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A voz e seus recursos como instrumento no processo Musicoterapêutico: perspectivas sensoriais e biológicas. Mariana Késsia Andrade Araruna Resumo: A utilização da voz nas atividades musicoterapêuticas deve ser feita de forma criativa com a emissão de sons pré-vocais e vocais, recorrendo-se ao canto e à utilização da palavra falada. Ambos atuam na respiração, fala, linguagem, auto expressão, criatividade, descarga, canalização de energia agressiva e liberação de conteúdos internos. A presente pesquisa se caracteriza como estudo de múltiplos casos de abordagem qualitativa, com objetivos descritivos e exploratório e busca analisar o uso da voz e seus recursos no processo musicoterapêutico, bem como verificar os efeitos possibilitados ao paciente a partir desse instrumento e ainda observar as percepções após o uso de tal ferramenta. Palavras-chave: Musicoterapia. Voz. Instrumento. INTRODUÇÃO A música é arte presente na vida humana desde os primórdios de sua existência. Sua utilização como fonte de cura ou alívio para males foi estabelecida ainda pelas antigas civilizações. Na Grécia antiga, por exemplo, estruturou-se a música em sistemas de bases científicas, através da filosofia médica de Hipócrates, que considerava as doenças como uma desarmonia do homem frente à natureza. Acerca dessa lógica, na segunda metade do século XX, as graves consequências da Segunda Guerra Mundial impulsionaram as pesquisas sobre os efeitos da música no processo de cura. A partir daí, nasceu um modelo científico de estudo interdisciplinar, denominado de Musicoterapia (VON BARANOW, 1999). Nesse contexto, a utilização da voz nas atividades musicoterapêuticas deve ser feita de forma criativa com a emissão de sons pré- vocais e vocais, recorrendo-se ao canto e à utilização da palavra falada. Ambos atuam na respiração, na fala, linguagem, autoexpressão, criatividade, descarga, canalização de energia agressiva e liberação de conteúdos internos (BARCELLOS, 1980). Sob essa ótica, Cerqueira (1996) avalia a proposta musicoterápica através da voz, como preconizadora da história do indivíduo, sua personalidade, necessidades afetivas, criatividade e expressão, acreditando na proposta que conduz ao crescimento interior. De fato, por ser a voz uma experiência que envolve carga energética, a mesma pode proporcionar o surgimento de lembranças, facilitando a expressão emocional. Assim, ação, emoção e pensamento estão intrinsecamente ligados ao ato de cantar. Outro aspecto relevante é que ao ouvir o próprio canto, gera-se a possibilidade de desenvolvimento de habilidades construtoras de autonomia da própria realidade (CHAGAS, 1990). Em se tratando da influência do recurso vocal na vida de um indivíduo e baseando-se no pressuposto de que a voz motiva o acesso a “si mesmo” especialmente quando utilizada no canto, é conveniente tecer alguns questionamentos: como esta poderia beneficiar e auxiliar pacientes dentro das sessões de musicoterapia? Quais sensações a voz pode provocar nesses pacientes? Quais as percepções destes diante do uso desse instrumento? Assim, entende-se que a voz como ferramenta musicoterápica apresenta grande valor e potencial de tratamento uma vez que é um instrumento de fácil acesso a qualquer indivíduo, já que está enraizada em si mesmo, estando apto ao uso em qualquer lugar e/ou a qualquer momento. Portanto, objetiva-se, neste trabalho, analisar o uso da voz e seus recursos no processo musicoterapêutico, bem como verificar os efeitos possibilitados ao paciente a partir desse instrumento observando as percepções dos indivíduos submetidos ao tratamento mediante tal recurso. REFERENCIAL TEÓRICO Produção da voz Três sistemas trabalham simultaneamente para a produção da voz, são eles: sistema respiratório, sistema fonador e sistema ressonador. Além dessa tríade, há ainda um quarto elemento que faz o papel de coordenador de toda essa elaboração no corpo humano, o sistema nervoso (VALE, 2011). No que concerne ao som da voz, ressalte-se que se compõe de ondas sonoras constituídas de partículas do ar em movimento. Este ar, responsável pelo som vocal, sai dos pulmões, passa pela traqueia e ao chegar à laringe, transforma-se em voz, sofrendo a ação mecânica das pregas vocais (VALLE, 1996). Utilizando-se dessa importante ferramenta, o homem faz uso da voz com o intuito de expressar-se. Desde o seu nascimento, quando ainda bebês, o choro e/ou grito exprimem a necessidade elementar de comunicar-se, Nesse sentido, a voz associa-se com a emoção; antes mesmo da palavra, os estados da alma se anunciam através da voz que é, portanto, a primeira forma de comunicação do ser humano com o mundo (SCHARRA, 2002). A fonação é uma função neurofisiológica inata, entretanto as características anatomo-funcionais de cada indivíduo, bem como sua história de vida sob os traços emocionais vivenciados, formam a voz ao longo do tempo (BEHLAU, 2001). Nesse tocante, Valle (1996) aponta que a qualidade vocal, bem como as entonações da voz, revelam estados da alma e do corpo. O controle da voz depende da percepção e atenção destinadas às sensações corporais, da audição e do universo psíquico de cada indivíduo. O canto como terapia A palavra apresenta duas finalidades que consistem em significado e som. Dessa forma, a produção de um som está associada a um desejo e a palavra surge com a função de expressar tal desejo (ABERASTURY e TOLEDO, 1955). Vale salientar que há diferenciação entre a voz cantada e a voz falada, especialmente referente à frequência, em que a voz cantada pode ser sete vezes maior do que a voz falada, além da intensidade do canto que pode ter um alcance até seis vezes mais forte do que a fala (OLIVEIRA, 2007). O canto, dentro das funções terapêuticas da música é utilizado como: • Função clarificadora, quando o cliente expõe mais intimamente suas feridas através de uma composição popular ou folclórica; • Função integradora, para uma vivência terapêutica, quando é pedido ao cliente que cante o que desejar. É o contato com o “self”. • Função suporte, para entrega quando a voz do terapeuta é parte do campo organizacional para o cliente. O terapeuta canta acalantos, cantigas suaves ou improvisos. Baseia-se no aconchego proporcionado pela voz da mãe ao entoar a cantiga de ninar. É a entrega ao mundo dos sonhos e ao contato íntimo com o inconsciente (CHAGAS, 1997). Barcellos (1980) adverte que a utilização da voz em atividades musicoterapêuticas deve ocorrer de forma criativa advinda de sons pré-vocais e vocais, explorando o canto e a palavra falada. Diz ainda que ambos atuam na respiração, fala, linguagem, autoexpressão, criatividade, descarga, canalização de energia agressiva e liberação de conteúdos internos. Dessa forma, através da proposta musicoterápica da voz, é possível perceber a história do indivíduo, sua personalidade, necessidades afetivas, possibilidades criativas e expressivas, além de conduzir a pessoa a um crescimento interior (CERQUEIRA, 1996). Sob essa lógica, a linguagem do corpo e da voz é resultado de funções motoras e sensitivas comandadas pelo cérebro (BEUTTENMÜLLER e LAPORT, 1992). A voz identifica o homem quanto a sua idade, sexo, procedência, características de personalidade, entre outras (FERREIRA, 2000). METODOLOGIA O presente estudo foi desenvolvido com base em objetivos exploratórios e descritivos. Torna-se imprescindível esclarecer que a pesquisa exploratória possui um planejamento flexível, o que permite a análise do tema sob diversos ângulos e aspectos. Tem como finalidade proporcionar mais informações sobreo assunto investigado. Contrariamente a essa abordagem metodológica, nas pesquisas descritivas os fatos são observados, analisados, classificados e interpretados sem a interferência do pesquisador (PRODANOV e FREITAS, 2013). Classifica-se ainda como estudo de casos múltiplos o qual se caracteriza por ser um modelo de investigação empírica de um fenômeno dentro de um contexto da vida real, seguindo um conjunto de procedimentos específicos com finalidades de descrever uma intervenção e o contexto da vida real em que ocorreu e explorar situações nas quais a intervenção analisada não apresenta um aglomerado simples e claro de resultados (YIN, 2001). Apresenta também abordagem qualitativa tendo em vista que pesquisa qualitativa considera que a subjetividade do sujeito não pode ser traduzida em números, assim como a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados que são básicas no processo de pesquisa qualitativa (PRODANOV e FREITAS, 2013). A pesquisa se originou no decurso do estágio da pesquisadora, onde esta atendeu pacientes em diferentes localidades e com diferentes objetivos musicoterapêuticos. Houve atendimentos a domicílio (individual) e em empresa (coletivo). Foram requisitadas como sujeito incluso na pesquisa, aquelas pessoas que tiveram em sua vivência ou sessão musicoterapêutica, a voz como principal ou pelo menos um dos instrumentos utilizados durante o processo. Para a coleta de dados foram utilizados os relatórios de cada sessão os quais foram escritos pela pesquisadora, e uma entrevista estruturada, contendo quatro perguntas, realizadas pessoalmente a cinco pacientes, sendo as respostas gravadas em áudio, bem como foi apresentado o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE para todos os sujeitos. Torna-se imprescindível esclarecer que a musicoterapia é centrada na experiência do paciente, sendo esta utilizada como forma de metodologia primária. Existem na musicoterapia quatro métodos (improvisação, recriação, composição e audição musical) dentre os quais há variações para sua execução. Com o intuito de atingir o objetivo pretendido, o paciente é engajado nesses métodos pelo terapeuta que se utiliza de diversos procedimentos e técnicas (BRUSCIA, 2000). Ademais, deve-se mencionar o método denominado provocativa musical, é classificado como técnica por sua autora Lia Rejane Mendes Barcellos. Vale ressaltar ainda que os métodos predominantes utilizados nas sessões e vivências musicais dessa pesquisa foram recriação e improvisação, devido os objetivos pré-estabelecidos para as atividades musicoterapêuticas estarem orientados sob estas primícias, e devido ao fato de saber que tais métodos estimulam a liberação e auto expressão de conteúdos internos. Delineamento das vivência/Sessões Musicoterapêuticas Em relação ao formato das sessões musicoterapêuticas, os encontros individuais (a domicílio) duravam cerca de uma hora, acontecendo uma vez por semana, e ocorreu por um período de aproximadamente dois meses, totalizando oito sessões. A primeira etapa do processo musicoterápico é a anamnese e ficha musicoterápica, onde através destas pode-se avaliar as condições e queixas do paciente, permitindo assim, o planejamento e definição dos objetivos das sessões musicoterapêuticas para este paciente. Foi escolhida para participar da presente pesquisa apenas um paciente (por ser a pessoa que mais utilizou o recurso da voz) em atendimento individual domiciliar, denominada no presente relato por P1. As sessões seguiram a estrutura a seguir: Relaxamento e alongamento corporal provenientes de exercícios de técnica vocal; Dinâmica musicoterapêutica, a partir do fazer musical, utilizando a voz/canto e instrumentos percussivos e/ou melódicos (piano, no caso); Momento de fala do cliente na compreensão da experiência musicoterápica; Exercícios de técnica vocal baseados na respiração; e Encerramento com fazer musical livre. Os encontros coletivos ou grupais (em empresa) duraram cerca de 1 hora e meia e aconteceram como atividade/vivência musicoterapêutica dentro do planejamento da empresa. Foram escolhidos para participar da presente pesquisa os funcionários integrantes na atividade denominada “Musicoterapia e saúde da voz”, que tiveram disponibilidade de responder a entrevista. Denominaram-se nesse relato por P2, P3, P4 e P5. A vivência seguiu a estrutura a seguir: Breve explanação sobre a importância do cuidado com a voz e sobre a musicoterapia; Exercícios de técnica vocal voltados ao relaxamento e alongamento corporal (pés a cabeça); Direcionar o entendimento de localização da voz (peito e cabeça); Cantar juntos uma canção; incentivando-os a se expressar dançando, sorrindo, batendo palmas, da forma que quisessem. RESULTADOS E DISCUSSÃO As entrevistas realizadas com os pacientes permitiram a estruturação de dados que serão dispostos de forma textual, a partir das questões levantadas às quais serão escritas abaixo, bem como as anotações arquivadas pela pesquisadora no percurso de planejamento e realização das sessões. Ressalte-se que a consoante “P” seguida de numeração progressiva, representará as pessoas que responderam. “Como você se sentiu ao cantar nas sessões ou vivências musicoterapêuticas?” “Você preferiu usar os instrumentos disponíveis ou a voz”? Discorrem-se os textos a seguir: P1: No inicio senti vergonha; depois fui me acostumando e me sentindo mais confortável à medida que fui me soltando; foi libertador. P1: Eu sempre prefiro cantar. Mas nesses momentos de exposição, às vezes a gente que ficar escondida, preferindo se esconder por trás dos instrumentos, mas nas sessões foi bom. Eu gostei de usar ambos. Analisando a IV sessão feita com a P1, observa-se o efeito libertador que ela retrata em sua fala, pois nessa sessão, P1 foi estimulada, através da voz, a explorar alguns de seus sentimentos (dentre eles, a raiva), por meio da recriação musical, a partir de uma canção. Ao final da vivência, P1 afirmou ter sentido sua voz mais solta, diferente do início da sessão (no momento da vocalização) onde a mesma não conseguia alcançar as notas referentes no piano, relatando algo “preso” em sua garganta que a impedia de cantar. Disse sentir-se livre. Cabe destacar que técnicas verbais como “indagação” (BRUSCIA, 2000) e consigna de apropriação da canção, dadas pela musicoterapeuta, conduziram a sessão. Na oportunidade a paciente P1 explorou potenciais emotivos através da sua voz, cantando a canção em alguns momentos e discursando de forma interpretativa a mesma canção. Chagas (2001) esclarece que no processo terapêutico, a pessoa não apenas canta uma canção, “mas se apropria dela”. É possível perceber também nas falas de P3, P4 e P5 (listadas abaixo) o quanto o cantar, o mover-se através da voz, permite uma descarga e liberação de emoções, sensações, e relaxamento do corpo como um todo. Tendo em vista o objetivo da vivência musicoterápica desenvolvida no grupo das P3, P4 e P5 ser diretamente relacionado à saúde da voz, bem como no reconhecimento da importância do cuidado com esse instrumento que para muitos desse grupo é uma ferramenta de trabalho, as falas dos pacientes corroboram com esse princípio, a partir do momento em que eles tomam consciência de si mesmos e refletem sobre suas rotinas diárias. P3: Eu achei muito legal. No momento em que eu estava cantando, sentia uma paz, uma coisa bem gostosa mesmo. P4: Eu não sou muito de cantar. Mas naquele dia foi bom por que deu uma leveza, aprender aqueles exercícios que você ensinou. Foi diferente.P5: A princípio eu fiquei um pouco com vergonha...aí após você ter mostrado que a gente também pode cantar eu me senti mais tranquila e com vontade de cantar mais vezes. O estresse foi embora, me senti uma nova pessoa, como se eu tivesse vestido um novo corpo, uma nova alma. Sob essa ótica, ao fazer uma análise a partir da fala da P5, a percepção do poder da voz, no sentido de enxergá-la como instrumento presente em seu corpo o qual se move junto com ele, sem a preocupação com a exigência da afinação ou performance, mas apenas soltar sua voz de forma livre, compreendendo-se que cada indivíduo traz consigo uma identidade vocal, com timbre e nuances particulares. Nessa perspectiva, entoar uma canção lhe trouxe um exercício clarificador, no qual o ato de cantar possibilita a mobilização emocional, permitindo ao paciente a exposição de seus conteúdos internos (MILLECO FILHO et al., 2001). A voz e o próprio corpo são considerados as principais ferramentas no jogo da improvisação. Nesse sentido, trabalhado em grupo, esse método exercita capacidades de percepção de si e do outro, abrindo espaço às semelhanças e diversidades (CRAVEIRO, 2000). “Como se sentiu ao fazer os exercícios de aquecimento e técnica vocal?” P1: Trouxe a percepção da respiração, a gente se sente melhor, ajuda no relaxamento corporal. E veio agregar à minha vida, pois pretendo fazer sempre, mesmo depois que acabar a terapia. P3: Eu achei muito importante. Em casa eu disse a meus filhos e fui imitar. Foi uma coisa que eu aprendi. Gostei muito. E passei pra dentro da minha casa. P5: É como se tivesse preparando algo que é necessário. Por que o falar é importante pra comunicação, e aí quando você não faz o uso de um trabalho ou de técnicas ou de algo que possa contribuir com sua voz, talvez prejudique sua voz...então, ter feito aqueles exercícios foi preparando tudo aquilo que eu ia colocar pra fora. Eles ajudaram a gente a expor com mais clareza, mais cuidado a voz. Naquele momento foi como se dissesse assim: acorda que tua voz é importante. Acerca dos benefícios de tais atividades Mcclellan (1994) diz que o uso da voz com intuito terapêutico pode resultar em uma percepção corporal mais aguçada, permitindo melhora da qualidade de vida da pessoa. Diante disso, vê-se na fala da P1 e da P5 um corroborativo dessa ideia, pois através de exercícios de aquecimento/relaxamento e apoio respiratório, bem como vocalizações posteriores, trouxeram a P1 consciência de si mesma, tanto no sentido físico como emocional. Confirmando essa transformação, tal paciente comentava, durante as sessões, esse equilíbrio que a prática das atividades lhe trazia, afirmando, assim, que daria continuidade a elas, mesmo após o término do processo terapêutico. Já a P5 despertou para os cuidados com sua voz, conscientizando-se da importância de exercitá-la para render-lhe uma melhora de desempenho e consequentemente qualidade de vida. A respiração é componente fundamental no que concerne a fisiologia da voz. O ato de cantar requer um trabalho consistente desse componente. Com isso observa-se que a musicoterapia aliada a essa prática tende a beneficiar significativamente o paciente que se propuser a experimentá-la. Acrescente-se a isso o fato de a respiração está associada ao próprio ritmo do corpo humano como um todo, condicionando dessa forma, a pessoa a se avaliar quanto a esse aspecto que pode ser tanto biológico quanto emocional/psíquico. “Quais benefícios as atividades musicoterápicas envolvendo a voz (sessões ou vivência) trouxeram para sua vida?” P1: Trouxeram benefícios como: tentar fazer as coisas sem se preocupar com os erros, simplesmente fazer, porque errar a gente erra de todo jeito, ninguém nasceu sabendo. E também a questão do sentimento, colocar força naquilo, aprender a diferença de fazer por fazer e fazer com energia que vai dar um resultado melhor. E também agregar isso ao meu dia-a-dia. Cantar num momento do dia, fazer algo musical como fazíamos nas sessões. P3: Eu aprendi e passei a fazer em casa os exercícios. Foi uma coisa muita boa. Meus filhos sempre me perguntam se não vou ensinar mais algum a eles. P5: Devido a minha profissão é uma necessidade minha cuidar da voz. Tentei fazer algumas vezes no dia-a-dia. A questão de parar no final do dia pra descansar a voz, a gente nunca tem atenção pra isso e é importante. Uma das queixas iniciais da P1 exposta na fase de anamnese era insatisfação pessoal e profissional. Mediante esse fato, observa-se em sua citação acima uma afirmação consciente de que ninguém está ileso ao engano ou erro e que apesar disso há possibilidades de encontros e acertos, se houver tentativa e, sobretudo vontade. Não se pode negar que essa visão proporcionou a P1 alívio em seu peso e na ansiedade com a tomada de decisões em sua vida. Mesmo sem estar certa do uso correto da técnica vocal, quando foi sugerida a cantar, P1 se permitiu fazer musical através da voz e isso lhe mostrou que ela é capaz de realizar e de escolher realizar. Na sua V sessão, ela cantou uma música a qual a musicoterapeuta ao observá-la notou toda a emoção e força que P1 expressou no ato de cantar. Era uma canção representativa de si mesma (para P1) e ao partilhar sobre essa experiência, P1 se viu no que cantou, se presenteou com aquela canção. A P2 afirmou, em sua fala, que os exercícios de respiração a ajudaram no sentido de se controlar em determinados momentos da rotina, por exemplo, em acessos de raiva, lembrar-se de respirar fundo, equilibrando o pensamento mediado pelo relaxamento que esse ato remete. Costa (1989) aponta que a expressão dos conteúdos internos emergentes nas canções entoadas pelos clientes, é uma ação conectada ao processo psíquico que se desenvolve naquele instante na mente do cliente, onde este mesmo faz suas escolhas de forma livre. Cabendo então ao musicoterapeuta compreender o que está sendo comunicado pela pessoa, através da linguagem da música. A musicoterapia realiza-se através de experiências musicais com finalidades musicais e não musicais. Os campos cognitivos e estéticos estão em ação, construindo um alicerce consistente para a compreensão do valor clínico da música de acordo com a concepção Musico Centrada (AIGEN, 2015). Não obstante, resguardando sempre o cliente na sua busca e perspectivas. Como esclarece Piazzeta (2010) “estar com o foco no processo artístico e não no produto artístico torna as experiências de recriação musical um ambiente flexível e seguro”. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa em questão trouxe possibilidades de enriquecimento de informações para a literatura acadêmica, no que concerne a temática abordada, considerando ser a voz na musicoterapia um instrumento pouco abordado e estudado, segundo as escassas bases teóricas encontradas no decurso da pesquisa para a composição do material aqui elaborado. Importante destacar que a voz por ser um instrumento permanente no contato com seu desfrutador é muitas vezes negligenciada como ferramenta merecedora de atenção, zelo, estudo, percepção e técnica. Através do presente trabalho, foi possível observar isso, não apenas por parte da pesquisadora, mas também por parte dos participantes que em suas próprias falas, pontuaram tais questões. As experiências musicoterápicas baseadas no uso da voz, vivenciadas pelos participantes desse relato, lhes beneficiou enquanto pessoas e profissionais, ajudando-os a perceberem não apenas seu corpo, mas algumas de suas potencialidades. Por fim, entende-se que muitos estudos serão necessários para aumentar o acervo de conhecimento a cerca dessa temática dentro damusicoterapia, a fim de para esclarecer de forma mais aprofundada os efeitos desse instrumento tão acessível e mutável na vida humana. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A.; TOLEDO, L. G. A. de. La Música y los Instrumentos Musicales. Primeira parte. Revista de la Associación Psicanalítica Argentina. v.12, n.2, 1955. AIGEN, K. Music Centerede Music Therapy. Gislum, NH: Barcelona Publishers, 2005. BARCELLOS, L. R. M. Atividades realizadas em Musicoterapia. Rio de Janeiro, 1980. BEHLAU, M.; AZEVEDO, R.; MADÁZIO, G. Anatomia da laringe e Fisiologia da Produção Vocal. In: BEHLAU, Mara. Voz - O Livro do Especialista. Rio de Janeiro: Revinter, 2001. BEUTTENMÜLLER, G.; LAPORT, N. Expressão Vocal e Expressão Corporal. 2. ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 1992. BRUSCIA, K. E. Definindo a Musicoterapia. Tradução Mariza Velloso Fernandez Conde. 2ª ed. Ed. Enelivros. 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Tradução de Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Siciliano, 1994. MILLECO FILHO, L. A. et al. É preciso cantar – musicoterapia cantos e canções. Rio de Janeiro: Enelivros, 2001. OLIVEIRA, F. T. de. Os efeitos do canto na musicoterapia. 2007. 68f. Monografia (Graduação em Musicoterapia) – Faculdade Paulista de Artes, São Paulo, 2007. PIAZZETTA, C. Musicalidade, cognição e estética: Realidades da clínica musicoterapêutica. Revista Brasileira de Musicoterapia. p. 28-46, 2010. PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do trabalho Científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2 ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013. SCHARRA, D. M. F. A Voz Em Musicoterapia - A Educação Vocal Na Terceira Idade e o Processo Ensino (Terapia) – Aprendizagem. 2002. 58f. Monografia de conclusão de curso (Pós-graduação em Musicoterapia) – Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro, 2002. VALLE, M. A Voz da Fala. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. VALE, S. M. M. do. Emissão vocal. Uma visão física, fisiológica e psicológica das pregas vocais. 2011. 10f. Artigo de conclusão de curso (Mestrado/Especialização em Canto) – Universidade Católica Portuguesa, Porto, Escola das Artes, 2011. VON BARANOW, A. L. V. M. Musicoterapia: uma visão geral. Rio de Janeiro: Enelivros, 1999. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
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