Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Teoria da Literatura - Prosa Material teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Helba Carvalho Revisão Textual: Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha Períodos Literários 5 Recomendamos que siga o seguinte roteiro para que tenha um melhor aproveitamento da unidade: 1. Leia o conteúdo teórico da disciplina; 2. Leia o esquema gráfico do conteúdo teórico; 3. Assista à apresentação narrada; 4. Faça a atividade de sistematização; 5. Faça a atividade de aprofundamento; 6. Leia o material complementar; 7. Formule suas dúvidas ao professor da disciplina por meio do módulo Mensagens do blackboard ou ainda por meio do fórum de dúvidas da disciplina; 8. Procure ler as obras indicadas na bibliografia, principalmente aquelas que estão disponíveis na biblioteca eletrônica da Universidade, isso irá colocar você em contato com diferentes visões sobre o problema além de fornecer a você um repertório maior de conceitos sobre os períodos literários. Períodos Literários • Períodos Literários • Período medieval (Trovadorismo) • Renascimento (Classicismo) • Barroco • Neoclassicismo (Arcadismo) • Romantismo • Realismo • Parnasianismo • Simbolismo • Modernismo Seja bem vindo a mais uma unidade da disciplina: Períodos Literários. Nesta unidade, faremos uma reflexão sobre os movimentos literários, bem como as características e exemplos de cada um deles. Ob jet iv o de Ap re nd iza do 6 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Ao ler o conteúdo teórico, você observou que os períodos literários são uma forma de organização didática da produção literária a partir de critérios históricos e estéticos. Vimos, também, que é quase impossível estabelecer precisamente quando se iniciou ou terminou um período. Além disso, um estilo de época não “morre” por completo e a passagem de um estilo para outro não é tão rápida assim. A vitória de uma nova corrente não apaga de todo o prestígio e a força da antiga. Podemos assistir à coexistência de movimentos opostos numa mesma faixa temporal. Logo as datas de início e fim de um período não implicam o predomínio automático de um período sobre outro, mas a tentativa de ordenação e simplificação pedagógica dos fenômenos literários. Além disso, devemos considerar que cada estilo literário é marcado por um conjunto similar de influências sociais, culturais e ideológicas agindo sobre as mentalidades. Por exemplo, no fragmento do romance Iracema, de José de Alencar, que analisamos em nosso conteúdo teórico você deve ter observado como a índia Iracema é comparada à fauna e à flora brasileiras. Valorizar a nação, o nativo, sua língua, o tupi, e as belezas naturais fizeram parte de um projeto do escritor de criar uma literatura nacional. A valorização da nação fez parte de um projeto maior da literatura, que envolveu toda a escola literária conhecida como Romantismo. A mentalidade burguesa, marcada por um individualismo também repercutiram como influência social e ideológica na literatura romântica, como é o caso de Iracema, apesar de representar a América, a personagem é apresentada, também, em sua individualidade e estado de solidão. Assim, ao ler um texto literário procure observar, também, além de sua forma estética, as possíveis influências que esse texto possa ter recebido de seu contexto social, ideológico, cultural, religioso, histórico etc. Contextualização 7 Provavelmente, nos seus estudos anteriores à graduação, você se deparou com os estilos de época ou movimentos literários com seu conjunto de “ismos”: Trovadorismo, Classicismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo, Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo. É importante observar que cada estilo de época reúne um conjunto de obras escritas em uma determinada época, porém os critérios usados pelos historiadores da literatura variam muito: às vezes, o autor publica uma obra revolucionária e ela acaba se tornando o marco inicial de um determinado período, outras vezes, um fato histórico influencia uma infinidade de obras que darão origem a um determinado movimento literário. Também, é necessário destacar que as datas estabelecidas para um determinado período não são tão rigorosas quanto parecem, são apenas recursos didáticos usados para facilitar o estudo. É preciso entender que é quase impossível estabelecer precisamente quando se iniciou ou terminou um período. Além disso, um estilo de época não “morre” por completo e a passagem de um estilo para outro não é tão rápida assim. Isso significa que muitas ideias adotadas em um período podem ser aproveitadas por outros estilos literários que fazem uma releitura ou uma reinterpretação de textos já escritos. Muitas vezes, um estilo literário apresenta características de outro estilo anterior. Por exemplo, o Arcadismo resgata, em sua poesia, muitas das características do Classicismo, como a presença da mitologia greco-romana, a busca pela perfeição e pelo ideal de beleza clássico. Assim, pode-se dizer que as características de um movimento subsistem em outro. Dessa forma, os limites são muito tênues e não podemos entender os movimentos literários como estanques. Também, o estilo de época não se manifesta da mesma maneira na obra de todos os escritores: isso significa que algumas características do Romantismo, por exemplo, não se manifestam da mesma forma em poetas como Álvares de Azevedo e Gonçalves Dias. Enquanto o último valoriza o nacional, povoando os seus poemas com imagens da natureza e do indígena, Álvares de Azevedo universaliza sua poesia, colocando-a em contado com a tradição romântica européia, ora idealizando um amor platônico em suas virgens pálidas, ora construindo cenários grotescos que satirizam toda a idealização romântica, quase antecipando características do movimento literário posterior, o Realismo, como veremos a seguir. Segundo Ligia Cademartori, no livro Períodos Literários (2001, p.08) “O desafio da periodologia literária consiste em, não podendo se afastar da história, ter de superá-la para dar conta daquilo que nela é especificamente literário, ou seja, do sistema de normas estéticas que dominam a literatura num dado momento histórico”. Explore Atenção: O livro de Lígia Cademartori, uma das referências bibliográficas da Unidade, pode ser lido na íntegra, no formato e-book, na Biblioteca Virtual Pearson, é só acessar pelo site da biblioteca da Universidade Cruzeiro do Sul. Períodos Literários 8 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Logo, o papel do historiador da literatura é fundamental no momento de organizar os autores e suas obras de acordo com as escolas literárias. O critério histórico, que reúne escritores de uma mesma época, não é suficiente. É preciso fazer uma leitura minuciosa de suas obras, no sentido de observar nelas semelhanças estéticas que possam aproximá-las de acordo com os padrões de cada movimento, alertando o leitor para as diferenças e para as exceções que fogem às normas do movimento vigente. Qual é o seu papel de aluno diante dos movimentos literários? Com certeza, não é o de decorá-los. Você precisa saber as características de cada estilo e em que época vigorou, pelo menos. Atualmente, as literaturas não são estudadas mais a partir de movimentos literários, em uma sequência cronológica, pois isso acaba fazendo com que se estude superficialmente as obras dos autores e se prenda mais aos movimentos em si e suas sequências de características estéticas, datas,biografias dos autores etc. É preciso deixar claro, aqui, que quando você iniciar seus estudos das disciplinas de Literatura Brasileira, Portuguesa, perceberá que os estudos literários não vão partir de movimentos literários, pois pressupõe-se que este seja um conhecimento prévio que você revisará nesta unidade apenas, a fim de que possamos aprofundar nossos estudos em temas recorrentes nas obras de autores de diferentes épocas, saindo da visão cronológica, histórica e já ultrapassada dos estudos literários. É importante destacar que os exemplos dados para cada estilo literário vão se restringir aos das literaturas brasileira e portuguesa, visto que contemplam o quadro de disciplinas a serem cursadas a partir do 2º ano do curso, e são literaturas de línguas portuguesa, não havendo a necessidade de tradução. Vamos observar agora como se caracteriza cada estilo de época ou movimento literário, organizado segundo critérios históricos e estéticos: O período medieval abarcou o estilo literário Trovadorismo, que vigorou mais intensamente entre os séculos XII e XIV. O ano de início e de fim de cada movimento não nos importa, visto que, como dissemos anteriormente, as datas são apenas marcações didáticas e que pouco importam para você, estudante do Ensino Superior. Você precisa saber, pelo menos, em que período do século ou séculos estes estilos de época vigoraram e como o contexto sócio-histórico e cultural se encontram internalizados no texto literário. Por exemplo, o período medieval é marcado por um contexto religioso, teocêntrico, regido por uma sociedade feudal, em que o poder estava nas mãos dos senhores feudais e as relações eram de suserania e vassalagem, sendo o rei o suserano mais poderoso. O suserano era quem dava um lote de terra ao vassalo, sendo que este último deveria prestar fidelidade, trabalho e ajuda ao seu suserano, tendo em troca a proteção e um lugar no sistema de produção. É importante dizer que todos os poderes, jurídico, econômico e político concentravam-se nas mãos dos senhores feudais, donos de lotes de terras (feudos). Período Medieval (Trovadorismo) 9 Você deve se perguntar agora, e a religião e o teocentrismo, tão importantes nesta época, como foi dito anteriormente, quais eram os seus papéis? O clero, representado pela Igreja Católica, estava no topo da pirâmide social, além do grande poder econômico, eram responsáveis pela proteção espiritual da sociedade e influenciava no modo de pensar e de se comportar na época. Abaixo do clero, na pirâmide social, estava a nobreza feudal (senhores feudais, cavaleiros, condes, duques, viscondes) que era detentora de terras e arrecadava impostos dos camponeses. É importante destacar que só os filhos de nobres tinham a oportunidade de estudar. Finalmente, a última camada da sociedade era formada pelos servos (camponeses) e pequenos artesãos. Os servos deviam pagar várias taxas e tributos aos senhores feudais e compunham a grande massa de trabalhadores. Visto assim, esta sociedade era estática, no sentido de que não permitia grande mudança social, de uma classe para outra, obedecendo a um sistema hierárquico rígido. A arte medieval foi dominada pela religiosidade. As pinturas retratavam passagens da Bíblia e ensinamentos religiosos. Na arquitetura destacou-se a construção de castelos, igrejas e catedrais. Com a literatura não foi diferente. O poema a seguir, escrito pelo rei de Portugal, D. Dinis, vai mostrar a você como o contexto apresentado anteriormente entra em diálogo com o texto literário. Leia-o atentamente: Cantiga de D. Dinis O que vos nunca cuidei a dizer, com gram coita, senhor, vo-lo direi, porque me vejo já por vós morrer; ca sabedes que nunca vos falei 5 de como me matava voss'amor; ca sabe Deus bem que doutra senhor, que eu nom havia, mi vos chamei. E tod[o] aquesto mi fez fazer o mui gram medo que eu de vós hei 10 e des i por vos dar a entender que por outra morria - de que hei, bem sabedes, mui pequeno pavor; e des oimais, fremosa mia senhor, se me matardes, bem vo-lo busquei. 15 E creede que haverei prazer de me matardes, pois eu certo sei que esso pouco que hei de viver que nẽum prazer nunca veerei; e porque sõo desto sabedor, 20 se mi quiserdes dar morte, senhor, por gram mercee vo-lo [eu] terrei. (Poema disponível em http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=530&pv=sim, acessado em 12 de janeiro de 2012) 10 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s O poema de D. Dinis, assim como a poesia trovadoresca (chamada de trovadoresca porque era feita por trovadores1), no período medieval foi composta para ser cantada, por isso não é por acaso que os poemas do Trovadorismo são conhecidos como cantigas de amor, de amigo, de maldizer e de escárnio, que foram reunidas nos chamados Cancioneiros (Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Biblioteca Nacional e Cancioneiro da Vaticana). É importante destacar que a poesia trovadoresca uniu a música, o canto e a dança, daí o nome cantiga, sempre acompanhada de um instrumento musical, mais precisamente, instrumentos de corda como: viola, alaúde, harpa, saltério, entre outros. As poesias dessa época são nada mais que versos cantados. No caso do poema citado, temos uma cantiga de amor composta pelo rei trovador, D. Dinis, rei de Portugal do século XIII ao início do XIV. Ele foi um dos principais poetas deste período e esta composição, escrita em forma de cantiga, portanto, cantada por uma voz acompanhada de instrumentos musicais, pode ser ouvida no seguinte site: http://cantigas.fcsh.unl.pt/versoesmusicais.asp?cdcant=530&vm1=128&vm2=232 Este site português coloca você em contato com as cantigas medievais galego- portuguesas mais importantes da história da literatura, além de poder ouvi-las na interpretação de músicos especializados. Navegue por este site e confira a excelência com que a equipe organizou as informações lítero-musicais deste período medieval. Mas vamos ao poema, se você teve a oportunidade de ouvi-lo, deve ter notado que a cantiga assume, na voz do cantor, um tom muito próximo do antigo canto gregoriano. Apesar de o canto gregoriano não ser acompanhado de instrumentos musicais, desperta variados sentimentos, como recolhimento, alegria, tristeza e serenidade, semelhante à cantiga de amor de D. Dinis. Cantada por uma voz masculina, essa cantiga revela as relações entre o poeta servidor, caracterizado como um vassalo e a sua senhor, representando seu suserano, uma espécie de representação do senhor feudal. Isso revela como as relações de suserania e vassalagem, do sistema feudal, são retomadas nas relações de amor no poema. Na cantiga de amor, portanto, nesta cantiga de D. Dinis, “apresenta-nos assim uma voz masculina essencialmente sentimental, que canta a beleza e as qualidades de uma senhora inatingível e imaterial, e a correlativa coita (sofrimento) do poeta face à sua indiferença ou face à sua própria incapacidade para lhe expressar o seu amor.” (disponível em http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp) 1 O trovador “era um artista de posição social mais elevada, não raro pertencente à nobreza, mesmo que de linhagem secundária ou fidalgo decaído. Para além desse particular, o trovador era o autor das letras e da melodia das canções (cantigas) que executava,...” (E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, disponível em http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=1518&Itemid=2, acessado em 12 de janeiro de 2012) 11 No poema, o eu lírico revela o seu sofrimentoamoroso (coita de amor) pela mulher amada e prefere morrer a vivenciar a indiferença da sua senhora (senhor). Pode-se dizer que a impossibilidade da relação amorosa está condicionada também a um fato social que revela que o eu lírico (o homem que fala no poema) pertence a um estrato social diferente de sua amada, uma espécie de suserana, reproduzindo, com isso, as relações de vassalagem, de servidão do vassalo em relação ao seu suserano. Porém, a vassalagem que se configura no poema é referida ao campo amoroso. O poeta, por influência da religião cristã católica da época, apela para Deus como o cúmplice de seu amor e fidelidade em relação àquela amada do poema e não outra, como você pode observar na primeira e segunda cobras (chamados no período medieval de cobras ou coplas e não estrofes, conjunto de versos, como conhecemos hoje). Na terceira cobra ou copla, observa-se que o eu lírico declara que deseja a morte, pois mesmo querendo o bem da amada, sabe que, sem ela, viverá pouco e mal (sem nenhum prazer), pois não terá a mulher amada, indiferente ao seu sofrimento amoroso (coita). Dessa forma, segundo Lígia Cadermatori, a cantiga de amor apresenta características da poesia cavalheiresca na qual “o homem se consome em paixão perante o desdém da amada, e se resigna perante a inacessibilidade do objeto de seu amor. Esse comportamento perante o amor, essa não-exigência de uma resposta, a ausência de um objeto tangível e definido para o sentimento serão, muito mais tarde, características do Romantismo.” (CADERMATORI, p. 12) Você deve ter percebido que o poema que acabamos de comentar é um exemplo de texto literário do período medieval, mais propriamente do Trovadorismo, e que os dados do contexto da época são importantes para entender o texto literário e a forma como o escritor, poeta, não escreve isolando-se do mundo no qual se insere. Outros tipos de cantigas também circularam no Trovadorismo, como foi mencionado anteriormente, mas não vamos comentá-las aqui, deixaremos para a disciplina Literatura Portuguesa. Apenas queremos lembrá-lo de que a cantiga de amor e a cantiga de amigo pertencem ao gênero lírico, caracterizado pela exposição dos sentimentos do eu lírico (a voz que fala no poema) em relação ao amado ou a amada e ao mundo em que vive, ao contrário das cantigas de escárnio e de maldizer, que são do gênero satírico e visam à crítica a alguma pessoa (cada cantiga à sua maneira), usando palavras com duplo sentido, trocadilhos, destacando os desvios de caráter, moral da pessoa satirizada. Para finalizar, não foram somente as cantigas trovadorescas que representaram a literatura desta época, na prosa, também são objeto de estudos literários o romance de cavalaria, os escritos místicos e doutrinários e a historiografia. Não abordaremos a prosa medieval aqui, pois precisamos apresentar os demais movimentos literários. 12 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Você acabou de observar que a poesia trovadoresca do período medieval surge em um contexto marcado pela presença da religião cristã católica e pelas relações sociais próprias do feudalismo que se desenvolveu em um mundo tipicamente agrário, até o século XIV. Passando para os séculos XV e XVI, Igreja Católica começa a perder força, pois o homem, bem como a sociedade e a arte passam a prestigiar os valores da Antiguidade clássica greco-romana e a realidade. Com isso, há um deslocamento do Teocentrismo para o Antropocentrismo, ou seja, o homem passa a ser o centro do universo e não mais Deus. Livre da supremacia da igreja, a arte passa a ser mais livre para imitar os clássicos e apresentar uma imagem mais científica do mundo. Independente da Igreja, o artista passa a criar suas obras fazendo sua própria leitura e interpretação da realidade e isso fez com que conquistasse seu estilo, sua visão de mundo, criando, com isso, a noção de autor ou de autoria. Preocupado com a forma da obra literária e com um ideal de perfeição, retomando princípios básicos da concepção da arte grega, o escritor valoriza o conhecimento humano e o raciocínio lógico, colocando em evidência os grandes feitos do homem da época, como fez Camões ao escrever o poema épico Os Lusíadas, destacando as conquistas do povo português, com as grandes navegações e a construção do império lusitano. Leia as duas primeiras estrofes d´Os Lusíadas, de Camões, e tente observar como o que foi dito anteriormente pode ser observado nos versos: Explore Se você é um curioso e quer conhecer mais sobre esses textos entre o site a seguir que apresenta um documento elaborado pela renomada Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, composto por uma antologia da Literatura Portuguesa dos séculos XIII a XIV. Neste documento você terá contato com a prosa medieval portuguesa. Não deixe de conferir, acesse http://www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_04.pdf Renascimento (Classicismo) 13 Canto I As armas e os Barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando, Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandre e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre lusitano , A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta (Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000162.pdf, acessado em 16 de janeiro de 2012) As três estrofes anteriores compõem a Proposição do poema épico de Camões, é a enunciação do assunto proposto pelo poeta. Na primeira estrofe, você pode observar que os versos cantam as façanhas dos heróis portugueses, ressaltando a coragem ao superarem os perigos do mar, as guerras, para edificarem o Império português. Na segunda estrofe, o poeta valoriza os reis do passado português que contribuíram para a expansão do Cristianismo e do império português ao estabelecem colônias em África e Ásia, como você pode notar nos versos: Daqueles Reis que foram dilatando/ A Fé, o Império, e as terras viciosas/ De África e de Ásia andaram devastando,/ E aqueles que por obras valerosas. Na terceira estrofe, ressalta-se a importância das grandes navegações portuguesas que superaram, em valor, para o poeta, o passado representado pelas conquistas do império grego e troiano, representados nos versos que se referem aos conquistadores ilustres Alexandre 14 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Magno e Trajano e aos heróis das epopéias clássicas Ulisses (da Odisséia) e Enéias (herói troiano da Eneida): Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram;/Cale-se de Alexandro e de Trajano. Observe que as vitórias do presente, do povo português do século XVI e o império que conseguiu construir (Que eu canto o peito ilustre lusitano,) são valorizados. Como é típico do Classicismo, você também pode notar a presença da mitologia greco-romana representada, aqui nesta terceira estrofe, pelos deuses Marte, da guerra, e Neptuno, do mar, que se submetem ao poder do povo português engrandecido ao ponto de ser cessar o canto da antiga Musa. A partir dos comentários anteriores, você teve ter notado que o herói dessa epopéia portuguesaé coletivo, fato que já pode ser observado no próprio título Os Lusíadas e no plural utilizado nas expressões “barões assinalados”, “Daqueles Reis”. Também, o Classicismo aborda os homens ideais, libertos de suas necessidades diárias, comuns. Os personagens centrais das epopéias são apresentados como seres superiores, verdadeiros semideuses, sem defeitos. Apesar de ter os gregos e romanos como referência e objeto de imitação, como é o caso do primeiro verso da proposição (As armas e os Barões assinalados), que reproduz o primeiro verso da Eneida, Camões procurou valorizar os feitos de seu povo, com isso colocou o homem no centro das grandes conquistas da época, como caracterizou o caráter antropocêntrico do classicismo renascentista. No Brasil, os relatos de viagem e a educação jesuítica que refletiram a atmosfera renascentista clássica, mas não tivemos uma obra de um escritor brasileiro que expressasse as características do Classicismo como estética literária, visto que o Brasil tinha acabado de ser “descoberto”. Assim como o período colonial foi marcado pela presença da fé cristã católica, no Barroco, movimento que se fixou entre o final do século XVI e 1ª metade do XVIII, houve um retorno à ideologia cristã por meio da ideologia da Contra Reforma e do Concílio de Trento. Segundo Lígia Cademartori (p.28) O elemento cristão da Idade Média e o racionalista do Renascimento geraram o dualismo barroco, característico de um período em que o homem busca a conciliação do espiritualismo medieval com o humanismo posto em voga pelos renascentistas. A tentativa de conciliar essas tendências provocou a tensão, tão peculiar ao estilo, e as contradições próprias a uma tendência que ora festeja a razão, ora a fé; ora o sensorial, ora o espiritual. Barroco 15 Essa tensão e jogo de contradições no barroco, conforme observou Cademartori, você poderá observar, na literatura, por meio do uso das chamadas figuras de oposição: antíteses (contraposição de uma palavra a outra de significação oposta) e paradoxos (ideias contrárias). Também, a representação do mundo se dá por metáforas, ou seja, dois termos são aproximados por similaridade e o seu resultado é fruto da imaginação de quem cria a metáfora. Agora observe como o poema a seguir, do poeta baiano Gregório de Matos, o maior expoente do barroco brasileiro, articula as características deste estilo de época: Anjo no nome, Angélica na cara, Isso é ser flor, e Anjo juntamente, Ser Angélica flor, e Anjo florente, Em quem, senão em vós se uniformara? Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não idolatrara? Se como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu custódio, e minha guarda Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares, Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/gregoi10.html, acessado em 14 de janeiro de 2012) Observe que o poema de Gregório de Matos, dedicado à mulher amada, apresenta um esquema de contradições e metáforas que evidenciam como o eu lírico, em estado de tensão, revela o conflito entre amar e pecar, mulher e anjo, flor e anjo. Note que a descrição da mulher envolve um paradoxo e duas metáforas: a mulher é aproximada, por semelhança, do “Anjo” e da “flor”. A primeira imagem, a do “Anjo”, demonstra que a mulher é tão inalcançável quanto ao anjo, e sua delicadeza e formosura também são aproximadas. Quanto à flor, aproximada da mulher, está associada à beleza, à feminilidade. Note que as duas imagens, flor e anjo, aparecem em oposição, visto que a flor, ao contrário do anjo, é algo que se pode ter, pois pertence ao mundo profano, onde nós vivemos. O anjo representa o mundo sagrado, distante, por isso só resta idolatrar, como a beleza da mulher amada. Observe que a mulher, descrita como tentadora, diabólica, remete à leitura cristã católica, que reforça o contexto da época, dominado pela Igreja Católica e sua condenação ao carnal. A última estrofe conclui o poema em um paradoxo, pois a mulher-anjo tenta e não guarda. 16 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Você deve ter notado que o nome desse estilo literário, Neoclassicismo, diz respeito a um novo Classicismo, porém no século XVIII, retomando os padrões greco-romanos. Também é preciso destacar que o contexto é outro. Neste momento, a classe burguesa está surgindo na Europa e é responsável pela produção e consumo da arte. A concepção científica do mundo e o progresso do conhecimento aproximam a arte da objetividade, do racionalismo tão divulgado pelo Iluminismo, que expressou as necessidades e os anseios da classe burguesa. Para Vitor Manuel de Aguiar e Silva, “o século XVIII... constitui uma época extremamente complicada, pois nele confluem correntes barrocas retardatárias e correntes neoclássicas ou arcádicas; nele se desenvolve o chamado estilo rococó e... irrompe o pré- romantismo” (AGUIAR e SILVA, 1976. p.463). Mesmo com o encontro de diferentes estilos, o Arcadismo, segundo o crítico Alfredo Bosi em seu livro História Concisa da Literatura Brasileira (2006, p.82.) apresentou dois momentos do Arcadismo no Brasil: a) poético: retorno à tradição clássica com a utilização dos seus modelos, e valorização da natureza e da mitologia. b) ideológico: influenciados pela filosofia presente no Iluminismo, que traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero. Ao evocar a natureza e a vida pastoril como alternativa saudável (expressão racional da natureza), a poesia árcade também incorporou diferentes expressões latinas comuns à poesia pastoril greco-romana, como forma de conceber o seu fazer poético. Confira quais eram essas expressões: Inutilia truncat: "cortar o inútil", referência aos excessos cometidos pelas obras do barroco. No arcadismo, os poetas primavam pela simplicidade. Fugere urbem: "fugir da cidade", do escritor clássico Horácio; Locus amoenus: "lugar ameno", um refúgio ameno em detrimento dos centros urbanos monárquicos; Carpe diem: "aproveitar a vida", o pastor, ciente da efemeridade do tempo, convida sua amada a aproveitar o momento presente. A poesia pastoril, também conhecida como poesia bucólica associada ao termo bucolismo é, segundo E-Dicionário de Termos Literários o Neoclassicismo (Arcadismo) 17 Género literário sinónimo da poesia pastoril que respeita as convenções clássicas provenientes, sobretudo, das Bucólicas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito de Siracusa. Este género enuncia um ideal de vida que canta as belezas da vida do campo, o espaço dos pastores, a ingenuidade dos costumes, a quotidiano tranquilo em simples contacto com a natureza. Trata também dos amores, alegrias e penas dos pastores que contrastam com os sobressaltos e inquietações da vida urbana. (disponível em http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=168&Itemid=2) Agora vamos observar como estas características da poesia árcade que retoma a poesia pastoril se configurou no Brasil, com o poema abaixo, do poeta árcade brasileiro Tomás Antônio Gonzaga: Lira XIX Enquanto pasta alegre o manso gado, minha bela Marília, nos sentemos à sombra deste cedro levantado. Um pouco meditemos na regular beleza, que em tudo quanto vive nos descobre a sábia Natureza. Atende como aquela vaca preta o novilhinho seu dos mais separa, e o lambe, enquanto chupa a lisa teta. Atende mais, ó cara, como a ruiva cadela suporta que lhe morda o filho o corpo, e salte em cima dela. (...) (disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/tomaz1.html#lira9,acessado em 15 de janeiro de 2012) Observe que a primeira estrofe do poema apresenta o eu lírico, que se faz passar por um pastor, e a sua amada, a pastora Marília, em um cenário bucólico, que canta a tranquilidade da vida no campo, caracterizada pelas imagens: “pasta alegre o manso gado”, “à sombra deste cedro”, “a sábia natureza”. Você já deve ter percebido que esse cenário construído pelo poeta exemplifica bem a expressão latina locus amoenus, o lugar ameno, uma espécie de refúgio natural para os amantes. O eu lírico propõe à amada que sentem para meditar sobre esse lugar ameno, aproveitando de sua sensação de equilíbrio e paz. 18 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Note, também, que a linguagem simples (inutilia truncat), sem os excessos das figuras de linguagem do movimento barroco, assegura, no momento, a sensação de simplicidade da própria vida rural. Na segunda estrofe, o eu lírico continua chamando a atenção de sua amada Marília para outros elementos que compõem o quadro bucólico: “vaca preta”, “novilhinho”, “ruiva cadela”. Dessa forma, o poema é um exemplo, em parte, do que pretendia a poesia árcade. O Romantismo, movimento literário que ganhou expressão entre a segunda metade do século XVIII e primeira metade do século XIX, tornando-se um estilo que buscou expressar o sentido de vida da burguesia, classe em ascensão neste período. Lutando contra a mentalidade aristocrática e classicista, presente no Arcadismo, o movimento romântico, ao contrário da objetividade e racionalidade árcades, valorizou a subjetividade, o plano das emoções, o individualismo como protesto contra o ordem social em que ele se aliena. Como observou Lígia Cademartori O individualismo, o emocionalismo e o moralismo são, segundo esse prisma, as características marcantes do início do Romantismo. A estas, acrescenta-se mais tarde a propensão à melancolia e ao pessimismo. O homem romântico sofreu a discrepância entre o sonho e a realidade, vítima do conflito entre as ilusões e a trivialidade da vida burguesa. (p.38) A arte romântica não é regida por critérios rígidos e sim critérios próprios, individuais do artista, que passa a seguir seus sentimentos e encontra, no público leitor (formado nesta época) uma grande receptividade. Você já deve ter ouvido a expressão “você é muito romântico”. Observe que esse “muito romântico”, pode estar relacionado à expressão de sentimentos em exagero, ou a tentativa de fugir da realidade, em busca de um mundo de sonhos, possivelmente perfeito. O Romantismo também valorizou os elementos nacionais e se colocou em defesa da identidade nacional. No Brasil, essa característica encontrou grande expressão, pois o país, ainda Colônia de Portugal, tinha acabado de se libertar, politicamente, da Metrópole, e houve um intenso empenho dos escritores em construir uma literatura nacional. Como observou o crítico literário Antonio Candido, nesse processo a literatura teve um papel fundamental, cabendo aos nossos escritores a missão de “mapear o país”, e assim descrever e interpretar a vida nacional (CANDIDO, 1997, p.12). Romantismo 19 No Brasil, a valorização do nacional encontrou expressão, principalmente, em poemas indianistas de Gonçalves Dias e em romances de José de Alencar, como O Guarani e Iracema, que apresentam o índio idealizado, valorizado em sua língua, hábitos e costumes em harmonia com uma natureza exuberante, rica em sua fauna e sua flora. Você deve ter notado que a natureza também estava presente no Arcadismo, porém como cenário apenas, para introduzir a vida pastoril. No Romantismo, a natureza não é apenas pano de fundo, mas interage com o eu lírico na poesia e com as personagens no romance. Ela pode revelar o estado de alma, de espírito de uma personagem, como você pode observar em Iracema, de José de Alencar. Leia, a seguir, o início do Capítulo 2, do livro Iracema e repare na forma como a personagem é descrita: Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, em pluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se. Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. (disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000014.pdf, acessado em 16 de janeiro de 2012) 20 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Note que Iracema é descrita de uma forma idealizada, ou seja, sem defeitos, e suas características físicas são sempre comparadas as da natureza, como os seus lábios de mel, seus cabelos “mais negros do que a asa da graúna” e mais longos que o “talhe de palmeira”, “mais rápida que a corça selvagem”, o sorriso mais doce do que o favo de jati etc. Iracema, em quase tudo, é mais que a própria natureza exuberante, sendo filha dessa mesma natureza, como você pode observar no primeiro parágrafo do texto que acabou de ler: “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.” É importante destacar aqui, que o Romantismo, no Brasil, não se limitou a valorizar a natureza e o índio e a idealizar suas personagens, outros escritores como Castro Alves, Álvares de Azevedo desenvolveram e ampliaram algumas características do Romantismo europeu no Brasil. O primeiro poeta incorporou as questões sociais polêmicas da escravidão, principalmente no Brasil, o segundo, tratou, de forma mais ampla, as temáticas do amor e da morte, imbuídas de melancolia e tristeza, além de alinhar a poesia brasileira romântica com a teoria do grotesco, do escritor francês Victor Hugo, que defendia a ideia de que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme ao lado do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz. Você observou que a classe burguesa já despontava como protagonista do movimento romântico, no Realismo, proposta estética da segunda metade do século XIX, esta classe desfrutava plenamente o poder, evoluindo dentro do sistema capitalista. Neste momento, estabeleceu-se a luta de classes, entre burguesia e proletariado, que colocava em evidência o sistema de exploração do trabalho com a progressiva industrialização.Mas não foram somente a consciência de classe do proletariado, as conquistas sociais, bem como a teoria do socialismo que marcou a segunda metade do século XIX, algumas teorias cientificistas também contribuíram na caracterização do movimento realista, como o determinismo de Taine, o positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de Darwin. Segundo Massaud Moisés, os escritores da época, influenciados por essas teorias, "dispunham a examinar a existência humana, movidos por intuitos científicos, de modo a converter a obra de arte num autêntico laboratório, em defesa da causa social". Nesse sentido, você já deve ter imaginado que uma literatura que se apropria do pensamento racionalista científico para ser elaborada, não tem mais espaço para a emoção, a subjetividade excessiva, como vimos no Romantismo. O que vai reger a literatura realista é a objetividade, a razão, uma descrição nua e crua dos seres vivos e dos lugares, detectando as contradições da natureza humana e os vícios da sociedade burguesa, apelando para uma descrição minuciosa das personagens no romance. Leia atentamente o fragmento, a seguir, do segundo capítulo do romance O Cortiço, do escritor brasileiro Aluísio Azevedo: Realismo 21 Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia. Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. (Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000003.pdf, acessado em 15 de janeiro de 2012) Note que o narrador descreve, em detalhes, o despertar no cortiço, expondo o grande aglomerado de pessoas, de trabalhadores que habitam a moradia coletiva. Nesta descrição, você pode observar que o narrador busca ser mais o mais realista possível, ao ressaltar a realidade nua e crua do cotidiano do cortiço: como o acordar às cinco horas da manhã; as roupas úmidas de véspera com cheiro acre (azedo) de sabão ordinário; as pedras do chão esbranquiçadas de espuma seca, com uma “palidez grisalha e triste”; os bocejos e o pigarrear das pessoas que acabaram de acordar; o choro abafado das crianças; o “cacarejar das galinhas”; e, finalmente, o narrador caracteriza os homens e as mulheres que se aglomeram nas bicas, como machos e fêmeas, aproximando-os do mundo natural, animalizando o comportamento humano. 22 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Contemporâneo ao Realismo e ao Naturalismo, o Parnasianismo também ocupou o cenário literário na segunda metade do século XIX. Ao contrário da poesia romântica, a poesia parnasiana renegou a subjetividade excessiva e o tom confessional e aspirou à impessoalidade e à realidade em seus versos. Porém, essa realidade não possui aspirações sociais como a prosa realista e sim é marcada pelo culto à forma, à presença da cultura clássica, das lendas e histórias da Antiguidade Clássica. No poema a seguir, de Alberto de Oliveira, você poderá observar como as características acima marcam o estilo parnasiano: Vaso grego Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que a suspendia Então, e, ora repleta ora esvazada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse (Texto disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/ao04.html, acessado em 16 de janeiro de 2012) (Imagem disponível em http://it.wikipedia.org/wiki/Forme_ceramiche_greche, acessado em 16 de janeiro de 2012) Na leitura do poema “Vaso Grego”, de Alberto de Oliveira, você deve ter notado que o eu lírico descreve o vaso grego e a imagem que se encontra nele pintada: o poeta de Teos, Anacreonte, segurando uma taça que teria servido aos deuses do Olimpo. Perceba que o eu lírico, com objetividade e distante de qualquer tom confessional, aprecia a beleza da pintura do vaso, como podemos comparar com a imagem do vaso acima. A Antiguidade Clássica é valorizada em detalhes e perceba que o eu lírico valoriza a arte pela arte: a forma da taça, como objeto artístico, utilizada por um artista, o poeta Anacreonte e a cena, possivelmente, pintada em um vaso grego, outro objeto de arte. Parnasianismo 23 Oposta à poesia parnasiana, a poesia simbolista, do final do século XIX, também de origem francesa, recorre à concepção mística do mundo, buscando formas indefinidas e associações livres que revelam um gosto pelo incompreensível e pela música, considerada a mais abstrata das artes. Segundo Lígia Cademartori: No Simbolismo, o procedimento comparativo, tão em voga no Romantismo e no Parnasianismo, é banido. As imagens não são mais paralelas, superpõem- se em riqueza associativa. Por outro lado, a musicalidade volta a ser cultivada. A palavra, antes presa a uma sintaxe ordenada — reflexo de uma concepção do mundo como uma estrutura lógica —, com a opção do simbolista pelo indefinido e pelo misterioso, liberta-se da ordem frasal e carrega-se de sugestividade irracional. (p.54) Ao ler um poema simbolista, você terá a sensação de distanciamento da realidade, o eu lírico parece imerso em um mundo ideal, de experiências sobrenaturais, de imagens misteriosas e indefiníveis nas quais são despertadas diferentes sensações que fazem lembrar um ritual místico. Pensando nessas características, leia atentamente o poema a seguir, de Cruz e Souza: Sinfonias do Ocaso (de Cruz e Sousa) Musselinosas como brumas diurnas descem do ocaso as sombras harmoniosas, sombras veladas e musselinosas para as profundas solidões noturnas. Sacrários virgens, sacrossantas urnas, os céus resplendem de sidéreas rosas, da Lua e das Estrelas majestosas iluminando a escuridão das furnas. Ah! por estes sinfônicos ocasos a terra exala aromas de áureos vasos, incensos de turíbulos divinos. Os plenilúnios mórbidos vaporam ... E como que no Azul plangem e choram cítaras, harpas, bandolins, violinos ... (Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/csousa.html#ocaso,acessado em 16 de janeiro de 2012) Simbolismo 24 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Você deve ter percebido que, diferente do poema parnasiano “O vaso grego”, de Alberto de Oliveira, o poema de Cruz e Souza não tematiza algo, apenas insinua imagens abstratas, formas indefinidas, como musselinosas (transparências), “brumas diurnas”, sombras, “solidões noturnas”. Perceba que as imagens presentes na primeira estrofe remetem mais a visão, a cores claras e escuras. Na segunda estrofe, as expressões “sacrários virgens”, “sacrossantas urnas”, “Lua”, “Estrelas”, “furnas”, não só remetem novamente a oposição entre claro e escuro, mas também uma impressão de ritual místico que se complementa com as duas últimas estrofes, destacadas por imagens que remetem à audição (“sinfonias”, “cítaras”, “bandolins”, violinos”) e imprimem musicalidade ao poema. Acrescente-se à audição, o olfato, com a presença dos “aromas”, “incensos”, que reiteram as diferentes associações, que reforçam a indefinição. O Modernismo reuniu uma série complexa de estilos que se manifestaram no século XX, com as chamadas vanguardas européias: Futurismo, Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Surrealismo. Esses estilos buscaram romper com a noção de imitação da realidade e propuseram uma interpretação do real, introduzindo uma concepção lúdica da arte que passa a exigir mais a participação do leitor como uma espécie de co-autor. Por exemplo, o Futurismo valorizou a técnica, a velocidade e as inovações da modernidade, exaltando o futuro. Na poesia, os futuristas romperam com a sintaxe, com as normas de pontuação e preferiram o verbo no infinitivo. Já o Cubismo, decompôs os objetos para recompô-los segundo uma lógica própria, geometrizada. Na literatura, elimina-se a discursividade lógica, propondo uma estética fragmentária. O Surrealismo, por exemplo, vai propor um mergulho no inconsciente, resgatando as imagens do sonho, do ilógico, para o mundo da arte, a partir dos estudos de Freud. Na literatura, propõe-se a escrita automática, caracterizada pela livre associação, rompendo com o verso metrificado e com a sintaxe linear. No Brasil, a Semana de Arte Moderna reuniu diferentes tendências com o objetivo de definir os novos rumos para a arte brasileira. Na literatura, Mário e Oswald de Andrade despontaram na prosa e na poesia com suas obras inovadoras. Vamos observar um exemplo bastante simples de um poema modernista de Oswald de Andrade: Modernismo 25 Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados (Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/oswal.html#vicio, acessado em 17 de janeiro de 2012) Você deve ter notado que o poema “Vício na fala” não possui sinais de pontuação e nem uma métrica regular, diferente do que observou nos poemas anteriores. Além disso, o poeta introduz a linguagem coloquial no poema, utilizando as palavras como são faladas pelas camadas populares: “mio”, “mio”, “pio”, “teia”, “teiado”. A repetição de palavras, como a da preposição “Para”, também é uma marca da língua falada, ressaltando o vício na fala, conforme o título do poema. Nas nossas atividades desta unidade, você terá a oportunidade de ter contato com outros exemplos da literatura modernista. 26 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s Para complementar a sua leitura sobre o assunto e observar mais exemplos de cada movimento literário, leia o texto disponível no site a seguir: http://www.ulbra.br/letras/files/periodos-literarios-enade-2011.pdf Material Complementar 27 AGUIAR e SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1976. ALENCAR, José de. Iracema. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000014.pdf, acessado em 16 de janeiro de 2012. AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000003.pdf, acessado em 15 de janeiro de 2012. CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo, Ática, 2001. CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000162.pdf. Acessado em 16 de janeiro de 2012. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 8 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em http://www.edtl.com.pt/. Acessado em 16 de janeiro de 2012. FEITOSA, Soares. Jornal de Poesia. Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/. Acessado de 14 a 16 de janeiro de 2012) Fundação Calouste Gulbenkian. Disponível em http://www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_04.pdf. Acessado em 16 de janeiro de 2012. LOPES, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 12 de janeiro de 2012] Disponível em: http://cantigas.fcsh.unl.pt MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Cultrix, 1988. Referências 28 U n i d a d e : P e r í o d o s L i t e r á r i o s _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Anotações
Compartilhar