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1 POLÍCIA MILITAR DO PIAUÍ DIRETORIA DE ENSINO INSTRUÇÃO E PESQUISA CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE PRAÇAS COORDENADORIA GERAL DE ENSINO LEGISLAÇÃO ESPECIAL Teresina-PI, abril de 2018 2 APRESENTAÇÃO Diletos e Diletas Discentes do Curso de Formação de Cabos ! Recebam as boas vindas na disciplina que ora se inicia, denominada de Legislação Especial não porque tenha adjetivos diferentes das de outras leis, mas apenas para fins didáticos a doutrina jurídica brasileira achou por bem colocar tudo que esta fora do código penal como legislação extravagante ou legislação especial. Ainda a respeito disso, tem–se a legislação especial criminal, aqui um pequeno recorte a fim de cumprir a ementa e propósitos da formação dos senhores e senhoras e a legislação especial civil, apenas para mencionar, são aquelas leis que estão fora do nosso código civil e regem a relações jurídicas privadas. Considerando o propósito da presente formação e com o fim de cumprir a ementa proposta, elaboramos este singelo material, que não tem o objetivo de esgotar o tema, pelo contrário, deseja despertar nos alunos a importância desta disciplina para o desempenho de nossa função quando nos encontramos em atuação de combate a crimes que demandam por determinação legal procedimentos jurídicos diferenciados em relação aos crimes do Código Penal. Assim, julgo de grande importância a leitura dos dispositivos legais que aqui foram colacionados, para um entendimento global de como funciona a atuação do sistema de justiça frente a repressão delitiva. De já, para aqueles que desejam em momento posterior se aprofundar no tema indico o site de uma livraria que tem vários livros que abordam o tema, www.juspodivm.com.br . Além disso, o site do planalto no tópico legislação tem todos as leis ordinárias, códigos e estatutos disponíveis gratuitamente e atualizadas diariamente, inclusive foram utilizadas para elaboração desse material. A despeito de criticas, o canal do you tube tem vários trechos de aulas muito bem elaborados por renomados professores e juristas, basta procurar pela ementa da lei, por exemplo estatuto do idoso, que apareceram vários vídeos que podem ser selecionados pelo nível de avaliação e visualização. O método utilizado será mesmo o da leitura dos dispositivos legais, procurei selecionar os mais importantes que merecem uma leitura direcionada a atuação policial militar, a saber, aquele dispositivo é importante para conhecimento do policial militar? Qual o papel do policial militar para a concretização daquele dispositivo? Enfim! Um leitura producente poderá facilitar em muito a compreensão da disciplina. Quanto a avaliação ! É apenas uma parte do processo, a leitura atenta dos dispositivos permitirá a resolução do exercício e uma boa performance na avaliação escrita. Fiquem tranquilo quanto a isso. Finalmente, espero contribuir para a imersão dos senhores e senhoras no campo da legislação especial criminal, coloco-me a disposição pelo endereço eletrônico: eltonmaciel@bol.com.br e whatsap 86-98803-5001 para esclarecimentos e dúvidas. Boa sorte e Sucesso ! 3 1. INTRODUÇÃO Legislação, para o dicionário de Plácido e Silva, é derivado do latim legislatio (estabelecimento da lei), é tomado em seu sentido etimológico, para designar o conjunto de leis dadas a um povo. Embora seja este o sentido mais próprio de legislação, é vulgar sua aplicação em acepção ampla para significar o conjunto de leis decretadas ou promulgadas, seja em referência a certa matéria ou caráter geral: legislação civil, Legislação brasileira. Mas, extensivamente, é o vocábulo empregado na acepção de ato de legislar, isto é, a ação de elaborar as leis (de lege ferenda). Plácido também, diz que conceito de legislação especial, portanto, traz o mesmo sentido de Direito Especial, isto é, o conjunto de leis que regem, especialmente, determinados grupo de negócios jurídicos, ou determinada matéria, como por exemplo, a Legislação fiscal, tendo por escopo a regulamentação de todas as questões acerca de tributos ou assuntos de interesse do erário, é legislação especial. A obra citada na bibliografia desta apostila foi adotada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública como referência para pesquisa em estudos desta área do conhecimento e exclusivamente para fins didáticos e pedagógicos, por isso utilizamos-na como principal fonte de pesquisa desta disciplina. 2. CRIMES DE TORTURA: LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997 (Define os crimes de tortura e dá outras providências). “Art. 1º constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou reação de natureza criminosa; II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena – reclusão, de 2 (dois ) a 8 ( oito ) anos. §1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um ) a 4 ( quatro ) anos. §3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de 4 (quatro ) a 10 (dez ) anos; se resulta morte, a reclusão é de 8 (oito ) a 16 ( dezesseis ) anos. §4º Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço): I – se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência e adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (inc. II com redação dada pela Lei nº 10.741/2003) III- se o crime é cometido mediante sequestro. §5ºA condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. §6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. §7º O condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do §2º, iniciará o cumprimento de pena em regime fechado. Art. 2º O disposto nesta lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”. 2.1 Digressão Histórica a) A tortura foi amplamente utilizada na idade das trevas (1200 a 1800 d.C., aproximadamente), nos chamados tribunais eclesiásticos da inquisição, para obtenção da confissão de um herege. b) Nessa época, a confissão do réu era considerada como a rainha das provas, e para alcançar essa prova, recorria-se à tortura. A tortura empregada naquela época não possuía a natureza de 4 pena, mas era um meio processual de apuração da verdade. c) A tortura servia apenas como paliativo, na ausência de provas. Não se recorria à tortura nos delitos manifestos, mas somente nos delitos ocultos, que eram mais difíceis de comprovar. d) Com a introdução do regime socialista, na Antiga união Soviética, em 1917, iniciou-se um período de repressão à liberdade individual, imperando a prática da tortura, visando a conversão e submissão da vítima ao novo regime e) As páginas da história moderna: cruento daSegunda Guerra Mundial (nazismo da Alemanha matou e torturou milhões de judeus e outras minorias, através do preconceito étnico definido por Adolf Hitler). f) França, Israel e alguns países da África também utilizaram-se da prática da tortura, e isto sem mencionarmos o Brasil, que também fez uso constante da tortura no período militar revolucionário e ditatorial. 2.2Tratados Internacionais Vários documentos internacionais trazem insculpidos, de forma orgânica, a vedação da prática da tortura, e dentre eles destacamos: a) Declaração Universal dos Direitos do Homem ( 10-12-1948 ), da ONU – artigo 5º: “Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. b) Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas cruéis, Desumanas ou Degradantes ( 9-12-1975 ), da ONU; c) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes (10-12-1984),da ONU foi ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 40 de 15-02-1991. d) Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura (9-12-1985),da OEA. Foi ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 98.386, de 9.11.1989. O Brasil levou quase 50 anos para tipificar a conduta criminosa da pratica da tortura, desde que se tornou signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. 2.3 Posição Constitucional A matéria encontra-se sedimentada no art. 5º, inciso III , da Constituição Federal da República que diz: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Diz-nos, ainda o inciso XLIII, do art. 5º , Constituição Federal/88: “[...]a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. 2.4 Posição no Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA) No Estatuto da Criança e do Adolescente- Lei n. 8.069/90, a matéria encontrava-se disciplinada no art. 233, in verbis: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura: pena- reclusão de um a cinco anos”. §1º Se resultar lesão corporal grave: pena – reclusão de dois a oito anos; §2º Se resultar lesão corporal gravíssima: pena – reclusão de quatro a doze anos; §3ºSe resultar morte: pena: reclusão de quinze a trinta anos. Este artigo do ECA foi expressamente revogado pelo art. 4º da lei n. 9.455/97 2.5 Posição da Lei dos Crimes Hediondos O artigo 2º , da Lei n. 8.072/90, que define os crimes hediondos, prescreve que: Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito substâncias entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II – fiança e liberdade provisória. §1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integramente em regime fechado. §2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentalmente se o réu poderá apelar em liberdade . §3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n. 7960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previsto neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de 5 extrema e comprovada necessidade. Alguns dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos estão eivados de flagrante inconstitucionalidade. Todavia, a lei n. 9.455/97 aparou as arestas, corrigindo a aplicabilidade da lei ao mandamento constitucional. 2.6 Posição Legal da Lei n. 9455/97 O artigo 1º do Código Penal, e o art. 5º, inciso XXXIX, Constituição Federal/88, consagraram o princípio da reserva legal, ou da legalidade, ou ainda, da anterioridade da lei penal, ao estabelece que: [...] não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Todas as Constituições do Brasil preceituaram este princípio. 2.7 Dos Crimes em Espécie A lei n. 9.455/97 não definiu o vocábulo tortura, apenas restringiu-se a dizer o que constitui o crime de tortura. Tortura, definiu Plácido e Silva, “é o sofrimento ou a dor provocado por maus – tratos físicos ou morais. É o ato desumano, que atenta à dignidade humana. É o sofrimento profundo, angústia, dor. Torturar a vítima é produzir-lhe um sofrimento desnecessário. É tornar mais angustiante o sofrimento”. Sabemos que a tortura é epidêmica, gerada no escuro, no silêncio, como consta da declaração do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas, de Genebra, 1977. A objetividade jurídica do crime de tortura é a proteção da dignidade humana de forma imediata. Depois, a vida, a integridade corporal e mental, a saúde e a liberdade pessoal, secundariamente. A prática da tortura não é considerada como crime hediondo, mas é delito a ele assemelhado. Para fins processuais ou de execução. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XLIII, equiparou a prática da tortura aos crimes hediondos. a)APURAÇÃO DOS FATOS: a apuração dos fatos mencionada na Lei tem sentido lato, que vai desde a sindicância, inquérito policial, inquérito policial militar, conselho de disciplina, ao processo administrativo. A autoridade fiscalizadora deve tomar as providências penais e administrativas para apurar a conduta do subordinado. b) PREVARICAÇÃO: a autoridade que se abstiver de apurar a conduta do subordinado não responderá por prevaricação, mas, sim, por omissão em crime de tortura, pelo princípio da especialidade. c) CIRCUNSTÂNCIAS QUALIFICADORAS: não possuem incidência na tortura omissiva, uma vez que o legislador procurou punir com menos rigor o participante por omissão. Não de vontade da lei que causa agravante inicia sobre o omitente. d) AÇÃO PENAL: pública incondicionada. 2.8 Circunstâncias qualificadoras Diferença entre a tortura (art. 1º, II, Lei nº 9.455/97) e os maus tratos (art. 136, Código Penal): No crime de maus tratos, o agente abusa da correção para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. No crime de tortura, pratica a conduta como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. 2.9 Efeitos específicos da condenação Determina o § 5º, do art. 1º, da Lei comentada: A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Momento da aplicabilidade: Terá lugar somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória, uma vez que o réu poderá recorrer da decisão. 2.10 Efeitos Processuais ou de Execução Estatui o § 6º, art. 1º, da Lei: O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Destarte, é possível a concessão de liberdade provisória aos crimes de tortura. 2.11 Regime Prisional 6 Com este dispositivo inconstitucional, a Lei de Crimes Hediondos proíbe a progressão do regime prisional, em flagrante contraste com os princípios da humanização e da individualização da pena, que são garantias constitucionais. 2.12 Prisão Temporária Art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.072/90, estabelece que a prisão temporária para os crimes de tortura será concedida pelo prazo máximo de trinta dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Com a entrada em vigor da Lei comentada, o art. 233 do ECA foi expressamente revogado, não sendo aplicado aos fatos praticados após 8 de abril de 1997. 3. LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965 – CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE 3.1 Considerações Iniciais A Constituição Federal consagrou direitos e garantiasindividuais que devem ser respeitados por todos, inclusive pelos detentores do poder estatal. A Lei de Abuso de Autoridade regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal. O objetivo maior da Lei é proteger os cidadãos dos abusos praticados pelas autoridades públicas ou por seus agentes A responsabilidade administrativa será apurada por meios de procedimentos administrativos próprios (sindicância ou processo), de acordo com o Estatuto ou Lei Orgânica a que estiver sujeito o funcionário que praticou o abuso. Na esfera civil, a responsabilidade do funcionário será apurada por ação civil indenizatória, nos termos do Código Processual Penal brasileiro. 3.2 Aplicabilidade da Lei A condição sine qua non para a aplicação da Lei nº 4.898/65 é que os abusos praticados pelas autoridades sejam no exercício de suas funções, pois, caso contrário, o delito será outro que não o de abuso de autoridade. 3.3 Conceito de Autoridade Nos termos do art. 5º desta lei, é considerada autoridade qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que transitoriamente e sem remuneração. 3.4 Discricionariedade e Abuso de Autoridade A discricionariedade da autoridade, própria do direito administrativo, permite que ela atue nos estritos limites da lei que a regula; ao passo que o abuso de autoridade ocorre quando ela exorbita no exercício de suas funções, extrapolando os limites legais. Nesse caso, a autoridade agiu fora dos limites traçados pela Lei. 3.5 Condição de Procedibilidade Todavia os crimes de abuso de autoridade são de ação pública incondicionada, nos termos da Lei nº 5.249/67, que diz “a falta de representação do ofendido, nos casos de abuso previstos na Lei nº 4.898/65, não obsta a iniciativa ou o curso da ação pública”. 3.6 Objetividade Jurídica A lei visa à proteção dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, bem como regula exercício da autoridade pública, dentro dos parâmetros legais. 3.7 Sujeito Ativo Trata-se de crime próprio, que somente poderá ser praticado por autoridades públicas ou por seus agentes. 3.8 Sujeito Passivo Dupla subjetividade passiva: de forma imediata – o cidadão que teve seu direito violado; de forma mediata é o Estado, encarregado da Administração Pública. 3.9 Elemento Subjetivo do Tipo Os delitos de abuso de autoridade somente podem ser praticados a título de dolo, uma vez que não existe forma culposa para os referidos delitos. Além do elemento subjetivo geral do tipo (dolo), é 7 necessário, ainda, que o agente saiba que sua conduta exorbita o seu poder. É um elemento subjetivo especial do tipo, que não se confunde com o dolo específico. 3.10 Competência Quando o crime for praticado por agente federal, o juízo competente para processá-lo será a Justiça Federal, haja vista a subjetividade passiva mediata do crime – Administração Pública Federal. Se for praticado por autoridade ou agente de autoridade estadual, o juízo competente será a Justiça Estadual. Sendo o crime praticado por policial militar, nos termos da Súmula 172, do STJ: ”Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”. Agora, no caso de haver concurso de crime de abuso de autoridade com homicídio, praticado por policial militar, competente será a Justiça Comum, no caso, o Tribunal do Júri, a quem caberá julgar ambos os delitos, em face da Lei nº 9.299/96, que alterou dispositivos do CPM e CPPM. Finalmente, caso seja constatado, no mesmo processo, a existência de crimes da competência das Justiças Comum e Militar, consoante estabelece a Súmula 90, do STJ: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele”. 3.11 Consumação e Tentativa A consumação ocorre quando o agente realizar quaisquer das condutas atentatórias elencadas nos artigos 3º e 4º da Lei, ou se omitir, nos casos das letras “c” e “d”, do art. 4º. A tentativa é inadmissível em relação às condutas do art. 3º, mas admitida, em tese, nas condutas comissivas do art. 4º. 3.12 Concurso de Agentes Os abusos elencados na Lei admitem a participação de terceiro que não exerça qualquer autoridade, ex vi do art. 30, Código Penal. 3.13. Aplicação da Lei 9.099/95 Não se aplicam os dispositivos da Lei dos Juizados Especiais Criminais aos crimes de abuso de autoridade, em face do rito especial conferido a estes crimes. 3.14. Crimes em Espécie 3.14.1 Atentado à Liberdade de Locomoção Diz o art. 3º da Lei nº 4.898/65 que “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado”: à liberdade de locomoção. Assim dispõe a CF/88, em seu art. 5º, LXI: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. 3.14.2 Atentado à Inviolabilidade de Domicílio A letra b acrescenta: “à inviolabilidade de domicílio”. A inviolabilidade de domicílio é preceito constitucional, incrustado no art. 5º, XI, que diz: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. 3.14.3 Atentado ao sigilo de correspondência Diz a letra c: “ao sigilo de correspondência” O sigilo de correspondência também é outra garantia constitucional, prevista no art. 5º, XII, CF/1988: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. 3.14.4 Atentado à Liberdade de Consciência e Crença Diz a letra d: “à liberdade de consciência e de crença”. Eis aí outra garantia constitucional, insculpida no art. 5º, VI, CF/88, que diz: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. 3.14.5 Atentado ao Livre Exercício do Culto Religioso Como ensinaram Gilberto e Vladimir Passos de Freitas: “As figuras das letras d e e, por 8 estarem intimamente ligadas, devem ser analisadas conjuntamente”. A letra e reza: “ao livre exercício do culto religioso”. Os cultos religiosos protegidos pela Lei são aqueles compatíveis com a moral, a lei e a ordem pública, a qual autoriza que a autoridade interfira na sua realização caso o culto venha a ser realizado contra a moral e com risco à ordem pública. 3.14.6 Atentado à Liberdade de Associação A nossa Carta Constitucional, em seu art. 5º, XVII, diz que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado (art. 5º, XX, CF/88), sendo vedada a ingerência do Poder Público no exercício desse direito, tendo como conseqüência à autoridade sua responsabilização por abuso. 3.14.7 Atentado aos Direitos e Garantias Legais Assegurados ao Exercício do Voto A letra g diz: “aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto”. Os artigos 14 a 16, CF/88, referem-se aos direitos políticos de todos os cidadãos. 3.14.8 Atentado ao Direito de Reunião A letra h diz: “ao direito de reunião”. Nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, XVI, diz que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigidoprévio aviso à autoridade competente”. 3.14.9 Atentado à Incolumidade Física do Indivíduo Este atentado está previsto na letra i. Toda doutrina e a maior parte da jurisprudência entende que seja irrelevante, para a configuração deste delito, que a ofensa à integridade física da vítima tenha resultado em vias de fato, lesão corporal ou homicídio. Para a configuração deste delito de abuso de autoridade, pouco importa se a vítima sofreu ou não lesões corporais. 3.14.10 Atentado aos Direitos e Garantias Legais Assegurados ao Exercício Profissional. Cuida-se de norma penal em branco, uma vez que para existir o atentado, é necessário que haja direitos e garantias previstos em lei específica. A norma complementar deve dispor sobre as garantias da profissão, como acontece com o Estatuto da Advocacia. 4. LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990. DISPÕE SOBRE OS CRIMES HEDIONDOS, NOS TERMOS DO ART. 5º, INCISO XLII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DETERMINA OUTRAS PROVIDÊNCIAS. 4.1 Caracteres Genéricos O aumento da violência e sua ameaça, constituindo-se em fenômenos centrais da percepção social, também pode propiciar a dramatização destes acontecimentos e a oportunidade de arroubos políticos que visem a dar satisfação ao anseio popular. O direito penal, nesta visão, consolida-se como um instrumento adequado e altamente intervencionista, deixando de ser a último recurso do Estado para se tornar primeira opção. Esta forma de reação, centradas basicamente na repressão e no regime punitivo-repressivo, recebe o nome de Movimento da Lei e da Ordem, sendo que um dos exemplos mais citados por todos os doutrinadores é a Lei de Crimes Hediondos. 4.2 Assento Constitucional Dispõe o artigo 5º, inciso XLIII, que a “lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os 9 que, podendo evitá-los, se omitirem”. Por força do art. 12 do Código Penal, as suas regras gerais aplicam-se a fatos incriminados por lei especial. 4.3 Qualificação Legal A emissão normativa, Lei 8.072/90, não definiu o que se deva entender por crime hediondo, limitando-se a reportar, em seu artigo primeiro e parágrafo único, as condutas delituosas já previstas no Código Penal ou em legislação especial e que passaram, portanto, a ser considerados hediondos, tanto na forma consumada quando na tentada. Dentre todos os crimes descritos no artigo 1º da Lei 8.072/90 merece especial atenção as seguintes considerações: Art. 1º - São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V); latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º); extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º); estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1º); VII-A- (vetado); VII-B- falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, e §§ 1º-A e 1º B, com a redação dada pela Lei nº 9.677, de 02.7.1998). Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.695, de 20/08/1998). Art. 2º Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia - é o ato do Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República, dirigindo a fatos, de perdão concedido, a qualquer tempo, aos culpados por delitos coletivos, especialmente os políticos; Graça - é o benefício individual só pode ser concedido a uma ou mais pessoas e sempre será provocada pelo interessado, ou a quem tenha legitimidade para tal; e indulto - é um ato do poder executivo, perdão concedido ao delinqüente de delito comum em conseqüência de uma condenação, e é concedido anualmente, dirige-se a uma coletividade que preencha determinados requisitos; II – fiança - é a garantia definitiva, consistente em dinheiro, objetivando defender-se em liberdade, nas hipóteses legais (CPP, arts. 322, 323 e 324) (Redação dada pela Lei nº 11.464/2007); Com o advento da citada Lei, que alterou a Lei dos crimes hediondos, além de passar a ser admitida a progressão de regime aos referidos crimes, bem como aos assemelhados (desde de cumprido 2/5 da pena, se os agentes forem primários, ou 3/5 se reincidentes. e liberdade provisória – pressupõe que o acusado esteja preso e que a qualquer momento pode ser revogada, quando o máximo da pena privativa de liberdade (prisão) não exceder a três meses, quando o réu prestar fiança. A Lei nº 11.464/2007 excluiu o inciso II , da Lei nº 8.072/1990 (a não concessão da liberdade provisória) § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado (redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007). § 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007). 10 § 3º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.( (redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007). § 4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. (incluído pela Lei nº 11.464/2007) Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídio estaduais ponha em risco a ordem ou a incolumidade pública. Art. 6º Os arts. 157, § 159, caput e seus §§ 1º, 2º, 3º, 213, 214, 223, caput e seu parágrafo único; 267, caput e 270, caput, todos do Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 8º Será de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços). Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 312, caput, e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 244 também do Código Penal. IMPORTANTE !!! ATUALIZAÇÃO LEGISLATIVA A legislação em comento recebeu atualização no ano de 2014, pela Lei nº 12.798/2014 que trouxe para o rol o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável e pelaLei nº 13.142/2015, a qual positivou a lesão e o homicídio qualificado contra agentes das forças de seguranças e colocando esses delitos no rol dos crimes hediondos a fim de receberem o tratamento mais gravoso para eles estabelecidos. Passando a constar no Art.1º: I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2 o , incisos I, II, III, IV, V, VI e VII); (Redação dada pela Lei nº 13.142, de 2015) I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2 o ) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3 o ), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015) (...) VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). (Incluído pela Lei nº 12.978, de 2014) 11 Outra importante atualização legislativa surge no ano de 2015, por meio da Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, ocorre alteração no artigo 121 do Código Penal, par prever o feminicídio como circunstancia qualificadora do crime de homicídio, considerado também como crime hediondo, na forma da nova redação legislativa. Art. 2 o O art. 1 o da Lei n o 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração: “Art. 1 o ......................................................................... I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2 o , I, II, III, IV, V e VI); VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2 o -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Aumento de pena § 7 o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR) 5. CRIMES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. 5.1 O Direito Penal de Gênero. Conceito de violência de gênero. Modalidade apenas agora reconhecida, legalmente, a violência de gênero evidencia-se pela constatação da existência, em nossa sociedade, da discriminação entre homem e mulher, nas relações de convívio entre casais. Caracteriza-se pela subordinação da mulher, numa posição hierarquizada e de domínio, exercida pelo parceiro masculina causador, da maior parte das vezes, de episodio de violência, desde as denominadas “vias de fato” até as ocorrências responsáveis por um evento letal. Tais distorções comportamentais e atritos na esfera familiar têm dimensões maiores na medida em que as mulheres assumem espaços tradicionalmente ocupados pelo homem no contexto profissional, social, político e econômico do país, gerando, destarte, inconformismos no segmento masculino, em face da superação do modelo patriarcal adotada pela sociedade brasileira até então. A pedagoga paulista Maria Amélia Azevedo, ao abordar em 1985, as relações de gêneros de caráter hierárquico e violência física contra a mulher registrou que: A violência pressupõe opressão, portanto, conflitos de interesses entre opressores e oprimidos, pressupondo, ainda, que homens e mulheres têm uma participação social diferente e não igualitária em função de sua condição sexual e que partilham de um mesmo universo simbólico que legitima essa desigualdade e normatiza o padrão de relações sexuais do tipo hierárquico. É o padrão socialmente construído e conseqüentemente arbitrário que se costuma denominar de “relações sociais de 12 gêneros”.1 A denominação de violência de gênero ou Direito Penal de Gênero, no âmbito da família, foi reconhecida legalmente no Brasil, em primeiro, pela Constituição Federal de 1988. Em seu Titulo I, Dos princípios fundamentais esse Constituição proclamou, no art. 1º, como fundamento, no Inciso III, a dignidade da pessoa humana, e no art. 226, § 8º, proclamou que “O Estado assegurará à assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismo para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Em face de tais premissas, aconteceu sua regulamentação, embora tardia, com a edição da recente lei nº 11.340/2006 também conhecida por lei Maria da Penha, que, no seu art. 5º, identifica a violência de gênero: Para os efeitos desta lei, configura violência domestica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano ou patrimonial. O próprio preâmbulo da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, ratificada pelo Brasil, reconheceu pelos Estados-partes a desigualdade de gênero e a necessidade de escoimá-la, considerando que: A discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direito e do respeito à dignidade humana; dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seus país; constitui um obstáculo ao aumento do bem estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao seu pais e à humanidade. Na verdade, trata a lei de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de ações não governamentais visando a política pública de coibir a violência domestica e familiar contra a mulher, conforme descrição contida no seu art. 8º e explicitada no § 1º, do art. 3º quando dispõe que: O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domesticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 5.2 As estatísticas da violência domestica. Os dados referentes a violência contra a mulher são assustadores. Um mapa estatístico realizado pela Comissão da Mulher Advogada da OAB/SP, em 2004, identificou que os boletins de ocorrências das Delegacias Especializadas no Atendimento da Mulher, de São Paulo registraram 132 mil casos de violência em apenas cinco meses do ano de 2004. Somente na capital paulista foram contabilizadas 21.888 denuncias, dais quais apenas 241 resultaram em prisão do agressor. Nas vésperas do Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2007, os órgãos responsáveis pelas estatísticas do Senado Federal, o Data Senado, mostrou que, nas ocorrências de agressões à mulher, somente 40% das agredidas procuram uma delegacia para registrar a ocorrência. Também deu a conhecer que, em 74,8 % dos casos, os agressores são os próprios maridos e, em 12,2 %, os companheiros. As estatísticas trazem também à colação um dado a mais para compreender melhoruma das raízes desta violência: “Em 45,5 % dos casos de agressões às mulheres dentro de casa é provocada pelo uso de bebidas alcoólicas pelos maridos ou companheiros”. 5.3 A denominação Maria da Penha. 1 Azevedo, Maria Amélia de: Mulheres espancadas; a violência denunciada. São Paulo; Cortez Editora – 1985. 13 Deveu-se a denominação da lei, sancionada pelo Presidente da Republica em 7 de agosto de 2006, à justa homenagem prestada a uma das milhares de vitimas da violência domestica, a biofarmacêutica MARIA DA PENHA MAIA FERNANDES, residente em Fortaleza, no Estado do Ceará, casada com o colombiano naturalizado brasileiro, o professor universitário Marco Antonio Heredia Viveiros. Heredia, em 29 de maio de 1983, tentou matá-la dando-lhe um tiro de espingarda nas costas enquanto dormia , destruindo duas vértebras e deixando-a paraplégica aos 38 anos de idade. Após a primeira tentativa, duas semanas após deixar o hospital, Maria da Penha sofreu outra grave agressão por parte do marido. Ele tentou matá-la por eletrocussão, dando-lhe descargas elétricas enquanto se banhava. Não conseguiu, porem, o agressor, concretiza seu intento homicida. Resultou a apresentação de um anteprojeto de lei regulamentando o art. 226, § 8º, da Constituição Federal, no qual se definiam as diversas formas de violência domestica e familiar contra as mulheres e estabeleciam mecanismos para prevenir e coibir tal violência e para a prestação de assistência às suas vitimas, propondo a alteração de dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, que se transformou no projeto de Lei nº 4.559, de 16/11/2004. 5.4 Síntese Histórica Legislativa Uma longa luta reporta-se à edição de leis de proteção à mulher enquanto sofrendo discriminação de gênero, até a promulgação da nova lei de proteção à mulher. As leis de proteção à mulher foram promulgadas após a Constituição Federal de 1988 estatuir, nos art. 5º e 226º proteção à família e à mulher, proibindo a discriminação sexual, assegurando a assistência à família e prevendo a criação de mecanismo para coibir a violência no seio familiar. O primeiro ato concreto no Brasil deu-se com o Decreto Federal n° 89.460/1984, em que o governo brasileiro ratificou a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Em maio de 2001, a Lei n º 10.224 acrescia ao Código Penal o art. 216-A, que tipificava o “Assedio sexual” por constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendente inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Em 2002, a Lei nº 10.455, de 13/05/2002 autorizava o juiz a determinar o afastamento do agressor de seu lar, em caso de violência domestica. 5.5 Conceito de violência domestica, bem jurídico, sujeito, modalidade e formas. Em decorrência da nova legislação, algumas alterações foram introduzidas no estatuto penal vigente, e, assim, necessário se faz proceder a uma abordagem sobre alguns conceitos básicos do referido diploma, de suas formas e espécies: Art. 5ª - Para os efeitos desta lei, configura violência domestica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade domestica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. 5.5.1 A conceituação de violência domestica e familiar. Bem jurídico tutelar. 14 O legislador procurou, no art. 5º, conceituar violência domestica e familiar, em função e para os fins desta lei, como aquela praticada contra a mulher e definida no texto como “Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. As figuras acima abrangem múltiplas modalidades de crimes tipificados no Código Penal(homicídio, aborto, lesão corporal, estupro, etc.), incluindo o tipo penal denominado “violência domestica”, no art. 9º, do art. 129. O “bem jurídico tutelar” - integridade física, moral e econômica da mulher – pode ser compreendida sobre duas facetas. A primeira, explicitada no caput do art. 5º, é a ocorrência de qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher. A segunda, espacial, alarga a tutela penal no âmbito da unidade domestica familiar, ou qualquer relação intima de afeto, como disposto nos três incisos do art. 5º da nova Lei. 5.5.2 Os sujeitos. A mulher como sujeito passivo na Lei nº 11.340/2006 O legislador, no caput deste artigo, inclui como vitima certa a mulher, em face da situação discriminatória já descrita na constatação da violência de gênero, e também pela opressão milenar historicamente sofrida por elas. Como se vê, o sujeito passivo previsto no novo Estatuto contra a violência domestica e familiar, é especificamente e exclusivamente a pessoa do sexo feminino, até porque o legislador nomina a vitima como “ofendida”. Tal proteção tem razões históricas, em face das conquistas que se solidificam, principalmente nos últimos cinqüenta anos e, em especial, por ser mais um capitulo nos avanços que este segmento vem alcançando na sua escalada pela igualdade de direitos e oportunidades, em relação ao sexo masculino. O sujeito ativo nestas diversas modalidades típicas, podem ser pessoas de qualquer sexo, homem ou mulher, podendo o denominado agressor ser, no nosso entender, até a pessoa jurídica. A este respeito há a manifestação de Souza e Kumpel: Para efeito extrapenal, porem, sujeito ativo, além das pessoas físicas, compreende a pessoa jurídica e todo aquele que praticar conduta que caracterize violência contra a mulher, cumprindo os elementos formais e espaciais acima referidos, inclusive entes despersonalizados(condomínio, massa falida, espólio). 2 5.5.3 Modalidade de violência domestica e familiar. Além da violência contra a mulher , são critérios que define a competência legal os componentes típicos que façam parte do âmbito domestico, familiar ou de relacionamento intimo do agente, reconhecido, os diversos relacionamentos homossexuais, conforme dispõe o parágrafo único do art. 5º, podendo a violência ser entendida sob um tríplice aspecto: a) Violência domestica – é o que identifica o especo físico onde ocorre a infração, podendo envolver pessoa com qualquer grau de parentesco, inclusive sem. Da mesma forma o legislador abrangeu as pessoas “esporadicamente agregadas” identificando pelo relacionamento precário e provisório, os denominados empregados domésticos. b) Violência familiar – o âmbito familiar estende a pratica de infrações criminais por membros da própriafamília, podendo o vinculo ser de parentesco ou não, tanto faz que abranja o casamento ou a união estável, podendo ser a família natural ou ainda a da família substituta, que inclui as modalidades de guarda, tutela e adoção. c) Violência decorrente de relação afetiva – O legislador pátrio exclui a obrigatoriedade da coabitação entre as partes, aumentando as hipóteses de sua incidência. Em especial, aplica-se a regra aos ex-maridos, ou ex-companheiros e, ainda, namorados, noivos,etc., no universo de afetividade presente ou passada. 5.5.4 Das formas de violência domesticas. 2 Souza, Luiz Antonio de. e Kumpel, Vitor Frederico. Violência domestica e familiar contra a mulher. São Paulo: Método, 2007. 15 Das cinco espécies elencadas pelo legislador, três já se encontram previstas nas legislações penais, inovando o legislador ao enquadrar a violência patrimonial e a moral, trazendo ao campo da competência do novo Estatuto estas duas modalidades. A violência física - constitui as grandes incidências das infrações penais contra a mulher. O bem jurídico colimado nestas formas está representado pela preservação da vida e da saúde do ser humano, pela integridade corporal, pela incolumidade física. A violência psicológica - está representada por uma ampla descrição das diversas possibilidades da ocorrência representada por “psicológica”; eis que as descrições comportamentais são detalhadas e bastante minuciosas, como “dano emocional e diminuição da auto-estima”. A violência sexual - extrapola o rol de infrações penais já existentes no Código Penal, no Titulo VI, Dos crimes contra os costumes. O texto legal aborda pela primeira vez o livre exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, juntamente com múltiplas hipóteses de condutas constrangedoras ao decoro e ao recato da mulher brasileira. A violência patrimonial – modalidade de conduta nova no universo jurídico criminal, tipifica comportamentos que são bastante ocorrentes nos momentos de conflitos entre casais, como a destruição ou subtração de objetos variados, quando da separação de corpos ou de abandono de lar. A violência moral - Apesar de está prevista no Estatuto Penal, no capitulo dos crimes contra a honra, representa também uma novidade, pois as hipótese de Calunia, Difamação e Injuria estarão excluídas da competência dos Juizados Especiais Criminais se a conduta com violência for perpetrada contra a mulher. 5.6 As novas regras de competência. No tocante a competência, quatro artigos da nova lei devem ser examinados, para que se possa entendê-la à luz dos novos dispositivos. São os artigos 6º, 14. 33 e 41. Art. 6º. A violência domestica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violência dos direitos humanos. Art. 14. Os Juizados de Violência Domesticas e Familiar contra a Mulher, órgão da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, julgamento e a execução das causas decorrentes da prática da violência domestica e familiar contra a mulher. Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularam as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência domestica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Titulo IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único – Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referida no caput. Art. 41. Aos crimes praticados com violência domestica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. 5.7 A vedação das penas de cesta básica. A lei proibiu também, no seu art. 17, a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária ou ainda qualquer outra medida de substituição de pena que aplique o pagamento isolado de multa. Tal dispositivo proibitivo, conforme lembra Valdinei Cordeiro Coimbra, está: Em desconformidade com as “regras de Tóquio”, aprovadas pelas Nações Unidas em 14 de novembro de 1990, no 8º Congresso da ONU, que estabeleceu que as nações se comprometessem à 16 aplicação de medidas não Privativas de Liberdade, visto que após vários anos de estudos, apurou-se que a pena privativa de liberdade não evita a reincidência. 3 Mas, na verdade a medida e bastante salutar, pois a obrigação do agressor de pagar uma cesta básica como sanção penal desmoralizava a condenação e não intimidava. Acrescente-se que o legislador veda a “substituição da pena de multa” e não a “imposição direta da pena de multa” que, a nosso ver, continua em vigor para os crimes previstos na lei em comento. 5.8 Conclusão. A legislação relativa à proteção da mulher, principalmente no aspecto da mulher vitima, propiciou um grande avanço na evolução dos direitos fundamentais a serem preservados pela moderna sociedade brasileira, tais como criação de justiça especializada, novos mecanismos de contenção à violência familiar, adoção de medidas protetivas de urgências e preventivas, penalização voltada à impossibilidade de ressocialização, assistência judiciária gratuitas, acompanhamento obrigatório de advogado em todos os atos processuais cíveis e criminais para as mulheres vítimas, assistência integral à mulher em situação de violência domestica e familiar, criação de juízos universais com competência cível e criminal para o processo, julgamento e execução de causas decorrentes da pratica de violência domestica e familiar contra a mulher, etc. IMPORTANTE!!! ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL: Vale lembrar que o entendimento de nossos tribunais superiores (STF e STJ) e de que em ocorrendo lesão corporal, mesmo que leve, a ação penal passa a ser publica incondicionada. ATUALIZAÇÃO LEGISLATIVA Importante atualização legislativa surge no ano de 2015, por meio da Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, ocorre alteração no artigo 121 do Código Penal, par prever o feminicídio como circunstancia qualificadora do crime de homicídio, considerado também como crime hediondo, conforme já comentado. Art. 1 o O art. 121 do Decreto-Lei n o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Homicídio simples Art. 121. .......... Homicídio qualificado § 2 o ................................................................................ Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2 o -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: 3 Coimbra, Valdinei Cordeiro. Aspectos criminais da Lei nº 11.340/2006, que trata da violência domestica e familiar contra a mulher. Disponível no site www.ibccrim.org.br, de 12/09/2006. 17 I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Aumento de pena § 7 o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR) 6. LEINº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. CRIMES CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE 6.1. Introdução. Afastado de qualquer patrulhamento ideológicos somos obrigados a constatar que as vozes contrarias à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que materializou entre nós o Estatuto da Criança e do Adolescente, reputando-a mensageira da impunidade, grande vilã do crescimento da violência nas grandes cidades, pouco conhecem a realidade menorista, que possui nuanças multidisciplinares, cujos conhecimentos aprofundados escapam ao publico laico. Para bem definir o que representa para nossa sociedade esta legislação, cujos aspectos penais passaremos a abordar, trago à colação o pensamento de Beccaria 4: “ Venturosas as nações que não aguardaram que revoluções lentas e vicissitudes incertas fizessem do exceder-se do mal uma norma para o bem, e que, por meio de leis sábias, apressaram a passagem de um outro.” Vale ainda frisar que, as presentes infrações penais possuem como pretensão legislativa o combate a violência em face da criança e do adolescente, ou seja, aqui serão tratados como sujeitos passivos de crimes, vitimas e não como agente ativos. Lembrando que quando atual praticando crimes são chamados de sujeitos ativos e sua conduta criminosa tem a denominação jurídica de ato infracional, compreendendo todos os crimes da legislação ordinária e as contravenções penais. Título VII Dos Crimes e Das Infrações Administrativas Capítulo I Dos Crimes Seção I Disposições Gerais Art. 225. Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal. 4 Beccaria, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Ed. Hemus Ltda, 1983. 18 Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal. Art. 227. Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada 6.2. Das Infrações Penais. Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referido no art. 10 desta Lei, bem como fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato. Pena – Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único – Se o crime é culposo: Pena – Detenção de 2 (dois) a 6 (seis) meses, ou multa. Sujeito ativo: ao referir-se ao texto legal a entidade, deparamos com o conceito de pessoa jurídica, e no pertinente ao dirigente da entidade, a interpretação é no sentido de que a pessoa que pratica atos de gerência da pessoa jurídica, com autonomia para deliberar pela criação de instrumentos próprios à materialização dos direitos descritos no art. 10, é o sujeito ativo desta infração, salvo disposição expressa de delegação especifica constante do contrato de constituição da empresa, alcançando, nestes casos, o encarregado de serviço. Sujeito passivo: a parturiente. Tentativa: o tipo faz menção à conduta de deixar, portanto estamos diante de crime omisso, cujo conseqüência é a impossibilidade de configurar a modalidade tentada. Elemento subjetivo: neste caso, a conduta é punível a titulo de dolo, este genérico; contudo, no parágrafo único deste artigo, existe, com pena própria bem inferior, a possibilidade de cometimento da infração em sua modalidade culposa. Ação penal: conforme enunciado no art. 227 do Estatuto, os crime de que trata esta Lei são todos de ação penal pública incondicionada, portanto independente de manifestação de vontade do ofendido. Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei. Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único – Se o crime é culposo: Pena – Detenção de 2 (dois) a 6 (seis) meses, ou multa. Objeto jurídico: a correta identificação do neonato e a preservação de sua saúde. Sujeito ativo: como já dissemos são duas as condutas: na primeira o sujeito ativo é o médico, enfermeiro ou o gerente do estabelecimento de saúde; na segunda, o sujeito ativo é o médico. Sujeito passivo: o neonato. Consumação: com relação à identificação, entendemos que ela deve ser logo após o nascimento. Este logo após é lapso temporal informado pela certeza da correta identificação. Já os exames devem ser realizados até a alta médica, nos termos do artigo antecedente. Tentativa: mais uma vez, estamos diante de delito omissivo, que não admite tentativa. Elemento subjetivo: a conduta traduzida no caput exige o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente da prática da infração; contudo o parágrafo único, com pena reduzida, traz a possibilidade de caracterização da infração a titulo de culpa, ou seja, mediante negligência, imprudência ou imperícia. Ação penal: pública incondicionada. Art. 230. Privar a criança ou adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem está em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente. 19 Pena – Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único – Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. Objeto jurídico: a liberdade física da criança ou do adolescente. Sujeito ativo: não há especificidade com relação ao sujeito, podendo ser qualquer pessoa. Sujeito passivo: a criança ou o adolescente. Consumação: com a privação da liberdade. Tentativa: perfeitamente possível, se o ato de privação não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente. É a hipótese de privação frustrada. Elemento subjetivo: dolo, a vontade livre e consciente de perpetrar a infração. Este delito não é punido a titulo de culpa. Ação penal: pública incondicionada. Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do aprendido ou à pessoa por ele indicada. Pena – Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Trata-se de crime omissivo, perpetrado pela autoridade policial. Mais uma vez, garantia de direito especifico do art. 107 do Estatuto, em especificidade do art. 5º, LXII, da Constituição Federal, que prevê a comunicação imediata da prisão à autoridade judiciária. Neste tipo, além da obrigatoriedade de comunicação ao órgão jurisdicional, há ainda a necessidade de comunicar a apreensão de criança ou adolescente à pessoa de sua família, ou outra por ele indicada. Neste diapasão, temos que a comunicação à família permitiria o rápido exercício de eventuais meios legais a evitar a custodia cautelar, tal como preconizado no espírito norteador desta legislação. Note-se que algumas vezes a apreensão de adolescente surpreendidona prática de ato infracional com violência ou grave ameaça à pessoa, apesar da existência de documentação que traz sua qualificação, este se recusa a fornecer dados com relação a moradia ou outra forma de contato com parentes, o que dificulta sobremaneira a cumprimento da formalidade. Nestes casos, não há que se falar em crime perpetrado pela autoridade policial, afinal a aludida omissão não configuraria sequer infração culposa, mas conduta inteiramente fora do alcance da norma incriminadora. Chama atenção o fato de que a Autoridade Policial somente pode apreender adolescente que é surpreendido na pratica de ato infracional. Contudo temos aqui a obrigatoriedade de comunicar também a apreensão de criança. Neste caso, a referida apreensão seria não em virtude de situação flagrancial, mas em razão de um cumprimento de determinação judicial, o que faz presumir, a contrario senso, que somente a autoridade policial, Delegado de Policial, estaria legitimado a determinar a seus agentes o cumprimento de ordem judicial de apreensão de crianças. Objeto jurídico: a proteção dos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, bem como o exercício da autoridade pública regrada. Sujeito ativo: trata-se de crime próprio, que só pode ser perpetrado pela autoridade policial, a quem incumbe a apreensão de adolescente. Sujeito passivo: parte da doutrina entende que o sujeito passivo seria a criança ou adolescente, contudo desposamos a opinião de que, neste tipo penal, existe dupla subjetividade passiva: de forma imediata, seria a criança ou adolescente que teve seu direito violado; e de forma imediata, é o Estado, enquanto Titular do direito de manutenção da Administração Pública. Consumação: com a efetivação da apreensão destituída da comunicação judicial. Tentativa: mais uma vez estamos diante de delito omissivo, que não é punido na sua forma tentada. Elemento subjetivo: é o dolo genérico. Não existe elemento subjetivo do tipo, nem tampouco responsabilização a titulo de culpa. 20 Ação penal: pública incondicionada. Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Preliminarmente, para caracterização deste tipo penal, é indispensável a relação de subordinação, entre o sujeito ativo e passivo do crime, em razão desta subordinação, é que se justifica a punição da conduta. Decorrente desse temor, temos, então a fácil submissão da criança ou do adolescente a vexame ou constrangimento. O regular alcance da terminologia constrangimento deflui da legalidade, ou seja, tudo que estiver expressamente previsto em lei não induz, constrangimento, portanto a figura caracteriza-se com a exigência da prática de ato não previsto em lei, como, por exemplo, a submissão do civilmente identificado à identificação dactiloscópica criminal, a aplicação de penas de caráter perpetuo, e assim diversas outras hipóteses. Já com relação à exposição a vexame, nos traz tarefa de interpretação mais complexa os doutrinadores pátrios. Ao referir-se a este vocábulo, preferem exemplificá-lo, como é o caso dos professores Damásio 5 E Magalhães Noronha 6 que utilizam o mesmo exemplo em suas obras: presa desnudada na presença de outros presos. Parece mais acertado concluir que vexar teria o mesmo sentido de humilhar. Portanto seria o ato praticado com desprezo, visando atingir a pessoa por intermédio da contraposição de seus atos ou próprios valores éticos e morais. Objeto jurídico: a proteção da honra e da dignidade da criança e do adolescente. Sujeito ativo: é crime próprio, pois só pode ser perpetrado pela autoridade pública, ou individual que detenham a guarda ou vigilância sobre a criança ou adolescente. Sujeito passivo: a criança ou adolescente. Consumação: com a prática do ato constrangedor, e sua respectiva submissão ao ato. Tentativa: perfeitamente admissível, pois pode advir a ordem constrangedora e esta não se materializar por circunstâncias alheias à vontade do agente. Elemento subjetivo: é o dolo genérico. Não há modalidade culposa. Ação penal: pública incondicionada. Art. 233. (revogado pela lei nº 9.455/97) Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação da criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão. Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Mais uma vez estamos diante de crime omissivo próprio, consistente em deixar de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente que sofre limitação em seu direito de locomoção. A lei impõe a constante guarda, por parte das autoridades públicas, do direito à liberdade de ir e de vir da criança e do adolescente, seja quem for o agente constritor. Objeto jurídico: o direito à liberdade de locomoção da criança e do adolescente. Sujeito ativo: estamos frente a modalidade de crime próprio, que só pode ser perpetrado por autoridade competente, no caso o Delegado de Policia e o juiz de direito. Contudo entendemos que o Ministério Público também pode ser sujeito ativo, eis que, nos termos do art. 175 da mesma lei, o adolescente apreendido em flagrante e não liberado aos pais deve ser apresentado ao Ministério Público; ao contestar, neste momento, eventual ilegalidade na custodia, estaria sujeito as penas cominadas neste artigo. 5 Jesus Damásio E. de Direito Penal, Saraiva, 1988, vol. IV p. 290. 6 Noronha, E. Magalhães, Direito Penal. Saraiva, 1977, vol. IV p. 413 21 Sujeito passivo: a criança ou adolescente não liberado pela autoridade. Consumação: com o conhecimento, por parte da autoridade, da inequívoca legalidade da prisão. Tentativa: delito de natureza omissiva, não comportando a responsabilização na modalidade tentada. Elemento subjetivo: é o dolo genérico, a vontade livre em não liberar o sujeito passivo de restrição ilegal. Ação penal: pública incondicionada. Art. 235. Descumprir injustificadamente, prazo fixado nesta lei em beneficio de adolescente privado de liberdade. Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Crime de natureza omissiva. Visa a preservação do cumprimento dos prazos processuais específicos desta legislação, no interesse da liberdade do adolescente que esteja sujeito à medida restritiva. Em que pese não possuir o caráter de pena, eis que lidamos com inimputáveis, a restrição da liberdade nos termos do estatuto poderá atingir, inclusive, prazo posterior à aquisição da maioridade penal, ou seja, até os 21 anos de idade. Diversos são os prazos processuais a serem observados com relação à apuração de ato infracional perpetrado por adolescente; e, como o Ministério Público atua não somente como parte, mas, também, em determinada medida, como agente ressocializador, também sobre ele recai cumprimento de prazo processual. Possui, ainda, o tipo em tela, um elemento normativo do tipo que está consubstanciado no vocábuloinjustificadamente, ou seja, deste que o próprio adolescente não tenha dado causa ao descumprimento do prazo legal, ou ainda a superveniência de caso fortuito ou força maior. Objeto jurídico: a preservação dos prazos processuais. Sujeito ativo: crime próprio, perpetrado pelo juiz de direito, delegado de policia ou promotor de justiça. Sujeito passivo: o Estado. Consumação: quando superado o lapso temporal legalmente estabelecido no Estatuto da criança e do adolescente. Tentativa: não é admissível. Elemento subjetivo: dolo. Não há punição na modalidade culposa. Ação penal: pública incondicionada. Art. 236. Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta lei; Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. O crime em tela traz dois núcleos de conduta para caracterizarão da infração: são eles impedir e embaraçar : No primeiro há frustração da ação da ação autoridade; e, na segunda, modalidade criminal de obstrução da ação ainda que não efetiva. Importante lembrar que o tipo de alternativa, em que há mais de duas condutas, caracteriza-se pela existência isolada de qualquer um dos verbos incriminadores, ou ainda, em caso de incidência de ambos, o crime perpetrado é um só, não havendo, portanto concurso material de crimes. Objeto jurídico: a política pública de proteção aos direitos da criança e ao adolescente. Sujeito ativo: qualquer pessoa. Sujeito passivo: autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar e Promotor de Justiça da infância e juventude. Tentativa; Admissível. Elemento subjetivo: é o dolo. Não há modalidade culposa. Ação penal: pública incondicionada. 22 Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto; Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. O núcleo subtrair significa tirar: A pessoa que é subtraída é a criança ou adolescente, portanto o menor de dezoito anos. A subtração é praticada contra quem o tem sob sua guarda em virtude de lei (pais) ou ordem judicial (tutores ou curadores). Em razão disso, se a subtração incidir sobre pessoa que cria informalmente a criança, não há que se falar nesta proteção legal; ainda não incidirá o crime se a criança ou adolescente fugir sozinho indo à procura de lar substituto. O tipo examinado possui elemento subjetivo do tipo. Na doutrina clássica, o especial fim de agir, que é subtração para fins de colocação em lar substituto. Ausente o objetivo de colocação em lar substituto, a infração será a subtração de incapazes, prevista no art. 249 do Código Penal pátrio. Objeto jurídico: a guarda da criança ou do adolescente. Sujeito ativo: qualquer pessoa, inclusive os pais, se destituídos do pátrio poder, ainda que de forma provisória. Sujeito passivo: pais, tutores ou curadores. Consumação: com apoderamento da criança ou do adolescente com o fim de subtraí-lo à guarda legalmente instituída. Tentativa: admite-se. Elemento subjetivo: dolo, vontade livre e consciente de subtrair o menor de dezoito anos. Ação penal: pública incondicionada. Embora a lei seja omissa e o direito penal seja informado pelo principio da estrita legalidade, entendemos ser aplicável à espécie o perdão judicial, informador da subtração de incapazes, não por analogia, mas interpretação analógica. Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa; Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa. O crime em analise possui dois núcleos de conduta típica: a primeira seria prometer e a segunda efetivar A primeira é a equiescência expressa à entrega futura da criança, e a segunda é a materialização da entrega de filho ou pupilo. Quando a lei fala em pupilo, leia-se criança ou adolescente sob sua guarda, tutela ou curatela. Este tipo, a exemplo do anterior, possui elemento subjetivo do tipo. Exige-se o especial fim de agir, que é a conduta motivada pelo pagamento ou recompensa. Esta ultima independente do oferecimento de dinheiro em especial para sua caracterização. Sujeito ativo: pais, tutores e curadores. Sujeito passivo: o filho ou o pupilo na Constancia do pátrio poder ou da tutela. Consumação: com a simples promessa de entrega. Tentativa: admissível. Elemento subjetivo: o dolo, a vontade livre e consciente de entrega da criança mediante paga. Ação penal: pública incondicionada. No parágrafo único, temos a possibilidade de punição à pessoa que oferece o pagamento ou a recompensa, mesmo que não seja nenhuma das parte envolvidas com a guarda da criança. Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude; Pena – reclusão de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. (parágrafo único introduzido pelo art. 2º da lei 10.764/03) 23 Para caracterização deste crime, mais uma vez temos núcleos alternativos de conduta incriminadora: promover e auxiliar. A primeira delas traz a idéia de execução, do envio de criança ou adolescente para o exterior. Na segunda figura, parte da doutrina entende ter ocorrido uma impropriedade técnica na elaboração legislativa, eis que as hipóteses de auxilio estariam já criminalizadas a títulos de co-autoria e participação. O envio da criança ao exterior pode possuir uma serie de motivação, pouco importando estas para configuração do crime. O que o legislador veda é o envio com inobservância das formalidades legais, seja com fito de obtenção de lucro ou não, ou seja a correta exegese é no sentido de que, para caracterização da segunda parte da conduta, descrita na parte final do tipo com o fim de obter lucro pressupõe o envio da criança ou do adolescente com inobservância das formalidades legais. O simples lucro, respeitado as formalidades legais, não constitui crime. De outra forma jamais um casal estrangeiro poderia adotar uma criança e eventualmente remunerar advogado que efetuasse auxilio jurídico aos adotantes. Qualificadora: a lei nº 10.764/03 acrescentou um parágrafo único ao artigo inferindo uma majoração da pena no caso do emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Evidente que, ao promover ou auxiliar o envio de criança ou adolescente para o exterior, com inobservância das formalidades legais, se o agente ao partícipe empregar violência, grave ameaça ou fraude nesta efetivação, responderá pela qualificadora aqui descrita. Havendo violência física (vis corporalis) o agente responderá em concurso material de crime(art. 239 e a pena correspondente a violência).
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