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Hierarquia de Valores na Sociedade Atual

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MODULO 6 
HIEARQUIA DE VALORES
 
Muito se fala nos novos valores da sociedade atual, da juventude e do mundo globalizado. Como compreender essa criação, essa invenção a partir do nada, de novos valores para guiar a humanidade? Um aprofundamento da questão mostra que, talvez, ela esteja deslocada.
Ao que parece, o que se está percebendo, não são propriamente valores novos, inéditos, mas uma mudança no modo de hierarquizá-los. Valores muito prezados no passado, hoje, não são nem tanto considerados e vice-versa.
Entende-se por valor aquilo que de algum modo possa satisfazer a uma necessidade, a um anseio humano e por bem de valor, os entes materiais que portam algum valor. A primeira pergunta é sempre sobre quem é o homem e quais são as suas necessidades. As primordiais e as secundárias. São as questões fundamentais da antropologia filosófica.
A resposta a essas perguntas vai permitir que, pelo conhecimento de suas necessidades e da hierarquia, segundo a qual se apresentam o estabelecimento dos valores que podem satisfazê-las.
De início, podem-se focalizar as exigências ligadas à própria vida material, ao seu bem estar físico, ou seja, as ligadas à natureza equilibrada, ao ecossistema. Da consciência de sua importância para a vida humana resulta uma nova ordem de bens de valor. Vão ser valorizadas a água potável, o ar puro, a preservação das matas e do solo. Somente quando esses bens se tornaram escassos foram valorizados evidenciando a relação falta x valor. É o sentimento de falta, de necessidade que define o valor como o que pode supri-lo. Consideram-se, a seguir, as necessidades ligadas ao próprio corpo: a saúde, o bem estar, a força, a resistência entre outros, até apontar os valores capazes de satisfazê-los. A alimentação saudável, os medicamentos, os exercícios físicos. Novos valores ou nova hierarquia de valores?
Os exercícios físicos, por exemplo, no momento em que foram considerados essenciais para saúde pela ciência, subiram na escala de valores do homem atual ao contrário do que ocorria num passado não muito distante. Os valores da utilidade como que unem o material e o não material. A inteligência do homem, interferindo na matéria, inventa bens de valor que vão suprir suas necessidades.
Bens que portam valores que facilitam o seu viver e surgem os veículos que trazem a rapidez e a mobilidade, os meios de comunicação social que possibilitam o entendimento, a televisão e a internet que permitem a visão do longínquo enfim, desenvolve-se toda a tecnologia com seus bens portadores de valores. Contemplam-se, então, os valores que vão corresponder aos anseios não materiais da pessoa humana: o anseio pela verdade, pelo bem, pelo belo, pelo afeto, pelo sagrado, por exemplo. Sendo o valor o que tem condição de satisfazê-los, podem-se registrar múltiplas modalidades.
O valor lógico, buscado pela razão em sua constante procura pela verdade por meio da pesquisa e da ciência. Não são considerados “valores” os conteúdos do conhecimento humano, mas a verdade que encerram e que pode satisfazer à natural necessidade de saber. A humanidade não se contenta com qualquer conhecimento, mas quer o que de algum modo e sob algum aspecto e em algum tempo, corresponda ao real, ou seja, a verdade.
A aceitação da relatividade do conhecimento em relação ao sujeito não implica no abandono da busca da verdade. O relativismo sim, que nega a possibilidade do conhecimento da verdade tomando-o o interesse do sujeito como único referencial no processo da razão, é incompatível com o incontestável progresso da ciência.
Os valores éticos correspondem à carência humana pelo bem moral. Ao seu anseio por respeito e justiça. Por liberdade, lealdade, honestidade, responsabilidade e por todos os demais valores decorrentes do princípio da moralidade que exige que se faça o bem e evite o mal. Há ainda o anseio pelo belo, pelo harmônico que é satisfeito pelo valor estético.
A beleza encontrada na natureza, nas paisagens, no mar, nas florestas, na luminosidade do sol, no canto dos pássaros e na arte, que manifesta o belo instaurado na matéria pelo homem. A beleza da dança feita com o próprio corpo, da música produzida pela combinação dos sons, das artes plásticas, da pintura, da escultura, da arquitetura.
A poesia, a prosa e as que unem a palavra à ação como o teatro e o cinema, enfim, as mil formas que descobre o homem para inserir valores na natureza e em si mesmo. Os valores afetivos correspondem à natural carência de afeto: o amor, a amizade, o carinho, a dedicação, a doação de si entre outros.
O ser humano precisa do “outro” não só fisicamente, mas ainda afetivamente querendo sempre, com ele, constituir uma comunidade. O “outro” torna-se então valor por satisfazer uma necessidade, uma carência do sujeito. Ao anseio pelo transcendente, pelo que ultrapassa a dimensão natural e humana, corresponde o valor do sagrado que se expressa na religiosidade humana. Ocorre, portanto, não a invenção, a criação de novos valores, mas a sua implantação onde antes não existiam.
Nesse sentido, sim, podem ser considerados como “novos”. Novos em determinado lugar ou situação, mas não pelo seu ineditismo. Pode ainda acontecer, uma mudança no processo de hierarquização. Embora o termo valor tenha uma forte ligação com a área econômica, não se pode confundir “valor” com “bem de valor”. Os “bens” de valor portam valores que satisfazem as necessidades humanas.
A clássica pergunta sobre a subjetividade ou objetividade dos valores corresponde ao interesse de cada um ou se o interesse existe porque eles valem por si mesmos. Primeiramente, há que se admitir a existência de um aspecto universal no ser humano. A pessoa humana considerada como a corporalidade, a racionalidade, a sensibilidade e a vontade apresenta necessidades iguais às quais correspondem valores universais. O bem estar físico, a saúde, a busca do conhecimento pelo desenvolvimento intelectual, a vida afetiva, o livre arbítrio com os seus valores do respeito e da justiça, do bem moral, enfim são exigências de todo ser humano, independentemente, de tempo ou de espaço.
O fato de, em determinadas épocas e culturas, essas necessidades e esses valores não terem sido ou não serem respeitados, em nada os invalida como exigências fundamentais e universais da pessoa humana. Não há como relativizá-los sem discriminação, violência ou acomodação. Em segundo lugar, ao entender-se que cada pessoa humana é portadora de uma “personalidade” única, própria e individual, chega-se a novos valores ou nova hierarquia de valores.
Hierarquias de valores correspondentes às suas necessidades. Isso é variável não só no tempo e no espaço, mas ainda de acordo com as circunstâncias. Essa mudança no escalonamento dos valores merece uma reflexão. Será ela feita de modo espontâneo e fortuito sem que se possa nela perceber nenhum direcionamento? Será apenas a transformação de um mundo sólido de valores estáveis e predeterminados para um mundo líquido, em constante mutação de rumos, sem que seja possível perceber nenhuma direção constante e definida como pensa Bauman (2005).
É difícil avaliar. É o autor quem diz: “É nisso que nós, habitantes do líquido mundo moderno somos diferentes. Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo” (BAUMAN, 2005, p. 32).
Na escala da atualidade “subiram” os valores “capacidade de mudança” e de “adaptação”, “inovação”, “experimentação”, aceitação do “novo” e outros semelhantes. E é novamente esse autor quem completa: “no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis simplesmente não funcionam” (BAUMAN, 2005, p. 33).
Apesar de toda essa valorização do “novo” pode-se perceber, especialmente no ocidente cristão, uma direção, um ordenamento que, embora na prática se apresente constantemente com falhase retrocessos, mostra-se estável e constante: a permanente busca dos valores do “respeito”, da “justiça” e da “igualdade de deveres e direitos”. Todos os movimentos culturais se fazem no sentido de garantir ao ser humano cada vez mais igualdade de gênero, etnia, idade e classe social.
Percebe-se que o valor “igualdade”, pelo menos teoricamente, está no topo da escala. O “respeito” pelo outro seja ele quem for que modalidade de vida tenha escolhido, e a prática da “justiça social” são valores almejados atualmente como nunca antes tinham sido. Esses valores, trazidos pelo Cristianismo, nem sempre, mesmo no mundo cristão, foram considerados primordiais. Com o passar dos anos, cada vez mais, em todas as culturas são postos como objetivos a alcançar. Diante da recorrente pergunta sobre se a humanidade está aprimorando-se ou retrocedendo embora, num primeiro momento, diante das dificuldades do presente a impressão seja de piora, de degradação, inclusive do meio ambiente.
Constata-se uma reordenação dos valores de modo que seja dada maior ênfase, pelo menos teoricamente, à igualdade, ao respeito e à justiça. Ao mesmo tempo, pode-se constatar a descida na escala, de outros valores como: a fidelidade, a constância, o espírito de sacrifício, a humildade, a obediência.
No âmbito da educação, valoriza-se especialmente a capacidade de comunicação que se revela pela importância dada ao conhecimento de idiomas e pela utilização da internet. Pelo conhecimento de emprego prático e eficiente, pelas diversas modalidades de tecnologia, ao contrário das reflexões metafísicas e abstratas. Ressalta a ênfase dada ao conhecimento que possa gerar valor econômico. Fica bem clara a importância dada à independência, à autossuficiência, como mostra o relevo atualmente dado a conhecimentos que levem à profissionalização e até em áreas específicas como gastronomia e artesanato.
O conhecimento é visto como grande valor que pode promover a valorização das personalidades, permitindo a sua ascensão no plano pessoal, profissional, econômico e social. Uma característica fundamental dos valores é a polaridade.
Os valores apresentam-se sempre como positivos e com os seus correspondentes negativos ou contra valores. Diante deles, a reação é sempre de busca, de aproximação, de amor ou de afastamento, repulsa e ódio. É impossível a neutralidade. Mostra Risieri Frondizi (1968, p. 18) que “os valores estão, ainda, ordenados hierarquicamente, isto é, há valores inferiores e superiores. Não se deve confundir a ordenação hierárquica dos valores com a sua classificação. Uma classificação não implica, necessariamente, uma ordem hierárquica”.
As diversas classificações de valores que os diferenciam pela modalidade de atendimento às necessidades humanas, não implicam em nenhum escalonamento. Vêm-se então os valores materiais que correspondem às necessidades físicas de bem estar e saúde, os valores lógicos, os éticos, os estéticos, os afetivos, os sociais, os religiosos. A hierarquização não se prende à modalidade, mas à capacidade de satisfazer com maior plenitude e durabilidade aos anseios humanos. Embora se possa reconhecer a existência de uma hierarquia de valores, não é fácil definir com clareza qual a melhor nem a mais perfeita. O processo de hierarquização vai depender do critério adotado. Novos valores ou nova hierarquia de valores?
São incontáveis as propostas de escalas de valores apresentadas pelos vários pensadores resultantes de diferentes concepções, que vão de uma antropologia naturalista, que vê o espírito como simples derivação da natureza, como a de Freud, por exemplo, até as espiritualistas que consideram a matéria como empecilho para o desenvolvimento humano como a de Platão.
São inúmeras as dificuldades para a hierarquização dos valores. A primeira liga-se a questão da sua objetividade ou subjetividade. Sendo eles objetivos, sua hierarquia adviria deles próprios, independendo da vontade humana; caso contrário, ela seria diferente e especial para cada homem.
É extremamente difícil demonstrar a objetividade dos valores. Mais fácil é perceber as necessidades universais do ser humano, o que naturalmente levaria a uma escala de valores que pudesse satisfazê-las segundo o seu nível de exigência e prioridade. Considerar os valores subjetivos, como criações humanas significa desvalorizá-los, relativizá-los e assim a minimizar a sua importância para o homem. A hierarquia de valores feita por um critério empírico só teria validade particular e temporal. Seria variável e não universalmente válida e assim todos os comportamentos humanos igualmente admitidos.
O subjetivismo tem seu foco no processo de valoração, na interferência do homem no processo. O objetivismo, ao contrário parte das necessidades humanas e aceita a independência dos valores como o modo ideal de supri-las. Para as doutrinas subjetivistas, o sujeito cria o valor e não apenas o aprende. Para uns, seria o prazer, para outros, o interesse; para outros, ainda seria o desejo a fonte do valor, mas, seria ele sempre uma criação humana variando somente com o tempo, as culturas e as situações.
Para o objetivismo, os valores são independentes dos bens e dos sujeitos que os valoram. São absolutos ou imutáveis, variando apenas quanto à sua hierarquia. Max Scheler (1941, p. 39), em sua Ética condena “toda doutrina que reduza os valores em sua própria essência aos homens e à sua organização, seja esta psíquica (psicologismo) ou psicofísica (antropologismo), quer dizer que pretenda por o ser dos valores em relação com o homem e sua organização”.
É a posição extremada que entende os valores como totalmente independente do homem com suas carências e necessidades. O homem, no entanto, não apenas tende para os valores que o podem completar e dos quais sente necessidade, mas é ele próprio, em si mesmo, valor. Para determinadas concepções de antropologia, como a cristã, por exemplo, o homem não é apenas o indivíduo, mas uma pessoa com caráter próprio e, portanto, valor em si mesmo.
Não só porta valores, mas, é um valor enquanto pessoa, ser racional, capaz de agir livremente e de vida afetiva. Enquanto indivíduo é o homem limitado pelo seu corpo, suas necessidades físicas, sua condição geográfica e histórica, suas circunstâncias enfim. No entanto, além de indivíduo, é ele um ser pessoal com dignidade própria, e assim com direitos e deveres. A pessoa é o ser capaz de dar sentido às coisas, de valorar e de instaurar o valor.
A natureza só serve para o homem na medida em que ele lhe dá um sentido. O homem, sim, importa sempre para o homem. O “outro” o “semelhante”, vale por si mesmo, por ser aquele que vai revelar e transmitir os valores. Do ponto de vista subjetivo, é certo que o sujeito reconhece de início o valor puro e se conhece negativamente como privado de valor.
Na hierarquia a ser constituída sobreleva-se o valor da pessoa e o valor de “outro” enquanto “pessoa”. Não se pode prescindir do “outro”, valor por si mesmo, pois ele vai ocupar um lugar primordial em qualquer escala. Nada mais ofensivo do que olhá-lo como “coisa” destituindo-o de sua dignidade. Nada pior para o ser humano do que a indiferença que é o mesmo que negar a sua humanidade.
O homem chega então à consciência de si mesmo pelo conhecimento do valor de que se sente privado. Por meio dele, conhece a sua destinação ao valor pleno e absoluto que fundamenta assim o seu referencial para a sistematização dos múltiplos valores que vão satisfazer suas inúmeras necessidades.
O “outro” é portador dos valores dos quais se tem necessidade. É ele que possui a bondade, a inteligência, a beleza, o afeto que se deseja. No entanto, embora se revelando pelos valores ou pelos contra valores que carrega o “outro” vale por si mesmo, como pessoa humana e não apenas por ser portador de valores.
Nada pode agredi-lo mais do que considerá-lo como simples coisa, objeto ou mesmo como uma ideia. O “outro” além de pessoa é também uma personalidade, ou seja, um conjunto estruturado de carências e de valores e como tal, objeto de experiênciae apreensão. Novos valores ou nova hierarquia de valores?
Constitui-se então como um conjunto orgânico de carências e de valores espontâneos e instaurados. A personalidade engloba valores e contra valores que se estruturam de modo a fazê-la original, própria, individual, diferente uma da outra. Há sempre a necessidade da opção por valores e, ao mesmo tempo, em que essa opção decorre da personalidade, ela a forma e a constitui. A hierarquização dos valores depende da personalidade e das escolhas feitas que constroem essa mesma personalidade.
O outro não apenas revela o valor, mas, traz o contra valor pelo que nega e prejudica. Ele apresenta-se, ao mesmo tempo, como promessa e ameaça, como força e fraqueza, como verdade e erro, como bondade e maldade. Como fonte de satisfação e de decepção, mas sempre como ser de referência, como modelo a ser copiado ou condenado. O “outro” enquanto pessoa é sempre valor, mas enquanto personalidade é mensageiro do valor e do contra valor.
Gobry (1975 p. 71) mostra que “é o “outro” que, no início da existência traz o amor, a alegria e a segurança.  Na infância, o outro é a fonte do valor que, enquanto autoridade na qual se têm fé, é certeza. Essa segurança da infância, no entanto, não é duradoura. Bem cedo, o “outro” torna-se a ocasião das decepções. Se por meio dele conheceu a bondade é, por meio dele, que vai conhecer a maldade. Se conheceu o interesse, vai conhecer o desinteresse”. Chega-se então à necessidade do estabelecimento de um critério que permita a avaliação do valor.
Pode-se admitir a perenidade e a universalidade como tal. Os valores seriam verdadeiros se valessem no universalmente embora variando de importância na escala de acordo com o tempo e com o espaço. A pessoa seria então o valor por excelência. A desconsideração, a desvalorização do homem que ocorreu em todos os tempos através da história é tida como agressão, como violência, como erro, não podendo nunca ser admitida como possível, como fato natural ou cultural em determinado tempo e espaço.
Nas coisas encontram-se participações do valor, mas não o valor propriamente dito. Nelas, por exemplo, encontra-se alguma beleza, mas não a própria “beleza”. Não se criam e não se inventam valores. Eles se encontram ou são instaurados nas coisas conferindo-lhes uma significação. A hierarquização dos valores, embora feita pelos juízos de valor depende, em grande parte, da personalidade de cada um: nas de sensibilidade mais desenvolvida prepondera.
 O interesse pelo nobre, pelo bom, pelo verdadeiro. Outras dão maior valor ao estético até mesmo sobrepondo-o ao ético. Há as que prezam mais a vida em sociedade e a afetividade. O que mais querem é a presença do “outro”. Abominam a solidão que é considerada como grande contra valor. Há as que priorizam o sagrado, a saúde, a família, o conhecimento ou outros valores da escala. A preferência pelos valores aparece mais como tendências do que como atitudes exclusivas. A predominância de uma delas decorre não só da personalidade de cada, mas ainda da educação recebida nos seus primeiros anos.
Essa dominância deve ser claramente conhecida por cada um para que consiga estabelecer o equilíbrio e o respeito por outras formas de hierarquia. Priorizar os valores independentemente das pessoas que os sustentam leva à admissão de sectarismos, a desrespeitar a liberdade humana, a condenar as variações das culturas, a dogmatizar ideologias.
Ao contrário, priorizar as pessoas e as suas personalidades desvinculando-as dos valores que portam, a aceitar o arbitrário, o relativismo que acaba prejudicando os interesses dessas mesmas pessoas. Refletindo um pouco sobre a hierarquização de valores do momento atual podem permitir algumas considerações.
É de Max Scheler (1972, p. 146) a seguinte afirmação: “nos iniciamos nossas considerações com uma regra preferencial, que se tornou determinante para a moral do mundo moderno. Esta regra chama-se: um valor ético só advém às propriedades, ações, etc, que o homem enquanto indivíduo adquire, se estas aquisições forem feitas através de suas forças e trabalho”.
No pensar de Scheler (1941), o trabalho como processo de agregação de valor à matéria e à autonomia do sujeito são valores que, na atualidade, subiram na escala em detrimento de outros.  São inúmeras as modalidades e os critérios de hierarquização de valores. Alguns muito prezados no passado, hoje, estão em segundo plano e outros pouco valorizados são atualmente muito considerados.
Não é possível se definir uma hierarquia perfeita e ideal válida para todos os tempos e todos os lugares. A saída está no estabelecimento dos critérios justificáveis, segundo os quais vai ser feita a hierarquização. Propõem-se aqui as noções de “pessoa humana” e de “personalidade” como referências justificáveis para hierarquização dos valores. Novos valores ou nova hierarquia de valores.
Os valores universais, que devem ser priorizados, são os que atendem às necessidades da pessoa humana. Os variáveis e secundários são aqueles que correspondem às múltiplas personalidades com suas características próprias e individuais. Com o objetivo de promover a reflexão sobre essa questão se apresenta apenas como ilustração, um questionário, que pode ajudar ao reconhecimento da própria escala de valores.
 
MODULO 7 
Quando pensamos a retórica no gênero discursivo jurídico, não podemos desviar da qualidade e do campo de possibilidade que a intertextualidade ou a heterogeneidade discursiva nos permite em termos de conquista de um percurso argumentativo sólido.
Essa particularidade se revela interessante à medida que denota que é em função da ilusão de origem do sujeito que esse jogo de vozes, que ora se completam, ora se contradizem, mas que partilham do mesmo espaço discursivo, instauram sentidos a partir do discurso do Outro, constitutivo do discurso que o sujeito acredita ser seu.
Considerando o Outro como constitutivo do discurso do sujeito que o enuncia, entendemos que a possibilidade de analisá-lo reside na historicidade representada pela materialidade discursiva que permite ao analista chegar à noção de diferença, uma vez que, ao apropriar-se do discurso do Outro, o sujeito não o demarca dado ao próprio desconhecimento da heterogeneidade constitutiva de seu discurso, e com a qual se relaciona através de diferentes modos de denegação, conforme pudemos depreender da proposta de Authier-Revuz (1982 e 1984).
Ao contemplarmos a questão da heterogeneidade mostrada, consideramos que este tipo de heterogeneidade possa ser entendido como resultado de uma espécie de acordo imaginário que se estabelece entre o sujeito e seu leitor virtual, já no ato da elaboração do texto, seja ele escrito ou oral, a partir das formações imaginárias, quando então, o sujeito enunciador recorre a determinadas demarcações para reafirmar seu lugar de enunciação como fonte e origem do discurso que enuncia.
Assim, à medida que o sujeito se apresenta ao seu interlocutor virtual no domínio das normas que o regulam, ele acentua sua ilusão de onipotência e independência, como o "dono de seu pensamento" que, em nosso entender, reafirma a ilusão de "controlador" que o perpassa, pois ao demarcar o discurso do outro que retoma, o sujeito demonstra ser conhecedor das normas éticas de modo ao não se apropriar do dizer do outro.
Ao proceder a demarcações, o sujeito, provavelmente, tem a ilusão de "burlar" as normas que o regulam, sem, no entanto, perceber que o próprio percurso o remete ao mesmo assujeitamento que lhe é imputado pela instituição, e que ele somente tem ilusão de controlar.
Consideramos que o sujeito demarque o discurso do outro movido pelo desejo de atribuir maior credibilidade ao seu próprio dizer e, assim, tornar irrefutável seu argumento. Essa demarcação se concretiza em função da aceitabilidade que o outro possa ter perante o seu interlocutor virtual.
Uma outra possibilidade que, a nosso ver, justifica esse procedimento do sujeito, remete-nos novamente à questão da ilusão de origem que perpassa o sujeito (PÊCHEUX & FUCHS,1975), somada à sua ilusão de onipotência. Entendemos que, perpassado pela ilusão, o sujeito se entende investido do direito de corroborar ou refutar o dizer do outro, que, em algum outro momento de enunciação, possa ter dito o que ele não se permite estar repetindo como plágio. Assim, é exatamente por se entender na origem do seu discurso que o sujeito entende que o outro possa ter dito o que ele (sujeito) não repete, mas também diz.
Entendemos, ainda, que os sentidos instaurados a partir do outro, que o sujeito parece autorizar em seu espaço discursivo, favorecem o argumento do sujeito, independentemente do fato de a demarção ter se dado em função de normas institucionalizadas de autoria.
Nossas considerações nesse sentido se dão em relação ao fato de entendermos que o sujeito, no cumprimento das normas que lhes são impostas, serve-se das mesmas regras que o controlam para escamotear formas do dizer que lhe permitem proceder aos atos de convencer, persuadir e/ou dissuadir na direção de seus objetivos.
Esse aspecto, em nosso entender, favorece o sujeito a consolidar a estrutura argumentativa que, lhe permite atingir o objetivo delineado por ele, objetivo este que se sobrepõe à sua própria resistência em partilhar com outro enunciador do discurso do qual se entende "senhor".
Entendemos a pertinência de estabelecer algumas articulações teóricas entre Authier-Revuz (1982, 1984 e 1990) no que tange à heterogeneidade discursiva e outras teorias de maneira a elucidar como a heterogeneidade mostrada e constitutiva funcionam enquanto estrutura argumentativa do discurso jurídico enunciado no Tribunal do Júri.
Apresentaremos articulações teóricas entre a heterogeneidade discursiva e outras teorias que, em nosso entender, nos permitem refletir como o processo da heterogeneidade discursiva se viabiliza de maneira a consolidar a estrutura argumentativa do discurso jurídico sobre a qual nos debruçaremos nesta pesquisa.
Os autores que fundamentam as articulações que passamos a tecer não trataram a questão da heterogeneidade discursiva quando da proposta das teorias que passamos a apresentar, nossa opção por proceder a essas articulações teóricas surge da necessidade de compreendermos como a heterogeneidade discursiva se relaciona com essas teorias de modo a funcionar como estrutura argumentativa do discurso jurídico, que é o objeto deste estudo.
Pensar o percurso argumentativo do discurso jurídico enunciado no Tribunal do Júri de maneira a entender os sentidos que esse discurso instaura nos imputa a necessidade de definir a discursividade própria dessa enunciação. E, nesse sentido, temos de partir do fato de que todo discurso é por excelência heterogêneo na medida em que outras vozes se fazem ouvir no discurso do sujeito que ora as retoma de forma marcada, na ilusão de que o espaço demarcado é do outro enquanto o espaço não-demarcado é seu, ora as repete imiscuindo-as no seu dizer como se as escamoteasse ou ainda se não se permitisse reconhecer as fronteiras que demarcam o seu dizer e o dizer do Outro (AUTHIER-REVUZ, 1982 e 1984).
A impossibilidade de se conceber um discurso homogêneo, encontra ainda, respaldo em Pêcheux (1969), a partir da sua concepção de discurso enquanto "efeito de sentidos entre locutores". Trata-se da ilusão de poder que toma o sujeito no tocante ao seu dizer, de modo que acaba se reafirmando, a tal ponto que, perpassado pela ilusão de ser o "senhor" do seu discurso, o sujeito pensa controlar o sentido do seu dizer.
É pertinente, portanto, entender que a aparente homogeneidade que o sujeito busca dar ao texto, na realidade, parte de normas já institucionalizadas que exigem que o autor o alcance de uma aparente unidade de sentidos imputada pelo princípio da autoria que, segundo Orlandi & Guimarães (1988), imputa ao autor responsabilidade social pelo seu dizer.
À medida que se vê limitado por normas, o sujeito busca atingir uma aparente homogeneidade, que, na realidade, nada mais é que uma espécie de "maquilagem" cujo fim é o de esconder as diferenças dos seus diferentes lugares de enunciação, muitas vezes determinados cursivas que dividem o mesmo espaço discursivo.
A intensidade do conflito leva o sujeito a criar mecanismos discursivos mais eficazes para atingir seu objetivo primeiro. Buscamos compreender a questão do sujeito descentrado a partir da "função do desconhecimento do 'eu' enquanto uma espécie de 'ilusão-fantasma' de que o sujeito é o centro do discurso, remetendo-nos à “teoria do descentramento do sujeito falante que pode ser o senhor de sua morada" (FREUD, apud BRANDÃO,1988).
O papel da ilusão de origem que perpassa o sujeito, no momento discursivo, (PÊCHEUX & FUCHS, 1975), é fundamental para que se compreenda melhor o fato de o sujeito enunciar o Outro, sem fazer qualquer referência a ele, significando-o enquanto constitutivo de seu discurso.
Contudo, não podemos pensar que a ilusão de origem possa ser superada pelo sujeito no momento em que este demarca o discurso do outro em seu espaço discursivo, uma vez que, em nosso entender, o simples fato proceder a demarcações permite ao sujeito reafirmar sua ilusão de origem porque se entende "senhor" do discurso que enuncia, inclusive, em relação àquele com quem divide seu espaço discursivo.
No tocante ao discurso jurídico enunciado no Tribunal do Júri, há que se considerar que o princípio da autoria é, igualmente, regulador do dizer de todos que têm o direito a voz neste particular lugar de enunciação, uma vez que todos são regulados pela responsabilidade do seu dizer, na medida em que as consequências decorrentes do que é dito em um tribunal dessa ordem são norteadoras do veredicto ao qual os jurados devem chegar ao final dos trabalhos.
A tensão que perpassa todo dizer o rito do júri toma conta de toda enunciação. Ao juiz compete presidir a enunciação do júri dentro do que preceitua a normatização do direito processual penal e do direito penal, provendo garantias para que o devido processo legal não seja comprometido, dando ao réu concretas condições de ampla defesa em toda sua plenitude. Ao promotor e ao defensor impõe-se a necessidade premente de manter a coerência com as teses que defendem. Às testemunhas compete o dever de dizer a verdade, exigência que, se não cumprida, gera consequências legais, conforme lhes orienta o juiz, na medida do compromisso que prestam. Ao réu cabe pensar cada palavra ou rever cada gesto e beneficiar-se do momento em que tem a chance de ser ouvido pelos jurados naquela enunciação, responsáveis que são pelo destino que será dado à sua vida ao final.
Entendemos que a tensão própria da enunciação do Tribunal do Júri aumenta o conflito a ser superado pelas partes (promotoria e defensoria) na conquista da adesão dos jurados às suas teses. Quanto maior o conflito, mais heterogêneo o discurso se mostra, porque o sujeito enunciador recorre a toda sorte de argumentos para estruturar o percurso que escolhe para atingir o fim desejado, qual seja a conquista da adesão de seus interlocutores à tese que lhes submete.
No Tribunal do Júri, a adesão se materializa pela votação que dará ao caso julgado o destino. Considerando-se que o voto dos jurados é soberano e que estes são leigos ao conhecimento técnico envolvido, os sujeitos enunciadores/defesa ou promotoria esmeram-se para dar ao seu dizer marcas da irrefutabilidade. Valem-se de lógica no que se refere às provas, laudos e depoimentos. Esmeram-se na retórica forense no momento de tecer suas considerações quando se dirigem aos interlocutores/jurados, sobretudo durante os debates e na fase da réplica (promotoria) ou tréplica (defensoria).
As várias vozes que estruturam o percurso discursivo das partes formam a heterogeneidade discursiva que, por sua vez, se manifesta de duas formas, a mostrada que, segundo Authier-Revuz (1984), é constituída por formas linguísticas que representam as diferentes maneiras de o sujeito falante negociar com o dizer do outro que ele (sujeito) permite que constitua o seu discurso. E a forma constitutiva que reúne outrosdizeres que se misturam ao discurso do sujeito sem que sejam por ele demarcados.
Na concepção da autora, a heterogeneidade mostrada pode se manifestar sob "uma forma de denegação", ou seja, uma espécie de proteção do sujeito em relação à heterogeneidade constitutiva de seu discurso. Trata-se de um procedimento resultante do fato de o sujeito desconhecer o que é constitutivo do seu discurso em função da ilusão de origem que o perpassa.
A autora acrescenta que esse tipo de heterogeneidade pode se dar por intermédio de formas marcadas por conotação autonímica, que, ao contrário das formas marcadas por autonímia simples, caracterizam a presença do outro no fio discursivo sem qualquer ruptura sintática.
O fragmento designado como um outro é integrado à cadeia discursiva sem ruptura sintática: de estatuto complexo, o elemento mencionado é inscrito na continuidade sintática do discurso ao mesmo tempo que, pelas marcas, que neste caso não são redundantes, remetido ao exterior do discurso (AUTHIER-REVUZ, 1990, pp. 29 e 30).
 
A autora chama a nossa atenção para o fato de que toda compreensão e interpretação de marcas como: aspas e itálico no glosado passa por uma especificação da alteridade de natureza implícita a que remete devido ao seu ambiente discursivo -  "(...) uma outra língua, variedade de língua, um outro discurso diferente, um discurso oposto, etc."
(...) no sentido específico de um conjunto infinito de expressões - de glosas, retoques, comentários sobre um fragmento de cadeia", que, independentemente de se apresentarem demarcadas por aspas ou itálico, fornecem "parâmetros, ângulos, pontos de vistas através dos quais um discurso põe explicitamente uma alteridade em relação a si próprio (AUTHIER-REVUZ, 1990, p.30).
 
Segundo a autora, as formas que acenam para o exterior do discurso a ponto de interferir na cadeia enquanto forma de heterogeneidade são:
(...) - uma outra língua - um outro registro discursivo - um outro discurso caracterizado como discurso dos outros. - uma outra palavra potencial ou explícita nas figuras de reserva, de hesitação e de retificação, de confirmação; - um outro interlocutor, diferente do locutor e a este título suscetível de não compreender (exemplo: você entende o que eu quero dizer) (AUTHIER-REVUZ, 1990, p.30).
Segundo o que nos foi possível compreender, a outra modalidade de tomada de sentido, à qual a autora se refere, se dá através "de uma palavra, que recorre explicitamente ao exterior de um outro discurso especificado, ou aquele da língua como lugar de polissemia, homonímia, metáfora, etc, afastadas ou ao contrário invocadas para constituir o sentido da palavra. A autora esclarece, ainda, que "nos dois casos, ao lado do sentido dado como corrente, um sentido é constituído por uma palavra por referência a um ou outros sentidos produzidos alhures, no interdiscurso ou na língua" (1990, p. 30).
No discurso jurídico, sobretudo no do Tribunal do Júri, o sujeito enunciador retoma o dizer do outro pela forma marcada quando remete as testemunhas a momentos anteriores nos quais, quer na fase do inquérito, quer na fase judicial, a testemunha tenha feito declaração divergente. O mesmo procedimento é comum quando as partes querem recorrer à condição de enfatizar uma informação e voltam a depoimentos anteriores apenas para pedir a confirmação destes junto às testemunhas com o objetivo de sublinhar o valor da sua tese.
Nestes casos, o repetir ganha uma nova direção de sentidos, porque reafirma a tese daquele que pergunta. Há outros momentos nos quais as partes retomam o dizer de grandes personalidades, o que lhes permite mostrar erudição e, ao mesmo tempo, dar maior credibilidade ao seu argumento.
Authier-Revuz (1990) considera que é por intermédio da forma marcada que o enunciador se coloca a uma relativa distância do seu dizer, e, igualmente, se reafirma enquanto "dono de seu pensamento", pois, à medida que se serve de "glosas de retificação, de reserva" assume a posição do "juiz do seu dizer". Enfatiza que "as formas marcadas da heterogeneidade mostrada manifestam a realidade da onipresença do Outro precisamente nos lugares que tentam encobri-la" (1990, p.33).
A autora acrescenta que a demarcação que o sujeito faz em relação ao discurso do outro no espaço discursivo do discurso do qual se entende origem pode ser contemplada sob dois enfoques:
Primeiramente, considerou a possibilidade de o sujeito estar regulado por normas pré-estabelecidas, e, a exemplo, se remeteu às normas imputadas pelo princípio de autoria, segundo proposta de Orlandi & Guimarães (1988), que não permitem ao sujeito se apropriar da palavra de outro, sem demarcá-lo em seu espaço discursivo.
Em um segundo momento, alertou para o fato de que a ilusão de origem do discurso que perpassa o sujeito continua a perpassá-lo, mesmo quando ele se vê obrigado a assumir as responsabilidades advindas de normas que o controlam, como as da função de autor. A autora considerou que essa especificidade pode levar o sujeito a beneficiar-se das mesmas normas que o regulam, pois, à medida que as cumpre, talvez demarque o outro em seu espaço discursivo na ilusão de que o não demarcado seja apenas seu.
A heterogeneidade mostrada por formas marcadas tem a particularidade de permitir a negociação entre as forças centrífugas, de desagregação, da heterogeneidade constitutiva, porque essas formas representam o desconhecimento da heterogeneidade constitutiva, que, por meio de uma representação, ainda que ilusória, atuam como uma espécie de "proteção para que um discurso possa ser mantido" (AUTHIER-REVUZ, 1990, p.33).
Esta autora enfatiza, ainda, as diversas formas da heterogeneidade mostrada no que se refere à sua relação com a heterogeneidade constitutiva que, por sua vez, remetem ao corpo do discurso e à identidade do sujeito, quando então, "proibidos, protegidos na denegação por formas marcadas, discurso e sujeito, são expostos ao risco de um jogo incerto pelas formas não-marcadas e devotados à perda, face à ausência de toda heterogeneidade mostrada, no emaranhado da heterogeneidade constitutiva" (1990, p.34).
É fundamental que se entenda que as formas não-marcadas da heterogeneidade mostrada implicam uma outra forma de negociação com a heterogeneidade constitutiva, por meio das quais uma outra forma caracteriza a presença do outro. Para Authier-Revuz (1990, p.33), esse tipo de negociação é "uma forma mais arriscada, porque joga com a diluição, com a dissolução do outro no um, onde este pode ser enfaticamente confirmado, ou ainda pode se perder. A exemplo, a autora aponta: discurso indireto livre, ironia, metáforas, jogos de palavras".
No discurso jurídico, podemos observar o uso de formas não-marcadas, sobretudo nos debates ou na réplica ou na tréplica, nos momentos em que promotoria e defensoria retomam trechos dos depoimentos que mais sustentam suas teses em forma de discurso indireto livre, mesclado com o discurso direto, recorrem a ironia com acentuada frequência, sobretudo para provocar seu oponente.
Por outro lado, heterogeneidade constitutiva pode ser entendida como a constante presença do Outro que constitui o discurso do sujeito, que retoma o dizer do Outro, significando-o enquanto sendo seu. E, ao fazê-lo, demarca o outro não apenas para atender às normas que lhe são imputadas, mas, essencialmente, para estabelecer uma negociação entre o um que enuncia e o outro que é demarcado.
Segundo Authier-Revuz (1990)
o Outro está sempre presente no discurso, demarcado ou não, ele emerge no discurso nos pontos em que se insiste quebrar  a continuidade, a homogeneidade fazendo vacilar o domínio do sujeito, voltando o peso permanentemente para o Outro (p. 33 e 34).
Brandão (1991) tece considerações sobre a heterogeneidade mostrada, formulada por Authier (1982), no que se refere ao discurso relatado, que vêm esclarecer essa questão:
(...) - discurso indireto, quando o locutor, colocando-se enquanto tradutor do outro, usa de suas próprias palavras para remeter a uma outra fonte do 'sentido'; (...) - discursodireto, o locutor, colocando-se como 'porta-voz', recorta as palavras do outro e as cita (BRANDÃO, 1991, p. 50).
 
Ao refletir a respeito do dialogismo que, segundo Bakhtin, se estabelece a partir dos "outros discursos", constitutivos do discurso, Brandão (1991, p.53) corrobora a questão atrelada ao "dizível": "O discurso se tece polifonicamente num jogo de várias vozes cruzadas, complementares, concorrentes e contraditórias".
Essa particularidade se revela interessante à medida que denota que é em função da ilusão de origem do sujeito que esse jogo de vozes, que ora se completam, ora se contradizem, mas que partilham do mesmo espaço discursivo, instauram sentidos a partir do discurso do Outro, constitutivo do discurso que o sujeito acredita ser seu. Considerando o Outro como constitutivo do discurso do sujeito que o enuncia, entendemos que a possibilidade de analisá-lo reside na historicidade.
Considerando o Outro como constitutivo do discurso do sujeito que o enuncia, entendemos que a possibilidade de analisá-lo reside na historicidade representada pela materialidade discursiva que permite ao analista chegar à noção de diferença, uma vez que, ao apropriar-se do discurso do Outro, o sujeito não o demarca dado ao próprio desconhecimento da heterogeneidade constitutiva de seu discurso, e com a qual se relaciona através de diferentes modos de denegação, conforme pudemos depreender da proposta de Authier-Revuz (1982 e 1984).
Ao contemplarmos a questão da heterogeneidade mostrada, consideramos que este tipo de heterogeneidade possa ser entendido como resultado de uma espécie de acordo imaginário que se estabelece entre o sujeito e seu leitor virtual, já no ato da elaboração do texto, seja ele escrito ou oral, a partir das formações imaginárias, quando então, o sujeito enunciador recorre a determinadas demarcações para reafirmar seu lugar de enunciação como fonte e origem do discurso que enuncia.
Assim, à medida que o sujeito se apresenta ao seu interlocutor virtual no domínio das normas que o regulam, ele acentua sua ilusão de onipotência e independência, como o "dono de seu pensamento" que, em nosso entender, reafirma a ilusão de "controlador" que o perpassa, pois ao demarcar o discurso do outro que retoma, o sujeito demonstra ser conhecedor das normas éticas de modo ao não se apropriar do dizer do outro.
Ao proceder a demarcações, o sujeito, provavelmente, tem a ilusão de "burlar" as normas que o regulam, sem, no entanto, perceber que o próprio percurso o remete ao mesmo assujeitamento que lhe é imputado pela instituição, e que ele somente tem ilusão de controlar.
Consideramos que o sujeito demarque o discurso do outro movido pelo desejo de atribuir maior credibilidade ao seu próprio dizer e, assim, tornar irrefutável seu argumento. Essa demarcação se concretiza em função da aceitabilidade que o outro possa ter perante o seu interlocutor virtual.
Uma outra possibilidade que, a nosso ver, justifica esse procedimento do sujeito, remete-nos novamente à questão da ilusão de origem que perpassa o sujeito (PÊCHEUX & FUCHS, 1975), somada à sua ilusão de onipotência. Entendemos que, perpassado pela ilusão, o sujeito se entende investido do direito de corroborar ou refutar o dizer do outro, que, em algum outro momento de enunciação, possa ter dito o que ele não se permite estar repetindo como plágio. Assim, é exatamente por se entender na origem do seu discurso que o sujeito entende que o outro possa ter dito o que ele (sujeito) não repete, mas também diz.
Entendemos, ainda, que os sentidos instaurados a partir do outro, que o sujeito parece autorizar em seu espaço discursivo, favorecem o argumento do sujeito, independentemente do fato de a demarção ter se dado em função de normas institucionalizadas.
Nossas considerações nesse sentido se dão em relação ao fato de entendermos que o sujeito, no cumprimento das normas que lhes são impostas, serve-se das mesmas regras que o controlam para escamotear formas do dizer que lhe permitem proceder aos atos de convencer, persuadir e/ou dissuadir na direção de seus objetivos.
Esse aspecto, em nosso entender, favorece o sujeito a consolidar a estrutura argumentativa que, lhe permite atingir o objetivo delineado por ele, objetivo este que se sobrepõe à sua própria resistência em partilhar com outro enunciador do discurso do qual se entende "senhor".
Entendemos a pertinência de estabelecer algumas articulações teóricas entre Authier-Revuz (1982, 1984 e 1990) no que tange à heterogeneidade discursiva e outras teorias de maneira a elucidar como a heterogeneidade mostrada e constitutiva funcionam enquanto estrutura argumentativa do discurso jurídico enunciado no Tribunal do Júri.
Apresentaremos articulações teóricas entre a heterogeneidade discursiva e outras teorias que, em nosso entender, nos permitem refletir como o processo da heterogeneidade discursiva se viabiliza de maneira a consolidar a estrutura argumentativa do discurso jurídico sobre a qual nos debruçaremos nesta pesquisa.
Os autores que fundamentam as articulações que passamos a tecer não trataram a questão da heterogeneidade discursiva quando da proposta das teorias que passamos a apresentar, nossa opção por proceder a essas articulações teóricas surge da necessidade de compreendermos como a heterogeneidade discursiva se relaciona com essas teorias de modo a funcionar como estrutura argumentativa do discurso jurídico, que é o objeto deste estudo.
É próprio do discurso enunciado no Tribunal do Júri, o apagamento de fatos sempre em conformidade com a tese que o sujeito defende. Quando o sujeito promotoria enuncia, observam-se apagamentos de depoimentos e dados que possam atenuar a ação do réu. São, por outro lado, acentuados detalhes que confirmam a culpabilidade e as possíveis qualificadoras. Quando o sujeito defensor enuncia, observam-se apagamentos de elementos que enfatizam a ação do réu, qualificadoras, perversidade ou premeditação.
Entendemos que os apagamentos que a memória discursiva permite acabam por comprometer a qualidade do julgamento feito pelos jurados, na medida em que se torna exaustivo ouvir por longos períodos determinados fatos de uma parte e, em seguida, ouvir outros fatos como se estivem diante de dois casos distintos, que são retomados por ocasião da réplica e da tréplica.
MODULO 8 
A argumentação guarda estreita dependência raciocínio lógico. O percurso argumentativo se estrutura em premissas. Propicia o aprimoramento de o sujeito fazer inferências e situações hipotéticas ou reais. A argumentação é um jogo discursivo, um jogo de inteligência, que possui objetivos pontuais.
A argumentação envolve um debate de cunho social, no qual o principal objetivo é conquistar a adesão do interlocutor que, no caso, ocupa o lugar social de oponente. Desde a antiguidade, a argumentação tem sido objeto de interesse de todas as áreas em que se pratica a arte de falar e escrever bem.
Cabe ao sujeito a difícil tarefa de ntender e identificar argumentos, estando eles explícitos ou implícitos, avaliar.
No gênero discursivo jurídico, há que se estabelecer a autoria da ação, porque uma vez identificada a autoria, sabe-se a que deve apresentar provas para eu sua tese conquiste adesão.  Para tanto, o autor terá que prover provas sólidas e ainda assim fundamentá-las. Àquele que é defesa, compete comprometer a força das provas apresentadas pelo autor.
Podemos chamar de autor aquele que propõe a ação e que oferece a denúncia, no caso, do direito penal. Temos o advogado de causas que correm fora do universo penal, porque, para as causas do direito penal tem como autor o Ministério Público.
Uma argumentação bem estruturada leva em consideração:
♦  o lugar de enunciação
♦  o lugar social de quem enuncia.
♦  os referentes envolvidos
♦  os interlocutores em função do lugar social de onde falam
♦  a(s) tese(s) que se deseja provar
 
ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS[1]
®  Argumento de Autoridade: o argumenta se sustenta pela citação de uma fonte confiável, um especialista no assunto ou dados deinstituição de  pesquisa, uma frase dita por alguém que se tornou uma referência na área, ou, mesmo que não seja da mesma área, que tenha se tornado uma autoridade de notório saber a ponto e fundamentar argumentos enunciados de outras áreas em função da credibilidade de que desfruta. Ex. doutrinadores, autores, professores, cientistas, membros da Igreja, instituições de pesquisa, universitárias, tribunais, fontes governamentais, jornalísticas.
As citações de doutrina são os exemplos mais claros do argumento de autoridade, que tem duplo efeito: primeiro, de fazer presumir-se certa a conclusão, porque emanada de alguém de notório conhecimento; segundo, de revelar que a conclusão é isenta de parcialidade.
Ao fazer a citação, o sujeito deve:
- citar a fala do autor literalmente ou parafraseando-o, identificando o autor e, até mesmo, fazer referência ao que lhe confere autoridade, a menos que seja um completo notório saber.
- se possível, no texto oral, mencionar rapidamente o nome da fonte, ano e página,  Já, no texto escrito obrigatoriamente, segundo as normas da ABNT.
- indicar as alterações feitas no trecho, grifo nosso, no caso de haver negritado ou sublinhado o texto. E, quando for pular determinada parte, inserir reticências entre parênteses (...) ou escrever omissis;
- nunca inserir ou alterar palavras da transcrição. Se houver erros no excerto copiado, acrescentar (sic), logo depois do engano, para que se perceba que o erro está no original;
®  Argumento de Causa e Consequência: para comprovar uma tese, você pode buscar as relações de causa (os motivos, os porquês) e de consequência (os efeitos). Argumentos dessa natureza são persuasivos porque têm se instauram com efeito de conclusão lógica.
Exemplo: É fato inconteste que Malaquias matou Eustárquio, porque não podia suportar que seu próprio irmão lhe roubara o grande amor de sua vida.
®  Argumento de Exemplificação ou Ilustração: a exemplificação consiste no relato de um fato (real ou fictício). Esse recurso argumentativo é amplamente usado quando a tese defendida é muito teórica e carece de esclarecimentos com mais dados concretos. Porém, temos de tomar grande cuidado para não enveredarmos em digressões desnecessárias.
DIGRESSÃO
Chamamos de digressão o momento no qual o sujeito deixa o foco do texto que enuncia para trazer outro assunto para os interlocutores, com vistas a promover um melhor entendimento.
Mas, temos DIGRESSÕES NECESSÁRIAS e DIGRESSÕES DESNECESSÁRIAS.
DIGRESSÕES NECESSÁRIAS – são aquelas que usamos para orientar a nossa audiência. Porém, antes de nos lançarmos a elas, devemos orientar a nossa audiência de que o faremos.
Ex: De maneira a ilustrar nosso ponto de vista, tomaremos um exemplo ocorrido no contexto ........
O sujeito deve se referir ao exemplo que retoma de forma objetiva e rápida. E assim que tiver concluído, deverá estabelecer as relações com a audiência.
Ex: como pudemos apreciar no exemplo citado........Assim, pudemos verificar que o exemplo citado ilustra.....
Não é aconselhável deixar que a audiência chegue às suas próprias conclusões, pois isso poderá levar a erros.
DIGRESSÕES DESNECESSÁRIAS: devem ser sempre evitadas pois geram sérios problemas de compreensão.
®  Argumento de Provas Concretas ou Princípio: ao empregarmos os argumentos baseados em provas concretas, buscamos evidenciar nossa tese por meio de informações concretas, extraídas da realidade. Podem ser usados dados estatísticos ou fatos notórios (de domínio público).
É o argumento que versa sobre os elementos de fato, buscando realçar algum aspecto da prova já colhida no processo. Pode referir-se à prova testemunhal, à prova técnica ou à prova documental.
Quando se utiliza argumento retirado da prova testemunhal, é importante lembrar que se deve ter segurança na credibilidade da pessoa arrolada. Pode ser informante (que ouviu dizer), ou a testemunha do fato em si. Importante definir se usará as palavras da testemunha por chamá-la diante do Conselho de Sentença ou por retomar suas palavras constitutivas dos autos. No caso da segunda opção, deve se ocupar em detalhar a informação, dando detalhes possíveis de serem verificáveis, para dar veracidade e consequente credibilidade às informações, deve-se indicar o local onde a informações se encontram, mencionando as folhas dos autos. Deve-se dar preferência ao texto literal, fazendo, portanto, uso de citação direta, ou seja, nas palavras exatas da pessoa citada. Isto causa mais impacto.
No que diz respeito à prova técnica, deve-se ter em mente que é, apenas, o ponto de partida do raciocínio jurídico. Do resultado do exame técnico, devem nascer as conclusões jurídicas, e não o contrário. Ao criticar trabalho pericial, deve-se ser objetivo, evitando atingir o profissional, ao invés do resultado do seu lavor. Sempre que possível, valer-se do assistente técnico, cuidando de ter acesso à manifestação dele, antes do protocolo.
®  Argumento por analogia - é o argumento que pressupõe que a Justiça deve tratar de maneira igual, situações iguais. As citações de jurisprudência são os exemplos mais claros do argumento por analogia, que é bastante útil porque o juiz será, de algum modo, influenciado a decidir de acordo com o que já se decidiu, em situações anteriores. Quando se faz citação jurisprudencial, é importante:
- destacar o trecho citado (conforme recomendação feita acerca do argumento de autoridade);
- iniciar e terminar a citação com aspas;
- inserir a citação entre aspas no próprio parágrafo, caso tenha até 3 linhas;
- inserir a citação em recuo de quatro centímetros da margem esquerda, em espaçamento 1,0 e na fonte 10, caso tenha mais que quatro linhas, sem aspas e sem itálico;
- indicar destaques e omissões;
- não alterar, nem corrigir, o trecho citado;
- indicar a fonte de referência (Tribunal, Câmara, Relator, número do recurso, data de publicação e repertório autorizado, se houver); livro, tese, dissertação ou artigo, segundo as normas de citação da ABNT;
- não transcrever trechos muito longos;
- não exagerar na quantidade;
- mostrar, na argumentação, como se aproveita aquela decisão, por analogia;
- quando se tratar de jurisprudência utilizada como paradigma para recursos especial ou extraordinário, além de mencionar o repertório autorizado, fazer a comparação analítica;
- ler a íntegra da decisão, antes de citá-la e, se possível, juntar a cópia à peça ou anexar.
 
®  Argumento a fortiori (com maior razão). É o argumento que deriva do brocardo “quem pode o mais, pode o menos”. Seu objetivo é estender a aplicação da lei, para que albergue situação que, nela, não é explícita.
Exemplo: se a lei exige, dos Promotores de Justiça que, nas denúncias, discriminem as ações de cada um dos acusados, com mais razão deve-se exigir que o Magistrado as individualize na sentença.
 
Fundamenta-se na asserção de que se a lei proíbe ou permite determinada conduta, com maior razão proíbe ou permite uma conduta maior ou menor, respectivamente.
Exemplo: Se a negligência deve ser punida, tanto mais o ato premeditado.
®  Argumento de completude - é o argumento que parte do pressuposto de que o ordenamento jurídico é completo, ou seja, que a lei não contém lacunas, não deve ser omissa e que o juiz não pode deixar, ainda que no silêncio da lei, de apreciar e dar solução a qualquer demanda que diga respeito a lesão ou a ameaça de lesão a direito (artigo 5º, XXXV, da Constituição: “a lei não afastará da apreciação do Pode Judiciário lesão ou ameaça a direito”).
Exemplo: utilizar termo inicial da contagem prescricional civil, para questões de Direito Penal, onde não houver a prescrição específica.
 
®  Argumento a coerência – é, segundo Perelman, aquele que “partindo da ideia de que um legislador sensato – e que se supõe perfeitamente previdente – não pode regulamentar uma mesma situação de duas maneiras incompatíveis, supõe a existência de uma regra que permite descartar uma das duas disposições que provocam a antinomia”.
Exemplo: enquadramento de determinado fato a doistipos penais diferentes (nos crimes contra o consumo, a indução do consumidor a erro e a propaganda enganosa).
Exemplo: Não é coerente qualificar um único homicídio de doloso e culposo ao mesmo tempo.
® Argumento de mudança de foco - é o argumento de que se vale o advogado para escapar à discussão central, na qual seus argumentos não prevalecerão. Apela-se, em regra, para a subjetividade – é o argumento, por exemplo, que enaltece o caráter do acusado, lembrando tratar-se de pai de família, de pessoa responsável, de réu primário, quando há acusação de lesões corporais (ou homicídio culposo) na direção de veículo.
 
® Argumento por absurdo – “Refuta uma asserção, mostrando-lhe a falta de cabimento ao contrariar a evidência”.
Exemplo: Como poderia a mulher ter alvejado o marido, se o laudo médico atesta que ela morreu minutos antes do esposo?
 
® Argumento por exclusão – Propõem-se várias hipóteses e vai-se eliminando uma a uma.
Exemplo: Poder-se-ia afirmar que o réu não é capaz de controlar os seus atos, mas soube premeditar o crime?
           
® Argumento a posteriori – Consiste em desenvolver um raciocínio, admitido como mais claro, de expor as consequências de um fato, permitindo voltar às causas, eventualmente menos conhecidas do caso em tela.
Exemplo: Sabe-se que o pai desenvolveu comportamento possessivo em relação aos filhos e os culpava pelos acontecimentos e infortúnios, consequência imediata da esquizofrenia paranoide que o acometia.
 
® Argumento de causa e efeito – Relaciona conceitos de causalidade e efeito com o objetivo de evidenciar as consequências imediatas de determinado ato (retirado das provas) praticado pelas partes.
Exemplo: Já que a vítima não possui automóvel e trabalha até tarde como vendedora em um shopping há 1 hora e meia de casa, não poderia ela deixar de passar por tal lugar que, apesar de ermo, é caminho obrigatório para sua casa.
 
® Argumento de prova – É aquele que explora a prova testemunhal, e é tão mais persuasivo quanto maior for a credibilidade e isenção de interesses do testemunho prestado. Observação: A prova técnica, quando aceita como verdadeira, transforma-se em prova concreta, indiscutível, em geral, ela não consegue resolver tudo.
Exemplo: Ninguém viu o acusado pulando o muro da sua casa, tampouco ouviu-se o grito da menina, o que comprova a improcedência da acusação feita ao réu.
 
® Argumento de mudança de foco – É aquele que se desvia das questões principais que devem ser defendidas para buscar sensibilização por meio de temas mais subjetivos. Seu uso deve ser comedido, pois se tem forte tendência a confundir o relatório.
Exemplo: O advogado habilidoso, que não tem como negar o crime do réu, enfatiza que ele é bom filho, bom marido, trabalhador, etc.
 
® Argumento de comprometimento de legitimidade das prova testemunhal – Ocorre quando consideramos errada uma conclusão porque parte de alguém por nós depreciado. Ao refutar a verdade, atacamos o homem que fez a afirmação.
Exemplo: Este técnico não tem competência para emitir um parecer sobre tal assunto. Afinal, foi o primeiro parecer que ele realizou.
 
 
 
[1] Cibele Mara Dugaich – Estrutura Argumentativa do Discurso Jurídico do Tribunal do Júri, pesquisa desenvolvida, como bolsa pela Pró-Reitoria de Pesquia e Pós0graduação da Universidade Paulista no período de 2010 e 2012.
 MODULO 9!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 
A lógica é uma ciência de raízes ligadas à Filosofia. O pensamento organizado é a manifestação do conhecimento e o que o conhecimento busca é a verdade. Para encontrá-la, é necessário estabelecer alguns critérios para que essa meta possa ser atingida. Portanto, a lógica é um ramo da Filosofia que cuida das regras do pensamento racional ou do modo de pensar de forma organizada.
A aprendizagem da lógica não constitui um fim, mas, um meio. Ela só tem sentido enquanto meio para garantir que nosso pensamento chegue a conhecimentos verdadeiros. Podemos dizer que a lógica trata dos argumentos, ou seja, das conclusões a que chegamos por intermédio da apresentação de evidências que as sustentam. Tradicionalmente, os argumentos dividem-se em dois tipos, os dedutivos – são os argumentos cuja conclusão é inferida de duas premissas e os indutivos – são os argumentos nos quais a partir de dados singulares suficientemente numerados inferimos uma verdade universal. O principal organizador da lógica clássica foi Aristóteles com sua obra chamada Organon. Aristóteles divide a lógica em formal e material, o que exploraremos mais adiante neste trabalho.
Um sistema lógico é um conjunto de axiomas e regras de inferência que visam a representar formalmente o raciocínio válido. Diferentes sistemas de lógica formal foram construídos ao longo do tempo, quer no âmbito estrito da lógica teórica, quer nas aplicações práticas na computação e na inteligência artificial.
Tradicionalmente, lógica é também a designação para estudo de sistemas prescritivos de raciocínio, ou seja, sistemas que definem como se deveria realmente pensar para não errar, usando a razão dedutiva e indutivamente. Implícita no estudo da lógica está a compreensão do que gera um bom argumento e quais os raciocínios que são falaciosos.
Adentrando nosso tema de estudo, passaremos a tecer sucintos comentários sobre o conceito de lógica jurídica, visto que o tema voltará a ser abordado mais à frente de forma mais ampla, analisando as concepções filosóficas de autores contemporâneos.
Ao analisarmos os conceitos de lógica jurídica é fácil percebermos que, em sua constituição, tem pouco da lógica matemática ou formal, ou seja, não se pode conceber o raciocínio jurídico, partindo de premissas absolutas e incontestáveis, como pontua Chain Perelman (1999):
Em um sistema formal, uma vez enunciados os axiomas e formuladas as regras de dedução admitidas, resta apenas aplicá-los corretamente para demonstrar os teoremas de uma forma impositiva. Se a demonstração estiver correta, devemos inclinar-nos diante do resultado obtido e, se aceitarmos a verdade dos axiomas, admitir a verdade do teorema, enquanto não tivermos dúvidas sobre a coerência do sistema. O mesmo, porém, não acontece quando argumentamos. (PERELMAN, 1999, p.170, apud BITTAR, ALMEIDA, 2005, p.507)
Os juízos jurídicos são de valor, pois envolvem questões de ordem moral e cultural em sua formação. As decisões e o raciocínio jurídico não obedecem a esquemas pré-determinados para sua formação, ou seja, o raciocínio jurídico trabalha com o razoável visando à adequação da norma as questões peculiares de cada caso, como ensina o renomado jusfilósofo Eduardo C. B. Bittar (2005):
O ato de aplicar o direito sempre envolve uma complexa abordagem da relação entre ser e dever-ser. Há aplicação em que existe o tratamento conjugado do dever-se com o ser, de modo a que o dever-ser torna-se ser. Em todo ato aplicativo interrompe-se a promessa de que algo venha a ser, para que efetivamente o seja; na aplicação, o dever-ser deixa de ser potência e torna-se ato. A norma em sua aplicação, passa de seu estado letárgico, estático, adentrando ao mundo do ser, no qual se insere com todas as problemáticas a ele inerentes; sua natureza de dever ser, seu sentido neutro e impassível, sua estrutura cristalina, sua perfeição apriorística, são apenas momentos do sentido antes de sua reificação. Percebe-se que a temática da aplicação envolve necessariamente a abordagem da interpretação, pois não há aplicação sem interpretação. (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 507)
2 O Surgimento da Lógica
A Grécia clássica aparece historicamente como o berço da Filosofia. Por volta do século VI a.C., os primeiros filósofos pré-socráticos redigem em prosa um discurso que se opõe à atitude mítica predominante nos poemas de Homero e Hesíodo. O novo modo de pensar é decomposto na sua estrutura por Aristóteles na obra Analíticos. Como o próprio nome diz, trata-se de uma análise do pensamento nas suas partes integrantes. Essa e outras obras sobre o assunto foram denominadas mais tarde, em conjunto, Órganon, que significa “instrumento”– um instrumento para melhor organizar o modo de pensar. Embora alguns filósofos anteriores a Aristóteles, tais como o pré-socrático Parmênides, os sofistas, Sócrates e Platão, tenham estabelecido algumas leis do pensamento, nenhum o fez com tal amplitude e rigor. Por essa razão, a lógica aristotélica permanece através dos séculos até os nossos dias.
Para Aristóteles, a lógica subdivide-se em LÓGICA FORMAL, que estabelece a forma correta das operações do pensamento – se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio é considerado válido ou correto, e a lógica material, que é a parte da lógica que trata da aplicação das operações do pensamento, segundo a matéria ou a natureza dos objetos a conhecer. Enquanto a LÓGICA FORMAL se preocupa com a estrutura do pensamento, a LÓGICA MATERIAL investiga a adequação do raciocínio à realidade.
A lógica Aristotélica não sofreu mudanças até o século XIX, mas teve inúmeros críticos até essa data. A filosofia moderna procura outros métodos lógicos para determinar o raciocínio válido. Descartes repudiava os procedimentos silogísticos da escolástica medieval e procurava um novo método para a Filosofia que se possibilita à invenção e à descoberta e não se restrinja á demonstração do já sabido. Francis Bacon escreve o Novum Organum que se opunha ao Organon de Aristóteles e sua concepção de lógica. Stuart Mill formulou os cinco cânones clássicos da inferência dedutiva que, na opinião de Irving Copi, seria um instrumento para testar hipóteses - os seus enunciados descrevem o método da experiência controlada, que é uma arma absolutamente indispensável no arsenal da ciência moderna
3 Os Sofistas e sua Contribuição para a Retórica
A palavra sofista deriva do grego sophistés, com o sentido original de habilidade específica em algum setor ou homem que detém um determinado saber (do grego sóphos, «saber, sabedoria»). De início, vários profissionais eram «sofistas»: carpinteiros, charreteiros, oleiros e poetas. Quando o domínio de uma técnica era reconhecido por todos, o profissional era dito «sofista», desde as atividades artesanais aos trabalhos de criação artística. O termo era, portanto, um elogio.
A partir do século V a.C., surgiram os professores itinerantes de gramática, eloquência e retórica que ofereciam seus conhecimentos para educar os jovens na prática do debate público. A educação tradicional era insuficiente para preparar o cidadão para a discussão política. Era preciso o domínio da linguagem e de flexibilidade e de agudeza dialética para derrotar os adversários.
O êxito desses tutores foi extraordinário. Passaram a ser, então, designados de sofistas, sábios capazes de elaborar discursos fascinantes, com intenso poder de persuasão. Por outro lado, foram recebidos com hostilidade e desconfiança pelos partidários do antigo regime aristocrático e conservador. Quando Atenas se envolveu na Guerra do Peloponeso, os sofistas foram responsabilizados pela decadência moral e política da cidade. O julgamento de Sócrates ocorreu nesse clima de acusação e ressentimento.
Nos séculos IV e III a.C., pensadores como Platão, Xenofonte e Aristóteles, dramaturgos como Aristófanes em sua comédia As Nuvens, todos passaram a atacar sistematicamente os sofistas. O termo adquire um sentido pejorativo e desfavorável, marcando para sempre o vocabulário filosófico: argumento sofístico ou sofisma é o mesmo que falso argumento ou intencionalmente falacioso; de sofista deriva sofisticado, no sentido depreciativo de algo muito elaborado ou excessivamente ornado, embora vazio de conteúdo.
Na esfera jurídica atual, a contribuição dos sofistas estende-se por todo campo da argumentação e da retórica, muito comum nos debates jurídicos em que as partes pretendem, por meio de seus argumentos e discursos, alcançar a aceitação de suas teses.
4 A lógica formal x A lógica dialética no Direito
Foi com Parmênides e Heráclito que surgiu o antagonismo entre LÓGICA FORMAL e LÓGICA DIALÉTICA. Parmênides defendia o ponto de vista de que nada muda, tudo que existe sempre existiu, nada se transforma e, por isso, tudo que conhecemos não é um conhecimento confiável, visto que, tudo que vemos transformando-se não passa de ilusões de nossos sentidos como o sol que nasce no horizonte ou o rio que corre para o mar. Parmênides acreditava apenas na razão, para ele, tudo que vemos sempre existiu.
Heráclito acreditava na constante transformação do ser, tudo está em movimento no universo, ao contrário de Parmênides acreditava nos sentidos. Nada permanece estático no universo, o que vemos hoje é uma coisa totalmente diferente do que vimos ontem, tudo está em constante mutação, foi ele que disse que jamais poderíamos tomar banho duas vezes no mesmo rio, visto que, cada vez que entrássemos, estaríamos entrando em um rio diferente.
O pensamento de Parmênides espelha a lógica formal e o de Heráclito espelha a lógica dialética. No decorrer dos séculos essas teorias foram aperfeiçoadas por vários filósofos como Aristóteles, Platão, Immanuel Kant e Hans Kelsen, seguidores da LÓGICA FORMAL e Hegel, Marx, Engels, Lênin, Karl Popper, seguidores da DIALÉTICA.
A LÓGICA FORMAL é uma forma de organizar o raciocínio sem levar em consideração o conteúdo. O raciocínio é feito com as premissas, e a conclusão que é chamada de inferência na lógica. Para um raciocínio ser considerado lógico, terá que obedecer a três regras básicas da lógica formal que são o PRINCÍPIO DA IDENTIDADE, o PRINCÍPIO DO TERCEIRO EXCLUÍDO e O PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO.
A LÓGICA FORMAL, como o próprio nome diz, é pura forma, não se preocupando com o conteúdo das afirmações, nem há compromisso com a realidade. Aristóteles, para melhor explicar sua teoria, criou símbolos, utilizando o silogismo, em que qualquer que fosse a proposição colocada no lugar dos símbolos, o argumento seria válido – Se todos os B são C e se todos os A são B, todos os A são C.
O argumento é a exteriorização do raciocínio. Os argumentos podem ser válidos ou inválidos. Para um argumento ser considerado válido, terá de obedecer, aos princípios da lógica formal, acima citados, caso não obedeça será considerado inválido.
As proposições, por sua vez, serão verdadeiras ou falsas. Mas para uma conclusão ser verdadeira, as premissas têm de ser verdadeiras e as inferências válidas.
A palavra dialética etimologicamente vem do grego dia que tem um sentido de dualidade, troca e Lektikós que significa apto à palavra, capaz de falar, tem a mesma raiz de logos que significa razão. O conceito característico da dialética é o diálogo, ou seja, a oposição de ideias e razões entre posições inicialmente antagônicas ou não. Como vimos anteriormente, a lógica formal trabalha com conceitos metafísicos, abstratos e absolutos em que a realidade é explicada por suas essências imutáveis. Já a lógica dialética parte do princípio da contradição, ou seja, da oposição entre duas opiniões contrapostas.
A dialética é o movimento dos contraditórios, segundo a teoria de Hegel, passa por três fases distintas em sua formação: A TESE, A ANTÍTESE E A SÍNTESE, ou seja, o movimento da realidade se explica pelo antagonismo entre momento da tese e o da antítese, cuja contradição deve ser superada pela síntese.
No Direito, a lógica dialética hegeliana tem importância fundamental, visto que o Direito se desenvolve em um cenário de contradição, uma vez que, o direito de um se coloca em oposição ao direito de outro em que o poder jurisdicional intervém para dizer o direito válido para todo o grupo social. A tese que representa o direito de A, a antítese que representa o direito de B e, finalmente, a síntese que é a decisão judicial, que não põe termo ao ciclo como à priori poderia parecer, mas realimenta o ciclo transformando-se também em uma nova tese que poderá ser contraditada.
5 As Concepções Filosóficas de Chaïm Perelman sobre a Lógica Jurídica
Chaïm Perelman (1912-1984), nascido em Varsóvia, emigrou para Bélgica e lá construiu sua carreira, lecionou na universidade de Bruxelas disciplinas como Lógica, Morale Filosofia, tornou-se o maior expoente dos estudos de retórica moderna.
Sua obra intitulada “Lógica Jurídica: nova retórica” tornou-se um clássico, configurando-se em manual prático para o estudo de lógica e da argumentação jurídica.
Perelman foca seu trabalho na busca do entendimento do raciocínio jurídico perfeito e na identificação de suas particularidades específicas, com vista a entender a real influência desses argumentos sobre as decisões judiciais. Seus estudos tinham o intuito de responder a questionamentos do tipo, a) como se raciocina juridicamente? b) qual a peculiaridade do raciocínio jurídico? c) quais as características desse raciocínio? d) de onde o juiz extrai subsídios para a construção da decisão justa? e) Até onde leva a argumentação das partes em um processo? f) qual a influência que a argumentação e a persuasão possuem para definir as estruturas jurídicas? O intuito de tais questionamentos é dar fundamento à reflexão a respeito do julgamento e do ato jurídico decisório.
Os estudos realizados por Chaïm Perelman sobre a nova retórica, a lógica e a argumentação são de fundamental importância para a formação acadêmica dos juristas contemporâneos. Perelman tinha como objetivo claro declarar sua discordância ao positivismo jurídico que colocava o raciocínio jurídico como um raciocínio exato, mecanicista. O que Perelman queria era definir uma lógica específica que não se utilize somente do raciocínio dedutivo, mas que se utilize também de outras formas de raciocínio como o indutivo.
Para esse autor, a aplicação do raciocínio jurídico pelo juiz é matéria complexa, visto que a lógica judiciária não se resume a uma mera dedução de conclusões extraídas dos textos da lei, ou seja, a lei posta pelo legislador, muitas vezes, tem um recurso linguístico vago, o que pode dar margem a várias interpretações. Quando Perelman se refere ao raciocínio jurídico está falando do ato fundamentado e expresso nas decisões do juiz que engloba também os demais profissionais que atuam com ele dentro do processo como advogados, promotor etc. O estudo da obra de Chaïm Perelman deverá ser cercado de cuidados com vista a não se ter uma conclusão equivocada.
O pensamento de Perelman volta-se mais para a prática do direito e menos para a estrutura lógica formal do pensamento, isso se dá em função de sua intenção de conferir autonomia ao raciocínio jurídico em relação à lógica formal, inserida pelos positivistas nas ciências humanas e jurídicas. Perelman não trabalha com o conceito de verdade, mas sim, substitui esse termo por termos mais apropriados como razoável, equitativo, aceitável, admissível..., termos mais apropriados para expressar o raciocínio jurídico. Com isso, quer o autor demonstrar que o juiz não é simplesmente o porta voz da lei, como ensina o próprio autor: “o juiz não é a ‘boca da lei’, aplicador neutro e desideologizado das normas jurídicas como se quis no pensamento derivado da Revolução Francesa.” (PERELMAN, le champ de l’argumentation, 1970, p. 140 apud BITTAR; ALMEIDA 2005, P.416).
Para Perelman, os estudos lógicos contemporâneos modernos, derivados de uma tradição cartesiana e leibniziana, negligenciaram a própria lógica aristotélica. Para o autor é por intermédio do resgate da lógica aristotélica aliada a influências ciceronianas, que haverá de nascer uma semente adequada ao tratamento e a análise dos problemas jurídicos contemporâneos, na perspectiva perelmaniana. A utilização da lógica aristotélica não formal, ou seja, a lógica aristotélica judiciária é um recurso que é utilizado por Perelman para reinventar as dimensões do sistema jurídico em seu funcionamento dinâmico na prática. A influência de Aristóteles na obra de Chaïm Perelman e notória, demonstrando, assim, em que o autor busca embasamento teórico para fundar sua teoria.
A lógica jurídica consiste em uma lógica argumentativa e por meio do discurso se constrói o saber jurídico, a justiça, a equidade, a razoabilidade, e a aceitabilidade das decisões judiciais.
A lógica perelmaniana não obedece a esquemas rígidos de formação, elocução, dedução. Trata-se de uma lógica material, prática com o firme propósito de produzir efeitos diante de um auditório.
É pacifico o entendimento de que o operador do Direito, por meio de seus argumentos influencia a tomada de decisão do juiz. O juiz quando entra em contato com os argumentos, com os documentos, com as provas orais, recebe informações que posteriormente vão ser condensadas no processo final de julgamento, que é a decisão.
A proposta da nova retórica é de reformular o pensamento jurídico contemporâneo, desvinculando-o do pensamento positivista, ou seja, propondo ao jurista não pensar nos fatos exclusivamente com os ditames da lei, mas, sim, pensar nos fatos como situações passíveis de valoração que se revelam por intermédio do discurso e da prática judiciária.
O trabalho desenvolvido por Perelman tem foco sobre o raciocínio jurídico que é o raciocínio decisório, ou seja, o poder de dizer que o direito está no poder do juiz. Com esse princípio fundamental é que Perelman visa a afirmar que a lógica jurídica difere das demais formas de lógica, por ser uma lógica dialética ou argumentativa. Sendo assim não é dedutiva, não é rígida nem abstrata dos fatos que analisa. Todo o raciocínio jurídico e traçado em meio a fatos concretos do dia-a-dia sejam fatos sociais, políticos dos quais surgem as decisões que regulam cada caso concreto em particular.
6 As Concepções Filosóficas de Robert Alexy sobre a Lógica Jurídica
Robert Alexy nasceu no dia 9 de setembro de 1945, em Oldenburg – Alemanha, é jurista e filósofo. Estudou Direito e Filosofia em Götting, recebeu seu PhD em 1976 com a dissertação Uma Teoria da Argumentação Jurídica e alcançou sua habilitação em 1984 com a teoria dos Direitos Fundamentais.
Em sua obra Uma Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica, Alexy dá sua contribuição para a lógica jurídica de forma determinante e com o intuito de formular sua teoria parte primeiramente de uma argumentação prática geral para depois levar esse conhecimento para o campo do Direito, e formular sua própria teoria da argumentação jurídica. Em busca de embasamento teórico, o jurista partiu para a análise de várias teorias da argumentação propostas por jusfilósofos como Stevenson, Hare, Toulmim, Habermas, Baier e outros. Alexy não pretende apenas formular uma teoria da argumentação que identifique os bons e os maus argumentos, o que propõe em sua teoria é adotar estrutura dos argumentos de forma analítica e descritiva. Alexy analisa os Princípios Gerais de Direito sua importância dentro do ordenamento jurídico e sua aplicação para fundamentar decisões jurídicas.
O tema central da teoria de Alexy repousa na seguinte pergunta: é possível uma fundamentação racional das decisões jurídicas? Há a possibilidade de determinar critérios que possam determinar que um discurso prático ou jurídico seja racional? Alexy demonstra em sua obra que tais critérios podem ser formulados de forma prática mediante a observância de regras práticas a serem seguidas.
Regras básicas
- A validade do primeiro grupo de regras é condição prévia de toda comunicação linguística:
1. Nenhum orador pode se contradizer.
2. Todo orador só pode afirmar aquilo que ele próprio crê.
3. Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A, tem de estar preparado para aplicar F a todo outro objeto que seja semelhante a A em todos os aspectos importantes.
4. Diferentes oradores não podem usar a mesma expressão com diferentes significados.
Regras da razão
- Não é possível haver um discurso prático sem afirmações.
1. Todo falante deve, quando lhe é solicitado, fundamentar o que afirma, a não ser quando puder dar razões que justifiquem a recusa a uma fundamentação.
2. Quem pode falar, pode participar do discurso.
3. Todos podem transformar uma afirmação num problema.
4. Todos podem introduzir qualquer afirmação no discurso.
5. Todos podem expressar suas opiniões,

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