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08-AS LÍNGUAS AMERICANAS

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AS LÍNGUAS AMERICANAS
Jacyntho Lins Brandão
Vamos agora tratar de uma das mais extensas áreas linguísticas do mundo, a América – que permanece, até hoje, também uma das mais desconhecidas. É certo que, a partir dos anos 60 do último século, surgiu um número razoável de estudos sobre as línguas indígenas das três Américas, mas há ainda muito a se fazer, inclusive para que se possa compreender com mais precisão como se organizam as diversas famílias.
A colonização do continente americano, desde o século XVI, foi responsável pelo desaparecimento de uma grande quantidade de culturas e línguas indígenas, bem como, com relação àquelas que se preservaram, por uma diminuição drástica do número de seus falantes. Como você já viu, apenas duas línguas da América do Sul contam com um número significativo de usuários: o quêchua, falado nos países andinos e uma das línguas oficiais da Bolívia, do Peru e do Equador; e o guarani, que detém também o status de língua oficial no Paraguai. Pode-se acrescentar a esse grupo restrito o aimara, língua oficial na Bolívia e no Peru, falado por cerca de dois milhões e meio de pessoas. Recorde-se, contudo, que todas essas três línguas concorrem com o espanhol, não só língua oficial dos países referidos, como a dominante em termos culturais, políticos e econômicos. No restante da América do Sul e nas Américas do Norte e Central a situação é ainda mais grave, nenhuma das línguas indígenas alcançando mais de 100 mil falantes – cifra que, como você sabe, indica um alto risco de extinção a médio prazo.
Ao mesmo tempo, no interesse do domínio dos povos indígenas e sobretudo de sua catequização, os colonizadores, em especial as ordens religiosas, com destaque para os jesuítas, produziram um número considerável de gramáticas e catecismos nas línguas das três Américas, do século XVI ao XVIII, reunindo um conjunto de informações de valor inestimável. Com relação à América do Sul, o catálogo do Padre Lorenzo Hervás (1735-1809), terminado em 1800, em Roma, “menciona 218 designações diferentes, relativas a línguas e dialetos que hoje situaríamos no território sul-americano, o que representa um número respeitável”. Mais importante ainda é que, “em três séculos, a empresa missionária havia acumulado informação suficiente sobre a diversidade linguística americana, para notar o quanto poderia haver de ‘afinidade’ entre elas [as línguas]: na pronúncia, no vocabulário e, nos termos de Hervás, também no ‘artifício gramatical’” (Altman, As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária, p. 68-69).
Finalmente, não é sem importância que esse conhecimento abriu perspectivas diferentes sobre a diversidade e a origem das línguas, na medida em que as línguas ameríndias apresentavam categorias desconhecidas das existentes nas línguas europeias, em especial no latim, que servia de referência para a organização das informações gramaticais. Dessa perspectiva, escreveu Hervás em seu Catálogo de las lenguas de las naciones conocidas:
As ditas ideias [pouco exatas que se têm ou se formam sobre as línguas] se fundamentam seja nas opiniões dos autores que pretendem determinar com alguns textos da Sagrada Escritura o número das línguas, seja na observação do estado que atualmente têm as línguas em vários países muito conhecidos; mas as opiniões dos ditos autores são arbitrárias; e no estado atual das línguas nos países civilizados, nenhuma prova fundamental se descobre, nem mesmo para conjeturar qual seria o verdadeiro número de línguas matrizes no mundo. (apud Altman, As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária, p. 75-76)
	Conclui Altman: “o descompasso entre explicação bíblica e ampliação da experiência linguística, acompanhado da percepção gradativa da dissimetria entre línguas e nações, está na origem da compreensão da relatividade da cultura humana e do consequente questionamento da universalidade do modelo latino. O desafio de conciliar a finalidade pedagógica da gramática e sua adequação descritiva promoveu a concepção de uma estruturação linguístico-cultural autônoma e relativa”. (Altman, As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária, p. 76)
1. As famílias linguísticas das Américas
Como aconteceu com relação às línguas da África, também a classificação das americanas foi feita por Joseph Greenberg, no livro Language in the Americas, publicado em 1987. O reconhecimento de duas famílias da América do Norte – a esquimó-aleutina e a na-dene – não provoca polêmica, o mesmo não se podendo dizer do terceiro grande grupo – o ameríndio –, o qual engloba todas as demais línguas das três Américas. Embora o trabalho de Greenberg seja bastante consistente, as subdivisões na grande família ameríndia ainda precisariam ser mais bem detalhadas, o que depende de um conhecimento mais preciso de muitas das línguas envolvidas, havendo ainda, em muitas regiões, umas tantas línguas isoladas, cuja relação com os grupos já reconhecidos não se pôde ainda estabelecer.
Na sequência, você encontrará um resumo da classificação de Greenberg:
Família esquimó-aleutina: divide-se em dois grupos, a saber, o aleuta e o esquimó, agrupando cerca de vinte línguas faladas por em torno de cento e cinquenta mil pessoas no Alasca e no norte do Canadá, dentre as quais o inuit, que desempenha importante papel na Groelândia, com quase cem mil falantes (figura 1). Conforme Greenberg, essa família seria um dos ramos da macrofamília euro-asiática, ao lado da indo-europeia, urálica, altaica, giliaca, coreano-japonesa e chucotiana (Greenberg, Indo-European and its closest relatives). Em termos fonológicos, essas línguas assemelham-se a outras da Sibéria e da América do Norte. Do ponto de vista tipológica, são polissintéticas, ou seja, os vários elementos que, em português, comporiam uma oração, ajuntam-se a uma raiz, na forma de sufixos.
Figura 1: A família esquimó-aleutina
Família na-dene: engloba em torno de trinta e cinco línguas faladas por cerca de duzentas mil pessoas no noroeste do Canadá e dos Estados Unidos, as mais conhecidas sendo o tlingit, o haida, o navaho e o apache (figura 2). Recentemente se propôs que tenham relação com as línguas ieniseianas, como o ket, ainda falado na Sibéria, hipótese a ser ainda comprovada. Uma das principais características das línguas desta família é a estrutura extremamente complexa do verbo, que recebe uma série de prefixos situados entre os que indicam a concordância de objeto e a de sujeito, organizados, em geral, da forma seguinte: prefixo de concordância de objeto + prefixo para forma ou anatomia + prefixo de tempo, modo e aspecto + prefixo de concordância do sujeito (1ª. e 2ª. pessoas) + prefixo perfectivo-estativo + prefixos classificadores (que aumentam ou diminuem a transitividade verbal) + raiz do verbo + sufixo de tempo, modo e aspecto. Ressalte-se que nenhuma outra língua americana apresenta tratamento semelhante das formas verbais.
Figura 2: A família na-dene
1.3. Família ameríndia: comporta seis subfamílias, distribuídas do norte dos Estados Unidos e do Canadá ao extremo sul das Américas, a saber:
1.3.1. Ameríndia do norte, dividida em três grandes grupos: a) almosano-keresiouano; b) penutiano; c) hokano (ver figura 3).
1.3.2. Ameríndia central, compreendendo também três grupos: a) kiowa-tanoano; b) otomangueano; c) uto-asteca (figura 3).
Figura 3: Línguas ameríndias das Américas do Norte e Central
 
1.3.3. Chibchano-paezana, dividido em dois grupos: a) chibchano; b) paezano (figura 3).
1.3.4. Andina, com seis subdivisões, a saber: a) o aimara; b) o grupo itucale-sabela; c) o grupo cahuapana-zaparo; d) o grupo do norte; e) o quêchua; f) o grupo do sul (figura 4).
1.3.5. Equatorial-tucana, englobando boa parte das línguas indígenas do Brasil e dividido em dois grandes ramos, a saber: a) equatorial, em que, além de outras línguas, se incluem os grupos macro-arawak e kariri-tupi; b) tukano, com cerca de vinte línguas (figura 4).
1.3.6. Jê-pano-caribe, com três grandes divisões:a) macro-caribe; b) macro-panoano; c) macro-jê, em que se encontram várias línguas faladas no Brasil, como o bororo, o botokudo, o karajá, o maxakali etc. (figura 4)
Figura 4: A família ameríndia na América do Sul
2. As línguas indígenas do Brasil
	Acredita-se que quando do descobrimento, no início do século XVI, eram faladas 1.175 línguas no território que seria futuramente o do Brasil, esse número estando reduzido, hoje, a cerca de cento e oitenta (Rodrigues, Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas, p. 83). Essa diversidade é a principal demonstração de que, ao contrário do que muitas vezes se pensa, os índios do Brasil não são um povo, mas muitos povos, cada qual com sua cultura e sua própria língua. Dentre eles, os que mais sofreram as consequências da conquista ibérica foram os que habitavam os locais colonizados desde os primeiros séculos, pois foram vítimas de campanhas de extermínio e de escravização, de doenças transmitidas pelos europeus contra as quais não possuíam resistência, da redução de seus territórios de coleta, caça e plantio de alimentos, e, enfim, da assimilação forçada ou induzida dos costumes dos conquistadores.
	Foi neste mesmo espaço que, naturalmente, se registrou o desaparecimento do maior número de línguas brasileiras, a saber, em toda a costa, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, incluindo, na direção do interior, também os estados de Minas Gerais e parte de Mato Grosso e Goiás. Segundo Rodrigues, “uma linha imaginária traçada de São Luís do Maranhão, ao norte, até Porto Alegre, ao sul, passando perto de Brasília, no centro, deixa a oeste a área onde sobreviveram as línguas indígenas e a leste a área onde elas se extinguiram quase sem exceção”, havendo apenas poucos exemplos em contrário: a) a língua yatê, dos índios fulniô, que se conservou ao sul de Pernambuco; b) o maxakali, falado atualmente no noroeste de Minas Gerais; c) a língua dos índios xokleng, em uso no município de Ibirama, a oeste de Blumenau, em Santa Catarina; d) o guarani (dialetos nhandeva e mbiá), falado no leste de São Paulo e no litoral do Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo por grupos que têm migrado, nos últimos cem anos, do vale do rio Paraná para a costa atlântica (cf. Rodrigues, Línguas brasileiras, p. 19-20).�
2.1. A língua geral da costa do Brasil
	Diante da grande diversidade encontrada no Brasil, os primeiros colonos e seus descendentes adotaram a chamada “língua geral da costa” ou “tupi” (na verdade, uma das línguas do grupo kariri-tupi: o tupinambá), que já exercia em grande parte a função de língua franca entre vários povos indígenas, facilitando os contatos também entre estes e os portugueses. Como anota Rodrigues, a opção feita por essa língua mostrou-se “altamente funcional para os que pretendiam extrair o pau-brasil e estabelecer-se ao longo da costa: aprendida num ponto desta, permitia comunicar-se em praticamente qualquer outro” (Rodrigues, Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas, p. 86).
A importância da língua geral cresceu na medida em que o governo português, a partir da segunda metade do século XVI, abolindo o sistema de capitanias hereditárias, instituiu o chamado Governo Geral e entregou à Companhia de Jesus a missão de catequizar os habitantes de sua colônia, ação que perdurou até a expulsão dos jesuítas do reino português, em 1759. Os primeiros jesuítas chegaram a Salvador em 1549, na comitiva do primeiro Governador Geral, Tomé de Sousa, sendo a partir dessa época que a coroa apoiaria efetivamente “a institucionalização de uma ‘língua geral’ no trato com os índios” (Rosa, A língua mais geral do Brasil, p. 136). A publicação, em 1595, da Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil, pelo Padre José de Anchieta, representa a afirmação e consolidação desse projeto; quase três décadas depois, também o Padre Luís Figueira publica sua Arte da língua brasílica, tomando como base não mais a costa, mas o Maranhão. Observa Rosa:
O adjetivo “brasílico” parece designar mais que simplesmente “do Brasil”. Segundo Alencastro, no século XVII, “brasílico” designava “a sociedade colonial da América portuguesa”, e não se confundia com “brasiliense”, que se referia sobretudo aos índios, tampouco com “brasileiro”, designativo daquele que trabalhava na extração do pau-brasil e que somente ao longo do século seguinte ganharia o sentido atual. Em outras palavras: o tornar-se [a língua] brasílica – e não brasiliense – sugere interação mais intensa entre portugueses e índios. (Rosa, A língua mais geral do Brasil, p. 140)
	A expansão do tupinambá como língua geral e a consolidação da ideia de que toda a América portuguesa deveria ter uma única língua levou a uma dicotomia: de um lado, identificavam-se como “tupi” todos os povos que usavam a língua geral; de outro, os que falavam outras línguas, consideradas “travadas” ou “bárbaras”, eram chamados de “tapuia”, termo de origem tupi com o signficado de “inimigo”. Estabelecida essa distinção, incentivava-se ou mesmo se obrigava que os “tapuia” deixassem suas línguas e adotassem a “geral”, o que se lograva principalmente por meio dos chamados “descimentos” de contingentes de índios para as missões ou “aldeias del rei”, onde, além de servir como mão-de-obra, eram iniciados na doutrina cristã, ministrada na língua geral, a partir de catecismos escritos especialmente com essa finalidade. Muitos índios, aliás, sobretudo na região amazônica, recusavam a mudança, pois consideravam que se tratava de uma língua dos “brancos”, isto é, do colonizador, o que correspondia à realidade, uma vez que o português só se firmou como língua do Brasil a partir da segunda metade do século XVIII. Conforme Barros, “a formação da oposição entre tupi e tapuia – que correspondia à oposição entre índios cristianizados e índios bárbaros – revelou-se produto da política indigenista colonial” e “provocou uma homogeneização da situação de diversidade linguística pré-colonial”, instaurando “uma nova heterogeneidade linguística por intermédio da formação de uma variedade tupi falada por um conjunto de não-falantes nativos de tupi”, ou seja, tanto indígenas de várias etnias, quanto os próprios colonos (Barros, Notas sobre a política da língua geral na Amazônia, p. 88 e 105-106).
	É natural que uma das mais típicas reações dos colonizadores portugueses – e também franceses e holandeses –, no território do que seria posteriormente o Brasil, fosse de estranhamento de um espaço onde se descobriam novidades naturais, culturais e linguísticas inexistentes na Europa. Exemplo típico é o do tamanduá, assim descrito, em 1625, pelo Padre Fernão Cardim: “este animal he de natural admiração; he do tamanho de hum grande cão, mais redondo que comprido; e o rabo será de dous comprimentos do corpo, e cheio de tantas sedas, que pela calma, e chuva, frio, e ventos, se agasalha todo debaixo delle sem lhe apparecer nada” (apud Gimenes, p. 32).
A existência de coisas novas foi o principal fator para que um grande número de empréstimos do tupinambá foi tomado pelo português, abarcando principalmente nomes da esfera vegetal (por exemplo: ‘abacaxi’, ‘aipim’, ‘mandioca’, ‘macaxeira’, ‘amendoim’, ‘buriti’, ‘caju’, ‘capim’, ‘carnaúba’, ‘cipó’, ‘jabuticaba’, ‘jacarandá’, ‘maracujá’, ‘peroba’ etc.) e animal (‘araponga’, ‘arara’, ‘curió’, ‘cupim’, ‘jabuti’, ‘jacaré’, ‘jaguar’, ‘jiboia’, ‘perereca’, ‘piranha’, ‘sabiá’, ‘saúva’, ‘urubu’ etc.), mas também de ordem geográfica (‘caatinga’, ‘igarapé’ etc.) e cultural (‘arapuca’, ‘caboclo’, ‘cuia’, ‘mingau’, ‘paçoca’, ‘peteca’, ‘pipoca’, ‘tapera’, ‘taquara’, ‘tipoia’ etc.; cf. Cunha, Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi, s.v.). Esses empréstimos, como acontece com parte dos de origem africana, encontram-se perfeitamente integrados ao português do Brasil, sendo produtivos na derivação de palavras pelo acréscimo de sufixos portugueses, como ‘mandiocal’, ‘capinzal’, ‘cajueiro’, ‘jabuticabeira’, ‘cumpinzeiro’, ‘capinar’, ‘pipocar’ etc.
	No que se refere ao estranhamento linguístico,a opinião dos colonizadores variou entre considerar que o tupi era uma língua bárbara, a enfatizar sua beleza e musicalidade, principalmente quando falada pelas mulheres. Mas o que principalmente lhes chamou a atenção foi a diferença fonética – sobretudo a ausência das “letras” F, L, e R “dobrado”, interpretada em termos culturais. Eis a descrição dessa característica por Gabriel Soares de Sousa, no seu Tratado descriptivo do Brasil em 1587:
Têm muita graça quando falam, mormente as mulheres, são mui compendiosas na forma da linguagem, e muito copiosos no seu orar; mas faltam-lhes três das letras do ABC, que são F, L, R grande ou dobrado, coisa muito para se notar; porque, se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma coisa que adorem (...). E se não têm L na sua pronunciação, é porque não têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; cada um faz lei a seu modo, ao som de sua vontade (...). E se não têm esta letra R na sua pronunciação, é porque não têm rei que os reja, e a quem obedeçam, nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um vive ao som de sua vontade; para dizerem Francisco, dizem Pancico; para dizerem Lourenço, dizem Rorenço; para dizerem Rodrigo, dizem Rodigo; e por esse modo pronunciam todos os vocábulos em que entram essas três letras. (Sousa, apud Gimenes, p. 28)
	Além desse tipo de observação superficial e das conclusões arbitrárias que se tiram, o tupinambá, como outras línguas ameríndias, apresentavam diferenças notáveis com relação ao latim e as línguas indo-europeias a que os colonos estavam acostumados, exigindo dos primeiros gramáticos, nomeadamente os padres José de Anchieta e Luís Figueira, um esforço de compreensão de novas categorias, ainda que o modelo de gramática vigente tivesse como base a latina (ver Leite, A arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil). Vamos percorrer algumas dessas categorias, para ter alguma ideia das diferenças (cf. Navarro, Método moderno de tupi antigo):
Os substantivos e seus determinantes são invariáveis, não havendo morfemas de gênero nem de número.
Os verbos não expressam tempo, mas modos (indicativo, permissivo, causativo, imperativo, infinitivo e gerúndio), os sentidos de presente, passado ou futuro devendo ser deduzidos do contexto. Dividem-se eles em duas classes que se conjugam como se mostra abaixo. Observe que na classe II o verbo é invariável, a marcação de pessoa dependendo do acréscimo dos pronomes pessoais (xe, nde, i etc.), enquanto na primeira ele se flexiona pelo acréscimo de prefixos:�
Tabela 1: As duas classes de verbos no tupi antigo
	Pessoa
	Número
	Classe I
	Classe II
	1ª.
	Singular
	asyk (eu chego)
	xe pytu (eu respiro)
	
	Plural
	orosyk
	oré pytu
	
	
	îasyk
	îandé pytu
	2ª.
	Singular
	eresyk
	nde pytu
	
	Plural
	pesyk
	pe pytu
	3ª.
	Ø
	osyk
	i pytu
A primeira classe engloba os verbos transitivos (eu faço a comida, eu mato a onça) e os verbos intransitivos em que o sujeito tem o papel temático de agente (eu canto, eu falo, eu choro, eu grito, eu vou); a segunda classe inclui verbos intransitivos em que o sujeito tem o papel temático de paciente (eu caio, eu ronco, eu respiro, eu desisto, eu me lembro). Isso permite considerar que o tupi antigo pertencia ao tipo das línguas ativas/inativas, que têm como característica a identificação do sujeito sintático com os papéis temáticos, opondo agente a paciente (cf. Reich, Mudança sintática e pragmática na língua geral da Amazônia, p. 168-172).
Outra característica das língua ativas apresentada pelo tupi antigo é a ausência de verbo copulativo (ou de ligação). Para se dizer, por exemplo, ‘você é bonito’, basta justapor o pronome pessoal da classe 2 (ndé) ao predicativo (porang, bonito ou bonita): ndé porang.
Agora observe, na tabela 1, o seguinte: 1. a segunda pessoa apresenta uma forma para o singular e outra para o plural, como acontece em português; 2. a forma de terceira pessoa não expressa número, sendo usada tanto para o singular, quanto para o plural: osyk significa ‘ele chega’ ou ‘eles chegam’ e i pytu, ‘ele respira’ ou ‘eles respiram’; 3. já a primeira pessoa do plural apresenta duas formas, chamadas de exlusiva (não inclui a pessoa com quem se fala: orosyk, ‘eu e ele chegamos’/oré pytu, ‘eu e ele respiramos’) e de inclusiva (inclui a pessoa com quem se fala: îasyk, ‘eu (e ele) e você chegamos’/îandé pytu, ‘eu (e ele) e você respiramos’).
A partir disso, há também duas séries de pronomes pessoais, correspondentes às duas classes, o uso dos quais é obrigatório com os verbos da segunda classe, sendo facultativo com os da primeira, em que o pronome tem um sentido apenas enfático (ixé asyk, ‘eu próprio chego’):
Tabela 2: As duas classes de pronomes pessoais no tupi antigo
	Pessoas
	Classe I
	Classe II
	1ª.
	Singular: eu
	ixé
	xe
	
	Plural
	Exclusivo: eu + ele
	oré
	
	
	Inclusivo: eu (+ ele) + tu
	îandé
	
	
	Universal: eu + tu + ele
	asé
	Ø
	2ª.
	Singular: tu
	endé
	nde/ne
	
	Plural: tu + ele
	pe’ẽ
	pe
	3ª.: ele ou eles
	a’e
	i
Veja como, na primeira pessoa do plural, oré e îandé servem para as duas classes – e como surgiu mais um pronome, asé, que significa ‘nós todos’, ‘a gente’, o qual é usado apenas com verbos da primeira classe e concorda com a terceira pessoa: asé oîkobé, asé omanõ, ‘a gente vive, a gente morre’.
Com relação ao objeto, é relevante notar que ele se apresenta sempre incorporado ao verbo transitivo, ou seja, diferentemente do que acontece em português, em que o verbo dá informações apenas sobre o sujeito (pessoa e número), no tupi antigo ele também informa sobre o objeto. Assim, um verbo transitivo como –monhag (faço) será conjugado sempre com a inclusão de um pronome objeto entre o prefixo de pessoa e a raiz: aîmonhang (= a, prefixo de sujeito de 1ª. pessoa do singular + î, pronome objeto de 3ª. pessoa, + monhang, fazer). Uma oração como ‘eu faço comida’ (comida = tembi’u) apresenta duas possibilidades de expressão, sempre com a incorporação do pronome objeto ao verbo:
	1) tembi’u aîmonhang
	2) aîmonhang tembi’u
	comida eu-a-faço
	eu-a-faço comida
Existe ainda uma terceira alternativa, que dispensa o uso do pronome objeto, incorporando-se o próprio nome objeto (tembi’u) ao verbo:
atembi’umonhang
eu-comida-faço.
Finalmente, vamos observar como se formam enunciados negativos: o verbo recebe, como prefixo, a partícula nda ou na (antes de vogal ocorre apócope do –a), e também o sufixo –i. Assim:
Tabela 3: A negação em tupi antigo
	Afirmativo
	Negativo
	asyk (eu chego ou cheguei)
	nd’ asyki (eu não chego ou cheguei)
	îandé ma’enduar (nós nos lembramos)
	nd’ îandé ma’enduari ( nós não nos lembramos)
	Esses são apenas alguns traços que mostram como a língua geral da costa do Brasil difere bastante do português, não só no que diz respeito à fonologia e ao léxico, como também às categorias morfológicas e sintáticas.
	Finalmente, anote-se que, quando nos referimos ao “tupi antigo”, temos em vista as suas modalidades em uso do século XVI a meados do século XVIII, pois este é o período coberto pelos registros escritos de colonos e jesuítas. Isso não quer dizer que ele deixou de ser falado, pois o nheẽngatu, uma das línguas oficiais do município de São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, representa o estádio atual de sua evolução, permitindo que se possa traçar sua história durante cinco séculos. Ainda que se trate da mesma língua, chama a atenção que no nheẽngatu se tenham alterado alguns dos traços tipológicos mais marcantes do tupi antigo, como a oposição entre duas classes de verbos e de pronomes pessoais, os da antiga segunda classe sendo usados apenas como objeto. Pode ser que isso se deva a influência do português.
	Em sentido inverso, além dos empréstimos lexicais, cumpre destacar que é possível que, no português do Brasil, a tendência à dupla negação (‘não lembro não’) e o uso de ‘a gente’ como pronome universal que concordacom a terceira pessoa do singular (‘a gente vive, a gente morre’) se devam ao contato, durante trezentos anos, com a língua geral (feitas as mesmas ressalvas relativas ao influxo das línguas africanas no português, ou seja, não se tratou de introduzir nele tendências exógenas, mas de acelerar, numa certa direção de mudança linguística, tendências latentes).
2.2. Outras famílias linguísticas brasileiras
	Além do tupinambá e de outras línguas da mesma família, a tupi (como o akwara, o amanbé, o awareté e o tenetehara, falados no Pará; o kokama, o omagua e o parintintin, no Amazonas; o guajajara e o urubu, no Maranhão; o tapirapé e o apiaká, no Mato Grosso; o kaiwá, no Mato Grosso do Sul; e o avá, em Goiás; etc.), há outras famílias e troncos linguísticos no Brasil. A própria família tupi integra o tronco tupi-guarani, que compreende também as famílias arikem juruna, mondé, munduruku, ramarama e tupari, espalhadas pelos estados de Roraima, Amazonas, Pará e Mato Grosso (cf. Rodrigues, Línguas brasileiras, p. 29-46).
	Os outros troncos e famílias são os seguintes:
o tronco macro-jê, que inclui as famílias bororo, botocudo, jê, karajá e maxakali, com línguas faladas nas regiões norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul;
a família karib, com línguas faladas na região norte e centro-oeste (Roraima, Amazonas, Pará e Mato Grosso);
a família aruak, compreendendo línguas faladas na região norte e centro-oeste – e uma língua, o terena, também em São Paulo;
as famílias guaikuru, manbikwara, txapakura, pano, mura e katukina, cujas línguas são faladas no Amazonas, em Roraima, Rondônia, Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul;
as famílias arawá, tukano, maku e yanomani, constituída por línguas faladas apenas na região amazônica (Rodrigues, Línguas brasileiras, p. 47-98).
A relação acima tem como única intenção insistir na grande diversidade linguística existente no Brasil, o que aponta para a necessidade de políticas efetivas para sua conservação e estudo.
� A grafia dos nomes dos povos e das línguas indígenas brasileiras segue a convenção estabelecida pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em 1953, a saber: a) os nomes de povos e línguas indígenas são empregados como palavras invariáveis, sem flexão de gênero nem número (exemplo: os índios bororo); b) para os sons oclusivos são usadas as letras p b t d k g (ex.: karajá, geren); c) para os sons fricativos são usadas as letras f v s z x j (ex.: xavante, gê, maxakali); d) para as semiconsoantes são usadas as letras y e w (ex.: wayoró). Contudo, diferentemente de Rodrigues, Línguas brasileiras, p. 10-11, não acentuaremos todos os vocábulos, aplicando-lhes as regras usadas para o português: maxakali e não maxakalí; bororo e não boróro; geren e não gerén.
� Algumas regras básicas relativas às convenções ortográficas utilizadas para o tupi antigo, apenas com relação àquilo em que diferem das do português: a) o signo ’ (apóstrofo) indica a oclusiva glotal [ʔ]; b) a letra ‘y’ grafa a vogal média [ɨ]; c) ‘î’ e ‘û’ são semivogais; d) o til é usado para indicar as vogais nasais; e) ‘ng’ é a grafia para a nasal velar [ŋ]; f) ‘x’ grafa a fricativa palatal desvozeada [∫]. Todas as palavras terminadas com consoantes, semivogais, vogais nasais ou as vogais ‘i’ e ‘u’ são oxítonas; a sílaba iniciada com a consoante glotal é sempre tônica; usa-se o acento agudo para indicar a sílaba tônica em casos que não se enquadrem nestas regras gerais (cf. Navarro, Método moderno de tupi antigo).
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