para dar respostas às necessidades da instituição. Os profissio- nais foram se tornando indispensáveis na seleção dos problemas que o Judiciário 22 23 pode solucionar, interpretando e anali- sando as situações trazidas pela popula- ção carente, decodificando-as para o Juiz e a instituição judiciária (COLMAN, 2004 apud POCAY; COLMAN, 2006). Através do trabalho desenvolvido in loco pelo assistente social, este terá a oportunidade de inteirar-se largamente sobre a situação investigada, “proceder encaminhamentos, promover entendi- mentos, articular conjuntamente com as pessoas envolvidas as soluções para seus problemas” (PIZZOL, 2005, p. 149). O profissional terá condições de perce- ber as demandas e causas geradoras de conflitos, podendo promover articulações com outras instituições, para que a situa- ção seja resolvida da forma mais adequa- da, pois o trabalho em rede com outras instituições, profissionais, vizinhos, ami- gos e familiares é de suma importância, já que contribuirá com conhecimentos e elementos que permitirão abordar de modo integral o trabalho com famílias, so- bretudo, para colaborar com a resolução do conflito (DELL’AGLIO, 2004, p. 66 apud MARTINS, 2008). Pizzol (2005, p. 150) destaca que nas questões de família e, principalmente, da infância e juventude, os profissionais que compõem o sistema de justiça infanto-ju- venil devem atuar de forma integrada e com recursos suficientes que venham a garantir a eficácia de uma sentença judi- cial, visando o efetivo exercício da cidada- nia. A efetivação de direitos se dá a partir de uma estreita articulação e integração com as instituições e serviços, os quais se constituem em rede de apoio frente às demandas postas no espaço sócio-o- cupacional para o profissional de Serviço Social. Vale lembrar que tais demandas não se configuram como demandas isoladas e tampouco desvinculadas dos processos sócio-históricos, estão sim, articuladas entre o universal, o particular e o singular, e relacionadas dialeticamente à dimensão macrossocietária, a qual, sob a égide do neoliberalismo, tece a realidade nos mol- des do desmonte dos direitos conquista- dos historicamente (MIOTO, 2001). O assistente social que atua no Poder Judiciário, para efetivar o projeto ético- -político da profissão, comprometido com o aprofundamento da democracia como socialização das riquezas socialmente produzidas e com a construção de uma nova ordem societária, necessita estar atento às múltiplas expressões da ques- tão social e suas diversas manifestações. Sua ação deve identificar não apenas as desigualdades, mas as possibilidades de enfrentamento. Conhecer a complexida- de da realidade é necessário para a inter- venção profissional que não culpabilize o usuário, mas o compreenda enquanto su- jeito social que sofre determinações que incidem sobre a sua existência material e subjetiva (FUZIWARA, 2006, p. 34). Enfim, é necessário que o profissional contextualize os conflitosnuma perspec- tiva macrossocietária, considerando as di- mensões políticas, econômicas, sociais e culturais dentro de um processo histórico, para que assim possa articular as condi- ções socioeconômicas e subjetivas viven- ciadas pelos sujeitos. O assistente social tem o desafio de via- bilizar o acesso aos direitos dos cidadãos 24 25 com os quais atua, portanto, se por um lado, atuam cientes de que muitas vezes realizam ações que afetam o emergencial, o imediato e o superficial, por outro, há uma série de mediações que se realizam nesse fazer profissional comprometido com a emancipação dos sujeitos (FUZIWA- RA, 2006, p. 82). A prática do assistente social deve con- siderar a construção histórica da realida- de e suas mediações, mas, sobretudo, ter um horizonte delineado pelo projeto éti- co-político profissional. A percepção de que a questão social permeia o cotidiano dos sujeitos atendidos, e tendo a ação profissional embasada nos fundamentos que dão direção ao projeto profissional, o assistente social poderá propor ações inovadoras que venham a contribuir para alterações na realidade social (MARTINS, 2008). A título de enriquecimento, temos nos quadros a seguir alguns referen- ciais teóricos para Estudo, Perícia, Parecer, Laudo e Relatório Social. Fonte: FREITAS (2005) 24 2525 A título de enriquecimento, temos nos quadros a seguir alguns referen- ciais teóricos para Estudo, Perícia, Parecer, Laudo e Relatório Social. Fonte: FREITAS (2005) 26 2726 UNIDADE 5 - Atuação junto ao idoso Observamos no cenário internacional e nacional, no decorrer dos últimos anos, um aumento significativo no número de idosos, modificando a pirâmide etária mundial e brasileira, com uma base larga de idosos e uma base afunilada de jovens. Mas ao que creditar tal inversão? Aos grandes avanços tecnológicos e científi- cos experimentados nas últimas décadas, além do crescente processo de urbaniza- ção e, nesse novo contexto, as causas de morte também mudaram. Antes repre- sentadas por doenças infectocontagio- sas, agora são apresentadas por doenças crônico-degenerativas. A composição etária de um país – o nú- mero proporcional de crianças, jovens, adultos e idosos – é um elemento impor- tante a ser considerado pelos governan- tes. O envelhecimento de uma população relaciona-se a uma redução no número de crianças e jovens e a um aumento na pro- porção de pessoas com 60 anos ou mais. À medida que as populações envelhecem, a pirâmide populacional triangular, confor- me gráfico abaixo (de 2002), será substi- tuída por uma estrutura mais cilíndrica em 2025 (BRASIL, 2005). Pirâmide da População Mundial em 2002 e 2025 Fonte: Nações Unidas (2001 apud BRASIL, 2005, p. 9). 26 2727 Em 2006, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) apontava para um total de 8,5 milhões de pessoas na faixa etária de 70 anos ou mais (4,6% da população total) enquanto a projeção da população sinaliza um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050, ou 13,2% da população total, conforme aponta a tabe- la abaixo. Projeção da população total, abso- luta e relativa, segundo os grupos de idade - Brasil - 2010/2050 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980- 2050 – Revisão 2004. 28 29 Os dados quanto ao envelhecimento não mentem! Entretanto, a velhice não é doença. Concordando com Ferrari (1975), a ve- lhice é uma etapa da vida com caracterís- ticas e valores próprios, em que ocorrem modificações no indivíduo, tanto na es- trutura orgânica, como no metabolismo, no equilíbrio bioquímico, na imunidade, na nutrição, nos mecanismos funcionais, nas características intelectuais e emocionais. São estas modificações que dificultam a adaptação do indivíduo no seu meio, exatamente pela falta de condições que favoreçam o envelhecimento bio-psico- -social. Segundo Camarano (2002), o envelhe- cimento é um processo de perdas bioló- gicas e sociais, que traz vulnerabilidades que são diferenciadas por gênero, idade, grupo social, raças e regiões geográficas, entre outros. É diferenciado também o momento (a idade) em que elas se ini- ciam. Tais vulnerabilidades são afetadas pelas capacidades básicas (com as quais o indivíduo nasceu), pelas capacidades ad- quiridas ao longo da vida e pelo contexto social em que os indivíduos encontram na sua fase de vulnerabilidades. Dessa for- ma, políticas públicas podem ter um papel fundamental na redução do seu impacto sobre o indivíduo e a sociedade e eis que aqui começamos a vislumbrar o papel do Assistente Social. Em outras palavras, o envelhecimento populacional é uma resposta à mudança de alguns indicadores de saúde, espe- cialmente a queda da fecundidade e da mortalidade e o aumento da esperança de vida. Não é homogêneo para todos os seres humanos, sofrendo influência dos processos de discriminação e exclusão as- sociados ao gênero, à etnia, ao racismo, às condições sociais e econômicas, à região geográfica de origem e à localização de moradia. A Organização Pan-Americana de Saú- de (OPAS) define envelhecimento como “um processo sequencial, individual, acu- mulativo, irreversível, universal, não pa- tológico, de deterioração de um organis- mo maduro, próprio a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio-ambiente e, portanto, aumente sua possibilidade de morte”. Estudos de Veras (1994) têm chamado atenção para o rápido processo de enve- lhecimento da população brasileira verifi- cado desde a década de 1960. Na década de 1980, ocupávamos o décimo lugar den- tre os países mais velhos do mundo. Além disso, temos a estimativa de ser, até o ano de 2025, o sexto país em população ido- sa, com aproximadamente 32 milhões de idosos. Esses dados nos levam a pensar na ne- cessidade de garantir condições dignas de vida para os idosos que em nosso país vi- venciam velhices diferenciadas. Estudos de Sant’anna (1997, p. 75) afirmam que a velhice é uma experiência que tem sido vi- venciada “de forma não homogênea, e di- versificada, em função de gênero, classe, etnia, religião”. Os idosos que chegam aos centros de convivência, clubes de terceira idade ou universidades de terceira idade, estando na condição de aposentados, pensionis- tas ou donas-de-casa, e gozando de boa 28 29 saúde, querem uma velhice ativa, o que lhes confere o título de representantes da terceira idade no Brasil. O conceito de “terceira idade” surgiu na França na década de 1960 buscando dar significado mais positivo à velhice, que associada a um novo tempo de lazer e não mais associada à miséria, doença e decadência, é vivenciada após a aposen- tadoria. Percebemos que a expressão ter- ceira idade vem dar um novo significado à velhice, uma outra imagem que simboliza um tempo de liberdade, ou mesmo de ser jovem, independentemente da idade. Estando os idosos libertos das respon- sabilidades profissionais e familiares, po- dem retomar projetos deixados ao longo da vida dando um novo sentido ao tempo livre. Portanto, são com esses idosos, que cada vez mais vem se ocupando os espa- ços públicos e, com disponibilidade para desenvolver atividades que lhes permi- tam uma participação ativa, através da associação em grupos que lhes proporcio- nam não só o desenvolvimento da sociabi- lidade, como também o acesso a informa- ções que lhes deixem sintonizados com as questões relevantes de seu tempo. Na medida em que tal população requer atenção nas inúmeras áreas de atuação profissional, destacamos, a seguir, algu- mas possibilidades no campo do Serviço Social, lembrando que as demandas são historicamentedeterminadas e requerem respostas de políticas sociais adequadas. O atendimento à população idosa teve relevância desde os primórdios do Serviço Social. O caráter caritativo e assistencia- lista, de proteção aos idosos fragilizados, quer seja por questões socioeconômicas, quer seja por abandono dos familiares, foi se modificando, no decorrer de sua histó- ria. Os assistentes sociais comprometidos com as causas sociais, se assumem como agentes políticos de transformação so- cial, ultrapassam a mera execução das po- líticas sociais e aliam-se aos movimentos sociais dos usuários na construção de um projeto que lhes garanta o usufruto da ci- dadania. A participação de assistentes so- ciais foi efetiva nos espaços de luta pela cidadania dos idosos e pela aprovação do Estatuto do Idoso, um avanço em termos legais, mas que ainda podemos considerar distante do ideal (GOLDMAN, 2005). Cabe registrar que os assistentes so- ciais devem ser solidários na luta, sem se- rem os protagonistas das lutas dos idosos, evitando a tutela e a ocupação do espaço político dos sujeitos idosos. O assistente social deve atuar, sempre que possível, com os demais profissionais, numa ação interdisciplinar que congre- gue esforços no seu fazer cotidiano e na aliança de parceiros para a consolidação dos direitos dos idosos, principalmente os da seguridade social: saúde, previdên- cia e assistência social. São importantes também ações profissionais na esfera da educação, não só para os idosos, mas para todas as gerações, para que aprendam a conhecer e a respeitar os idosos, para que estabeleçam laços sociais de intercâmbio intergeracionais e para que se preparem para a velhice. O campo profissional de atendimento à população idosa é bastante amplo com tendências de ascensão a curto, médio e longo prazos, devido ao aumento demo- gráfico e às demandas crescentes de pro- dutos e de serviços, havendo muitas áre- 30 31 as é subáreas emergindo, mas aqui cabe falar na área da Assistência Social que pode acontecer nas repartições públicas de todos as esferas, nas instituições es- tatais, nas organizações sociais privadas, nas comunidades, em todos os espaços que congregam idosos e seus familiares para orientação, prestação de serviços e, especificamente sobre o Benefício da Prestação Continuada (BPC). Participar da formulação de políticas da área, da assessoria, consultoria e orientação aos movimentos dos usuários da Assistência Social, dos Conselhos da Assistência em todos os âmbitos, além de outras ativida- des (GOLDMAN, 2005). Segundo Motta (1989), o envelheci- mento social é um processo frequente- mente lento que leva à progressiva per- da de contatos sociais gratificantes. É um processo que se inicia em algum momento da vida de um dado ser humano, acentua- -se em diferentes ocasiões e, através de avanços e recuos, nem sempre muito pre- cisos, pode levar à chamada “morte social. São indicadores ou sintomas do en- velhecimento social: Progressiva diminuição dos conta- tos sociais; Distanciamento social; Progressiva perda do poder de de- cisão; Progressivo esvaziamento dos pa- péis sociais; Gradativa perda da autonomia e in- dependência; Alterações nos processos de comu- nicação; Crescente importância do passado. Causas que podem acelerar o pro- cesso: A fragilidade do próprio idoso; Perda do poder econômico do ido- so; Perda da autoridade (XAVIER, 2004). Dentre os fatores que contribuem para o envelhecimento social, convém desta- car o meio ambiente e as degenerescên- cias físicas, lembrando que em qualquer idade, o ambiente exerce influência sobre os seus habitantes. O modo pelo qual cada indivíduo se sente em relação ao mesmo está diretamente relacionado aos seguin- tes aspectos: A composição demográfica do meio ambiente; Expectativas da sociedade; Equipamentos sociais; Condições de moradia Infelizmente é fato que mudanças como o “enfeamento”, processo lento e sutil; as perdas sensoriais (diminuição da visão, audição, etc.) e o declínio da memó- ria afastam o idoso dos membros da famí- lia, portanto, um trabalho de conscienti- zação ajudaria sobremaneira o resgate da autoestima e dignidade dos mesmos. De acordo com o artigo primeiro da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) nº 8.742/93, que regulamenta a Constitui- ção de 88 (artigos 203 e 204). A Assis- tência Social, direito do cidadão e dever 30 31 do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações, de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimen- to às necessidades básicas. Nessa perspectiva, o Assistente Social é aquele profissional que atua na elabora- ção, junto ao paciente e seu entorno so- cial, de estratégias de inclusão destes no usufruto de seus direitos e de mobilização para seu protagonismo e empoderamen- to. A intervenção do assistente social se dá a partir do conhecimento aprofundado do contexto socioeconômico, cultural e fami- liar do cliente/família com a finalidade de possibilitar a elaboração do diagnóstico social, tendo em vista um plano de ação. Essa intervenção remete a reflexões e tomadas de decisão sobre os diversos as- pectos que envolvem a saúde do idoso, acesso ao tratamento e garantia de seus direitos na participação desse processo. São objetivos da Intervenção: prestar as- sistência às situações problema, mas tam- bém promover a prevenção de problemas sociais, a reabilitação e a reinserção social de pessoas, grupos ou comunidades. Segundo Queiróz e Lemos (2002), o meio rural ou urbano, a classe social (o po- der econômico e político), o grupo profis- sional, a cultura e a ideologia dominante são algumas das variáveis mais relevantes a respeito da realidade do idoso que deve permear o trabalho do Assistente Social. Como procedimentos metodológi- cos – instrumentais – para o agir do profissional temos: Entrevistas de avaliação e orienta- ção com a pessoa idosa e familiares/re- presentantes legais; Acompanhamento e estudo inter- disciplinar de caso; Encaminhamentos – inserção na rede de suporte social; Visita técnicas domiciliares e insti- tucionais; Trabalho com grupos: pessoas ido- sas, familiares, cuidadores; Avaliação sócio-familiar O Protocolo de Avaliação Sócio-familiar é um instrumental que possibilita ao pro- fissional, dimensionar a demanda, a reali- dade e os recursos e estratégias já exis- tentes. Na avaliação para intervenção sócio-familiar são considerados os seguintes aspectos sobre a realidade do paciente: Dados de identificação pessoal da pessoa idosa; Quadro clínico e história de vida; Identificação da demanda e solici- tante; Ambiente físico/situação habita- cional; Composição e dinâmica familiar; Situação financeira, previdenciária e assistencial do paciente e da família (re- sidente e não residente); Nível de autonomia e independên- cia da pessoa idosa; Necessidades e recursos para as- sistência à pessoa idosa; 32 33 Dados sobre o cuidador; Riscos sociais; Identificação do técnico, local e data da entrevista, observações gerais sobre o processo da entrevista; Parecer técnico. De acordo com Souza (2003), o desa- fio do serviço social, diante da questão do idoso, que vive momentos de exclusão social, é propender o diálogo entre as di- ferentes faixas etárias a fim de despertar a sensibilidade por todas as pessoas que sofrem diversas formas de discriminação, além de potencializar a pessoa idosa a acreditar em si, como pessoa de direitos, isso os levará a redescobrir sua verdadei- ra identidade, assumir-se como pessoa imprescindível a sua produtividade social.
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