Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O domínio do direito internacional privado. Como leciona Maria Helena Diniz “devido ao grande desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte, tornou-se comum o intercâmbio social, civil e mercantil entre pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas em Estados diferentes ou que tenham nacionalidades diversas. Consequentemente, intensifica-se a vida internacional, originando fatos interjurisdicionais, que se caracterizam por seu contato com mais de um meio social, ou melhor, com mais de uma ordenação jurídica”. O contato das relações sociais com normas jurídicas pertencentes a ordenamentos jurídicos distintos requer a existência de regras específicas que sejam capazes de definir qual a lei, originária de qual Estado, a incidir na relação jurídica conflituosa por conta da qual se requeira a manifestação jurisdicional. Por outro lado, frente à possibilidade da solicitação da manifestação jurisdicional, deve o Estado, num primeiro momento, fixar as causas em relação às quais a fará atuar, já que, embora em tese possa se arvorar no direito de solucionar todo e qualquer litígio que venha a surgir no mundo, por questão de efetividade e interesse, deve limitar esta sua atuação. Assim, as regras de direitos internacional privado, existentes no ordenamento de todo e qualquer Estado, a uma, diante do conflito espacial de normas, definirão qual a lei material (de qual ordenamento) irá incidir na apreciação do caso concreto; a duas, e sendo questão antecessora, em razão da conexão do caso concreto conflituoso com mais de um ordenamento, a fixação da atuação jurisdicional do Estado, ou seja, se poderá ou não o Estado apreciar e julgar o caso que lhe seja apresentado. Portanto, o direito internacional privado destina-se a solver questões de duas grandezas: os conflitos de leis no espaço (quando certa relação jurídica, em tese, possa estar conectada a regras jurídicas pertencentes a mais de um sistema jurídico – pertencentes a mais de um Estado) e previamente a esta, os conflitos de jurisdição (com vistas a se ter por definida a possibilidade de atuação jurisdicional do Estado em certo conflito que lhe seja submetido – tema de competência jurisdicional). O objeto do direito internacional privado Pelo quanto se viu, é possível afirmar que o direito internacional privado apresenta dois grandes objetos, quais sejam: a) a fixação da jurisdição estatal; b) a determinação da lei material aplicável a uma relação que apresente conexão de internacionalidade. Quanto ao primeiro objeto, ter-se-á definida a atuação da jurisdição estatal em relação ao caso conflituoso que lhe seja apresentado para solução. Quanto ao segundo objeto, fixada a jurisdição estatal, definir-se-á a norma material a ser aplicada ao caso concreto – se a norma do Estado incumbido da solução do litígio ou a de outro com o qual a relação se apresente conectada. A denominação A denominação “Direito Internacional Privado” atribuída a esta disciplina jurídica decorre de alguns fatores, todos efetivamente justificáveis do ponto de vista acadêmico, senão vejamos. A uma, Internacional o é em razão da conexão das relações sociais que a ele se subordinam. Nestes termos, as relações sociais atinentes a este ramo do direito, por conta de certos elementos denominados “elementos de conexão de internacionalidade”, ligam-se a normas jurídicas originárias de mais de um sistema jurídico (portanto pertencente a mais de um Estado; v.g. contrato firmado entre brasileiro domiciliado no Brasil e Alemão domiciliado na Alemanha). A duas, a denominação “privado” advém do fato de que referidas relações sociais, subordinadas a este ramo jurídico, dizem respeito a relações entre particulares, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (não entre Estado Soberanos), portanto, relações de natureza privada. Assim, podemos dizer, então, que a “internacionalidade” decorre da conexão das relações a regras originárias de mais de um Estado soberano, bem como a indicação de “privado” encontrar-se diretamente ligada aos sujeitos que se subordinam às normas desse ramos, tendo por ele suas relações reguladas. A natureza jurídica O Direito Internacional Privado é ramo do direito público interno. Assim o é em razão de que cada Estado é quem define, nos moldes de sua legislação interna, as regras que disciplinam efetivamente as relações jurídicas com conexão de internacionalidade. Em tal sentido, é esta a lição ministrada por Maria Helena Diniz (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Interpretada), “... cada Estado tem liberdade para definir, conforme sua ordem jurídica, as normas que disciplinam as relações entre nacionais e estrangeiros, sem qualquer vinculação a uma ordem internacional. É de direito público porque, apesar de suas normas regularem relações de direito privado, elas são inderrogáveis pelas partes, no direito brasileiro”. Como se percebe, não obstante regulem as normas de direito internacional n privado relações que dizem respeito a particulares, portanto sujeitos de direito privado, é fato que referidas normas jurídicas não podem ser derrogadas pelas próprias partes, já que há, invariavelmente, um interesse direto do Estado no respeito a tais normas nos exatos moldes em que por ele (Estado) estabelecidas. Daí porque uma disciplina denominada de “internacional privado” efetivamente pertencer a um ramo de direito “público interno”. As normas de direito internacional privado no Brasil. Dentre as normas de direito internacional privado que integram o ordenamento jurídico brasileiro, cabe destaque às regras previstas no bojo do Decreto-Lei nº 4.657, vigente desde 17 de setembro de 1942. Referido diploma normativo, antigamente denominado por “Lei de Introdução ao Código Civil”, desde 31/12/2010 passou a denominar-se “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. Mencionada alteração deu-se por conta da publicação da Lei nº 12.376/2010 que expressamente modificou a ementa da lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42) que, portanto, passou a vigorar com a seguinte redação: “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. Logo, desde dezembro de 2010 a denominação correta relativamente à antiga lei de introdução passou a ser a de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ou, na sua forma abreviada, LINDB. A Lei de Introdução, que é o Decreto-Lei nº 4.657, vigente desde 17 de setembro de 1942, nos artigos 7º a 17, como já destacado em aulas anteriores, disciplinava o direito internacional privado. Encontra-se, nas lições dos estudiosos da matéria, a menção de que a Lei de Introdução ao Código Civil, agora rebatizada como LINDB seria a fonte mais importante, no Brasil, do direito internacional privado, posição da qual comungamos. Em seu conteúdo, especificamente no que tange às regras de direito internacional privado, a LINDB, em seus artigos 7º e 11, dispõe sobre o direito material aplicável às relações referentes à pessoa e à família; em seus artigos 8º e 9º, versa sobre o tema das regras materiais aplicáveis às relações que digam respeito aos bens e às obrigações; na sequencia, as normas materiais aplicáveis à sucessão por morte ou ausência se fazem apreciadas em seu artigo 10, restando tratadas questões de direito processual civil internacional a partir de seu artigo 12 até o 17. Neste tópico, relativamente às regras de direito processual civil internacional, no artigo 12 a LINDB dispõe sobre competência jurisdicional internacional; nos artigos 13 e 14, sobre as regras próprias tanto à prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro quanto à prova do direito alienígena a ser utilizado; em seu artigo 15 regula a homologação de sentença estrangeira em nosso país, proibindo, no artigo 16, a ocorrência do denominado retorno; porfim, em seu artigo 17 aprecia os limites de aplicação de leis, atos e sentenças de outros países no Brasil. Portanto, na linha de coerência com o que colocam os estudiosos da disciplina acerca da importância da LINDB enquanto fonte da área em estudo, urge destacar que a mesma contém normas dispondo acerca de ambos os objetivos do direito internacional privado, ou seja, normas que fixam a competência de jurisdição (e temas processuais daí decorrentes) e a delimitação da lei material aplicável a certo caso concreto que tenha conexão de internacionalidade. As normas de direito internacional privado no Brasil Em continuação à aula anterior, tratamos, neste tópico do tema inerente às normas de direito internacional privado no Brasil. Como já destacado, o direito internacional privado objetiva, anteriormente à definição da lei material aplicável a uma relação que apresente conexão de internacionalidade, a fixação da jurisdição estatal. Assim, antes de termos de definir a lei material aplicável à relação que apresente conexão de internacionalidade, necessário saber-se se o Estado fixou a sua atuação jurisdicional para o caso concreto. Logo, ao falarmos das normas relativas ao direito internacional privado, não podemos afastar, na análise do rol das regras pertinentes à disciplina, aquelas que digam respeito à fixação jurisdicional, ou seja, as regras que delimitam a atuação jurisdicional do Estado. No Brasil, embora tentativas tenham sido lançadas no sentido de se estabelecer um Código de Direito Internacional Privado, é fato que o intento não logrou êxito, razão pela qual encontramos em normas esparsas regramento desta disciplina. Todavia, tendo-se em vista os objetivos básicos do direito internacional privado, podemos afirmar que ao depararmos com regras que visem, especificamente, quer a fixação da atuação jurisdicional do Estado, quer a definição da norma material aplicável a uma relação com conexão de i nternacionalidade, estaremos diante de norma desta disciplina. Como já visto na aula anterior, a Lei de Introdução é considerada, em nosso País, a norma mais importante de direito internacional privado. Mas não é ela a única. 1. Normas internacionais Ao lado da Lei de Introdução, encontramos Tratados Internacionais que apresentam aspectos que tocam esta disciplina. Assim, podemos encontrar em Tratados Internacionais normas que definam lei material ou, previamente a este aspecto, fixem a jurisdição Estatal brasileira. No Brasil, o Tratado Internacional mais importante relativo ao Direito Internacional Privado, assim reconhecido pelos estudiosos deste disciplina, é o denominado Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto nº 18.871/29. Tal diploma normativo vigora entre os seguintes Estados soberanos: Brasil, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana, El Salvador e Venezuela. Como ensina Beat Walter Rechsteiner (Direito Internacional Privado – teoria e prática, Saraiva, 3ª edição, 1999), tal diploma normativo (oriundo de fonte do Direito Internacional Público), “... tem 437 artigos e trata de quase todas as questões de direito internacional privado e direito processual civil internacional”, pelo que há de ser reconhecida, por nós, como a mais ampla e abrangente fonte de direito internacional privado no Brasil. Quanto à fixação, em Tratados Internacionais, da atuação jurisdicional Estatal, podemos destacar o quanto previsto no artigo 651, da CLT. O parágrafo 3º de tal dispositivo legal, ao asseverar a atuação da jurisdição brasileira em matéria trabalhista (a dissídios que envolvam empregado brasileiro e empresa com sede ou filial no Brasil), destaca a possibilidade de tal atuação ser retirada por previsão em Tratado Internacional. 2. Jurisprudência As decisões reiteradas dos Tribunais acerca de temas que digam respeito aos objetivos desta disciplina devem ser lembradas como fonte desta área do direito. Embora não sejam muitas as decisões com as quais nos deparamos e que digam respeito ao Direito Internacional Privado, é fato que a importância para a disciplina no pode ser abandonada. 3. Os artigos 88 e 89 do CPC e o artigo 651 da CLT Referidos diplomas legais tocam a um dos objetivos desta área do direito, qual seja, a fixação da atuação jurisdicional estatal, daí a importância para a disciplina. O artigo 88 do CPC expressa as hipóteses em que, concorrentemente, a atuação da jurisdição brasileira poderá ocorrer, ao passo que o artigo 89 expressamente determina a atuação da jurisdição Estatal com exclusividade. Já o artigo 651 da CLT, em seu parágrafo 3º, autoriza a atuação da jurisdição Estatal, em matéria de relação de trabalho, quando o dissídio ocorrido fora de nosso Estado envolver empregado brasileiro e empresa que aqui tenha filial ou sua sede. Elementos de conexão – noção e delimitações iniciais: Como visto em aulas anteriores, o Direito Internacional privado apresenta dois objetivos: primeiro, a fixação da jurisdição (para definir, diante de um caso litigioso que lhe seja apresentado, se o Estado reservou-se a possibilidade, exclusiva ou concorrentemente, da atuação da jurisdição local); segundo, fixada a jurisdição local, busca a solução de conflitos de leis no espaço (delimitando qual a lei material e de qual Estado deverá ser aplicada na solução do conflito que lhe faz apresentado). De certo, na maior parte dos casos concretos apreciados pelo judiciário os elementos da relação, em sua totalidade, tocam a questão única e exclusivamente ao ordenamento jurídico local, daí não suscitar dúvida quanto à norma a ser aplicada à situação litigiosa – invariavelmente aplicando-se a lex fori, qual seja, a lei do foro perante o qual submetida a demanda. Toda relação conflituosa submetida ao Estado, para que por ele seja solucionada através da atuação de sua jurisdição, quando deixa suscitar a possibilidade de aplicação de normas materiais originárias de mais de um Estado, por conexão que o caso concreto (por elementos que o integram) apresenta a normas próprias de mais de um sistema jurídico pertencente a mais de um Estado soberano, exige a delimitação da norma material a ser utilizada na solução do litígio. Tal conexão a normas originárias de sistemas jurídicos distintos acontece por conta de elementos integrantes da relação tocarem normas originárias de mais de um Estado, submetendo a questão, assim, num primeiro momento, a estas variadas normas de variados sistemas. Em razão desta conexão levar à possibilidade de aplicação de normas diversas originários de Estados distintos, atribui-se a tais elementos, extraídos do caso concreto, a denominação de elementos de conexão de internacionalidade. Portanto, são os elementos de conexão de internacionalidade, contidos na relação conflituosa, os responsáveis pela ligação (tecnicamente denominada por conexão) da relação intersubjetiva com sistemas jurídicos distintos. Não sendo possível solucionar-se a pendenga por meio da aplicação concomitante de mais de um regramento, é certo que ao Estado cabível se apresenta a necessária opção acerca da norma material (e de qual Estado) deverá aplicar. Tal escolha, por sua vez, ocorre por meio da eleição, por parte do ente estatal, de um dos elementos integrantes da relação (passíveis de constatação), em razão de critérios por ele estabelecidos, devidamente determinados por conta da natureza da questão conflituosa. Os elementos de conexão: A doutrina identifica certos elementos de conexão de internacionalidade como sendo elementos comumente utilizados pelos variadosEstados soberanos, embora nem todos sejam consagrados pelo sistema normativo brasileiro. São eles: a) o domicílio; b) a residência; c) a nacionalidade; d) lei da situação da coisa (“lex rei sitae”); e) lei do local do cometimento do delito (“lex loci delicti commissi”); f) a lei do local da execução do contrato; g) lei do foro (“lex fori”); h) autonomia da vontade. Elementos de conexão no direito brasileiro (dispositivos legais – aplicação do direito estrangeiro no Brasil). Desde o início de nossos estudos acerca do direito internacional privado, insistentemente, temos afirmado em nossas aulas que, basicamente, atem-se esta disciplina à fixação da jurisdição estatal e à definição da lei material aplicável à relação que, por elementos de internacionalidade, conectam-se a normas jurídicas originárias de mais de um Estado. Em tal linha, identificamos a existência de dois campos distintos, mas que se complementam, de atuação do direito internacional privado, quais sejam, um campo processual (voltado à fixação da jurisdição), um campo material e àquele posterior (voltado à definição da lei material a ser aplicada ao caso concreto conectado a mais de um sistema jurídico). No que toca à verificação dos denominados elementos de conexão de internacionalidade consagrados pelo direito brasileiro, para identificá-los, necessário se faz observar as normas jurídicas contidas em nosso ordenamento jurídico para que delas possamos depreendê-los. Neste sentido e sendo certo que no Brasil não deparamos com um único diploma que nele contenha todas as normas jurídicas de direito internacional privado eleitas pelo sistema, a nosso ver, a melhor forma de identificação das regras desta disciplina se faz pela análise de seu conteúdo. Assim, sendo certo que esta disciplina apresenta dois grandes objetivos (um processual - voltado à fixação da jurisdição; outro material - voltado à definição da lei material a ser aplicada ao caso concreto conectado a mais de um sistema jurídico), ao depararmos com norma que apresente tais conteúdos, podemos afirmar estarmos diante de norma jurídica de direito internacional privado. No direito brasileiro, podemos afirmar que, basicamente, as normas de direito internacional privado encontram-se contidas no bojo da LINDB, a partir de seu artigo 7º. Mas não só. Outros diplomas legais também regulam o tema, apresentando normas de direito internacional privado, inclusive a jurisprudência fornecendo regramento à questão. Além da LINDB, no que tange a normas processuais (inerentes à fixação da jurisdição estatal), temos o Código de Processo Civil, em seus artigos 88 e 89, como, também, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, diploma que, em seu artigo 651, fixa a jurisdição brasileira para atuar nas relações conflituosos que apresentem as características ali indicadas. A jurisprudência trabalhista, relativamente à definição da lei material aplicável a relações de emprego que se conectem a sistemas jurídicos distintos, dá conta da aplicação da norma material vigente no local da prestação de serviço, conforme preceitua a Súmula de nº 207 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Por fim, cabe lembrar que normas internacionais (tratados e convenções) também regulam a questão, servindo de exemplo, e como diploma internacional mais conhecido e abrangente sobre o tema, o denominado Código de Bustamante. Preceitos básicos do direito internacional privado (Ordem pública; fra ude à lei; reenvio) O contato das relações sociais com normas jurídicas pertencentes a ordenamentos jurídicos distintos requer a existência de regras específicas que sejam capazes de definir qual a lei, originária de qual Estado, a incidir na relação jurídica conflituosa por conta da qual se requeira a manifestação jurisdicional. Assim, as regras de direitos internacional privado, existentes no ordenamento de todo e qualquer Estado, em razão da conexão do caso concreto conflituoso com mais de um ordenamento jurídico, destinam-se a solver os conflitos de leis no espaço (quando certa relação jurídica, em tese, possa estar conectada a regras jurídicas pertencentes a mais de um sistema jurídico – pertencentes a mais de um Estado). Neste ponto, definir-se a norma material a ser aplicada ao caso concreto – se a norma material do foro incumbido da solução do litígio ou a de País com o qual a relação se apresente conectada – é questão que decorre de interesse direto do Estado. Portanto, podemos afirmar que as normas de direito internacional privado, quando determinam que a regra a ser aplicada seja esta ou aquela (a do Estado que aprecia a questão conflituoso com conexão de internacionalidade que lhe apresentam, ou a originária de outro Estado soberano) efetivamente desejam que assim o seja, o que significa dizer que são, efetivamente, regras de ordem pública. Desde o início de nossos estudos acerca do direito internacional privado, temos afirmado em nossas aulas que, basicamente, atem-se esta disciplina à fixação da jurisdição estatal e à definição da lei material aplicável à relação que, por elementos de internacionalidade, conectam-se a normas jurídicas originárias de mais de um Estado. Em tal linha, identificamos a existência de dois campos distintos, mas que se complementam, de atuação do direito internacional privado, quais sejam, um campo processual (voltado à fixação da jurisdição), um campo material e àquele posterior (voltado à definição da lei material a ser aplicada ao caso concreto conectado a mais de um sistema jurídico). Todavia, embora seja regra a aplicação das normas materiais estabelecidas pelo Estado aos problemas que lhe sejam apresentados para solução por meio de sua manifestação jurisdicional, é fato que, em certas situações - e todas por ele Estado previamente delimitadas, por exceção, normas materiais originárias de outros Estados podem incidir na solução dos conflitos. Tal fato ocorre toda vez em que, conectando-se a questão, por elementos dela integrantes (elementos de conexão de internacionalidade), a normas originárias de outros sistemas normativos, vem o Estado, por meio de normas de direito internacional privado, a optar pela aplicação de regra alienígena ao caso posto em juízo. Não obstante, acaso possa ficar caracterizado, pela eventual aplicação de norma material estrangeira ao caso concreto, lesão a preceitos básicos e elementares à validade e subsistência do sistema jurídico pátrio, não se poderá valer, na solução do caso concreto, embora assim determinado pelas regras de direito internacional privado, regra originária de outro sistema. Tal situação ocorrerá quando a aplicação da norma alienígena representar lesão à ordem pública, aos bons costumes e à soberania nacional, como preceitua o artigo 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. No mesmo sentido, quando, com vistas a se evitar o respeito às regras de ordem pública fixadas pelo Estado, pretender o sujeito burla-las por meio de evasivas que possam vir a caracterizar verdadeira fraude à lei, a atitude será rechaçada, por lesiva a preceitos básicos do sistema jurídico pátrio. Serve como exemplo de tal situação a tentativa que se buscava levar a termo, antes do advento, em nosso País, da autorização legal para o divórcio. Nesta época, desejava-se, por meio de obtenção de divórcio no exterior, homologar ou mesmo produzir-se diretamente os efeitos de tal fato no ambiente interno do Estado brasileiro como meio de obter-se, por via transversa, resultado que o sistema jurídico vigente na época não autorizava. Quanto ao reenvio (devolução ou retorno, como sinônimos), preceitua a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 16, que havendo a necessidade de aplicação de leiestrangeira, ter-se-á que aplicar esta (a lei estrangeira) sem que se leve em consideração qualquer remissão que ela possa fazer acerca da aplicação de norma de outro Estado. Logo, tendo-se em vista que a aplicação de norma material estrangeira se faz possível por expressa menção de norma de direito internacional local, considerando-se o quanto contido no bojo do artigo 16 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, percebemos que a remissão a lei estrangeira feita por nosso sistema diz respeito apenas às normas materiais alienígenas, não às normas instrumentais daquele sistema ao qual remetidos. Competência jurisdicional internacional. O Estado, no exercício de sua potestade e por meio de uma de suas funções, a jurisdicional, afastando a atuação dos particulares na realização da justiça mediante o uso da força, investe-se no dever de aplicação do direito ao caso concreto, ante os inevitáveis conflitos intersubjetivos que se lhe submetem, de sorte a obter a estabilidade das relações sociais. No desempenho desse poder-dever, a jurisdição é atribuída pelo Estado a órgãos a ele pertencentes, os quais, a par da competência que lhes é atribuída, se incumbem de fazer atuar o direito. Todavia, a atuação dos órgãos estatais na realização da justiça, por meio do exercício do poder que lhes é conferido e na exata medida em que o é recebido, embora, em tese, pudesse ser levada a termo indistintamente a qualquer conflito intersubjetivo que se lhes apresentasse, não se verifica dessa maneira. Assim o é seja em razão da multiplicidade de Estados soberanos (portanto equivalentes) que se fazem presentes no cenário internacional, fato este não ignorado pelo ente estatal, seja pela eventual impossibilidade de realização concreta da prestação jurisdicional, pois é inviável impor a execução do decidido além das fronteiras do Estado prolator. Se ao Estado no exercício e em razão de sua soberania, em tese, é possível a fixação de competência às autoridades locais para o conhecimento de todas e quaisquer lides ocorridas no universo, plausível, também, é o exercício de sua limitação, fazendo atuar a jurisdição, como destaca Marcelo de Nardi, ao âmbito de dominação política do ente que a patrocina. Impõe-se, portanto, a delimitação da esfera de atuação jurisdicional internacional do Estado, o que se faz realizar por meio de normas próprias do ordenamento jurídico estatal. Dessa forma, segundo Maria Helena Diniz, o Estado, ao fixar a sua competência internacional, estará determinando o poder de seu tribunal para “conhecer o litígio que se lhe submete e para prolatar sentença em condições de receber o exequatur em outro país”. Portanto, as ordens jurídicas estatais devem consagrar normas que delimitem a competência internacional de seus tribunais locais para a apreciação e solução de litígios que possam, também, se conectar a jurisdições estrangeiras. Importante, pois, fixarmos as hipóteses de competência jurisdicional internacional consagradas pelo ordenamento jurídico de nosso Estado. As normas de competência jurisdicional internacional no direito brasileiro. O Código de Processo Civil, ao versar no caput de seu artigo 89 acerca das hipóteses de atuação da jurisdição brasileira em exclusão à de qualquer outro ente Estatal e, concomitantemente, fazendo-se silente sobre tal ponto em seu artigo 88, fez suscitar a questão atinente às competências exclusiva e concorrente, das quais, a seguir, nos ocuparemos.
Compartilhar