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15 Migração laboral no Brasil: problemáticas e perspectivas 1 Duval Fernandes 2 Juliana Carvalho Ribeiro 3 Introdução Diversos autores têm indicado que o Brasil se encontra em um novo patamar da migração internacional (BAENINGER, 2013; PATARRA, 1996; PATARRA e FERNANDES, 2011) no qual os processos migratórios não se dão em um único sentido e com temporalidade restrita. Na verdade a partir do final da primeira década do século XXI, o país se viu inserido no sistema de migração internacional como país de origem, destino e trânsito, onde a emigração, a imigração e o retorno acontecem de forma simultânea. Esta realidade, ainda não captada por todos os segmentos sociais, indica novos caminhos para as políticas públicas, principalmente as afeitas à governança migratória, que passam a ter novo paradigma e não podem ser desenhadas para atender a somente um dos movimentos, mas devem ser propostas considerando o cidadão independente da sua situação como imigrante, emigrante ou retornado. As políticas devem ter como ponto de partida a construção de mecanismos que contribuam para o processo de integração do cidadão migrante à sociedade brasileira. No entanto, a ausência de políticas que considerem situações ligadas à migração internacional levam os imigrantes estrangeiros e retornados a encontrarem dificuldades semelhantes na chegada ao Brasil no tocante ao trabalho, moradia e atendimentos de suas demandas na área social. No caso dos imigrantes, ainda há de se considerar os problemas relacionados ao processo de regularização do seu status migratório, sempre difícil por conta da arcaica legislação vigente. O que se pretende nesse texto é tratar, mesmo que de forma embrionária, de três situações migratórias que estão na agenda social e política da atualidade. 1 Texto produzido a partir de apresentação feita no Seminário do Observatório das Migrações realizado em Brasília (Brasil), em 14 de maio de 2014. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). 3 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), bolsista da Capes. 16 Primeiramente, a migração de retorno que, mesmo antes da crise econômica iniciada em 2008, já era perceptível, por conta das diversas ações empreendidas pelos governos dos países do Hemisfério Norte com vistas a restringir a entrada e permanência de estrangeiros em situação irregular, e, com o a crise, toma contornos mais amplos. A segunda situação seria, o aumento do número de estrangeiros que optam por viver no Brasil, que será tratada sob duas óticas, as experiências de espanhóis e portugueses que migram após o ano 2005 e, com maior intensidade, depois do início da crise de 2008 e, por fim, a situação dos haitianos que chegam ao país no início de 2010 e hoje se constituem em importante grupo de imigrantes. Retornados A situação do retorno se resume ao migrante que deixou o país e decide voltar, por uma infinidade de razões, como a não adaptação ao país que o recebeu, dificuldades financeiras ou mesmo questões legais, dentre outras inúmeras possibilidades. Este novo imigrante que volta ao ponto de partida, pode até ocupar o mesmo espaço físico que cabia a ele antes dele deixar o país, mas nada garante que ele alcance, pelo menos no curto prazo, a estrutura social anterior (SAYAD, 2000). Estima-se, o número de brasileiros vivendo no exterior tenha reduzido em mais de 35%. Em relação aos brasileiros que viviam no Japão, aproximadamente 45% fizeram a opção pelo retorno, alguns com apoio do governo japonês. No caso da Europa, mesmo que os números não sejam precisos, o maior impacto foi sentido nos países da península Ibérica ― Espanha e Portugal ― onde, nos últimos anos, os pedidos de auxilio ao repatriamento apresentados a instituições internacionais de apoio aos migrantes 4 , mais que dobraram. O quadro a seguir (ver tabela 1) mostra, com base nas informações do Itamaraty, a evolução recente do número de brasileiros residentes no exterior, nos principais destinos, evidenciando a mencionada redução. 4 Entre 2007 e 2012, o Programa de Retorno Voluntário, administrado pelo escritório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), em Portugal, apoiou o retorno de 2.915 imigrantes, sendo 2.383 brasileiros. O Programa conta com apoio do governo português. 17 Tabela 1 – Estimativas do número de brasileiros residentes no exterior, nos países selecionados – 2011 a 2012 País 2011 2012 Variação % 2011/2012 Total 3.122. 813 2.547. 079 -18,4 USA 1.388. 000 1.066. 559 -13,9 Japão 230.55 2 210.03 2 -8,7 Paragua i 200.00 0 201.52 7 0,5 Espanha 158.76 1 128.00 0 -18,9 Portugal 136.22 0 140.00 0 2,9 Fonte: Itamaraty Se o impacto desse retorno na região de origem (antigo destino, ou seja, país que recebeu o imigrante brasileiro) não é muito relevante ― salvo em comunidades muito específicas ―, por outro lado, na nova região de destino (que recebe o retornado), o retorno tem contribuído para transferir a essas localidades a crise observada nos países centrais. Há de se considerar também que o processo de retorno tende a reduzir as remessas e com isso impactar na economia local via a desarticulação de cadeias produtivas que atendiam aos investimentos dos emigrantes na sua terra natal, como a construção civil. A dificuldade de readaptação ao espaço e de reintegração à sociedade são os grandes entraves ao retornado, que acaba se traduzindo em um peso econômico para o seu país. Quanto mais longo o período de permanência no exterior, maiores são as dificuldades para conclusão desta última etapa com sucesso. No local que vivia antes da sua emigração, por mais isolado que ele possa ser, a vida continuou e as mudanças que ele irá encontrar quando do seu retorno, fazem desse local ― antes conhecido e 18 sempre presente no imaginário do retornado ―, quase outro país no qual o processo de adaptação será, muitas vezes, mais penoso do que o vivenciado no exterior. Apesar de todos os benefícios que a experiência no exterior garante ao retornado, ele tem grande dificuldade de se readaptar. Acredita-se que o tempo passado fora de seu país, em contato com outra cultura, outros hábitos, outros costumes, garante ao retornado uma rica vivência, a partir da qual são desenvolvidas novas habilidades. Além disso, os bens adquiridos no exterior e o estilo de vida experimentado naquele país podem ser considerados capitais financeiro e humano a ser realizado no seu país, quando do retorno. Porém, esta bagagem adquirida no exterior, muitas vezes, acaba se traduzindo em entraves para a sua readaptação e, até mesmo, pode estimular uma nova migração, quando este capital humano não se realiza ou não é “investido” na nova região de destino. O exemplo mais claro dessa dificuldade está no reconhecimento de certificados e diplomas adquiridos no exterior, fato que atinge também os imigrantes no Brasil. A não existência de protocolos para avaliação dos cursos e a insistência de tratar cada processo individual como um caso autônomo, retarda ou impede que o retornado possa efetivamente utilizar seu capital humano adquirido no exterior. Outra importante perspectiva que envolve retornados e implica em crise para a localidade que o recebe quando do seu retorno é a influência que eles exercemsobre as pessoas que vivem neste local. A simples presença física na cidade de origem daquele que em momento passado teria partido, pode contribuir para estipular novas migrações ou mesmo servir como fator relevante na mudança de planos. Assim, os retornados ocupam posições estruturais fundamentais para a organização e a sustentação dos sistemas de migração. As redes pessoais contribuem para o recrutamento, para o agenciamento e para o suporte aos novos migrantes. Justifica esta realidade o fato das experiências serem apresentadas e filtradas com a intenção de mostrar sucessos, mesmo em situações que foram adversas. Para a maioria dos organismos internacionais, o retornado é visto como um potencial empreendedor e motivador do desenvolvimento local. Os recursos acumulados no exterior e a vivencia em outro país são considerados instrumentos para novos investimentos na terra natal. Porém, a realidade, muitas vezes, é diversa à apresentada. O pouco ou nenhum conhecimento sobre o gerenciamento de empreendimentos, aliado a perfis pessoais que só vivenciaram funções subalternas no mercado de trabalho, contribuem para o elevado nível de fracasso e de frustrações. 19 Tal situação indica que para um retornado sem muita perspectiva e pouco conhecimento da realidade que o aguarda na sua chegada o empreendedorismo não é uma opção (OIM, 2013). Contribuindo ou não para o seu país, no seu retorno, o sujeito não pode contar com políticas públicas eficazes. Este retorno, inclusive, gera como desafio o desenvolvimento de políticas sociais, já que inexistem políticas explícitas e eficientes para atender aos migrantes retornados. O que se encontra são ações pontuais e voltadas para determinados seguimentos, o que não atende este universo crescente. A invisibilidade do retornado, porém, dificulta o equacionamento de políticas públicas. Não há informações para o retornado que viabilizem sua mais rápida adaptação, bem como o Estado não tem acesso a informações concretas e substanciais sobre o retornado. A falta de informações do Estado para o retornado e sobre o retornado fazem as políticas públicas inexistentes ou inexequíveis, tornando a situação desses sujeitos ainda mais vulnerável. Imigrantes estrangeiros: destaque para portugueses e espanhóis Em relação à chegada de estrangeiros no Brasil, devem-se considerar não só os problemas dos países de origem afetados pela crise econômica, mas também a situação da economia brasileira em época recente. Ao se considerar o período dos últimos 20 anos, a economia brasileira passou por profundas transformações, no qual o combate à inflação, prioridade maior da segunda metade do século XX, cede lugar às políticas voltadas para o crescimento econômico e para a inclusão social. Em meados dos anos 1990, a implantação do Plano Real 5 abriu espaço para o crescimento econômico sustentado do Brasil. A este período seguiu-se o de um Governo com tendência neoliberal 6 que aplicou um vasto plano de privatização de empresas públicas, principalmente na área de telecomunicações, que passaram a ser geridas por capital estrangeiro. Nesse período, as taxas de crescimento da economia não foram elevadas e, durante certo tempo, até nulas. No entanto, essas ações foram decisivas para a entrada do país no mercado globalizado. 5 Plano de estabilização econômica implantado em 1994, que obteve sucesso no combate à inflação, situação que se tornava endêmica no Brasil. 6 Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos mandatos foram de 1995 a 1998 e de 1999 a 2002. 20 Ao se iniciar o século XXI, foi eleito um presidente 7 que propunha um programa de governo calcado na inclusão social, com abertura ao diálogo com a sociedade e que deu especial atenção à questão migratória. Quando acontece a crise mundial em 2008, o país estava em plena efervescência econômica, via investimentos privados e governamentais na área da construção civil pesada 8 e da prospecção de petróleo 9 . Ao mesmo tempo, a política de transferência de renda e inserção laboral de uma parcela da população que se encontrava marginalizada, contribuiu para a criação de considerável mercado interno que ampliou o poder de compra da população. Essa situação permitiu que o impacto da crise econômica mundial, iniciada em 2008, fosse pouco sentido e que, nos anos seguintes, as taxas de crescimento do PIB levassem o país a ocupar um lugar de destaque no cenário da economia mundial. É nesse contexto que deve ser entendida a imigração que tem como destino o Brasil e principalmente a atração pela mão de obra qualificada, que conduz ao país um contingente expressivo de estrangeiros. Os registros da Coordenação Nacional de Migração do Ministério do Trabalho e Emprego permitem avaliar alguns aspectos da migração laboral mais recente. A partir de 2009, o número de estrangeiros que solicitam autorização de trabalho ao governo brasileiro tem aumentado, em média, 25% ao ano, passando de 42914, em 2009, para 70524 em 2011, chegando a 73022 em 2012 e reduzindo para 65693 em 2013. A participação das mulheres é ainda muito acanhada, apesar do ligeiro aumento de 8,8% do total de autorizações de trabalho concedidas em 2009, para 10,3% em 2012. Nem toda migração, no entanto, é registrada pelos órgãos de governo e a situação de irregularidade acontece com certa frequência. O procedimento é sempre o mesmo: chega-se com visto de turista, com prazo de 90 dias, e parte-se para a busca de trabalho. Vim para o Brasil em finais de 2005, estou aqui de 7 para 8 anos. Entrei como turista, posteriormente eu fiquei 3 meses, nesses 3 meses consegui trabalho. Obviamente não era um trabalho 7 Luís Inácio Lula da Silva, cujos mandatos foram de 2003 a 2007 e de 2008 a 2011. 8 A construção de obras para atender a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 e a expansão da produção de energia elétrica. 9 Nos investimentos para a prospecção de petróleo, destaca-se a exploração dos campos do pré-sal. 21 regularizado, findos estes 3 meses eu pedi uma prorrogação para os 6 meses, permitido. (Imigrante português/RJ).( ICMPD-2013) Outra forma de garantir a permanência no país, sem cair na irregularidade migratória é pleitear um visto de estudante e, uma vez estando em solo brasileiros inicia a busca por um posto de trabalho. Mesmo que encontre trabalho o imigrante não pode exercer a atividade de forma regular por duas razões, a primeira pelo fato de não ter a autorização de trabalho e, mesmo que a tenha, deverá ter o seu diploma validado no Brasil. Tal situação atinge tanto aos estrangeiros como os brasileiros retornados que tem de passar pelo processo de homologação de diplomas obtidos no exterior. Esse processo é demorado e, dependendo da profissão, tem elevado custo. Tal situação contribui para a vulnerabilidade laboral dos imigrantes. Tive uns 7 empregos, houve certos trabalhos que eu entrava e fazia parcerias com as pessoas para fazer trabalhos específicos. E findos esses trabalhos normalmente seriam escritórios pequenos que tem trabalhos temporários, eu ficava sem trabalho. Mais a maioria do tempo trabalhava com empresas grandes. Nas empresas grandes também possuía trabalho informal. Na arquitetura, a maioria dos trabalhos são informais. Isso é uma característica da profissão, em Portugal isso é uma coisa corriqueira também (Imigrante português/RJ).(ICMPD – 2013) A não regularização tem fortes reflexos na vida e no cotidiano dos imigrantes, pois impede o acesso à contabancária, uma vez que não é possível conseguir o CPF, e dificulta o acesso à moradia onde o imigrante irá depender de algum amigo ou parente para afiançar o aluguel de um imóvel. Apesar da legislação brasileira permitir a regularização de um imigrante que esteja no país, as possibilidades de se obter sucesso não são muito grandes. Mesmo que consiga o seu intento o estrangeiro deverá deixar o país para retirar o visto em uma representação consular brasileira no exterior. 22 A principal dificuldade é conseguir um dos quatro requisitos para o visto: ter um filho brasileiro, casar com brasileiro(a), conseguir um trabalho ou fazer um investimento. Estes são os caminhos na legislação brasileira. Se não conseguir as primeiras três, terei que pensar no quarto requisito, fazer investimento. (Imigrante espanhol/SP).(ICMPD – 2013) Os relatos levantados pela pesquisa do ICMPD (2013) contribuem para traçar o perfil desse novo imigrante internacional. Geralmente são jovens que estavam em situação de desemprego ou subemprego no país de origem. Na maioria dos casos tem grau de ensino superior, mas pouca possibilidade de regularizar a sua situação laboral. Assim, utilizam de subterfúgios como o visto de turista ou mesmo de estudante para permanecer no país de forma regular. Apesar das dificuldades causadas pela situação de transitoriedade, como o acesso a bancos ou mesmo a outros serviços, a maioria avalia que a opção de emigrar para o Brasil foi acertada e, alguns, relatam que são foco de discriminação positiva por serem estrangeiros que observam tanto em relação ao pagamento recebido como no reconhecimento da atividade que exercem. A imigração haitiana Ao mesmo tempo em que acontece a imigração internacional em direção aos grandes centros urbanos do país, em busca de postos de trabalho com melhor remuneração, outro processo tem inicio nas fronteiras do Brasil com os países da América do Sul. Nesse grupo de imigrantes estão sul-americanos que tradicionalmente optam por residir no país e, em período mais recente, fazem o trajeto respaldados nos acordos de livre transito no âmbito do MERCOSUL. No entanto, a partir de 2010, a presença de nacionais de país outros que os da América do Sul se faz notar, como senegaleses, bengalis e outras nacionalidades, principalmente haitianos, cujo fluxo iniciado após o terremoto de 2010 tomou contornos de um processo migratório com características que indicam a sua continuidade por um longo período. Considerando a história migratória do Haiti, a incorporação do Brasil no roteiro migratório não é uma surpresa muito grande, mas chama a atenção por se tratar de um novo destino que não era incluído nas escolhas anteriores dos imigrantes. Pode-se dizer que após o terremoto estavam presentes no país com maior vigor os 23 fatores de expulsão que contribuem a criação e ampliação de uma diáspora (JACKSON, 2011). Para a escolha dos destinos havia de se considerar a legislação migratória dos países desenvolvidos que, após setembro de 2001, impõem severas restrições à imigração de uma maneira geral e, em especial, à migração irregular. As razões para a incorporação do Brasil na rota do processo migratório dos haitianos, não são muito claras, alguns autores (FERNANDES, 2010; SILVA, 2013) indicam que a presença das tropas brasileiras no Haiti poderia ter contribuído para disseminar a ideia do Brasil como país de oportunidades, principalmente no momento em que grandes obras estavam em execução e a taxa de desemprego em descenso. Independente da razão inicial, o fato é que após o terremoto teve inicio o fluxo migratório de haitianos para o Brasil. Os trajetos são diversos (PATARRA, FERNANDES, 2011; SILVA, 2013) e vão se alterando no tempo conforme as facilidades ou dificuldades oferecidas no caminho. Importante notar que dos países da América do Sul, somente quatro 10 , em 2010, não exigiam visto para a entrada de haitianos no seu território no caso de viagem de turismo. A partir de 2012, sob forte pressão do governo brasileiro, o Peru passou a exigir visto dos haitianos e no Equador houve, em 2013, uma tentativa de restringir a entrada dos haitianos, mas a medida não foi implementada. Mesmo com estas facilidades, nenhum destes países tornou-se um importante ponto de destino final da imigração haitiana, como foi o caso do Brasil. Tal fato pode indicar que esta migração não é gestada unicamente pelas facilidades de entrada no país, como preconizam os que criticam as medidas tomadas pelo governo brasileiro, mas é determinada também pela intenção de chegar e de se estabelecer na região de destino. Durante o ano de 2010 pequenos grupos de haitianos, que não somavam duas centenas de imigrantes, chegaram à fronteira brasileira com o Peru. Ao final de 2011 havia indicações da presença de mais de 4.000 haitianos no Brasil (COSTA, 2012; SILVA, 2013), número este que não cessou de aumentar, sendo que ao final de 2013 estimava-se que o montante já teria ultrapassado a casa dos 20.000 imigrantes, com indicações de que o número total poderia chegar a 50.000 ao final de 2014. Tal fluxo fez com que a percepção da presença dos haitianos fosse vista com certa desconfiança por parcela da sociedade, neste grupo se inclui alguns órgãos da 10 Argentina, Chile, Equador e Peru. 24 impressa nacional que comparam à chegada dos imigrantes a uma invasão 11 . Por outro lado, este movimento migratório teve também efeito positivo de levar o governo e a sociedade civil a iniciar um processo de discussão da legislação migratória, introduzindo nos debates a visão do respeito aos direitos humanos dos imigrantes. Ao mesmo tempo, foi possível avançar no estabelecimento de laços de solidariedade entre diversos setores da sociedade no acolhimento e atendimento aos haitianos. No âmbito dos governos federal, estadual e municipal, nas cidades mais afetadas pela chegada destes imigrantes, as respostas institucionais foram diversas. Enquanto o governo do estado do Acre se engajava em apoiar a montagem da estrutura de atendimento aos haitianos que chegavam à cidade de Brasiléia, o governo do estado do Amazonas, especificamente no caso das cidades de Tabatinga e Manaus, a princípio ignorou o problema e posteriormente deu pequenas contribuições para manter as ações da sociedade civil (SILVA, 2013). Estas diferenças nas respostas dos governos estaduais refletem um pouco a percepção das autoridades sobre o problema e seus compromissos com os direitos humanos dos imigrantes. No plano federal, as respostas foram mais efetivas, mas mesmo assim, pouco ordenadas, com medidas tomadas para solucionar situações pontuais extremas que não contribuíam em um planejamento, mesmo de curto prazo, para atender às demandas surgidas com o volume crescente de imigrantes haitianos. Após o trajeto até a fronteira brasileira, os haitianos ainda têm de enfrentar um longo processo para a regularização da sua situação migratória. O ponto de partida é a solicitação de refugio apresentada à autoridade migratória nas cidades fronteiriças. A abertura deste processo leva a emissão de um protocolo que permite ao imigrante a obtenção de carteira de trabalho e de CPF provisórios, enquanto a solicitação de refugio é analisada pelo CONARE 12 . Tais documentos são essenciais para o ingresso do imigrante no mercado formal de trabalho e o envio de remessas. Por tal solicitação de refúgio não se enquadrar nos requisitos definidos em lei e convenções internacionais, ela é recusada. Ante esta situação que levaria à permanência irregular dos haitianos no Brasil,o CONARE repassa ao Conselho Nacional de Imigração os processos que analisa a situação de cada requerente. Em 2011, com base na Resolução 11 Jornal O Globo do dia 17/01/14 País “Tião Viana, do PT, critica governo federal após invasão de haitianos”. Jornal O Globo 11/01/12 Capa “Brasil fecha fronteira para conter „invasão‟ de haitianos” 12 CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados 25 Normativa nº 27 13 , o CNIg cria procedimentos para autorizar a permanência de haitianos no Brasil. No entanto, este processo não teve o resultado esperado e frente a chegada de contingentes cada vez mais expressivos de haitianos na fronteira da Região Norte foi necessário criar medidas que permitissem a migração de forma regular, sem a necessidade de se fazer esse trajeto. Assim em janeiro de 2012, o CNIg edita a Resolução Normativa – RN nº 97, que permite a concessão de visto humanitário permanente, pelo prazo de cinco anos, aos imigrantes haitianos. Este visto seria expedido pelo Consulado Brasileiro na cidade de Porto Príncipe, no Haiti, sendo, no entanto, o número de vistos restrito a 1.200 por ano. Não incluído neste total os vistos para reunificação familiar. Está Resolução tinha prazo de vigência de dois anos. Ao se avaliar a aplicação desta RN (FERNANDES ET ALLIS, 2013), observa- se que apesar da louvável tentativa de solucionar um problema que tomava proporções de calamidade pública, quer nas cidades fronteiriças quer nas que atuavam como polo de atração desta migração, como a cidade de Manaus, o efeito esperado não foi alcançado. Não houve redução da chegada de imigrantes haitianos ao Brasil via a fronteira norte e o número de vistos emitidos pelo Consulado, 100 por mês, não conseguia atender à crescente demanda. Em novembro de 2012, todos os agendamentos para a concessão de vistos em 2013 estavam completos e o Consulado abriu uma lista de espera. Assim, ao final de 2012, voltava-se a repetir na fronteira a situação observada antes da promulgação da RN nº 97, com a superlotação do abrigo construído para acolher os imigrantes na cidade de Brasiléia e, em Porto Príncipe, formavam-se gigantescas filas na porta do Consulado Brasileiro composta por pessoas que esperavam obter o visto de entrada no Brasil. Tentando contornar a situação no Consulado, o Governo, por meio da RN nº 102, em abril de 2013, retira a limitação do número de vistos aos haitianos que não mais ficariam restritos a 1.200, permitindo também a sua concessão em Consulados Brasileiros em outros países, além do Haiti. A última alteração a RN nº 97 acontece em outubro de 2013, quanto a o seu prazo de vigência, que encerraria em janeiro de 2014, foi prorrogado por mais um ano. 13 Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998, que disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração. Essa Resolução considera como “situações especiais” aquelas que, embora não estejam expressamente definidas nas Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do visto ou permanência; e como “casos omissos” as hipóteses não previstas em Resoluções do Conselho Nacional de Imigração 26 Ao se analisar os resultados das medidas tomadas pelo governo federal fica claro que elas não conseguiram alcançar os objetivos propostos, inicialmente, quando da analise da questão pelo CNIg, no momento da aprovação da RN nº 97. “[...] o controle da atuação dos coiotes na fronteira norte brasileira; a abertura de um canal para a concessão de vistos de forma mais simples; a regularização da situação migratória dos cerca de quatro mil haitianos que já se encontram em território brasileiro; e o envio de auxílio material para alojamento, alimentação e cuidados de saúde para esses imigrantes nos estados do Acre e do Amazonas” (CNIg, 2012). Pelo contrário as medidas tiveram o efeito de estimulo à migração. A atuação dos coiotes tem se ampliado com o estabelecimento de rede de tráfico de imigrantes por todo o trajeto que inclui a passagem pelo Equador e Peru. Tal fato contribui para que o número de imigrantes chegados às cidades fronteiriças venha se ampliando não só em volume, mas também pela incorporação de novas rotas via Venezuela, Bolívia e Argentina. Uma vez mais, no inicio de 2014, a situação na cidade de Brasiléia mostrou-se caótica com a presença de mais de 1.200 haitianos aguardando o atendimento para a regularização da sua situação migratória ou uma oportunidade de trabalho, via a contratação por alguma empresa que chegue à cidade em busca de trabalhadores. Considerando informações disponíveis nos registros administrativos dos Ministérios do Trabalho e das Relações Exteriores é possível traçar, mesmo de forma preliminar, o perfil desses imigrantes. No entanto, por serem dados de órgãos públicos e levantados junto a registros administrativos, mais voltados para atender à procedimentos internos de cada setor, o que aqui é apresentado deve ser considerado com cautela. Segundo os registros do Conselho Nacional de Imigração – CNIg do Ministério do Trabalho, as mulheres representam, aproximadamente 20% do total dos imigrantes haitianos que receberam permissão de residência no Brasil. Mas a participação das mulheres vem aumentando, principalmente pelo aumento dos vistos para reunião familiar. Em relação à idade, mais de 30% destes imigrantes estão concentrados na faixa etária de 25 a 29 anos, seguida daqueles no grupo etário 30 a 34 27 anos, que representam, aproximadamente, 25% da população em estudo, conforme demonstra a figura 1 a seguir. Figura 1 - Pirâmide Etária dos haitianos demandantes de visto nas representações consulares do Brasil - 2013 Fonte: MRE. Dados coletados até 29/08/13 Os registros do Ministério das Relações Exteriores indicam que, aproximadamente, 80% dos imigrantes haitianos que solicitaram visto nas representações consulares brasileiras se declararam solteiros. Em relação à ocupação que tinham no Haiti, mais de 50 % dos homens indicou estar exercendo alguma atividade no setor da construção civil. No caso das mulheres a área de serviços é que mais absorvia mão de obra, seguida pelo comércio. Em relação ao local de residência dos imigrantes haitianos no Brasil, os dados da Polícia Federal indicam 267 municípios. No entanto, 18 deles receberam mais de 75% desses imigrantes, como indica a figura 2 a seguir. Os maiores destaques são por conta de São Paulo com 24% do total e Manaus com 13%. Figura 2 - Proporção de imigrantes haitianos por cidade de residência Brasil Janeiro de 2010 a Março de 2014 28 Fonte: SINCRE - Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros/DPF Considerando informações disponibilizadas pela OIM (2014) observa-se que em relação à instrução não há uma diferença muito grande entre homens e mulheres em termos do grau de instrução nos níveis mais elevados. 42,1% dos homens indicaram um grau de ensino no mínimo secundário completo, enquanto, 43,2% das mulheres indicaram a mesma situação. No entanto, ao se somar os que declaram ter segundo grau completo e incompleto, 50,8% das mulheres estariam nessa situação contra 41,8% dos homens. Como observado em outros países (GÓIS, 2009) a migração dos haitianos para o Brasil seguiu o padrão onde aqueles com maior qualificação predominavam no primeiro grupo que chegou em 2010 e 2011. As informações disponibilizadas pela OIM (2014) indicam que nos anos seguintes,houve o crescimento da participação daqueles que, apesar de um menor nível de instrução, estavam, antes de emigrar, em ocupações técnicas, em sua maioria na área da construção civil. No entanto, em momento recente, observou-se a ampliação do número de pessoas com mais baixo nível de instrução dentre aqueles que chegam ao país. A pouca instrução, as dificuldades com o aprendizado da língua portuguesa e a impossibilidade de 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% outros Pato Branco Chapecó Balneário Camboriu Sorocaba Cuiabá Navegantes Itajaí Bento Gonçalves Pinhais Esmeraldas Contagem Macapá Cascavel Caxias do Sul Curitiba Porto Velho Manaus São Paulo 29 conseguir a equivalência de diplomas, tem contribuído para que parcela importante do contingente de imigrantes haitianos se engaje em ocupações que exigem pouca qualificação, como na construção civil, em atividades auxiliares ou em linhas de montagem industrial. Em se tratando das mulheres, a situação é mais delicada, pois ao lado das dificuldades com o idioma, soma-se a pouca oferta de postos de trabalho para as mesmas. As ofertas de emprego são, em sua maioria, no setor de serviços domésticos, onde há necessidade de maior interação patrão e empregado, dificultada pela barreira linguística (OIM, 2014). Por outro lado, a avaliação dos empresários sobre o trabalho dos haitianos tem mostrado aspectos contraditórios, enquanto a maioria tem um discurso positivo – “os trabalhadores haitianos faltam pouco ao trabalho, não se envolvem em situações de conflito com colegas e superiores hierárquicos” – outro conjunto de empresários indica que eles não se adaptam ao ritmo de trabalho exigido – “os haitianos são mais „moles‟ para realizar tarefas e apresentam um ritmo muito diferente dos brasileiros” (OIM, 2014). Ainda segundo o levantamento da OIM (2014), os postos de trabalho ocupados pelos haitianos são, na maioria dos casos, de baixa remuneração, com salários que variam entre um a um e meio salário mínimo. Ao considerar os gastos para se manter no Brasil, a maioria dos imigrantes, não consegue poupar o suficiente para enviar remessas às famílias e pagar as dívidas contraídas com os coiotes para fazer a viagem. Tal situação leva alguns a dividir moradias insalubres e a reduzir os gastos ao mínimo necessário para sobreviver, fazendo a estadia no país de destino ser pior do que a situação vivenciada no Haiti. Em uma ampla visão desse processo observa-se que, apesar de todas as medidas tomadas pelo governo, algumas louváveis como a RN nº 97, a questão da migração dos haitianos para o Brasil ainda é um problema que necessita de uma ação coordenada e não de ações pontuais. Não se pode colocar ênfase em uma só direção, como a regularização do status migratório, mas tem de se pensar em políticas que possam permitir a integração dos haitianos na sociedade brasileira, como assim, fizeram vários outros imigrantes que aqui chegaram no passado. Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de um processo longo e que deverá contar com a participação da sociedade civil e do governo, que agora tem pela frente a responsabilidade de dar respostas às demandas da comunidade dos haitianos e levar o país a se tornar um exemplo no respeito aos direitos humanos dos imigrantes. 30 Considerações finais Se, de meados do século XIX até o início da 2ª Guerra mundial, o Brasil poderia ser rotulado como país de imigração, e como país de emigração nas décadas de 1980 e 1990, na atualidade, nenhum destes rótulos se aplicaria. Na realidade, o país está hoje inserido no sistema da migração internacional, sendo, ao mesmo tempo, ponto de origem, de destino e de trânsito de migrantes. Neste cenário, a chegada de migrantes ao Brasil não pode ser analisada como algo corriqueiro, sem qualquer problema para os sujeitos envolvidos, bem como para as nações envolvidas ― a de origem dos migrantes e a de destino dos mesmos. A grande dificuldade encontrada pelos imigrantes no Brasil é a sua inserção na sociedade brasileira. Hábitos diversos e, principalmente, o idioma, são, em alguns casos, barreiras intransponíveis. O que se percebe é que a convivência entre os imigrantes de mesma origem acaba sendo, na maior parte das vezes, circunscrita ao próprio grupo onde estão inseridos. São, em regra, majoritariamente deslocados do convívio com a população brasileira. Com isso, os imigrantes mostram dificuldades de se apropriarem do espaço e de reproduzi-lo a seu favor. A apropriação do espaço potencializa o movimento de interligação entre a história individual do sujeito e a história coletiva. Diógenes (2003, p. 189) defende que no “[...] corpo [...] se coloca a possibilidade de transbordamento, de desfiguração das fronteiras entre o individual e o social”, o que grifa a distância entre os imigrantes e a sociedade brasileira. Ao mesmo tempo em que se grifa a dificuldade de apropriação do espaço, compreende-se a não concepção das cidades brasileiras enquanto lugar 14 para os imigrantes, se os lugares são “[...] uma porção do espaço em que os homens se reconhecem. Reconhecem a sua história, o seu ambiente, o seu universo de relações, experiências, lembranças, desejos, conflitos, vivências.” (MELO, 2006, p. 65). O convívio socioespacial, que ajudaria na construção de uma identidade entre esses sujeitos e a sociedade brasileira, é ainda dificultado pela limitação financeira dos imigrantes. Com a indústria do lazer consolidada, tornam-se cada vez mais 14 Concebe-se aqui o termo lugar enquanto categoria socioespacial, muito empregada pela geografia para remeter a um local com o qual se estabelece laços afetivos, sentimentos de pertencimento, vínculo, identidade. 31 dispendiosos os momentos de lazer. “Concomitante, observa-se também a redução dos espaços de sociabilidade aos espaços de consumo. O que acaba por condicionar a acessibilidade à cultura e ao lazer ao poder econômico, forjando nichos de reunião entre iguais.” (SENRA, 2009, p. 6). Muitas vezes, a renda dos imigrantes é, em sua maior parte, destinada aos seus familiares que ficaram no país de origem. Dessa forma, eles se veem impossibilitados de investir em práticas sociais, sendo privados de lazer. A dificuldade da inserção e do convívio dos sujeitos estrangeiros com a sociedade brasileira pode se refletir, ainda, nas condições de trabalho desses imigrantes. A condição migratória, muitas vezes, acarreta um problemático vínculo com a atividade de trabalho. Há limitações para a comunicação entre eles e os colegas de trabalho brasileiros, bem como entre eles e os gestores da empresa que os emprega. Diferenças culturais também podem se impor enquanto entraves, uma vez que podem interferir na rotina, no cotidiano desses sujeitos e, dessa forma, pode vir a comprometer a dinâmica da empresa. Esse vínculo laboral torna-se ainda mais precário quando se toma por base imigrantes com baixa escolaridade. Por esses motivos, eles podem vir a desenvolver estresse pela dificuldade de adaptação. A própria condição de vida desses sujeitos, enquanto imigrantes, estrangeiros, sujeitos de outra cultura, que falam e entendem outra língua, mais uma vez podem interferir no seu cotidiano, pois os submete, salvo raras exceções, a piores alternativas no mercado de trabalho, inferiorizando-os. Por outro lado, como, muitas vezes, imigrantes desqualificados se concentram onde o índice educacional também não é alto entre os brasileiros da região, eles tornam-se mais competentes para desempenhar certas funções quando comparados a esses brasileiros.Esse fato acaba acarretando dificuldades para os nativos e estranhamento entre os brasileiros e os imigrantes. A economia local, inclusive, pode sentir reflexos dessa situação, o que não é interessante para o país que recebe esses sujeitos. Todo o exposto se mostrou como uma preocupação do Sr. Odilon dos Santos Braga, Conselheiro do CNIg representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), quando defendeu que “o debate não deve perder de vista a necessidade de que sejam preservados os interesses do trabalhador brasileiro e o impacto dessa necessidade nas medidas que porventura venham a ser adotadas.” (Ata da Reunião Extraordinária do CNIg 12/01/2012, p. 3). Assim, ele expõe a 32 importância do Estado se ater às duas partes, favorecendo a inserção do imigrante, sem trazer qualquer dano social e profissional aos brasileiros. Este novo paradigma migratório brasileiro não foi totalmente assimilado pela sociedade e seus representantes. Imposto esse cenário, as intervenções do Governo brasileiro nesse processo migratório tornam-se ainda mais urgentes e imprescindíveis, considerando o constante e grande fluxo de imigrantes que entram dia após dia no país. Esse movimento migratório configura uma situação delicada para o Governo ― e para a sociedade brasileira ―, consistindo em desafios para a sua governança, em termos da migração internacional em direção ao país, que, se bem gerido, pode se traduzir em amplos benefícios para o país receptor. Porém, propostas de reformulação de instrumentos jurídicos que tratam da migração ― como a Lei nº 6815, também conhecida como Estatuto do Estrangeiro, um dos últimos resquícios do período ditatorial ― não encontram respaldo entre a classe política. O Projeto de Lei nº 5655 15 , apresentado em 2009, serve de exemplo, pois em quase cinco anos de tramitação no Congresso Nacional ainda não conseguiu vencer as fases iniciais do processo para a sua aprovação.. Na área do Executivo, por sua vez, a questão migratória é tratada de forma excepcional. Medidas são tomadas para atender demandas emergenciais, sem a devida avaliação dos desdobramentos das ações. Uma proposta de política migratória preparada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e encaminhada, em 2010, à Casa Civil da Presidência da República, ainda não mereceu qualquer atenção. O conjunto de medidas tomadas pelo Governo, em lugar de permitir traçar uma política migratória que respeite os direitos humanos dos imigrantes, tem levado a situações de criação de privilégios para algumas nacionalidades, como os haitianos, enquanto os nacionais de outros países devem seguir procedimentos morosos, como os relacionados à obtenção de documentação para sua inserção no mercado de trabalho. Neste escopo, perde o Brasil, já que, ao mesmo tempo em que é possível listarmos uma série de limitações das migrações para o país de destino desses sujeitos, uma infindável lista de vantagens acompanha a chegada dos mesmos. Uma primeira 15 O PL 5655/2009 “dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional, o instituto da naturalização, as medidas compulsórias, transforma o Conselho Nacional de Imigração em Conselho Nacional de Migração, define infrações e dá outras providências.”. Informação extraída do sítio da Câmara dos Deputados, cujo acesso foi feito em 11 de agosto de 2014: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=443102. 33 vantagem garantida, entre as diversas que se descortinam nesses fluxos, são de cunho econômico, mais propriamente vantagens ao capital. A possibilidade de suprir lacunas no mercado de trabalho brasileiro, nos postos de difícil incorporação da mão de obra local. Ainda tomando os aspectos positivos, o discurso para justificar a atratividade se volta para o público como prática de uma função social. Ao empregar imigrantes , o Brasil, via as empresas privadas, pode se projetar, perante o mundo, enquanto sensível às dificuldades desses países de origem . A solidariedade é, sem dúvida, concebida de forma extremamente positiva pelas grandes nações, o que pode se traduzir em ganhos para o Brasil. Porém, para isso, há demandas que devem ser atendidas pelo governo brasileiro. Uma delas seria maior eficiência para conclusão do processo de regularização, ajudando os imigrantes estrangeiros a conseguirem os documentos mais rapidamente. Outra intervenção que poderia ter o Estado seria no que tange o mercado de trabalho. Os imigrantes estrangeiros precisam de ajuda para conquistar uma vaga profissional, para encontrar uma moradia digna e para reduzir os custos das remessas que empreendem. Uma alternativa para consolidar tais propostas é a manutenção de diálogos regulares entre os governos dos países envolvidos, buscando as soluções para os problemas e visando benefícios para suas populações. Desta forma, o fluxo migratório se vê cada vez mais distante de lacunas e limitações traumáticas. Com a vinda desses sujeitos, o Brasil se torna o palco para o desenho de uma nova história. Os migrantes, que muitas vezes se deslocam, deixando seus países por questões socioeconômicas, configuram, com a iniciativa da migração, um cenário de busca de um ideário, de vida nova, com perspectivas de melhoria da qualidade de vida de cada um deles, bem como de seus familiares. Nessa dinâmica, a cada dia, são construídas novas ideias, novos percursos, novas perspectivas. “O processo social está sempre deixando heranças que acabam constituindo uma condição para as novas etapas.” (SANTOS, 2002, p. 140). A partir da decisão de deixarem seu país rumo ao Brasil, desenham novas etapas das suas vidas, e, muitas vezes, conseguem, mesmo que de forma limitada, trilhar caminhos que os garantem maior retorno financeiro que tinham no seu país. O país de destino, ao mesmo tempo, também garante ganhos com a chegada dos migrantes, uma vez que esses sujeitos geram riquezas nos locais que os acolhem: 34 eles trabalham, estudam, consomem e não representam peso financeiro para o Estado, Independentemente dos benefícios que o país pode alcançar com a chegada dos imigrantes, o século XXI expõe como desafio a necessidade de sensibilizar as populações acerca do respeito às diferenças, da convivência entre os povos e da aceitação do pluralismo cultural, tendo em vista o intenso e constante fluxo migratório internacional da contemporaneidade. O mundo globalizado potencializa a necessidade de trocas ― culturais, principalmente ― entre os diferentes povos, uma vez que amplia o contato entre as pessoas de nações distintas. Nesse interim, valores como o respeito e a fraternidade são urgentes no mundo hoje. 35 Referências bibliográficas ACNUR - Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados. 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