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DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 1 Curso de Direito Processual Civil SOCIEDADE DE ENSINO RAÍZES ANÁPOLIS – GOIÁS DIREITO PROCESSUAL CIVIL (Processo de Conhecimento) PROFESSOR ALDO SABINO Atualizada até 5 de maio de 2008. Incluindo, além de vários testes e questões de concursos (nas notas de rodapé), apontamentos às Leis 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.419/2006 e 11.441/2007. Abrange também comentários sobre o rito sumaríssimo previsto na Lei 9.099/1995 DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 2 Currículo do autor a) Graduação: Bacharel em direito pela Universidade Católica do Estado de Goiás (conclusão em 1997) b) Pós-graduação: Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Anhanguera (conclusão em 2002). c) Atividade Profissional: Na área privada, é professor (de Direito Processual Civil e de Direito Eleitoral) e coordenador da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, é professor da Escola de Direito “Axioma Jurídico” (Direito Processual Civil), do Curso Jurídico IGDE (Direito Processual Penal) e do Curso Aprobatum/ANAMAGES-MG (Direito Processual Civil). Na área pública, após concurso público, exerceu o cargo de Promotor de Justiça no Estado de Goiás de 1997 a 1999, quando logrou aprovação em certame para ingresso na magistratura do mesmo Estado. Atualmente, é Juiz de Direito titular do 2o Juizado Especial Cível da Comarca de Anápolis, faz parte da Turma Recursal Cível-Criminal da 3ª Região e exerceu a função de Juiz Eleitoral na 144ª Zona Eleitoral (até 2006). d) Obras Jurídicas Publicadas: É autor das obras jurídicas “Manual de Processo Civil” (AB Editora, 2ª Edição, 2008) e “Direito Processual Penal” (IEPC Editora, 2ª Edição, 2006). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 3 Sumário breve: CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL......................................................04 CAPÍTULO II – AÇÃO............................................................................................................10 CAPÍTULO III – JURISDIÇÃO...............................................................................................20 CAPÍTULO IV – PROCESSO.................................................................................................29 CAPÍTULO V – PRINCÍPIOS PROCESSUAIS......................................................................34 CAPÍTULO VI – COMPETÊNCIA ........................................................................................46 CAPÍTULO VII – PARTES E PROCURADORES.................................................................67 CAPÍTULO VIII – LITISCONSÓRCIO..................................................................................77 CAPÍTULO IX – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS............................................................83 CAPÍTULO X – MINISTÉRIO PÚBLICO............................................................................105 CAPÍTULO XI – CARTAS, CITAÇÃO E INTIMAÇÃO.....................................................110 CAPÍTULO XII – INSTAURAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO CIVIL..........122 CAPÍTULO XIII – PROCESSO E PROCEDIMENTO.........................................................135 CAPÍTULO XIV – REVELIA................................................................................................175 CAPÍTULO XV – PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES.......................................................179 CAPÍTULO XVI – JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO..............182 CAPÍTULO XVII – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA............................................................186 CAPÍTULO XVIII – PROVAS..............................................................................................195 CAPÍTULO XIX – AUDIÊNCIA..........................................................................................231 CAPÍTULO XX – SENTENÇA E COISA JULGADA.........................................................235 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................254 DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 4 DIREITO PROCESSUAL CIVIL CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL 1. NOÇÕES, CONCEITO E ABRANGÊNCIA: Mesmos nos primórdios da humanidade sempre foram previstas regras de conduta humana (exs.: cumprir os compromissos assumidos, não lesar o próximo, indenizar por danos causados), as quais, bem mais tarde, deram origem aos direitos substanciais (exs.: direito civil, direito comercial etc.). Mas também inerentes à sociedade são as divergências entre as pessoas e os descumprimentos contratuais, daí porque se tornou também necessário cuidar da resolução dos conflitos intersubjetivos, o que terminou dando ensejo à “fabricação” dos direitos processuais (exs.: direito processual civil, direito processual penal etc.). É nesse contexto que tem nascimento o “processo”, entendido como o instrumento estatal criado para tentar pacificar os conflitos surgidos na vida em sociedade. Segundo Theodoro Júnior, o “Direito Processual Civil pode ser definido como o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil”. O “Processo Civil” – denominação mais conhecida de nosso ramo de estudo – se encarrega de regular a aplicação praticamente de todos os ramos materiais extrapenais (direito civil, direito comercial, direito administrativo etc.), exceto o Trabalhista e o Eleitoral, que detém codificação própria (refiro-me à CLT e ao Código Eleitoral, respectivamente1). Assim, um conflito de ordem constitucional (ex.: ação direta de inconstitucionalidade), administrativa (ex.: mandado de segurança), tributária (ex.: ação declaratória de inexistência de débito tributário) ou comercial (ex.: ação monitória) – e não apenas o litígio cível – será instruído e julgado segundo as normas de nosso Sistema Processual Civil, salvo disposição específica em contrário. 2. NATUREZA: Abstraindo o ensinamento daqueles que repugnam a classificação dos direitos entre públicos e privados, o Direito Processual Civil tem certamente natureza jurídica de Direito Público, porquanto disciplina o exercício de parcela de uma das funções soberanas do Estado, que é a jurisdição. O processo civil, pois, é ramo do direito público principalmente porque na relação jurídica que regula se encontra o Estado-Juiz (autor-juiz-réu) em situação de supremacia no que tange às partes (o juiz está inter e super partes), justamente por essa característica publicista do processo a maioria das normas que o regem são cogentes, isto é, são normas que não admitem disposição pelas partes. 1 Mas é bom registrar que mesmo o Direito Processual Trabalhista e o Direito Processual Eleitoral se valem subsidiariamente (na omissão de suas codificações próprias) das regras gerais do Código de Processo Civil. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 5 3. EVOLUÇÃO CIENTÍFICA: A doutrina especializada estabelece que o processo civil brasileiro emundial passou pelo menos por três fases de estudo bem especificadas, (a) uma primeira denominada de “Sincretismo” (ou “imanentismo”), em que o processo civil era encarado como mero apêndice ou capítulo do direito civil; não se reconhecia a autonomia da ciência processual, afirmando-se que a ação era apenas “o direito material armado para a guerra”. Nosso Código Civil de 1916 em seu art. 75 prestigiou expressamente essa fase. Num segundo momento (b) ingressamos na chamada fase “científica” do processo, o que se iniciou no século XIX com a edição da obra “Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias” (Oskar Von Büllow). Nesta fase consagrou-se a autonomia do processo, ganhando ele foros de independência em relação ao direito substancial que o fundava. Nosso Código de Processo Civil de 1973 foi editado nessa onda doutrinária. Um terceiro e último momento (c) foi o da “instrumentalidade” ou da “efetividade” do processo, fase em que nos encontramos hoje, especialmente a partir das reformas legislativas operadas em 1994, quando se generalizou a permissão do uso da antecipação de tutela (art. 273), iniciou-se a fabricação do “estatuto da tutela específica” (art. 461), criou-se a ação monitória (arts. 1102-A a 1102-C), entre vários outros institutos que demonstraram interesse de tornar o processo mais próximo da busca do direito substancial da parte. Diríamos, assim, que nosso Código de Processo Civil vigente, embora editado sob os auspícios do cientificismo, sendo extremamente individualista (resguarda apenas as demandas individuais) e formalista, recebeu depois de três reformas (1994-1995, 2001-2002 e 2005-2007) retoques relevantes, que o tornaram mais humano, efetivo e acelerado. 4. FONTES: No caso do direito, fonte deve ser entendida como o lugar de um provém os seus institutos jurídicos. Fala-se, na doutrina, em fontes primárias (fontes formais) e em fontes secundárias (fontes não formais). A (a) fonte primária do direito processual civil é a lei, encarada em seu sentido amplo, abrangendo a Constituição Federal, a própria lei federal (leis ordinárias e leis complementares), a lei estadual (Códigos de Organização Judiciária, por exemplo), os tratados internacionais e os regimentos internos de Tribunais.2 As fontes primárias do processo são vinculantes, isto é, são de utilização obrigatória pelos operadores do direito no caso concreto. A Constituição Federal trata tanto do chamado “Direito Processual Constitucional” (regulamentação da jurisdição constitucional para o processo da ADI, da ADC, do Mandado de Segurança, do Recurso Extraordinário etc.) quanto do “Direito 2 Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, p. 16. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 6 Constitucional Processual” (que é a tutela constitucional do processo, que abrange a previsão de princípios e garantais constitucionais ligadas ao direito processual). Em princípio, somente à União incumbe legislar sobre direito processual, segundo exsurge do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Os Estados-membros apenas podem legislar (1) sobre procedimento em matéria processual (CF, art. 24, inciso XI), (2) sobre o processo no Juizado de Pequenas Causas (CF, art. 24, inciso X) e (3) acerca da Organização Judiciária (CF, art. 96, inciso II, alínea “d”). As medidas provisórias a partir do advento da Emenda Constitucional 32/2001 não puderam mais ser editadas sobre matéria processual civil (CF, art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”), mas referida emenda ressalvou a validade e a eficácia das medidas provisórias até então editadas sobre o processo civil (“medidas provisórias processuais biônicas”), como aquela que alterou o teor do art. 730 do Código de Processo Civil (MP n. 2.180). As leis municipais não podem versar sobre regras processuais; e a eventual violação desta diretriz gerará uma norma inconstitucional, à luz do art. 22, inciso I, da CF. A súmula vinculante (CF, art. 103-A) vem sendo encarada por alguns autores como fonte primária de direito. São, por outro lado, consideradas (b) fontes secundárias (não formais) deste ramo do direito os costumes, os princípios gerais do direito, a jurisprudência e a doutrina. As fontes secundárias não vinculam os operadores, mas apenas servem, em geral, de sugestão para a boa aplicação da ordem jurídica especialmente na falta de normas específica regendo o caso posto (art. 126), a não ser no caso da Súmula Vinculante (CF, art. 103-A), que é uma espécie de jurisprudência dominante que se torna obrigatória mediante a observância dos requisitos previstos na Lei 11.417/2006. 5. A LEI PROCESSUAL: Norma processual é aquela que regula a forma, os modos, os termos do desenvolvimento da relação processual, bem como tudo que concerne à jurisdição civil. A lei processual tem por conteúdo a distribuição de atribuições aos órgãos jurisdicionais, o horário de funcionamento dos Fóruns, o exercício do direito de ação, os princípios de interpretação, os meios de prova permitidos, os recursos etc. Como se viu, a expressão “lei processual” abarca a Constituição Federal (que trata de várias normas processuais), a lei complementar, a lei ordinária, a lei estadual e até mesmo os tratados internacionais. 5.1. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO: São três os sistemas que cuidam da aplicabilidade da lei processual nova no tempo, o da unidade processual, o da fase processual e o da aplicação imediata (ou do ato processual isolado). Vejamos em separado. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 7 5.1.1. SISTEMA DA UNIDADE PROCESSUAL: A lei processual nova não teria aplicação aos processos pendentes, mas somente aos iniciados após a sua vigência. Como se observa, o processo, de conformidade com este sistema, seria “um corpo uno, uma unidade”,3 regido do começo ao fim pela lei vigente na data da propositura da ação. Não é adotado por nós atualmente. 5.1.2. SISTEMA DA FASE PROCESSUAL: A lei processual nova, entrando em vigor, teria aplicação apenas à fase processual (exs.: postulatória, saneatória, instrutória, de julgamento, recursal etc.) seguinte a da sua vigência. Nas palavras da melhor doutrina, em “curso um processo, sobrevindo uma lei nova, esta não disciplinaria a fase ainda não encerrada, que se regeria pela lei anterior. Somente as fases seguintes obedeceriam à lei nova”.4 Não é adotado por nós, até mesmo porque as fases processuais não têm uma zona limítrofe muito bem definida (exs.: a fase instrutória começa com o ajuizamento da inicial, confundindo-se com a própria fase postulatória; a fase saneatória pode ser exercida liminarmente ou por ocasião da audiência do art. 331 do Código de Processo Civil). 5.1.3. SISTEMA DO ATO PROCESSUAL ISOLADO (ou da aplicação imediata): Segundo o sistema do isolamento, a lei processual nova aplica-se ao primeiro ato processual posterior a sua entrada em vigor, ressalvado o ato jurídico já consumado (LICC, art. 6o, caput), o direito adquirido e naturalmente a coisa julgada (CF, art. 5º, inciso XXXVI). Trata-se do critério utilizado pelo legislador brasileiro para regência do direito processual intertemporal (CPC, art. 1211) Com efeito, a lei processual nova tem incidência imediata, apanhando inclusive os processos em andamento (aplicar-se-á ao ato processual seguinte), sempre respeitado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Assim, advindo lei processual nova no ordenamento jurídico, esta deverá ser aplicada pelo juiz ao ato processual seguinteà sua entrada em vigor (ex.: entrando em vigor hoje uma lei processual que extingue uma determinada modalidade de recurso, a decisão proferida amanhã já não se submeterá a ele). 5.2. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO: O princípio regente da norma processual no espaço é o da territorialidade, segundo o qual somente a lei processual civil brasileira se aplica nos limites territoriais do país, seja qual for a nacionalidade das partes. 3 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 31. 4 Amaral Santos, idem, p. 32. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 8 Nem mesmo a carta rogatória passiva (aquela que vem do exterior para cá) é cumprida pelas regras processuais estrangeiras, mas sim pelas normas processuais brasileiras (ex.: a inquirição de uma testemunha – aqui residente – de um processo que tramita na Espanha será feita por nossas regras do Código de Processo Civil, e não pelas regras espanholas). Por uma questão de soberania o Brasil não admite a aplicação de regras processuais estrangeiras nos feitos que correm perante nossa justiça, e a única exceção fica por conta da situação prevista no art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil (aplicação da norma estrangeira quanto aos meios e ônus da prova em causas propostas no Brasil com base em litígio estrangeiro). Da mesma forma, as regras processuais brasileiras certamente não serão utilizadas por países estrangeiros, que também resguardam sua soberania. A doutrina indica três casos de aplicação da lei processual brasileira no exterior, quais sejam, (a) num caso de invasão Brasileira, em guerra, a outro país, (b) num território de ninguém ou (c) com permissão legislativa expressa do país estrangeiro. Não se deve olvidar, contudo, que é perfeitamente possível a aplicação de regras materiais estrangeiras (apenas as materiais, e nunca as processuais) pelos juízes brasileiros, desde que o litígio se origine de fato regido pela norma estrangeira (CPC, art. 337). 5.3. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL: Da lição doutrinária de Theodoro Junior se extrai que, na interpretação do Direito Processual Civil, devem ser atendidas quatro diretrizes, vejamos: As leis processuais (a) não podem constituir um obstáculo que frustre o direito material da parte. A matéria de fundo (mérito) deve sempre prevalecer sobre as questões processuais, salvo se isto for prejudicial ao princípio da ampla defesa ou da segurança jurídica (CPC, arts. 244, 249, § 2º, 250 entre outros). A (b) tutela jurisdicional dos direitos subjetivos é normalmente reservada aos órgãos do Estado; são, pois, excepcionais as hipóteses em que se permite a autotutela privada ou unilateral (exs.: art. 935, do CPC e art. 1210, § 1o do CC). O processo (c) deve conceder à parte a mesma utilidade que esta poderia conseguir através da norma substancial; excepcionais devem ser os casos em que a prestação jurisdicional não coincide com a prestação de direito material (exs.: arts. 461, § 1º, 461-A, § 3º etc.). O processo de cognição (d) visa a concluir com um pronunciamento de mérito; excepcional é a hipótese de extinguir-se por inobservância formal de regras procedimentais (CPC, arts. 13, 267, § 1º e 284). Essas quatro regras técnicas representam nada mais que a adoção do princípio da efetividade, demonstrando que estamos vivendo a fase do instrumentalismo processual, pelo que ao juiz se impõe não apenas ditar a sentença, mas sim julgar o conflito da forma mais próxima possível do que impõe o direito substancial da parte que detém a razão. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 9 O escopo do juiz no processo civil não é apenas jurídico (ditar a solução para o caso concreto), mas também social (afastando o temor reverencial das pessoas, sendo transparente nas decisões) e político (contribuindo para o fortalecimento do respeito pelas instituições estatais como um todo). 5.4. HISTÓRICO LEGISLATIVO DO PROCESSO CIVIL: As primeiras disposições processuais que tiveram vigência em nosso território eram oriundas da adoção das “Ordenações Filipinas”, até que em 1850 foi editado o Regulamento 737, que fez as vezes do que seria um “Código de Processo Comercial”. Em 1890 estendeu-se a aplicação do Regulamento 737/1850 também para as causas cíveis, torno-se ele nosso Código de Processo Civil. Já em 1891 houve permissão constitucional para que cada Estado- membro editasse seu próprio Código de Processo (fase dos “Códigos de Processos Estaduais”), sendo certo que apenas os Estados de Pernambuco, da Bahia e de São Paulo fabricaram códigos com alguma qualidade técnica. Em 1934, o legislador, já arrependido, determinou nova unificação do direito processual, aprovando daí a alguns anos o Código de Processo Civil de 1939, que teve vigência até o Código atual de 1973. Nosso Código de Processo Civil, como visto, seguiu uma diretriz individualista, não regulando a tutela coletiva, embora lhe fosse possível naquela ocasião pelo conhecimento adquirido até mesmo com a Lei 4.717/1965. Foi ele reformado por três vezes, uma primeira entre os anos de 1992- 1995 (“A Grande Reforma do Código de Processo Civil”), uma segunda entre os anos de 2001-2002 (“A reforma da Reforma”) e uma terceira vez entre os anos de 2005-2007 (“A 3ª Etapa da Reforma do Código de Processo Civil”). O chamado “processo civil coletivo”, diversamente, encontra-se regulado fora do Código de Processo Civil, precisamente pelo conjunto das Leis 4.717/1965, 7.347/1985 e 8.078/1990 (“Estatuto da tutela coletiva”). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 10 CAPÍTULO II – AÇÃO 1. CONCEITO: De conformidade com a teoria dominante (“teoria da ação como direito abstrato”), a ação pode ser conceituada como o direito público, subjetivo, autônomo, instrumental (está instrumentalmente conexo a uma pretensão), abstrato de invocar a prestação jurisdicional do Estado-Juiz, face a uma pretensão regularmente apresentada. O direito de ação, enquanto poder incondicionado de postular junto ao Judiciário, encontra-se garantido na Constituição Federal em vários dispositivos, mas é amparado diretamente pelo “princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional” (CF, art. 5º, inciso XXXV). No âmbito processual o direito de ação é também previsto, mas é condicionado ao preenchimento de certos requisitos (“condições da ação”), conforme se pode aferir pelo art. 3º do Código de Processo Civil. 2. TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO: 2.1. TEORIA CIVILISTA OU CLÁSSICA (Savigny): Esta teoria afirma que o direito de ação não tem autonomia em relação ao direito material. A ação, nesta visão, seria apenas a reação de um direito material violado, seria o direito armado para a guerra. Segundo esta teoria, o direito processual seria mero apêndice (adendo, acessório) do direito material. Clara adesão a esta diretriz se tinha no art. 75 do antigo Código Civil (de 1916). Para os defensores desta diretriz (a) não há ação sem direito, (b) não há direito sem ação e (c) a ação segue a mesma natureza do direito.5 Basicamente são três também as críticas feitas a esse entendimento doutrinário – bastante pertinentes, diga-se de passagem –, vejamos: (a) o direito processual civil é autônomo (e não mero apêndice) em relação ao direito civil, tendo objeto, sujeitos e princípios próprios; (b) existe direito material sem ação que o resguarde (exs.: cobrança prescrita, cobrançade dívida de jogo etc.) e (c) existe ação sem direito material (exs.: processo regularmente instaurado que tem, ao final, uma sentença de improcedência do pedido do autor; ação declaratória negativa, onde o autor busca justamente o reconhecimento da inexistência de um direito material, na forma do art. 4o, inciso I etc). 2.2. TEORIA DO DIREITO CONCRETO: A teoria do direito concreto, apesar de reconhecer a autonomia do direito processual – no que se divorciava claramente da teoria clássica –, sustentava que a ação é um direito de natureza concreta a um provimento jurisdicional favorável. 5 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 144 e Grinover, Teoria geral do processo, p. 248. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 11 Havendo sentença de improcedência, o direito de ação, segundo esta teoria, não teria sido exercido. Deste modo é que “a ação só existia naqueles casos em que o resultado final do processo fosse favorável ao autor”.6 A principal crítica a essa teoria consistia na alegação de que o direito de ação não é condicionado à existência do direito material alegado pelo autor, sendo possível a este ajuizar ação judicial mesmo sem deter o direito argumentado (ex.: ação de cobrança julgada improcedente). Mesmo vencido na demanda, terá regularmente exercido seu direito de ação. 2.3. TEORIA DO DIREITO ABSTRATO: Segundo a teoria do direito abstrato, a ação é o direito abstrato de invocar a tutela jurisdicional. O resultado da demanda não interessa à identificação da natureza do direito de ação, isto é, seja julgado procedente seja julgado improcedente o pedido, o autor exerceu o seu direito de ação.7 O fato de o autor haver invocado a tutela jurisdicional não representa dizer que é detentor do direito material. São conclusões desta teoria: (a) a ação é sempre procedente (desde que haja julgamento de mérito), (b) o pedido é que pode ser procedente ou improcedente e (c) existe direito sem ação, há ação sem direito e o a ação nem sempre segue a mesma natureza do direito. É concepção adotada por parte da doutrina nacional. 2.4. TEORIA ECLÉTICA (Liebman): Fala-se também na “Teoria Eclética”, que não deixa de ser uma teoria da ação também como direito abstrato, razão pela qual também é adotada por boa parte da doutrina pátria (especialmente por Cássio Scarpinella Bueno, Barbosa Moreira, Hélio Tornaghi e, em parte, por Alexandre Freitas Câmara). Na versão original esta teoria, o direito de ação, embora abstrato (pois desvinculado da existência do processo e do direito material afirmado pelo autor), estava subordinado ao preenchimento das chamadas “condições da ação”, sendo elas os requisitos de existência do direito de agir; sem as condições da ação, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito (CPC, art. 267, inciso VI). Entretanto, para os defensores mais modernos desta vertente a ação constitui-se de um poder incondicionado e de um poder condicionado (e não só de um poder condicionado, como pensava Liebman). Para esses, no aspecto constitucional, a ação não se condiciona ao preenchimento de qualquer requisito para seu exercício (“ação constitucional”); as condições da ação são apenas requisitos para que se obtenha o julgamento de mérito (“ação processual” ou “ação exercida”). As condições da ação são requisitos, não de existência do direito de ação (que existe de modo incondicionado, sendo garantido inclusive por nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV), mas de seu legítimo exercício em concreto (há, por 6 Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, p. 115. 7 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 146. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 12 assim dizer, um poder de exercício do direito de ação condicionado à existência das condições da ação). Nessa ótica, haverá ação, ainda que o juiz extinga o processo sem resolução de mérito por falta de condição da ação. É corrente predominante na doutrina mais moderna (nesse sentido: Hélio Tornaghi e Barbosa Moreira). 3. CARACTERES DO DIREITO DE AÇÃO: Diz-se que o direito de ação é público, subjetivo, autônomo, abstrato e instrumental, conforme veremos adiante mais especificamente. 3.1. PÚBLICO: É público o direito de ação porque é exercido em face do Estado-Juiz, que situa em posição de supremacia em relação às partes. 3.2. SUBJETIVO: É subjetivo porque decorre da resistência oposta pelo réu ao exercício do direito do autor. A ação é poder jurídico de obter a definição de situações jurídicas litigiosas (as chamadas crises de inadimplemento, de certeza e da situação jurídica em si mesma, conforme ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco). 3.3. AUTÔNOMO (em relação ao direito material): Tem natureza diversa do direito material invocado. A ação é direito de natureza processual e consiste na possibilidade de exigir do Estado uma prestação jurisdicional; já o direito material se volta contra o sujeito passivo da relação (devedor). 3.4. ABSTRATO: O direito de ação não está condicionado ao reconhecimento do direito material alegado. Costuma-se dizer que a ação não é o direito à tutela jurisdicional (em seu favor), mas simplesmente o direito de invocar ou de postular uma prestação jurisdicional (seja em que sentido for, contra ou em favor de seu direito). 3.5. INSTRUMENTAL: Não tem um fim em si mesmo, na medida em que se destina a buscar a reparação – em regra – de um direito material violado. Além disso, existem outras formas de composição de litígios, como a transação, a mediação, a arbitragem entre outros. 4. CONDIÇÕES DA AÇÃO (arts. 3o; 267, VI e 295, I, II e III): Condições da ação os requisitos necessários para que o autor obtenha do órgão jurisdicional a apreciação do mérito de sua pretensão. São condições da ação, segundo a doutrina tradicional, a possibilidade jurídica (do pedido e da causa de pedir), o interesse processual e a legitimidade. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 13 A ausência de qualquer das condições da ação, como se sabe, gera a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Aprofundando um pouco mais no estudo do tema, saliento que são duas as teorias que estabelecem a forma de averiguação da existência das condições da ação, (a) a teoria da apresentação, sustentada por Liebman, segundo a qual “a presença das ‘condições da ação’ deve ser demonstrada, cabendo, inclusive, produzir provas para convencer o juiz de que as mesmas estão presentes” (entendimento predominante na doutrina tradicional) (Dinamarco e Ada Pellegrini), e (b) a teoria da asserção (ou da prospettazione), de acordo com a qual “a verificação da presença das ‘condições da ação’ se dá à luz das afirmações feitas pelo demandante em sua petição inicial”,8 presumindo-se, momentaneamente, que aquilo que dela consta é verdadeiro9 (esse posicionamento vem crescendo diuturnamente na doutrina e na jurisprudência moderna) (Alexandre Câmara, Barbosa Moreira, Marcos Vinicius Rios Gonçalves e Didier Jr.). Em aula trataremos dessas teorias com a merecida atenção, mas fica aqui desde logo o registro da importância do tema tanto para a prática diária do juiz, quanto para os concursos públicos (essa matéria já foi objeto de indagação na 2ª fase do concurso para ingresso no MPGO). 4.1. POSSIBILIDADEJURÍDICA DA DEMANDA: A possibilidade jurídica, tradicionalmente, consiste na formulação de pretensão que, em tese, não seja proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro; juridicamente impossível, de outro lado, é o pedido vedado pelo sistema jurídico.10 Entende-se modernamente que esta condição da ação abrange não somente a possibilidade jurídica do pedido (propriamente dito), mas também a possibilidade jurídica da causa de pedir (e não apenas aquela).11 Em síntese, portanto, não basta que o pedido de mérito seja juridicamente possível, sendo mister também que a causa, o motivo dessa pretensão também seja admissível juridicamente. Impossível juridicamente seria uma demanda versando sobre uma dívida de jogo proibido face ao que se contém em nossa lei civil (aqui a causa de pedir é juridicamente impossível). O mesmo se poderia dizer de uma ação de cobrança de dívida (não alimentar) em que se externasse pedido prisão do devedor (neste exemplo o pedido é que é juridicamente impossível). O último entendimento de Liebman foi no sentido de que a possibilidade jurídica da demanda não era uma condição da ação independente (ver CPC, art. 3º), mas sim um dos aspectos do interesse processual (estudada abaixo); para os concursos públicos atuais, todavia, sugere-se que se observe o ensinamento usual de que a possibilidade jurídica é uma das três condições da ação. 8 Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, 129. 9 Marcos Vinicius Rios Gonçalves, Novo curso de direito processual civil, v. 1, p. 86-87. 10 Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 166. 11 Câmara, Lições de direito processual civil, v. 1, 128. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 14 4.2. INTERESSE PROCESSUAL: Trata-se da necessidade de recorrer ao Judiciário para a obtenção do resultado pretendido e, também, da obrigação de que o pedido seja útil para solucionar a lesão ou ameaça de lesão (soma-se a necessidade com a adequação-utilidade). Para aferir-se, então, o interesse processual é mister identificar-se a necessidade do provimento para o autor (interesse-necessidade) e a adequação do pedido formulado (interesse-utilidade). Afere-se, portanto, o interesse pelo binômio necessidade-adequação, conforme ensina a melhor doutrina. Careceria de interesse processual, por exemplo, o credor que, mesmo possuindo título executivo líquido, certo e exigível, propusesse ação de cobrança (e não de execução), até porque a sentença proferida nesta demanda – além da demora que lhe acarretará – praticamente nada lhe trará de útil, já que já poderia ele se valer diretamente da ação de execução (Livro II do Código de Processo Civil), agredindo o patrimônio do devedor; há aqui nítida inadequação procedimental. Também seria carente do direito de ação o credor que ajuizasse sua ação de execução antes do vencimento do título executivo (aqui ainda não há necessidade no provimento); ou então aforasse uma cobrança de dívida já paga pelo devedor. 4.3. LEGITIMIDADE DE PARTE: Legitimidade é a qualidade da parte, autor (legitimidade ativa) ou réu (legitimidade passiva), de estar autorizada pela lei a demandar ou ser demandado sobre o objeto submetido à apreciação judicial. Tradicionalmente, fala-se que a legitimidade é a “pertinência subjetiva” da demanda (expressão de Alfredo Buzaid). Para aferir a legitimidade da parte basta simplesmente examinar na exposição feita pelo autor se há a narração da chamada “situação legitimante”, que é atribuição da conduta censurável ao réu; é dispensável a produção de prova pré-constituída sobre a mesma, devendo ela ser aferida das afirmações do autor (Teoria da Asserção). São conhecidas no direito processual brasileiro duas espécies de legitimidade, (a) a ordinária (quem se afirmar ser titular do direito material ajuíza a ação), e (b) a extraordinária (terceira pessoa ajuíza ação em nome próprio, mas em defesa de interesse material alheio, na forma do art. 6o do Código de Processo Civil), sendo esta última muito comum de se ver na defesa de interesses metaindividuais (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos). Ambas serão objeto de estudo mais adiante. 5. ELEMENTOS DA DEMANDA (eaden): São elementos da demanda ou da ação, também conhecidos como eaden, as partes, o pedido (objeto) e a causa de pedir. Os elementos da ação não se confundem com as condições da ação, já que aqueles são utilizados simplesmente para se diferenciar (ou assemelhar) uma ação da outra; estas (as condições da ação), de outro lado, são requisitos para que o magistrado possa proferir um julgamento de mérito. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 15 5.1. PARTES (elementos subjetivos): Parte é aquele que pede e contra quem se pede em juízo; não se confunde com a legitimidade de parte, que é condição da ação. Aqui não se perquire se a parte é, ou não, legítima, mas apenas se indaga quais são as partes para efeito de confronto com outras ações. 5.2. PEDIDO (objeto): Pedido ou objeto é o elemento objetivo da causa. Na verdade, deve-se falar em pedidos, pois no mínimo dois pedidos são formulados pelo autor (pedido imediato e pedido mediato). Pedido imediato (ou direto) é a postulação de uma providência jurisdicional. Dirige-se contra o Estado-juiz (exs.: condenação, declaração ou constituição). Pedido mediato (ou indireto) é dirigido, de regra, ao réu e versa sobre um bem da vida (ex.: pagamento, cumprimento de obrigação de fazer, entrega de coisa etc.). Releva observar que nas ações condenatórias é bem simples diferenciar o pedido imediato do mediato (provimento postulado é o pedido imediato; providência material buscada é o pedido mediato), mas nas ações declaratórias eles se confundem no caso concreto, conforme lição usual da melhor doutrina (ex.: se o juiz declara, a pedido do autor, que a obrigação não existe, de regra, o pedido imediato e o mediato estão atendidos, não havendo o que se fazer ou executar posteriormente). 5.3. CAUSA DE PEDIR (causa petendi): É o elemento causal. São os motivos aduzidos pelo autor para lograr a procedência de seu pedido. Costuma-se classificar a causa petendi em (a) remota (são os fatos alegados como causa para o pedido, como um ato, um acidente, um contrato, a violação do pacto etc) (b) próxima (são os fundamentos jurídicos do pedido; trata-se da conseqüência jurídica dos fatos expostos). Há autores de pese que invertem os conceitos acima citados, indicando como causa de pedir remota os fundamentos jurídicos e como causa de pedir próxima os fatos articulados (pensam assim Nery Junior e Arruda Alvim), razão pela qual recomenda-se muito cuidado no exame do tema nos concursos públicos. A corrente amplamente predominante, contudo, prega que a causa de pedir remota compõe-se dos fatos constitutivos de direito e a causa de pedir próxima, dos fundamentos jurídicos do pedido.12 12 Foi essa a tese adotada no Concurso para ingresso na magistratura do Estado de Goiás, como se pode ver adiante. (2004, prova objetiva, Questão 44) Assinale a alternativa incorreta: (a) O pedido imediato consiste na providência jurisdicional invocada, sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva, cautelar ou preventiva; (b) Na ação declaratória, o pedido mediato se confunde com o pedido imediato; (c) Entende-se por causa próxima, o fato gerador do direito e causa remota os fundamentos, a natureza do direito controvertido; (d) É possível a cumulação deações, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão (no gabarito oficial, assertiva incorreta é a letra “c”, sendo este também o entendimento doutrinário predominante; mas há posicionamento divergente, que DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 16 Registre-se neste ponto que nosso sistema processual civil adotou a “teoria da substanciação” no que tange à disciplina da causa de pedir, exigindo-se que o autor exponha com absoluta clareza os fatos que fundamentam seu pedido (art. 282, inciso III), e que o juiz não ultrapasse esses limites fáticos, estando, porém, livre para ditar o direito aplicável à espécie. Pela teoria da substanciação o juiz se vincula aos fatos expostos (causa de pedir remota) pelo autor (esses é que são importantes para o conhecimento da demanda, e não podem ser ultrapassados, salvo quanto aos dados meramente secundários), mas não às conseqüências jurídicas indicadas por ele (causa de pedir próxima), podendo o magistrado perfeitamente dar aos fatos indicados uma moldura jurídica diferente, posto que jura novit curia (o juiz, presume-se, conhece o direito). A “teoria da substanciação”, adotada por nós, se contrapõe à “teoria da individualização”.13 A adoção da teoria da substanciação não proíbe a alteração dos fatos expostos, desde isso se dê até o saneamento da causa e com o consentimento do réu (CPC, art. 264), ou então se houver prova de que eles ocorreram em momento superveniente ao ajuizamento da ação (CPC, art. 462). A primeira hipótese citada costuma ser denominada pela doutrina de “mutabilidade qualitativa” e a segunda de “alegação de fato superveniente”. 5.4. RELEVÂNCIA DO TEMA: O perfeito conhecimento da matéria alusiva aos elementos da ação é de extrema relevância para a resolução de problemas processuais sérios como o da litispendência, da coisa julgada (que exigem a “tríplice identidade”, isto é, eaden personae, eaden res e eaden causa petendi), da conexão, da continência, da prejudicialidade externa e da perempção. Aliás, para se conhecer os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada é essencial que estudemos com profundidade os indicados elementos da demanda. Convém registrar que para fins de identificação da litispendência e da coisa julgada há também outro critério que é o da investigação do objeto litigioso globalmente (Câmara o denomina de critério da “relação jurídica”), que deve ser utilizado pelo operador do direito quando insuficiente o critério da tríplice identidade (partes, pedido e causa de pedir), como ocorre nas situações de reiteração de demandas na hipótese de legitimação extraordinária (ex.: Ministério Público propõe ação de investigação de paternidade, e o substituído ainda na pendência desta, através de advogado, ajuíza outra ação idêntica). 6. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES (quanto ao provimento): Considerando-se o provimento buscado pela parte, conhecem-se tradicionalmente as ações de conhecimento (abrangendo as ações declaratórias, as consideraria a letra “c” correta, como é o caso de Nelson Nery Junior, em seu Código de processo civil comentado, 2006, p. 478). 13 Pela teoria da individuação – não adotada por nós, como já afirmei –, o juiz ficaria vinculado aos fundamentos jurídicos materiais indicados pelo autor. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 17 condenatórias e as constitutivas), ações de execução (Livro II do Código de Processo Civil) e ações cautelares (Livro III do Código de Processo Civil). Analisemos em separado cada uma dessas tutelas. 6.1. AÇÕES DE CONHECIMENTO: Essas são aquelas ações em que se postula a prolação de uma sentença que resolva uma pretensão contestada. Podem ser condenatórias (envolvem uma “crise de inadimplemento”), declaratórias (envolvem a “crise de certeza”) e constitutivas (envolvem uma “crise na própria relação jurídica”). Condenatórias são ações em que se busca a imposição de cumprimento coativo de uma obrigação e imposição de uma sanção (exs.: indenização por ato ilícito, cobrança etc.); declaratórias (art. 4o), de outro lado, são as ações em que o pedido é de reconhecimento de existência ou de inexistência de uma relação jurídica preexistente; autenticidade ou falsidade de um documento (exs.: investigação de paternidade, declaratória de dependência econômica, declaratória de união estável, nulidade de ato jurídico etc.); enfim, são constitutivas aquelas em que se busca a criação, modificação ou extinção de relações jurídicas (exs.: separação judicial, divórcio, rescisão de contrato, anulação de ato jurídico etc.). Embora essa subdivisão tríplice das ações de conhecimento seja a tradicional, é comum também a doutrina referir-se a classificação quinária, originada das lições de Pontes de Miranda, que, além das tutelas condenatória, declaratória e constitutiva, abarca também as ações mandamentais e a executivas lato sensu, que seriam encaradas como autônomas porque independem de um posterior processo de execução no sentido próprio para o seu cumprimento. 6.2. AÇÕES DE EXECUÇÃO: Nas ações de execução se pleiteia a satisfação de uma obrigação contida num título executivo. No processo de execução a pretensão é certa (não há dúvida sobre o seu conteúdo e sobre quem é o “dono” do direito), líquida (tem valor determinado) e exigível (já está vencida), mas ainda está insatisfeita, daí a necessidade da prática de atos agressivos contra o patrimônio do devedor. A execução pode se fundar em título executivo judicial (decisões, sentenças ou acórdãos) ou em título executivo extrajudicial (cheque, nota promissória, duplicata etc.). Para exigir o adimplemento das decisões que impõem obrigação de pagar quantia certa, não se fala mais em “ação de execução” (autônoma), mas em “fase de execução do título judicial” ou em “fase de cumprimento de sentença” (sem autonomia), nos termos do art. 475-J, do Código de Processo Civil (com redação da Lei 11.232/2005), conforme veremos no momento oportuno. 6.3. AÇÕES CAUTELARES: DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 18 As ações cautelares são as que buscam providências provisórias, protetivas de bens jurídicos envolvidos no processo (exs.: arresto, seqüestro, busca e apreensão etc.). Nelas, há uma pretensão de segurança a uma outra pretensão atual ou futura de condenação ou de execução (e até mesmo cautelar). 6.4. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES DA AÇÃO: Convém deixar bem claro que existem várias outras classificações das ações, além da que foi enunciada acima. Cita-se como exemplo aquela que leva em conta a natureza do direito material invocado (ações patrimoniais e ações não-patrimoniais) e a que toma em consideração o objeto reclamado (ações mobiliárias e ações imobiliárias). Embora sejam de menor importância, o conhecimento delas pelo operador do direito termina detendo alguma relevância na escolha do foro competente (arts. 94 e 95), na necessidade, ou não, da intervenção do Ministério Público (art. 82), na aplicação dos efeitos da revelia (art. 320, inciso II) etc. 7. O DIREITO DE DEFESA (ou “direito de exceção”): 7.1. CONCEITO: “Exceção”, em linhas gerais, é sinônimo de “defesa”. A ação é o direito do autor (ele postula a tutela jurisdicional) e a exceção o direito do réu (ele tenta convencer o juiz de que sua resistência ao pedido do autor é justa). O direitode exceção ou de defesa é o reverso do direito de ação. Tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa, tem fundamento constitucional em nosso sistema (CF, art. 5º, incisos XXXV e LV, respectivamente). A exceção (ou defesa) tem a mesma natureza do direito de ação e pode ser conceituado como o direito público, subjetivo, autônomo, abstrato e instrumental de alegar, em seu favor, defesa baseada em fato ou direito que paralisa ou impede as conseqüências do direito alegado pelo autor. É extremamente importante ter-se cautela no exame do tema, pois a expressão “exceção” pode ser entendida em vários sentidos no processo civil brasileiro, vejamos: (a) temos “exceção” como defesa em sentido amplo, como defesa geral do réu (acepção que será estudada neste tópico), (b) temos “exceção” como defesa que somente interessa à parte (que se contrapõe à “objeção”, que é a matéria que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, sem necessidade de pedido da parte), que não pode ser acolhida de ofício pelo juiz e DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 19 (c) temos “exceção” em sentido ritual ou instrumental, que são os meios para alegação de suspeição, impedimento de juiz ou incompetência relativa de juízo (CPC, arts. 304 e seguintes). 7.2. ESPÉCIES: Pode a exceção em sentido amplo (encarada como defesa geral) ser substancial ou processual. Exceção substancial é aquela que ataca o mérito da pretensão do autor. Pode ser direta ou indireta. Direta é a defesa em que o réu impugna diretamente os fatos constitutivos do alegado direito do autor (ex.: alegação do réu de que não deve a quantia pleiteada pelo autor), obstando a causa de pedir remota; indireta é a defesa em que o réu, sem negar o fato constitutivo do direito do autor, expende novos fatos impeditivos (ex.: novação), extintivos (ex.: prescrição) ou modificativos (ex.: adimplemento parcial). Exceção processual consiste no ataque ao processo objetivando dilatá- lo (dilatória) ou trancá-lo (peremptória). Trata-se da alegação de vícios de forma, ausência de condição da ação ou falta de pressuposto processual. Pode ser, como se observa, dilatória ou peremptória. A exceção processual dilatória apenas atrasa o processo (exs.: incompetência relativa, nulidade de citação etc.) e, se acatada pelo juiz, gera recurso de agravo (arts. 522 e seguintes); a peremptória força a extinção do processo sem julgamento de mérito (exs.: falta de condição da ação, litispendência) e, se reconhecida pelo juiz, gera recurso de apelação (arts. 513 e seguintes). 7.3. AS OBJEÇÕES: Como já mencionei, não se deve confundir a “exceção” em sentido estrito com a “objeção”. A exceção (em sentido estrito) é a defesa que somente pode ser acolhida pelo Juiz quando alegada pela parte (exs.: incompetência relativa, convenção de arbitragem etc.); objeção é a matéria de defesa que pode ser reconhecida pelo magistrado sponte sua, isto é, independentemente de alegação da parte (exs.: incompetência absoluta, litispendência etc.), como prevê o § 3º do art. 267 do Código de Processo Civil. A par disso, convém ressaltar que as objeções também comportam subdivisão nas categorias “objeções processuais” (incompetência absoluta, coisa julgada, litispendência, falta de condições da ação etc.) e “objeções substanciais” (decadência e prescrição). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 20 CAPÍTULO III – JURISDIÇÃO 1. CONCEITO: Jurisdição é a função oriunda da soberania nacional, que consiste no poder – do Juiz – de aplicar, no caso concreto, mediante decisão motivada, o direito objetivo. 2. CARACTERES: 2.1. SOBERANIA: A jurisdição é, a par da legislação e da administração, uma das funções que compõe a soberania nacional. Diz-se, por outro ângulo, que a jurisdição é soberana tanto a nível interno (já que nenhum dos poderes pode interferir na atividade de outro fora dos casos constitucionais – CF 52, incisos I e II), quanto a nível externo (em relação aos países estrangeiros). 2.2. COMPLEMENTAR (em relação à atividade legislativa): A jurisdição é complementar porque se trata de um prolongamento da atividade legislativa, que é primária. O legislador formula a norma abstrata e geral (atuação primária) e o magistrado a aplica, em ato contínuo, no caso concreto (atuação complementar). O juiz, no Brasil, assim, não tem jurisdição constitutiva (criadora) de direito, mas meramente declaratória de direitos pré-existentes (o que revela a adoção da teoria dualista, defendida por Chiovenda). No ordenamento jurídico brasileiro existem, contudo, pelo menos dois casos em que o juiz tem função criadora de direito, um que se encontra no próprio Código de Processo Civil (art. 1109) e outro na Lei da Arbitragem (Lei 9.307/1996, art. 11, inciso II), em que o juiz tem autorização legal para julgar por eqüidade, afastando-se da legalidade estrita (CPC, art. 127). Há quem entenda que a súmula vinculante criada pela Emenda Constitucional n. 45/2004 também representa exceção à jurisdição como atividade complementar. É que o STF, nos termos do art. 103-A, da Constituição Federal, ganhou competência para estabelecer verdadeira norma jurídica de caráter genérico e abstrato. Enfim, no chamado “processo objetivo” (exs.: ação direta de inconstitucionalidade; ação declaratória de constitucionalidade) o Supremo Tribunal Federal não cria norma jurídica nova (não há portanto exceção ao caráter complementar da jurisdição), mas apenas funciona eventualmente como legislador negativo (diz que uma lei federal não deve ser aplicada por ser inconstitucional). 2.3. SUBSTITUTIVIDADE (em relação à vontade das partes): O órgão jurisdicional exerce sua função em substituição à atividade das partes antagônicas, afastando-as e colocando-se entre elas para extinguir o conflito. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 21 Atuando, pois, de forma substitutiva, o magistrado dita a norma que irá reger a relação jurídica entre as partes. Nem sempre, porém, a jurisdição é tipicamente substitutiva, bastando lembrar dos casos em que o juiz homologa a transação celebrada entre as partes (art. 269, inciso III); em tal hipótese, o juiz se limita a chancelar oficialmente a vontade das partes (sem substituí-la), resolvendo o mérito da causa. Em geral, a substituição da vontade das partes pela do juiz é facultativa (o autor não é obrigado a propor uma ação, podendo fazer um acordo com o réu e resolver o conflito); existem, contudo, determinadas relações jurídicas que exigem para sua consumação a intervenção do Poder Judiciário, de modo tal que a substitutividade nestes casos é obrigatória (exs.: ação de interdição; ação de anulação de casamento etc.). Aqui falamos em “processos necessários”. 2.4. INÉRCIA: A jurisdição é inerte (ne procedat iudex ex officio), somente podendo o magistrado posicionar-se após a verificação de uma provocação oficial (petição inicial) do interessado (art. 262), salvo casos excepcionais expressamente indicados em lei. Realmente existem casos específicos em que a própria lei processual admite a atuação oficiosa do juiz, como se vê nos arts. 989, 1129 e 1142, todos do Código de Processo Civil. Também é ponto pacífico na doutrina nacional que o juiz tem poder de instaurar certos incidentes sem provocação de qualquer das partes (exs.: exibição de documentos, determinação da correção do valor da causa etc.). 2.5. DEFINITIVIDADE:Só a sentença, como ato jurisdicional, tem o condão de produzir a coisa julgada material, que é o instituto que torna imutáveis os efeitos dela decorrentes (art. 467). Trata-se de traço de distingue claramente as decisões administrativas – que nunca são definitivas – das jurisdicionais (v. CF, art. 5º, inciso XXXV). Não têm força de criar a coisa julgada material, entretanto, (a) a sentença proferida em processo cautelar (salvo no caso tratado no art. 810), (b) no processo de execução (de título extrajudicial, não embargada) e (c) em procedimentos especiais de jurisdição voluntária (CPC, art. 1.111). É bom sempre lembrar que mesmo nos casos em que a sentença se torna imutável, é possível o ajuizamento da competente ação rescisória (CPC, art. 485) para argüição de algum vício, o que pode ser feito em até dois anos contados do trânsito em julgado. 2.6. IMPARCIALIDADE: A imparcialidade foi alçada também a característica ou pressuposto ético da jurisdição, na medida em que esta se trata de função que deve exercida sempre por órgãos desinteressados da questão posta em juízo – e, por isso, imparciais – e situados inter e super partes. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 22 Existindo dúvida quanto à imparcialidade do magistrado poderão ser opostas pelas partes, conforme o caso, as exceções de suspeição ou impedimento visando afastá-lo da direção do processo (arts. 134 e seguintes). Embora não esteja expressa na Constituição Federal, já é pacífico entre nós o entendimento de que a imparcialidade é princípio constitucional que pode ser inferido do que se contém nos arts. 95 (garantia dos magistrados) e 96 (auto-governo do Poder Judiciário) da Carta Magna, além se estar contemplado na cláusula do juízo natural (CF, art. 5º, incisos XXXVII e LIII). 2.7. RESOLUÇÃO DE CASOS CONCRETOS: A jurisdição, enfim, somente pode ser exercida diante de um caso concreto oficialmente narrado pela parte autora, sendo, pois, vedado às partes, como regra geral, a busca do Órgão Jurisdicional para a resposta a consultas sobre questões ordem abstrata. Caso haja o ajuizamento de demanda para a resolução de consulta abstrata ou acadêmica, destituída de concreção, o juiz deverá extinguir o processo sem resolução de mérito por falta de interesse processual (CPC, art. 267, inciso VI). Aparente exceção a esta regra se tem no art. 23, inciso XII, do Código Eleitoral, que autoriza ao Tribunal Superior Eleitoral a resposta às consultas feitas em tese sobre matérias de sua competência. Costuma-se dizer que no chamado “processo objetivo” (Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade) não se discute um caso concreto, mas sim a validade da norma em abstrato, daí porque esta sim seria uma real exceção à jurisdição com característica concreta. 3. ESCOPOS DA JURISDIÇÃO: Diz-se que a jurisdição como função tem vários objetivos (escopos), mas é certo que seu escopo primordial é jurídico e consiste na aplicação da vontade concreta do direito objetivo; pela jurisdição declara-se a norma abstrata aplicável (teoria dualista de Chiovenda) e certifica-se quem é o real dono do direito. No Brasil, assim como na maioria dos países democráticos, adota-se a teoria dualista entre direito e processo (a sentença não cria uma norma jurídica, e sim a declara no caso concreto, pois ela preexiste).14 Falam-se também nos escopos social e político da jurisdição. O escopo social de jurisdição é pacificar o conflito com justiça e educar com isso a sociedade, nem que seja a médio ou longo prazo. 14 Para Carnelutti, diversamente, a jurisdição tinha por escopo jurídico a resolução da lide, criando a norma aplicável ao caso concreto (teoria unitária); para ele, as leis materiais não eram capazes de gerar por si sós os direitos subjetivos, somente criando expectativas de direito. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 23 Os escopos políticos da jurisdição situam-se na afirmação do poder estatal e no culto às liberdades públicas (Alexandre Câmara). 4. ELEMENTOS DA JURISDIÇÃO: São comumente considerados elementos ou poderes inerentes à jurisdição (a) o conhecimento (cognitio ou notio), (b) o chamamento (vocatio), (c) a coerção (coercitio), (d) o julgamento (iudicium) e (e) a execução (exsecutio). A par desse, o Poder Geral de Cautela não deixa de ser também uma das esferas de poder dos magistrados (CPC, arts. 797 e 798). Diz-se comumente que os juízes detém ainda o atributo da fé-pública (Dinamarco), que consiste na presunção relativa de veracidade daquilo que ele declarar que ocorreu em sua presença (em audiência, por exemplo), salvo prova cabal em sentido contrário. 5. SUBSTITUTIVOS DA JURISDIÇÃO: Consideram-se “substitutivos da jurisdição” – ou “equivalentes jurisdicionais” (como ensinava Carnelutti) – a autotutela, a transação e o juízo arbitral.15 Vejamos abaixo. 5.1. AUTOTUTELA: Autotutela é o sistema de solução de conflitos em que a pessoa afirma o seu direito e faz valer sua pretensão com as próprias forças, o que não é admissível atualmente, pelo menos como regra, já que adotamos o modelo de monopólio da jurisdição pelo Estado. A autotutela enseja aplicação da chamada “justiça com as próprias mãos”, o que é inclusive punido como crime em nossa legislação penal (CP, art. 345). Excepcionalmente, nossa lei admite esse tipo de conduta agressiva sem a busca prévia do Poder Judiciário (ver CC, art. 1210, § 1o; CP, art. 23; CPC 935), caso em que a incidência do tipo penal indicado será afastada.16 5.2. TRANSAÇÃO (autocomposição): Trata-se do negócio jurídico pelo qual as partes fazem concessões recíprocas para afastar a controvérsia estabelecida entre eles. A transação feita entre as partes é prevista na lei civil (CC, arts. 840- 850) e tem o potencial de resolver o conflito (sem a intervenção do Poder Judiciário), 15 Fala-se também da “mediação” como técnica de substituição da atividade jurisdicional e de pacificação de conflitos; entre nós, não há lei específica a regulando, mas já há Projeto de Lei (n. 94/2002) em que se prevê a mediação incidental de caráter obrigatório nos processos judiciais, logo que for distribuída a petição inicial. 16 “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência” (destaque meu). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 24 tornando dispensável e inútil qualquer processo judicial acerca do assunto (estará caracterizada a falta de interesse processual). Caso a transação seja feita em juízo, passa a se denominar “conciliação” e tem o condão de resolver o mérito da causa (CPC, art. 269, inciso III), formando título executivo judicial (CPC, art. 475-N, inciso III); mas se a transação for feita antes do ingresso em juízo, o processo posterior eventualmente instaurado a pedido de uma das partes para discussão do conflito será extinto sem resolução de mérito por falta de interesse (CPC, art. 267, inciso VI). 5.3. JUÍZO ARBITRAL: O juízo arbitral importa renúncia à via judicial, confiando as partes a solução da lide a pessoas desinteressadas, mas não integrantes do Poder Judiciário, denominadas árbitros. Atualmente o instituto do “Juízo Arbitral” tem sua completa regulamentação na Lei 9.307/1996,que já teve sua constitucionalidade reconhecida várias vezes pelo STF,17 reconhecendo a Suprema Corte que a celebração da convenção de arbitragem não viola os princípios da inafastabilidade do controle judicial (CF, art. 5º, inciso XXXV) e do juízo natural (CF, art. 5º, inciso LIII). A convenção de arbitragem tem natureza jurídica de causa de exclusão da atuação do Poder Judiciário, de sorte que uma vez incrustada no contrato feito entre as partes, elas não poderão submeter seus conflitos a este (ao Poder Judiciário), sendo obrigadas a se sujeitar ao juízo arbitral.18 A convenção de arbitragem é gênero do qual emanam duas espécies, a cláusula compromissória (cláusula genérica prevista em contrato, vinculando as partes em caso de futuro conflito ao juízo arbitral) e o compromisso arbitral (pacto bem mais completo feito após o surgimento do litígio visando a solução arbitral). A sentença proferida pelo árbitro – que é juiz de fato e de direito (Lei 9.307/1996, art. 18) – tem força de título executivo judicial (CPC, art. 475-N, inciso IV), não estando sujeita a qualquer recurso junto ao Poder Judiciário, mas apenas a uma ação de nulidade com prazo de 90 (noventa) dias para discussão apenas de tão somente de vícios formais (Lei 9.307/1996, art. 33, § 1º). Caso a parte desrespeite a convenção de arbitragem e ingresse com ação no Poder Judiciário para discutir seu conflito, seu processo será extinto sem resolução de mérito (CPC, art. 267, inciso VII), desde que a questão seja suscitada pelo réu, pois tem característica de exceção (CPC, art. 301, § 4º). 6. A JURISDIÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO: 17 Confira, exemplificativamente, o julgamento do Supremo Tribunal Federal operado no Ag. Reg. n. 5.206. 18 Esse assunto já foi objeto de questionamento em Concurso Público: (Magistratura do Estado de Goiás, 2007, Prova Subjetiva, 2ª Fase) Considerando o argumento indicativo de que a jurisdição é atribuição privativa do Estado enquanto nação juridicamente organizada, bem como o princípio do juiz e do promotor natural, explique a existência e a validade das decisões proferidas pelas Cortes de Conciliação e Arbitragem (valendo 2,0 pontos). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 25 No processo administrativo, a mesma autoridade que inicia procede o julgamento (a própria parte interessada julga); no processo jurisdicional, o julgador encontra inter e super partes; a administração julga sobre sua própria atividade; o magistrado julga atividades alheias. No processo administrativo a decisão não se reveste do caráter da definitividade, o que é típico da decisão jurisdicional (arts. 467 e 468). Em outras palavras, somente existe o fenômeno da coisa julgada material (no sentido técnico) no âmbito do processo jurisdicional, mas jamais no processo administrativo, que sempre pode ser objeto de revisão no Poder Judiciário. Nada impede, contudo, que um Juiz inicie, presida e julgue processo disciplinar de servidor público do Foro. Aliás, trata-se de função administrativa exercida pelos magistrados. Em tal caso, o juiz atuará tecnicamente como administrador, e não como julgador. 7. A JURISDIÇÃO E A LEGISLAÇÃO: Preliminarmente, convém esclarecer que tanto o legislativo, quanto o judiciário, exercem “atividade jurídica” do Estado (um cria a norma e o outro aplica a mesma), contudo, não é possível confundir o comportamento oficial de cada um. A atividade legislativa é a função do estado de editar norma gerais de conduta, atribuindo direitos e impondo obrigações. A atividade jurisdicional, de outro turno, tem por finalidade aplicar a lei aos casos concretos que são adequadamente submetidos ao Poder Judiciário. A atividade legislativa, assim, é primária (cria a norma jurídica abstrata) e a jurisdicional é, em geral, complementar (aplica a norma no caso concreto), sendo responsável pela declaração de direitos já existentes (reconhecimento de normas pré- existentes). 8. A JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: 8.1. CONCEITO: Jurisdição voluntária ou graciosa é a forma de atuação da jurisdição nos casos em que a lei, dada a relevância de certos atos, exige prévia autorização judicial. É tradicionalmente definida como a fiscalização oficial do interesse público existente em alguns negócios privados. Não se trata tecnicamente de jurisdição, mas de atividade administrativa desenvolvida excepcionalmente pelos membros do Poder Judiciário. Este é o conceito tradicional da “jurisdição voluntária”, sendo oriundo da corrente administrativista (defendida por Amaral Santos, por Ernani Fidélis dos Santos, por Frederico Marques dentre vários outros), mas convém ressaltar que há também uma outra vertente de pensamento, que encara da jurisdição voluntária como verdadeira jurisdição, e não como simples atividade administrativa; trata-se da teoria revisionista ou jurisdicionalista DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 26 (recomenda-se aqui a leitura do ensinamento de Alexandre Freitas Câmara e de Cândido Rangel Dinamarco, bem como atenção aos ensinamentos ministrados em sala de aula). Para a corrente administrativista (clássica), a “jurisdição voluntária” não é típica jurisdição (é atividade administrativa) porque não é desenvolvida diante de uma lide (geralmente há consenso entre os envolvidos); não há partes, mas interessados; inexiste processo, mas mero procedimento, e por fim porque não se forma a coisa julgada tradicional nos procedimentos de jurisdição voluntária (art. 1111). Para a vertente jurisdicionalista (revisionista), a “jurisdição voluntária” não é diferente das outras atuações do juiz, pois existem casos em que há dissenso (ex.: ação de interdição em que o interditando contesta); existe, por outro lado, processo contencioso sem lide típica (ex.: ação de anulação de casamento movida pelo Ministério Público contra os cônjuges); o simples fato de não se formar a coisa julgada tradicional não a afasta da moldura de jurisdição, até porque no processo cautelar também não se forma a coisa julgada e ninguém sustenta que inexiste jurisdição cautelar. 8.2. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E CONTENCIOSA – CONFRONTO: Seguindo as diretrizes da teoria administrativista, costuma-se fazer o seguinte confronto entre a jurisdição voluntária e a contenciosa. Vejamos: 8.2.1. SUJEITOS: Nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária não existem partes, mas apenas interessados, posto não haver litígio; na jurisdição contenciosa há partes litigantes. 8.2.2. COISA JULGADA: Nos procedimentos de jurisdição voluntária não se forma a denominada coisa julgada material típica, fenômeno que torna imutáveis, nos processos contenciosos, os efeitos da sentença. Em síntese, apenas nos processos de jurisdição contenciosa se forma a coisa julgada material tradicional (art. 467); nos feitos de jurisdição voluntária é sempre possível a revisão daquilo que foi decidido anteriormente, desde que demonstrada a ocorrência de fato superveniente (art. 1111). 8.3. NATUREZA: A jurisdição contenciosa tem cunho repressivo (atua quando o conflito já ocorreu e não foi resolvido pelas partes); já a voluntária tem caráter preventivo (atua antes, de modo a dar cunho de legalidade ao ato ainda não praticado – ex.: autorização para a venda de bem de incapaz). 8.4. JULGAMENTO POR EQUIDADE: Segundo o art. 1.109, do Código de Processo Civil, o juiz, nos procedimentos de jurisdição voluntária, “não é obrigado a observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 27 Há, então, permissão para que o juiz, na jurisdição voluntária, profira julgamento por eqüidade, afastando-se da legalidade estrita. Esse tipo de sentença integrativa, proferida com base na discricionariedade judicial (o juiz estabelece a hipótese de incidência e também as conseqüências jurídicas dessa com certa liberdade) costuma ser chamada pela doutrina de “sentença determinativa”.19 Diversamente, na jurisdição contenciosa o juiz somente pode julgar de conformidade com a lei (civil law), sendo inadmissível o julgamento de acordo com critérios de conveniência e oportunidade (art. 127). O juiz, na jurisdição contenciosa, em geral, está bem mais vinculado às conseqüências que emanam da lei estrita (mas é possível em alguns casos que o juiz profira na jurisdição contenciosa uma “sentença determinativa”, como ocorre nas ações revisionais de contrato excessivamente onerosos ao consumidor). 8.5. PRODUÇÃO DE PROVAS: Nos procedimentos de jurisdição voluntária há plena liberdade do juiz para a busca das provas (art. 1.107), ao contrário do que ocorre na jurisdição contenciosa, em que a atuação do magistrado é bem mais restrita; a atuação oficiosa do juiz nos processos de jurisdição contenciosa deve ser excepcional, somente levada a cabo quando se encontre em estado de perplexidade, ou quando haja nítida desigualdade entre as partes (CDC, art. 6º, inciso VIII, que trata da inversão do ônus da prova nas causas de consumo). 9. FORMAS DE TUTELA JURISDICIONAL: A exemplo do que já se disse quando do estudo da ação, os atos jurisdicionais podem ser classificados quanto ao provimento que contém em seu bojo em decisões de conhecimento (podendo ser de condenação, de declaração ou de constituição), de execução e cautelares. 10. CLASSIFICAÇÕES: 10.1. QUANTO À MATÉRIA: Pode ser cível (trata de matérias extrapenais, tais como as comerciais, constitucionais, administrativas, tributárias e até trabalhistas) ou penal (cuida de julgar as causas criminais). 10.2. QUANTO A MANEIRA DE EXERCER: 10.2.1. JURISDIÇÃO LEGAL: O magistrado deve julgar de conformidade com as normas elaboradas pelo Poder competente, podendo apenas dar a sua interpretação no caso concreto, mas não pode criar regras novas. Esta é a regra geral no direito processual brasileiro. 10.2.2. JURISDIÇÃO POR EQÜIDADE: Confere ao juiz poderes para inobservar a legalidade restrita e decidir da forma que entenda mais conveniente e oportuna, mas somente pode ser exercida quando 19 Didier Jr, Curso de direito processual civil, v. 2, p. 301. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 28 houver expressa permissão legal (art. 127), como nos casos dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária (art. 1.109) e nos juízos arbitrais (cf. Lei 9.307/1996, art. 11, inciso II). 10.3. QUANTO A NATUREZA DO ÓRGÃO JUDICANTE: Pode ser ordinária, especial ou extraordinária. Jurisdição ordinária é a exercida pelos órgãos da justiça comum (estadual e federal). Jurisdição especial é a exercida pelos órgãos da justiça especial (eleitoral, militar e trabalhista). Jurisdição extraordinária é a exercida, de forma excepcional, por órgãos não integrados ao Poder Judiciário (CF, arts. 51, I e 52, incisos I e II). 10.4. QUANTO À FORMA: 10.4.1. JURISDIÇÃO CONTENCIOSA: Pressupõe a existência de uma parte que pede e de outra contra a qual se pede a prestação jurisdicional com ampla possibilidade discussão contraditória. Há conflito entre as partes, daí a necessidade da intervenção do órgão jurisdicional para resolver referida lide. 10.4.2. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: Trata-se da administração pública de interesses privados relevantes, ao menos segundo a corrente administrativista; aqui não há, de regra, lide, os envolvidos estão acordes. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 29 CAPÍTULO IV – PROCESSO 1. CONCEITO E NOÇÕES: Processo, tecnicamente, costuma ser conceituado como o instrumento estatal criado para a resolução de conflitos de interesses, que constitui-se, internamente, de uma relação entre autor, juiz e réu e, externamente, de uma seqüência procedimental de atos. Como se percebe, o processo é composto de dois elementos, um interno (a relação jurídico-processual) e outro externo (o procedimento), não se podendo, portanto, confundi-lo com o procedimento (rito). O processo é uno, mas o rito é variável, segundo a norma reguladora (exs.: processo de conhecimento com rito ordinário; processo de conhecimento com procedimento especial de consignação em pagamento etc.). Assim como a jurisdição, diz-se que o processo tem escopos jurídicos (fazer atuar a vontade da lei, declarando o direito material preexistente), sociais (pacificar o conflito e reeducar a sociedade) e políticos (contribui para a estabilidade das instituições públicas), como nos ensina Cândido Rangel Dinamarco. 2. PROCEDIMENTO (elemento externo ou objetivo do processo): A exemplo do que se obtemperou, o processo é uno, mas o seu procedimento pode variar segundo a pretensão ou à vontade do legislador. É imprescindível notar que o termo “processo” não se confunde com a expressão “procedimento”, até porque pode existir procedimento sem processo, tal como ocorre numa sindicância para apuração de falta funcional de servidor público, num inquérito policial, numa licitação, em que há rito, sem processo em seu sentido técnico. Resumidamente, poder-se-ia dizer que os procedimentos cíveis na atual sistemática podem ser comuns ou especiais. Os comuns subdividem-se em ordinário e sumário; os especiais podem ser de jurisdição contenciosa (consignação em pagamento, depósito, inventário, possessórias etc.) ou de jurisdição voluntária (interdição, abertura de testamentos, arrecadação de coisas vagas etc.). Há ainda os procedimentos especiais que se encontram fora do Código de Processo Civil, como o sumaríssimo (Lei 9.099/1995), o de mandado de segurança (Lei 1.533/1951) entre outros. 3. RELAÇÃO PROCESSUAL (elemento interno ou subjetivo do processo): Relação jurídico-processual é o vínculo de direito que liga os sujeitos processuais entre si e que nasce, desenvolve-se e extingue-se pelas atividades por eles realizadas. Trata-se do elemento subjetivo ou interno do processo. 3.1. CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO PROCESSUAL: 3.1.1. PÚBLICA: é pública porque o vínculo jurídico em que consiste envolve, ao lado das partes, um órgão da soberania nacional (Estado-juiz). 3.1.2. AUTÔNOMA: é autônoma em face da relação material uma vez que tem objeto próprio (a prolação da sentença). Ela depende de requisitos de existência e DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO PROFESSOR LUCAS SANTANA DE LIMA Cortesia do Autor Dr. Aldo Sabino de Freitas 30 validade próprios, que não se confundem com os requisitos de existência e validade do direito material discutido. 3.1.3. UNITÁRIA: a relação processual, embora integrada de uma sucessão de vínculos, é considerada una porque todos estes vínculos têm como denominador comum a decisão jurisdicional, para a qual convergem. 3.1.4. COMPLEXA: é formada não de um vínculo só, mas de vários liames entre autor/juiz, juiz/autor, juiz/réu etc. 3.1.5. PROGRESSIVA: dirige-se sempre para frente, objetivando a consecução do provimento jurisdicional. Há um sistema de preclusões que, juntamente com o impulso oficial e
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