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terra livre - a geografia no tempo de novos conhecimentos

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1
Terra Livre
A Geografia no Tempo de
Novos Conhecimentos
associação
dos geográfos
brasileiros
2
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Diretoria Executiva Nacional
Gestão 2006/2008
Presidente
Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)
Vice Presidente
Manoel Calaça (AGB - Goiânia/GO)
Primeiro Secretário
Jones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS)
Segundo Secretário
Zeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR)
Primeiro Tesoureiro
Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)
Segundo Tesoureiro
Victor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB)
Coordenação de Publicações
Antonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP)
Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC)
José Alves (AGB - Rio Branco/AC)
José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC)
Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA)
Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA
 Titular: Rodrigo Martins dos Santos (AGB - São Paulo/SP)
 Suplente: Cristiano Silva da Rocha (AGB - Porto Alegre/RS)
Representação junto ao Conselho das Cidades
Arlete Moyses Rodrigues (AGB - São Paulo/SP)
Correio eletrônico: nacional@agb.org.br
Página na internet: http://www.agb.org.br
 3
ISSN 0102-8030
Terra Livre
Publicação semestral
da Associação dos Geógrafos Brasileiros
ANO 23 – Vol. 2
NÚMERO 29
Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 2, n. 29 p. 1-326 Ago-Dez/2007
4
TERRA LIVRE
Conselho Editorial
Colaboradores
Alexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP)
Edvaldo Cesar Moretti (UFGD - Dourados/MS)
Editor responsável e editoração: Antonio Thomaz Júnior (UNESP/ Pres. Prudente/SP)
Co-Editor: Gilson Kleber Lomba (AGB - Dourados/MS)
Formatação eletrônica: Alexandre Aldo Neves (UFGD – Dourados/MS)
Revisão de Espanhol: Jorge Montenegro Gómez (UFRP - Curitiba/PR)
Revisão de Inglês: Jarbas Francisco Alves
Arte da capa: Gilson Kleber Lomba
Tiragem: 1.000
Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP -
copyset@superig.com.br)
Endereço para Correspondência:
Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)
Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária
CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758
ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP
e-mail: terralivre@agb.org.br
Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for echange
Adauto de Oliveira Souza (UFGD)
Ailton Luchiari (USP)
Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS)
Alexandrina da Luz (UFS)
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS)
Ana Fani Alessandri Carlos (USP)
Ângela Massumi Katuta (UEL)
Antonio Carlos Vitte (UNICAMP)
Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente)
Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP)
Arthur Magon Whitacker (UNESP/Pres. Prudente)
Beatriz Ribeiro Soares (UFU)
Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP)
Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente)
Charlei Aparecido da Silva (UFGD)
Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS)
Douglas Santos (PUC/SP)
Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente)
Flaviana Gasparotti Nunes (UFGD)
Francisco Mendonça (UFPR)
Horácio Capel Sáez (Universidade Barcelona/Espanha)
João Cleps Júnior (UFU)
João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Jones Dari Goettert (UFGD)
Jorge Montenegro Gómez (UFPR)
José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)
Larissa Mies Bombardi (USP)
Marcelino Andrade Gonçalves (UFMS/Nova Andradina)
Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)
Márcio Cataia (IG/UNICAMP)
Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)
Maria Franco García (UFPB)
Maurício A. de Abreu (UFRJ)
Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)
Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)
Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)
Regina Célia Bega dos Santos (IG/UNICAMP)
Ricardo Antunes (UNICAMP)
Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
Selma Simões de Castro (UFG)
Sérgio Luiz Miranda (UFU)
Silvio Simione da Silva (UFAC)
Valéria De Marcos (USP)
Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)
Wiliam Rosa Alves (UFMG)
Xosé Santos Solla (Univ. Santiago de Compostela/Espanha)
1986 – ano 1, v. 1
1987 – n. 2
1988 – n. 3, n. 4, n. 5
1989 – n. 6
1990 – n. 7
 10. Geografia – Periódicos
 10. AGB. Diretoria Nacional
1991 – n. 8, n. 9
1992 – N. 10
Revista Indexada em Geodados
www.geodados.uem.br
ISSN 0102-8030
1992/93 – 11/12 (editada em 1996)
1994/95/96 – interrompida
1997 – n. 13
1998 – interrompida
1999 – n. 14
2000 – n. 15
2001 – n. 16, n. 17
2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19
2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21
2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23
2005 – Ano 21, v.1, n. 24
2005 – Ano 21, v. 2, n. 25
2006 – Ano 22, v. 1, n. 26
2006 – Ano 22, v. 2, n. 27
2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05)
2007 – Ano 23, v. 2, n. 29
Ficha Catalográfica
Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986.
São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico
 5
Sumário
 EDITORIAL
 ARTIGOS
 DESAFIOS À ANÁLISE DO ESPAÇO URBANO: INTERPRETANDO
TEXTOS MARGINAIS DO DISCURSO GEOGRÁFICO
 Almir Nabozny
Joseli Maria Silva
 Marcio José Ornat
O ESTUDO GEOGRÁFICO DOS ELEMENTOS CULTURAIS -
CONSIDERAÇÕES PARA ALÉM DA GEOGRAFIA CULTURAL
 Cláudio Benito Oliveira Ferraz
ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E NA PÓS-
MODERNIDADE: DO ECONÔMICO AO CULTURAL?
 Marcos Leandro Mondardo
 AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO
NO CONTEXTO GEOGRÁFICO: LONDRINA 1932/1943
Márcia S. de Carvalho
O CAMPO BRASILEIRO NO CENÁRIO DA MATRIZ ENERGÉTICA
RENOVÁVEL: NOTAS PARA UM DEBATE
 Eliane Tomiasi Paulino
DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO SIMULACRO DO ENVOLVIMENTO:
O NOVO-VELHO SENTIDO DO DESENVOLVIMENTO E SUA
FUNCIONALIDADE PARA O SISTEMA DO CAPITAL
 Josefa Bispo de Lisboa
 Alexandrina Luz Conceição
 A ESCALA GEOGRÁFICA: NOÇÃO, CONCEITO OU TEORIA?
 Everaldo Santos Melazzo
 Cloves Alexandre Castro
 POSSIBILIDADES EPSTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA GEOGRAFIA
HUMANA EM SEU TRONCO HUMANÍSTICO-CULTURAL
 Marcos Antonio Correia
IDENTIDADE TERRITORIAL QUILOMBOLA - UMA ABORDAGEM
GEOGRÁFICA A PARTIR DA COMUNIDADE CAÇANDOCA (UBATUBA/SP)
 Mária Tereza Paes Luchiari
Isabel Araujo Isoldi
15-28
29-50
51-74
75-94
95-114
115-132
133-142
143-162
163-180
6
APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E
TERRITORIALIDADE: O DESEJO E A ESPERANÇA PELOS
INTERSTÍCIOS
 Ulysses da Cunha Baggio
VERTENTES ÉTICAS E REGÊNCIA DE OUTRA ORDEM
TERRITORIAL
 Claudio Ubiratan Gonçalves
 O ‘LUGAR’ NÃO É MAIS O MESMO: ARTICULAÇÃO DOS
 MÚLTIPLOS ESPAÇOS-TEMPOS COTIDIANOS NAS
 PRÁTICAS ESCOLARESAmanda Regina Gonçalves
 Rosângela Doin de Almeida
 A CLIMATOLOGIA PRODUZIDA NO INTERIOR DA CIÊNCIA
GEOGRÁFICA BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DE TESES E
DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS EM PROGRAMAS DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
 Deise Fabiana Ely
POR UMA GEOGRAFIA DO PASSADO DISTANTE - MARCAS
PRETÉITAS NA PAISAGEM COMO MEMÓRIA SOCIAL DAS
SOCIEDADES AUTÓCTONES
 Sérgio Almeida Loiola
 RESENHA
OS ESTABELECIDOS E OS OUTSIDES
 Alexandre Bergamin Vieira
 NORMAS
 Normas para publicação
COMPÊNDIO
 Compêndio dos números anteriores
181-206
207-230
231-246
247-264
265-292
301-306
309-324
295-298
 7
Summary/Sumario
 FOREWORD/EDITORIAL
 ARTICLES/ ARTÍCULOS
CHALLENGES TO THE ANALYSIS OF URBAN SPACE:
INTERPRETING MARGINAL TEXTS OF GEOGRAPHICAL
DISCOURSE
DESAFÍOS PARA LA ANÁLISIS DEL ESPACIO URBANO:
INTERPRETANDO TEXTOS MARGINALES EN EL DISCURSO
GEOGRÁFICO
 Almir Nabozny
Joseli Maria Silva
 Marcio José Ornat
THE GEOGRAPHICAL STUDY OF THE CULTURAL ELEMENTS -
CONSIDERATIONS FOR BESIDES CULTURAL GEOGRAPHY
EL ESTUDIO GEOGRÁFICO DE LOS ELEMENTOS CULTURALES
- CONSIDERACIONES PARA ADEMÁS DE LA GEOGRAFÍA CULTURAL
 Cláudio Benito Oliveira Ferraz
STUDIES MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE AND THE POST-
MODERNIDADE: THE ECONOMIC THE CULTURAL?
ESTUDIOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDAD Y DE LA
POSMODERNIDAD: EL ECONÓMICO CULTURAL?
 Marcos Leandro Mondardo
ILLNESSES AS OBJECT OF STUDY IN THE GEOGRAPHIC
CONTEXT: LONDRINA - 1932/1943
LAS ENFERMEDADES COMO OBJETO DE ESTUDIO EN EL
CONTEXTO GEOGRÁFICO LONDRINA - 1932 /1943
 Márcia S. de Carvalho
THE BRAZILIAN FIELD ON THE RENEWABLE ENERGETIC
MATRIX SCENE: NOTES FOR A DEBATE
EL CAMPO BRASILEÑO EN LO ESCENARIO DE LA MATRIZ
ENERGÉTICA RENOVABLE: NOTAS PARA UNA DISCUSIÓN
 Eliane Tomiasi Paulino
LOCAL DEVELOPMENT AS SIMULATION OF INVOLVEMENT: THE
NEW-OLD MEANING THE DEVELOPMENT AND ITS
FUNCTIONALITY TO THE SYSTEM OF CAPITAL
EL DESARROLLO LOCAL COMO SIMULACIÓN DE
PARTICIPACIÓN: EL NUEVO SIGNIFICADO DE EDAD EL
DESARROLLO Y SU FUNCIONALIDAD AL SISTEMA DE CAPITALES
 Josefa Bispo de Lisboa
Alexandrina Luz Conceição
THE GEOGRAPHIC SCALE: NOTION, CONCEPT OR TEORY?
LA ESCALA GEOGRÁFICA: NOCIÓN, CONCEPTO Ó TEORÍA?
 Everaldo Santos Melazzo
 Cloves Alexandre Castro
EPISTEMOLOGICAL AND PEDAGOGICAL POSSIBILITIES OF
HUMAN GEOGRAPHY IN ITS HUMANISTIC AND CULTURAL
TRUNK
LAS POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS Y PEDAGÓGICAS DE LA
GEOGRAFIA HUMANA EM SU TRONCO HUMANISTICO-
CULTURAL
 Marcos Antonio Correia
15- 28
29- 50
75-94
95-114
133-142
143-162
51-74
115-132
8
TERRITORIAL IDENTITY QUILOMBOLA – A GEOGRAPHY BOARDING
FROM THE COMUNIDADE CAÇANDOCA (UBATUBA/SP)
IDENTIDAD TERRITORIAL QUILOMBOLA - EL SUBIR GEOGRÁFICO DE
LA COMUNIDADE CAÇANDOCA (UBATUBA/SP)
 Maria Tereza Paes Luchiari
Isabel Araujo Isoldi
SOCIAL APROPRIATION OF THE URBAN SPACE AND TERRITORIALITY:
THE DESIRE AND HOPE FOR THE INTERSTICES
APROPRIACIÓN SOCIAL DEL ESPACIO URBANO Y TERRITORIALIDAD: EL
DESEO Y LA ESPERANZA POR LOS INTERSTÍCIOS
 Ulysses da Cunha Baggio
SLOPES ETHICS & GOVERNING OF ANOTHER ORDER TERRITORIAL
VERTIENTES ETICAS Y REGENCIA DE OTRA ORDEN TERRITORIAL
 Cláudio Ubiratan Gonçalves
THE ‘PLACE’ IS NOT THE SAME: ARTICULATIONS OF THE MULTIPLES
EVERYDAY SPACES-TIMES IN THE SCHOLARS PRACTICES
EL ‘LUGAR’ NO ES MÁS EL MISMO: ARTICULACIONES DE LOS MÚLTIPLES
ESPACIOS-TIEMPOS COTIDIANOS EN LAS PRÁCTICAS ESCOLARES
 Amanda Regina Gonçalves
Rosângela Doin de Almeida
LA CLIMATOLOGÍA PRODUCIDA EN EL INTERIOR DE LA CIENCIA
GEOGRÁFICA BRASILEÑA: UN ANÁLISIS DE TESIS Y DISERTACIONES
DEFENDIDAS EN PROGRAMAS DE POSTGRADO EN GEOGRAFÍA
CLIMATOLOGY RAISED WITHIN BRAZILIAN GEOGRAPHIC SCIENCE: A
STUDY ON THE ACCOMPLISHMENT OF GRADUATED PROGRAMS IN
GEOGRAPHY
 Deise Fabiana Ely
PARA UNA GEOGRAFÍA DEL PASADO DISTANTE - MARCAS DEL
PASADO EN EL PAISAJE COMO MEMORIA ESPACIAL DE LAS SOCIEDADES
AUTOCTONOS
BY A GEOGRAPHY OF THE PAST DISTANT - PRETERITS’S MARKS IN THE
LANDSCAPE AS AUTOCHTHONOUS SOCIETIES’S SPACE MEMORY
Sérgio Almeida Loiola
RESENHA
El conjunto y las exteriores
The set and the outsides
 NORMAS
 Submission guindelinesa
 Normas para publicación
 COMPÊNDIO
 Compendium of the previus numbers
 Compendio de números anteriores
163-180
181-206
207-230
231-246
247-264
265-292
301-306
309-324
295-298
 9
EDITORIAL
Acreditar que é possível manter a qualidade, expandir o raio de
interlocução e ampliar a potência do debate teórico tem sido uma constante por
parte da editoria da Revista Terra Livre. A geografia brasileira ganha com isso,
ganha os geógrafos e ganha todos aqueles que estão se empenhando para manter a
Terra Livre como um veículo de divulgação privilegiado sobre o que de melhor se
pensa e se produz.
Se não tivéssemos o mandato para levar adiante os princípios
defendidos pelos agebeanos e referendados na Assembléia de Rio Branco, em julho
de 2006, não poderíamos sequer estar tendo a chance de colocar em prática os
anseios da comunidade que quer e requer transparência e a disponibilização de
textos de qualidade irreparável, capazes de promover a ascensão de idéias,
inquietações e polêmicas para o centro das diferentes convivências, seja nas escolas,
nas universidades, nos eventos, nas ruas, junto às comunidades, aos trabalhadores,
à sociedade organizada etc.
Pretensões à parte, o que estamos tentando garantir é que a Terra
Livre, seja a Revista de todos(as) os (os) geógrafos(as) brasileiros(as), indistintamente
das posturas ideológicas, das correntes do pensamento geográfico e das opções
temáticas.
Garantir que a Terra Livre possa estimular o debate e nutrir o
convício saudável das idéias, eis o que nos põe atentos á edificação de uma AGB
também disposta ao debate, à defesa de posicionamentos que garantam o livre
acesso às informações e à liberdade de pensamento entre suas centenas de milhares
de associados e de toda a comunidade geográfica (estudantes, professores,
profissionais de toda ordem).
 O que esperar desse número 29? A riqueza dos assuntos e dos
recortes temáticas mantém uma constante e é uma das principais recomendações
da nossa comunidade.Então, se com as atenções para assuntos mais ligados às
questões teórico-metodológicas, ou de cariz epistemológico ou ontológico, se para
os assuntos voltadas à matriz energética, ou para os rumores da modernidade, ou
os exemplos regressivos da migração, ou ainda para as marcas do passado enfim, o
10
que se espera é que mais do que as emoções sobrevivam, desejamos que a Terra
Livre possa fomentar, efetivamente, os exercícios auto-críticos, tão necessários e
em desuso nesses tempos do século XXI.
OS EDITORES
 11
FOREWORD
Believe that is possible mantain the quality, expand the range of
interlocution and amplify the potency of the theoretician discussion have been a
constant by the side of the publishing house of the Magazine Terra Livre. The
brazilian geography earns with this, the geographers earn and earn all that are doing
efforts to mantain Terra Livre as a mean of communication privileged about the
best of what is thinked and produced.
If we didn’t have the mandate to continue with the principles
defend by the agebeanos and referended in the Meeting of Rio Branco, in July 2006,
we cannot even have the chance to put in pratice the longing of the community
which want and require transparency and publication of text of irreparable quality,
capable of promote the ascension of ideas, inquietude and controversy to the
centre.
What we are trying to guarantee is that Terra Livre, be the Magazine
of all the brazilians geographers, indistinctly the religious belive, the ideologic
position and thematics options.
Guarantee that the Terra Livre can estimulate the discussion and
sustain the healthy companionship of ideas, that is the question which put us
attentive to a edifying of a AGB, which is also disposed to the discussion, the
defense of positions that guarantee the free access to informations, and the freedom
of thinking between yours hundreds of thousands of associateds and of all the
geographic community.
What expect of this edition 29? The riches of theme and tematic
retails mantain a constant and is one of the main reccomendation of our community.
So, if attentions to themes related to questions “theoretical-methodological”, or
of roots ontologic and epistemologic, if to themes related to energetic matrix, or
to rummors of modernity, or to examples regressives of migration, or even to scars
of the pass so, what is expected is that more than the emotions, we want that Terra
Livre can foment, effectively, the exercises so necessary of self-criticism, which is
in disuse in this century of XXI
THE EDITORS
12
 13
A R T I G O S
14
 15
DESAFIOS À ANÁLISE
DO ESPAÇO URBANO:
INTERPRETANDO
TEXTOS MARGINAIS DO
DISCURSO GEOGRÁFICO
CHALLENGES TO THE ANALYSIS
OF URBAN SPACE:
INTERPRETING MARGINAL TEXTS
OF GEOGRAPHICAL DISCOURSE
DESAFÍOS PARA LA ANÁLISIS
DEL ESPACIO URBANO:
INTERPRETANDO TEXTOS
MARGINALES EN EL DISCURSO
GEOGRÁFICO
ALMIR NABOZNY
almirnabozny@yahoo.com.br
JOSELI MARIA SILVA
joselisilva@uol.com.br
MARCIO JOSÉ ORNAT
marciornat@yahoo.com.br
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
PONTA GROSSA - UEPG
* Pesquisadores do Grupo de Estudos
Territoriais (GETE)
T err a Li vre Pre s id en te Pru d en te An o 23, v. 2 , n . 29 p . 15-28 Ago -Dez/ 2007
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar os
desafios teórico-metodológicos enfrentados pelo Grupo de
Estudos Territoriais no desenvolvimento de pesquisas
atreladas às relações entre sexualidade e espaço urbano.
Primeiramente, apresentamos o posicionamento teórico do
grupo fundamentado na perspectiva da nova geografia
cultural, o qual entende que os sujeitos criam interpretações
espaciais plurais e isso permite uma pluriversalidade da
realidade estudada. Num segundo momento, evidenciamos,
através dos relatos de nossa trajetória de pesquisa, uma
reflexão sobre a posicionalidade do sujeito pesquisador no
processo de construção do conhecimento geográfico.
Palavras – chave: espaço urbano, intertextualidades,
posicionalidade do pesquisador.
Abstract: This article has the objective of presenting the
methodological and theoretical challenges faced by the
Grupo de Estudos Territoriais (GETE – group of territorial
studies) in the development of researches related to
sexuality and urban space. A presentation of the theorical
position of the Group, that is based on the new cultural
geography. In this perspective the subjects create plural
spacial interpretations what allows a pluriversality of the
studied reality. After, from relates in our research trajectory,
a reflection about the positionality of the researcher subject
in the process of geographical knowledge construction.
Key Words: urban space, intertextuality, researcher
positionality.
Resumen: Este trabajo tiene por objetivo presentar los
desafios teórico-metológicos del Grupo de Estudos
Territoriais (GETE – grupo de estudios territoriales) en el
desarollo de investigaciones relacionadas a la sexualidad y
el espacio urbano. En un primer momento, se presenta la
postura teórica del grupo, apoyada en la perspectiva de la
nueva geografía cultural. La misma entiende que los sujetos
crean interpretaciones espaciales múltiplas y eso permite
uma pluriversalidad de la realidad estudiada. Luego se
evidencian los relatos de nuestra história de investigación.
Una reflexión sobre la posicionalidad del sujeto investigador
en el proceso de construcción del conocimiento geográfico.
Palabras - clave: espacio urbano, intertextualidades,
posicionalidades del investigador.
16
NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
Introdução
Este texto é fruto das reflexões em torno dos desafios teórico-metodológicos
enfrentados pelo Grupo de Estudos Territoriais (GETE) em mais de um ano de condução
de pesquisas originadas através da parceria estabelecida com a Organização Não
Governamental Renascer, em Ponta Grossa – PR. Esta instituição atua na luta pelos
direitos humanos e realiza ações para combater e prevenir doenças sexualmente
transmissíveis junto às profissionais do sexo, gays, lésbicas, travestis, bissexuais e
transexuais. Dentre as várias atividades desenvolvidas na parceria efetivada, foram
viabilizadas três investigações que sustentam os argumentos aqui apresentados. Embora
cada uma destas pesquisas seja guiada por objetivos específicos, elas se desenvolvem de
maneira articulada e, em vários momentos se sobrepõem, o que tem possibilitado ao
grupo de pesquisadores o debate e a análise crítica de vários procedimentos investigativos.
Dois aspectos comuns das investigações se destacam. Um deles é a abordagem
da sexualidade interdita e sua dimensão espacial e o outro é a exploração de grupos
sociais inexpressivos no campo de interesse da pesquisa geográfica brasileira como as
meninas prostituídas e os transgêneros. Essa opção nos levou ao desafio de construir a
visibilidade de suas experiências espaciais no campo científico da geografia. Entretanto,
nossas construções metodológicas, até então calcadas no apego à dimensão material do
fenômeno e aos procedimentos formais da pesquisa documental, foram insuficientes para
compreender fenômenos marginais e complexos que as pesquisas abordavam. Sendo
assim, este texto explora as escolhas do arcabouço analítico da ciência geográfica que
puderam produzir a visibilidade científica dos fenômenos explorados e por nós intencionada.
A pluriversalidade da cidade texto
A nova geografia cultural e seus desdobramentos constituem possibilidades
ilimitadas para a criatividade dos geógrafos (as) no desenvolvimento de suas análises
espaciais. Corrêa (2003), ao analisar a compreensão da cultura e o espaço, alerta que a
geografia contempla tanto os componentes materiais como sociais, intelectuais e simbólicos.
Os elementosvisíveis e a materialidade das formas espaciais foram, durante
muito tempo, privilegiados pelos geógrafos, enfatizando técnicas que os homens utilizavam
para dominar o meio e concebendo a paisagem como produto desta relação, tal qual
Sauer (1996). A ênfase aos elementos materiais da paisagem privilegiava os objetos de
estudo que apresentavam maior visibilidade, cuja diferença estava nítida, palpável, e tal
ênfase relegou a um segundo plano outras dimensões sociais e psicológicas da existência
humana que, por sua vez, também determinam a materialidade.
A intensiva abordagem de objetos em que a diferença estava materialmente visível
limitou o campo de estudo da geografia do mundo contemporâneo durante muito tempo,
já que as paisagens tornaram-se mais uniformes, e as sociedades fechadas e homogêneas
 17
Terra Livre - n. 29 (2): 15-28, 2007
internamente, mais raras. Entre as muitas questões que emergem de tal perspectiva de
pesquisa, uma delas diz respeito à impossibilidade da geografia explorar a sociedade
complexa da qual fazemos parte e encontrar as diferenças em espaços que,
aparentemente, são repetitivos.
Outras críticas às concepções de Sauer e seus seguidores estavam centradas na
importância secundária do sujeito na construção dos significados da paisagem e a
negligência do homem como ser ativo na construção simbólica como em Cosgrove (1998)
e em Berque (1998). Contudo, é a contribuição de James Duncan (1990), em sua obra
“The city as text”, que gostaríamos de destacar como fundamental inspiração para dar
continuidade às nossas proposições teóricas e metodológicas.
A paisagem de Duncan (1990) faz referências para muito além da materialidade.
Ele a considera como um sistema de significados que, tal qual a linguagem expressa em
texto, a paisagem é depositária e transmissora de informações. A “paisagem/texto” é um
discurso, uma estrutura social de inteligibilidade dentro da qual todas as práticas são
comunicadas, negociadas e desafiadas. Assim, os discursos estão sempre permitindo
recursos e limites dentro de certas direções de pensamentos e ações que “aparentemente”
são naturais. A pretensa naturalidade da ordem do mundo e, portanto, da dimensão espacial
da sociedade, para James Duncan, é resultante de vários embates e lutas entre os grupos
sociais.
As interpretações das informações dependem dos sujeitos que atuam no processo
de recepção e interiorização da informação que, por sua vez, é determinado e determinante
dos valores culturais. Duncan (1990) nos oferece a compreensão de uma trama de relações
em vários sentidos na análise da paisagem e privilegia o ato criativo dos sujeitos sociais
através de sua leitura e interpretação, evidenciando tanto as interações entre diversos
grupos, quanto a grande dificuldade de interação interpretativa da paisagem entre grupos
que não participavam dos mesmos códigos culturais. Esse autor cria uma abordagem
política da paisagem e afirma que esta deve servir como parte constitutiva da análise de
como a vida social é organizada e de como as relações de força que a compõem são
constituídas, reproduzidas e contestadas.
Importante, ao nosso ver, é o conceito de “intertextualidade” que denota as inter-
relações de textos que se entrecruzam, instituintes e instituídos da “cidade texto”. Além
disso, para o propósito desse trabalho, é fundamental evidenciar as condições gerais de
produção do texto/paisagem hegemônicos e como eles se impregnam de forma naturalizada
na sociedade.
Assim, a cidade texto de James Duncan (1990) define-se numa dinâmica relacional
e processual entre sistema de significados e práticas que se transformam mutuamente ao
longo do tempo. Os seres humanos são tanto agentes de mudança social e, portanto,
espacial, quanto seus produtos. Ao considerar o aspecto da intertextualidade, o autor
incorpora a construção de diferentes significados de um mesmo objeto, assim como
apresenta seus contrastes e assimilações e, além disso, admite que há uma conjugação
18
de forças que age sobre a produção simbólica do espaço, considerada enquanto forma de
conhecimento que orienta as ações cotidianas.
A geografia proposta por Duncan (1990) e seus pares da Nova Geografia Cultural
é uma abordagem aberta aos paradoxos, à pluralidade e, em certa medida, provoca a
‘desordem’ do discurso geográfico calcado na objetividade material do espaço e nas
interpretações hegemônicas. O rico contexto de efervescência imaginativa da Nova
Geografia Cultural potencializou as produções geográficas feministas que emergem a
partir de ‘fissuras’ do pensamento hegemônico desde a década de 70. Mas é no contexto
recente, a partir dos anos 90, que esta corrente ‘científico-política’ realiza importantes
críticas à postura repetitiva da geografia, enquanto disciplina acadêmica, sua
instrumentalização na manutenção e reprodução do poder e invisibilidade de vários grupos
que compõem o espaço.
A obra do geógrafo James Duncan (1990), “The city as text”, é forte inspiração
para nossas pesquisas, pois na medida em que a cidade é um texto, produzido por
‘intertextualidades’, podemos tornar visíveis outros textos que não sejam hegemônicos,
produzindo, através do trabalho científico a visibilidade de grupos tradicionalmente
inexpressivos na geografia. Nesta perspectiva adotamos o argumento de que
não se deve imaginar um mundo do discurso dividido entre o discurso
admitido e o discurso excluído, ou entre o discurso dominante e o dominado;
mas, ao contrário, como uma multiplicidade de elementos discursivos que
podem entrar em estratégias diferentes. É essa distribuição que é preciso
recompor, com o que admite em coisas ditas e ocultas, em enunciações
exigidas e interditas; com o que supõe de variantes e de efeitos diferentes
segundo quem fala, sua posição de poder, o contexto institucional em que
se encontra; com o que comporta de deslocamentos e de reutilizações de
fórmulas idênticas para objetivos opostos. Os discursos, como os silêncios,
nem são submetidos de uma vez por todas ao poder, nem opostos a ele.
(FOUCAULT, 1988, p. 111)
Nesse mesmo sentido, a geógrafa Gillian Rose (1993), em Feminism & Geography.
The limits of Geographical Knowledge, constrói a perspectiva do ‘espaço paradoxal’ na
qual chama a atenção às configurações de poder que se estabelecem entre o centro e a
margem da configuração, assim como a plurilocalização dos (as) sujeitos (as). Para esta
autora há uma simultaneidade entre poder e resistência na composição espacial. Assim,
é preciso compreender tanto o que é ‘visível’ quanto o que é ‘invisível’ já que ambos
fazem parte da mesma realidade espacial que é contraditória e complementar
simultaneamente.
Duncan (1990), por sua vez, ao demonstrar que a paisagem da cidade de Kandy
no Sri Lanka era interpretada e vivida de formas diferentes por vários grupos sociais,
evidencia, magistralmente que é a condição paradoxal dos vários textos interseccionados
NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
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que possibilita a hegemonia. Afinal,
o discurso veicula e produz poder, reforça-o mas também o mina, expõe,
debilita e permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão
guarida ao poder, fixam suas interdições; mas, também, afrouxam seus
laços e dão margem a tolerâncias mais ou menos obscuras (FOUCAULT,
1988, p. 112).
Compreendendo a cidade como uma rica trama discursiva ou textual, para utilizar
as palavras de James Duncan (1990), o Grupo de Estudos Territoriais tem optado por
construir a visibilidade de textos que emergem das fissuras e interdições do poder
hegemônico das instituições formais. Diante dessa configuração estabelecemos no grupo
ampla discussão em torno da posicionalidade do pesquisador frente aos desafios
metodológicos a serem desenvolvidos no processo de pesquisa que serão objeto da próxima
seção.
A posicionalidade do pesquisadore a produção do conhecimento sobre o espaço
urbano
A geógrafa Rose (1997) tem chamado a atenção para as perspectivas de
posicionalidade e reflexibilidade do (a) pesquisador (a) em relação à produção do
conhecimento, pois os resultados das nossas investigações são obtidos pela influência de
vários elementos interconectados. Ou seja, aquilo que obtemos como pesquisadores reflete
complexas relações entre o sujeito investigador, os sujeitos investigados e o contexto de
produção dos dados da pesquisa. Assim, não produzimos verdades sobre os fenômenos
que analisamos, mas versões localizadas e é nesse sentido que emerge a importância da
reflexão em torno daquilo que criamos e consideramos como dados de pesquisa.
Não podemos perder de vista, portanto, que o conhecimento sobre determinada
realidade expressa versões parciais, já que os elementos envolvidos estão diferentemente
posicionados em relação ao fenômeno e também possuem interesses próprios e pontos
de vista diversos que são acionados na inevitável presença relacional entre sujeito
pesquisador e sujeito pesquisado. A autora alerta que tudo que produzimos enquanto
conhecimento geográfico, ou seja, aquilo que criamos através de nossas pesquisas, passa
a fazer parte da realidade estudada assim como a realidade faz parte do conhecimento
científico.
Desta forma uma investigação científica se dá num processo de conhecimento
permeado por relações de poder que são produtos de posicionamentos que geram
capacidades diferenciadas na produção de uma determinada versão da realidade e, nesse
sentido, o próprio conhecimento também produz as hierarquias nas quais os sujeitos estão
posicionados. Refletir sobre os atos investigativos na produção de versões da realidade,
que também produzem a própria realidade, requer uma atitude ética e um claro
Terra Livre - n. 29 (2): 15-28, 2007
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compromisso político na implicação de nossos resultados de pesquisa na realidade
investigada, pois o imaginário mundo das idéias é real e o real é também imaginado.
As idéias discutidas por Gillian Rose em “Situating knowledges: positionality,
reflexities and other tactics” ultrapassam os meros posicionamentos metodológicos de
construção do conhecimento científico, elas são argumentos firmes de que a realidade
sócio-espacial também se constrói a partir das relações de poder que se fundam nos
enunciados científicos e na posição de quem os pronuncia. Nesse sentido, é muito
importante atentar para a versão da realidade que uma investigação se propõe a produzir
e a partir de qual ponto de vista.
Partindo da idéia de que a realidade é pluriversal e que os saberes jogam num
campo de forças no qual se produz o invisível, o indizível, o ausente e o silêncio, voltamos
nossos olhares para os sujeitos silenciados, adotando uma postura desconstrucionista da
ciência geográfica e passamos a questionar os conceitos que utilizávamos, assim como
nossos procedimentos de pesquisa no contato direto com os grupos sociais focos de
nossas investigações. Há um ano e meio realizamos um trabalho voluntário junto à
Organização Não-Governamental Grupo Renascer, desenvolvendo atividades de visitas
aos locais de prostituição, distribuição de preservativos, encaminhamentos de exames e
orientações para evitar as doenças sexualmente transmissíveis. Durante essas atividades
pudemos nos aproximar dos ‘outros’ que investigávamos e ouvir suas versões que, por
sua vez, transformaram as nossas ‘versões científicas’.
Meninas que a sociedade torna mulheres e a infância negada
Gostaríamos de resgatar, primeiramente, a experiência sobre a exploração sexual
infanto-juvenil feminina produzida a partir do olhar que contrapõe versões sobre o
fenômeno. Influenciados pelos procedimentos formais e pelo ‘status científico’ que possui
a análise documental oficial e o levantamento das ações institucionais, passamos a explorar
os vários órgãos que atuavam na coibição da prática sexual comercial com crianças,
como o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares, a Vara
da Infância e da Juventude e vários outros órgãos, todos pautados pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA – Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990). Os contatos com
estes diversos órgãos foram frustrantes para a equipe. Os responsáveis nos ouviam com
atenção, animavam-se com nossa disposição de pesquisar sobre o tema, pois consideram-
no de vital importância, mas, pouco ou quase nada conseguiam nos ajudar, sobretudo pela
precariedade dos registros e ausência de dados sistematizados. O que mais nos impressiona
é o fato de que todos afirmavam a existência do fenômeno, mas nenhum destes órgãos
estava preparado para enfrentá-lo. Dentre todas as aproximações realizadas a experiência
que nos despertou especial interesse foi a do Conselho Tutelar pela sua atuação direta
com o grupo focal e pela reação contraditoriamente aversiva que as meninas prostituídas
desenvolviam em relação a esse órgão, criado justamente para proteger seus direitos.
NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
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Os Conselhos Tutelares são responsáveis diretamente pelas denúncias de
infrações aos direitos das crianças e adolescentes e a Vara da Infância e Juventude
delibera as medidas judiciais cabíveis. O discurso do Estado torna-se nítido na ação que
se desenvolve através da mobilização da força para traçar estratégias no combate à
exploração sexual comercial infanto-juvenil feminina. Uma das ações principais de coibição
das práticas das meninas são as blitze que ocorrem numa parceira entre o Conselho
Tutelar e a Policia Rodoviária Federal. A prática tem como referência fundamental a
espacialidade fenomenal a partir de locais e horários já conhecidos da prostituição adulta,
como rodovias, boates, locais públicos e bares. Acredita-se que nestes locais podem ser
flagradas as meninas menores em situação de “prostituição”, juntamente com aliciadores,
clientes ou facilitadores da exploração. Não há um controle sistemático no registro das
ações por parte do Conselho Tutelar, as informações são de uma periodicidade mensal
ou, algumas vezes, determinada pelo número acumulado de denúncias.
As práticas das blitze têm registrado no Conselho Tutelar Oeste números
inexpressivos. De fevereiro a setembro de 2003 foram realizadas oito operações, nas
quais não houve nenhum caso registrado. No ano de 2004, há uma intervenção, em 14 de
abril, resultando na presença de três adolescentes em local indevido. Uma menina de
dezessete anos encontrada em uma boate e um menino de quinze anos em outra. Além
destes, há o registro de uma menor de dezesseis anos num posto de gasolina. Todos estes
casos envolvem estabelecimentos localizados na Rodovia BR 373. Em 2005, há registro
de três blitze. Uma em 17 de maio em que foi verificada a presença de uma adolescente
de quatorze anos em frente a um antigo posto de gasolina. No dia seguinte foram localizados
dois meninos de quinze e treze anos, respectivamente, cuidando de carros no pátio de
uma churrascaria próxima a Br 373. A última blitz registrada em 2005 ocorreu em 12 de
outubro e não houve autuações. Portanto, num total de doze intervenções do Estado
foram encontrados seis menores de idade em locais e horários impróprios.
A exploração dos arquivos e registros existentes nestes órgãos evidenciou que os
procedimentos realizados pelos órgãos competentes de Estado apresentam debilidades
na atuação de combate à exploração sexual comercial infanto-juvenil, já que promovem
a invisibilidade de um fenômeno presente na sociedade. A prática da blitz realizada pela
parceria entre o Conselho e a Polícia tem apresentado números inexpressivos da atividade
em tela. O enquadramento do caso torna-se difícil já que, geralmente, há negação por
parte da menina menor de estar sendo prostituída. Além disso, a dificuldade torna-se
ainda maior pelo fato deque é pouco provável a ocorrência de um flagrante do programa
que ocorre entre as meninas e o cliente. Nesse sentido, os registros são enquadrados
como “menores encontradas em locais e horários impróprios”.
A invisibilidade é também promovida pela forma de registro que o Conselho Tutelar
Oeste tem desenvolvido. Nos itens de possíveis enquadramentos não se contempla a
exploração sexual comercial ou crianças prostituídas, por exemplo. Os itens de
enquadramento possíveis são: a violência sexual, anotações relacionadas aos atos
Terra Livre - n. 29 (2): 15-28, 2007
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atentatórios à cidadania como aliciamento, mendicância, crianças em lugares e horários
indevidos. Assim, há uma dificuldade em dar visibilidade a uma prática em que, num
contexto de toda ordem de carências, há uma atitude ativa por parte da menor para fazer
o programa, pois ela recebe compensações para realizar o ato, diferentemente do abuso
ou do estupro, por exemplo.
Frente às dificuldades documentais enfrentadas no trabalho exploratório e, em
contrapartida, provocados pela evidência do fenômeno presenciado cotidianamente nos
espaços de pobreza, optamos por incluir os depoimentos de assistentes sociais que
realizavam as sindicâncias para instrumentar os processos. Mesmo que a denúncia não
tivesse o teor da exploração sexual comercial, em alguns casos estes profissionais
detectavam sua existência e o registravam no processo de forma paralela. Com base
nestas pistas recorremos aos arquivos do PEMSE (Programa de Execução de Medidas
Sócio Educativa em Meio Aberto de Ponta Grossa), os quais abriram novas alternativas
de pesquisa já que estávamos convencidos de que a falta de visibilidade do fenômeno no
Estado não correspondia à realidade do campo que explorávamos.
Assim, foram levantados os processos oriundos do resgate da memória das
assistentes sociais do Conselho Tutelar Oeste, da Vara da Infância e da Juventude, do
Programa PEMSE e das Instituições de Abrigo Casa Santa Luiza de Marillac e Associação
de Promoção à Menina (APAM). De posse dos casos rememorados foi realizado então
o levantamento e a análise dos processos gerados. Foram vinte e nove processos analisados,
dos quais quinze provenientes de indicações do Conselho, nove oriundos do PEMSE e
cinco processos de meninas institucionalizadas em abrigos. Com exceção a esses últimos,
os demais vinte e quatro haviam sido apontados por Conselheiros Tutelares ou pela
Assistência Social do PEMSE como casos em que havia suspeita de exploração sexual
comercial infanto-juvenil feminina.
Mesmo assim, para nossa surpresa, em apenas 16,6% dos processos analisados
a exploração sexual aparece como primeira notificação. Nos 83,4% restantes a exploração
é escamoteada dos processos num primeiro momento. Ao explorarmos os processos da
Vara da Infância e da Juventude observamos que, nos relatórios de visitas das assistentes
sociais e nos depoimentos das pessoas envolvidas, a exploração sexual comercial se
evidenciava. Entretanto, vinculada e camuflada em outras situações como a ausência
prolongada de casa, atos violentos, desobediências às regras familiares, furtos, uso de
drogas.
Durante nossas explorações evidenciamos que a ação do Estado tem sido re-
significada pelas meninas menores envolvidas nas práticas sexuais comerciais, as quais
desenvolvem táticas desconstrucionistas do discurso social hegemônico. O forte
tensionamento entre o discurso de Estado sobre a infância e a adolescência, baseado em
condições de vida pequeno-burguesas, e as práticas cotidianas da periferia se revela no
insucesso da coibição do fenômeno estudado e na instituição de novas e complexas
espacialidades promovidas pelas meninas a fim de manter sua versão da realidade. As
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URBANO...
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restrições às práticas comerciais sexuais em que as meninas se encontram têm sido
concebidas por uma pretensa universalidade de direitos dos sujeitos menores de idade,
confundida com a homogeneidade de concepções e práticas relativas às características
dos grupos sociais envolvidos no processo de exploração.
A realidade sócio-espacial da periferia impõe os fundamentos da vivência da
infância e a construção de uma versão específica de sua experiência. Várias condutas
consideradas ilegais a partir do marco estatal são naturalizadas pela sua existência
cotidiana. É comum na periferia o trabalho infantil complementar à renda do adulto, o
trabalho doméstico, o cuidado dos irmãos menores, o acompanhamento das figuras
femininas de referência identitária, como mães, tias, avós no exercício da prestação do
serviço sexual. As experiências diárias são por elas naturalizadas e, em geral, contraditórias
com o marco legal que as enquadra fora do padrão de infância concebido pela sociedade.
São meninas que a sociedade torna mulheres, negando-lhes o direito de serem crianças.
A vivência nos espaços de periferia impõe aos corpos infantis o desempenho de tarefas
adultas e isso modifica radicalmente a temporalidade das etapas de suas vidas. As meninas
que fizeram parte desta pesquisa possuem diferentes idades. 69% tinham entre 11-15
anos de idade no início dos processos. 17% encontravam-se com 05-10 anos e 14% delas
estavam com 16-17 anos.
Nos processos analisados a manifestação da exploração sexual comercial infanto-
juvenil feminina se dá nas ruas e nas estradas em 62% e em apenas 15% dos processos
estão relacionadas às boates. Em 8% dos processos as meninas dormem em casas de
terceiros e em 7% elas promovem deslocamentos em direção ao centro da cidade. Embora,
as blitze cubram a área das boates e rodovias (BR), a maioria das manifestações ocorre
em um constante rearranjo entre as ruas de proximidades da Rodovia, ruas próximas às
suas casas, na própria rodovia e também utilizam os chamados telefônicos. Em outras
ocorrências há referências às meninas circulando pelas ruas durante o dia, quando são
abordadas por homens adultos e deslocam-se para motéis ou estacionamentos de
supermercados a fim de realizar o programa. O agenciamento pode também ocorrer por
um chamado telefônico realizado por um ‘atravessador’ que recebe pelos agendamentos
de clientes.
As táticas desenvolvidas pelas meninas menores desafiam a ordem do discurso
hegemônico. Na versão das meninas, elas necessitam garantir a sobrevivência, e na
versão dos agentes de Estado se faz necessário cumprir a lei. Esta tensão se dá
constantemente já que o Estado, ao reprimir a ação das meninas, não lhes dá alternativas.
As estratégias de combate à atividade por parte do Estado, no máximo, constatam a
presença de menores em locais indevidos, mas não conseguem flagrar a exploração
sexual.
A imaterialidade do processo e a fluidez das relações espaciais desenvolvidas
pelas meninas e a rede de exploração sexual comercial na qual estão inseridas driblam
com sucesso as ações de blitze desenvolvidas pelo Estado. As táticas triunfam sobre a
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lógica do Estado que ainda insiste em agir baseado no modelo da prostituição adulta,
envolvendo pontos fixos e o período noturno.
A influência da família, dos contextos, das ações infere no corpo. O corpo não é
um dado pronto, mas resultante de negociações espaciais e históricas. Foucault (1988)
argumenta que as regras de conduta moral-sexual fluem segundo idade, sexo, entre outros,
mas que as obrigações e interdições não são dispostas a todos da mesma maneira. O
espaço geográfico enquanto uma instância social, relacional e processual passa a compor
as estruturas de amadurecimento e interiorização da atividade pelas próprias meninas,
bem como é um elemento das táticas dos envolvidos na exploração.
A desejada exeqüibilidade dos direitos universais das crianças e adolescentes a
partir do ECA só é possível quando se contemplar a diversidade espaço-temporal da
vivência da infância.Pode-se afirmar que a espacialidade do fenômeno da exploração
sexual comercial infanto-juvenil feminina é de alta complexidade e não apresenta um
padrão homogêneo. Pelo contrário, sua sobrevivência só é possível pelas múltiplas
configurações espaciais nas quais se viabilizam as práticas dos sujeitos envolvidos e,
inclusive, da posição do papel repressor do Estado. Ou seja, enquanto as versões desse
fenômeno não produzirem um diálogo, Estado e meninas prostituídas trilharão caminhos
diversos e, infelizmente, a versão da realidade produzida por estas crianças continuará
invisível e silenciada na realidade urbana.
Do espaço interdito ao território da prostituição travesti
Outra importante contribuição da reflexão do grupo em torno da posicionalidade
do pesquisador em relação ao sujeito investigado e suas experiências espaciais foi o re-
arranjo do conceito de território na exploração do grupo de travestis. O grupo focal é
composto de treze pessoas que se auto-identificaram como sendo ‘uma travesti’, utilizando
a expressão no feminino. Embora a língua portuguesa classifique a palavra relativa ao
sujeito masculino, preservaremos a linguagem utilizada pelo grupo.
Duas pesquisas desenvolvidas de forma concomitante eram constantemente
confrontadas. Enquanto uma delas evidenciava os espaços interditos às travestis e,
portanto, sua invisibilidade, a outra enfocava a única possibilidade socialmente permitida
de sobrevivência dessas pessoas, ou seja, os espaços de prostituição. A mesma sociedade
heteronormativa que exclui as travestis dos espaços de convivência social e promoção da
cidadania durante o dia, possibilita a criação dos territórios da comercialização de práticas
sexuais durante a noite. O poder normativo, tal qual proposto por Foucault (1984), não
produz a simples contraposição entre dominados e dominantes, mas complexidades
existenciais e, portanto, espaciais.
Conforme argumentos de Peres (2005), as travestis carregam consigo duas
performances corporais na atividade de prostituição, dependendo das preferências do
cliente e assim, rompem com as categorias clássicas de masculino e feminino e não se
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URBANO...
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enquadram em um dos lados das bipolaridades.
Tal qual os geógrafos Jon Binnie e Gill Valentine (1999), compreendemos que o
ser travesti se constitui no estar no mundo e isso é essencialmente espacial, pois viver
implica ações, práticas, relações que se realizam numa dimensão concreta. Contudo, o
estar no mundo significa relacionar-se com outros grupos, fundamentalmente diferentes
do ser travesti e, nesse sentido, o poder coloca-se como ponto essencial em nossas
pesquisas. Desse ponto de vista, o caminho conceitual seguro para compreender a vivência
do grupo de travestis que investigávamos nos levou a adotar o território como ferramenta
conceitual.
Vários geógrafos têm aprofundado as discussões sobre a potencialidade do
território na compreensão da realidade sócio-espacial como Souza (1995), Silva (2000),
Haersbaert (2004) e outros. A associação entre território e prostituição também é um
caminho seguido por diversos pesquisadores como Mattos e Ribeiro (1996), Ribeiro (1997),
Villalobos (1999), Campos (2000) e Silva (2002). Enfim, sem querer nos aprofundar nas
diferenças entre as proposições desses autores, ressaltamos que nossa inspiração em
relação às suas obras esteve centrada na importância das relações de poder e na
apropriação dos espaços a fim de torná-los territórios, sejam eles econômicos, políticos
ou culturais e na maleabilidade das variações de limites fronteiriços e temporais. Assim,
para analisar a experiência espacial das travestis, adotamos a perspectiva de que os
sujeitos, ao desenvolverem práticas de apropriação de determinados espaços do urbano
por um período de tempo, impõem condutas consensuadas no grupo e, desta forma, instituem
seus territórios frente aos outros grupos, corroborando assim o referencial teórico analisado.
Como já explicitado anteriormente, as pesquisas desenvolvidas pelo grupo são
constantemente confrontadas, assim como os dados obtidos do campo. É importante
lembrar que dois pesquisadores trabalharam com o mesmo grupo focal, entrevistaram as
mesmas pessoas com perguntas que se sobrepunham e obtiveram elementos diferentes
na exploração do saber desses sujeitos. Isso porque o resultado obtido é fruto de um
momento único, jamais reprodutível e o sujeito investigado reage ao pesquisador.
Enquanto uma das pesquisas obtinha quase por unanimidade a frase “as travestis
não tem espaço para viver na cidade”, a outra pesquisa em andamento nos levava a crer
que havia sim um espaço das travestis que lhes é significativo, capaz de dar sentido à sua
existência, já que a frase “se aprende a ser travesti na rua” tornou-se paradigmática.
O saber sobre o espaço urbano produzido pelas travestis foi confrontado com
nosso saber oriundo da ciência geográfica. Nós, enquanto pesquisadores posicionados
fora do grupo focal, concebíamos o território numa diferenciação entre o grupo de travestis
na atividade de prostituição e os outros que não compartilhavam dos mesmos valores e
atividades. Esta posição simplista da manifestação de limites de fronteiras entre grupos e
da expressão material do fenômeno da prostituição foi derrubada pelo saber das travestis.
Uma expressão comum do grupo é “os mesmos homens que fecham as portas durante o
dia são os que abrem as pernas à noite”, o que nos colocava um questionamento sobre a
Terra Livre - n. 29 (2): 15-28, 2007
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constituição das categorias opostas outsider e insider.
A relação com o grupo nos possibilitou a compreensão de que é justamente a
força da interdição sócio-espacial que possibilita o fortalecimento de seu território, já que
este é o único espaço que lhes possibilita reconhecimento social, independentemente de
sua valoração moral. Nesse sentido, exclusão e apropriação espacial não se anulam em
campos oposicionais, pelo contrário, entrelaçam-se e potencializam-se numa espiral
constante e complementar, constituindo um território que é multidimensional.
Outro questionamento provocado pelo saber travesti às nossas bases conceituais
se relacionava ao poder. Inicialmente, nós concebíamos o poder atrelado às práticas do
grupo para a manutenção do território frente a outros grupos no sentido insider X outsider.
Entretanto, o território da prostituição travesti existe na medida em que ele contempla a
relação da comercialização dos serviços sexuais que se dá entre a travesti e seu cliente.
Isso implica uma prática que envolve centro e margem de uma configuração de poder
que se apropria do espaço e o torna território.
A travesti no território da prostituição representa o centro do poder porque através
de suas performances corporais desperta o desejo do cliente representado aqui como
margem da configuração do poder, já que ele a procura para viver o prazer interdito pela
sociedade heteronormativa. Este cliente faz parte da sociedade que as exclui, mas
simultaneamente, compõem o território da prostituição travesti numa situação de
subordinação. Além de temer ser identificado vivendo uma sexualidade disparatada, o
cliente deve contratar o preço e os serviços que envolvem o programa, embora possua
vantagens monetárias. Todavia, depois do contrato firmado, ocorre o deslocamento dos
corpos para locais privados onde as travestis deixam a centralidade da configuração de
poder e, muitas vezes, tornam-se vítimas da violência de seus clientes. Assim, o
deslocamento da mesma configuração para outros espaços reposiciona os sujeitos e,
portanto, o espaço segregado a que estão submetidas é, contraditoriamente, um elemento
ativo na composição do poder da travesti.
Após esta mediação da experiência travesti, passamos a conceber o território
composto de um poder multidirecional, intercambiado entreos sujeitos que compõem a
configuração que dá sentido à apropriação espacial. Portanto, argumentamos que território
se institui de plurilocalizações dos sujeitos que não são fixos em suas posições de centro
e margem, mas constantemente tensionados.
Depois de um tempo de convivência com o grupo nos foi possível perceber que o
território da prostituição travesti, além de lhes garantir a sobrevivência econômica, era
um importante elemento fundante de sua identidade. As entrevistas realizadas evidenciam
que as ruas em que se desenvolvem as atividades de prostituição em 86% das evocações
a seu respeito são importantes para sua existência. Deste percentual de evocações
relacionadas ao território da prostituição, 19% delas relacionam-se com o local possível
de construção de amizades e redes de solidariedade. Os outros 81% se relacionam com
a possibilidade de constituição do ser travesti que envolve tanto a adequação de
NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
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comportamentos aos códigos do grupo quanto a transformação do corpo.
É no local de prostituição que se apreendem e se ensaiam as performances de
comportamentos, significados lingüísticos, sinais corporais que permitem as provocações,
assédios, disputas e rivalidades. Os elementos comuns são a esperteza, a força e a malícia,
elementos sempre lembrados e considerados necessários na composição do ser travesti.
No processo de aprendizagem é comum a figura da ‘madrinha’ que, geralmente, é uma
travesti experiente e de valor moral reconhecido segundo os códigos identitários do grupo.
A ‘madrinha’ possibilita um aprendizado mais rápido do ser travesti, além de avalizar seu
ingresso no território repleto de conflitos de toda ordem. Afinal, a vivência cotidiana
dessas pessoas é marcada por situações de insegurança, ameaças de morte, assaltos,
brigas, rivalidades, violência, drogas, doenças e discriminação. É em função destas
adversidades sofridas na rua que elas se tornam mais decididas, mais firmes, mais fortes,
mais ‘espertas’, criando uma couraça espessa para suportar o sofrimento e a intolerância
social.
A relação entre o território e as transformações gradativas do corpo para atingir
o objetivo do corpo travesti também é comum em suas expressões. É no território que
elas observam, apreendem práticas e técnicas corporais, criam maneiras de se vestir, se
maquiar, enfim, incorporam os elementos identitários do universo feminino ao corpo
biologicamente masculino e realizam a transgressão da norma heterossexual. Estas
performances são ações de comunicação próprias do território da prostituição travesti
que constituem simultaneamente um espaço de laços afetivos, sociabilidade e identidade.
Enfim, foi a partir da frase paradigmática do grupo, “é através do território que as
travestis se tornam travestis”, oriunda da compreensão da experiência espacial do grupo
focal, que re-articulamos nossas bases conceituais e pudemos afirmar que o território é
elemento ativo na constituição da identidade grupal travesti. Assim, território e sujeito
constituem uma relação de interdependência. Mais uma vez o saber das travestis nos
levou a ultrapassar a concepção de que o território é ‘resultado’ da dinâmica de relações
dos sujeitos e, sendo assim, considerado um elemento passivo. Pelo contrário, afirmamos
que o território institui a identidade do sujeito travesti assim como é por ela instituído.
Considerações Finais
Este trabalho explorou os desafios de análise geográfica que o Grupo de Estudos
Territoriais vem desenvolvendo em parceria com a ONG Renascer. A análise crítica dos
limites teórico-metodológicos e a reflexão em torno da posicionalidade do pesquisador no
problema evidenciado em cada uma das pesquisas têm sido um processo que produz a
visibilidade de grupos sociais, geralmente escamoteados da análise geográfica, e constrói
um conhecimento do qual estes sujeitos são co-participantes. As meninas foco de nossa
investigação vivenciam um espaço paradoxal. São sujeitas de direitos, mas invisíveis aos
olhos do Estado. Querem manter-se invisíveis, mas, com isso, expandem as possibilidades
Terra Livre - n. 29 (2): 15-28, 2007
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de perpetuação de uma condição perversa de exploração que cabe também à geografia
urbana estudar e tornar o fenômeno inteligível. O grupo de travestis que desenvolve
atividades de prostituição refutou nossas teorias prévias, desafiou nossas bases explicativas
e articulou seu conhecimento ao nosso. Enfim, compartilhar nossos desafios e limites tem
sido uma excelente maneira de socializar nossa trajetória a fim de produzir novos debates.
Referências Bibliográficas
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para uma Geografia Cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny
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Recebido para publicação dia 10 de Novembro de 2007
Aceito para publicação dia 11 de Fevereiro de 2008
NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
 29
O ESTUDO
GEOGRÁFICO DOS
ELEMENTOS
CULTURAIS -
CONSIDERAÇÕES PARA
ALÉM DA GEOGRAFIA
CULTURAL
CLÁUDIO BENITO
OLIVEIRA FERRAZ
Professor vínculado ao
Departamento de Educação da
 Universidade Estadual Paulista -
UNESP (campus de Pres.
Prudente/SP)
e-mail: cbenito@fct.unesp.br
Terra Livre Presidente Prudente Ano 23, v. 2, n. 29 p. 29-50 Ago-Dez/2007
THE GEOGRAPHICAL STUDY OF THE
CULTURAL ELEMENTS -
CONSIDERATIONS FOR BESIDES
CULTURAL GEOGRAPHY
EL ESTUDIO GEOGRÁFICO DE LOS
ELEMENTOS CULTURALES-
 CONSIDERACIONES PARA ADEMÁS
DE LA GEOGRAFÍA CULTURAL
Resumo: O processo histórico de formação institucional das
ciências modernas gerou uma tendência a especialização do
conhecimento que levou a muitos a acreditarem que as
denominações dessas especializações expressavam a totalidade
da realidade observada. Esse é o caso da chamada Geografia
Cultural em que os estudos dos aspectos culturais da realidade
social pela visão geográfica, presentes em qualquer abordagem,
acabam substituídos por aspectos de catalogação e descrição
superficial dos elementos de determinada região. O resgate atual
da Geografia Cultural tende a cair em modismos teóricos e apenas
ser um novo nome para práticas viciadas de se fazer estudos
científicos, não contribuindo para um melhor entendimento da
dinâmica espacial da sociedade atual.
Palavras-chave: Cultura; Geografia; Ciência, Linguagem,
Identidade.
Abstract: The historical process of institutional formation of the
modern sciences ended up generating a tendency the
specialization of the knowledge that took to many believe that
the denominations of those specializations expressed the totality
of the observed reality. That is the case of the call Cultural
Geography in that the studies of the cultural aspects of the social
reality for the geographical vision, present in any approach,
tended to be substituted by aspects of cataloguing and superficial
description of the elements certain area. The current rescue of
the Cultural Geography tends to fall in theoretical posture and
just to be a new name for vicious practices of scientific studies,
not contributing to a better understanding of the space dynamics
of the current society.
Keywords: Culture; Geography; Science, Language, Identity.
Resumen: El proceso histórico de formación institucional de las
ciencias modernas terminó generando una tendencia a la
especialización del conocimiento que tomó a muchos creer que
las denominaciones de esas especializaciones expresaron la
totalidad de la realidad observada. Ése es el caso de la llamada
Geografía Cultural en que los estudios de los aspectos culturales
de la realidad social para la visión geográfica, presente en
cualquier abordaje, cuidó sustituidos por los aspectos de
catalogación y descripción superficial de los elementos en cierta
área. El rescate actual de la Geografía Cultural tiende a
desplomarse en los modismos teóricos y simplemente ser un
nuevo nombre para las prácticas viciadas de hacer los estudios
científicos, no contribuyendo a un entendimiento de la dinámica
espacial de la sociedad actual.
Palabras clave: La cultura; la Geografía; la Ciencia, la
Lenguage, la Identidad.
30
FERRAZ, C. B. O O ESTUDO GEOGRÁFICO DOS ELEMENTOS CULTURAIS...
Introdução:
Este artigo visa apresentar algumas genéricas ponderações quanto às possibilidades
do estudo científico da Geografia tecer análises sobre os aspectos culturais da realidade
social.
Não se objetiva aqui esgotar o assunto, mesmo por que tal pretensão é
megalomaniacamente impossível, mas tão somente esboçar certas considerações, de
caráter mais didático e introdutório, que a leitura dos fenômenos culturais potencializam
na direção de se ampliar o entendimento do discurso científico da Geografia, assim como
de também apresentar algumas temáticas e perspectivas teóricas sobre a função social
desse ramo do saber humano a partir de nossas pesquisas e reflexões realizadas no
interior do Grupo de Pesquisa Linguagens Geográficas.
Antes de darmos início às nossas considerações, demarca-se aqui a posição de
que, apesar de focarmos a questão cultural, isso não significa que estaremos fazendo a
denominada Geografia Cultural.
Entendemos que a Geografia se organiza enquanto saber científico a partir de um
edifício lingüístico que a demarca e estimula para o diálogo com as demais esferas do
conhecimento (arte, cotidiano, místico e outras ciências). É através de sua linguagem
própria, a qual está sempre em processo de construção, que o discurso geográfico
estabelece sua identidade e significação social.
Esse discurso se pauta em certos princípios, habilidades, conceitos e categorias
comuns, os quais, apesar de possuírem denominações específicas, sofrem mudanças
interpretativas e de sentido conforme as características sócio-espaciais em vigor. Por
conseguinte, não devemos confundir os termos e palavras com que denominamos os
fenômenos e as manifestações de ordem espacial com a realidade concreta dos mesmos.
Sendo a linguagem, e as palavras que a constitui, uma construção sócio-cultural,
esta carrega em si todo o jogo de significações e simbologias que as relações humanas
produzem em acordo com as condições técnicas, tecnológicas, políticas e ideológicas de
cada época e lugar.
Diante disso, por exemplo, tomar a palavra “paisagem” como se fosse a expressão
exata da realidade de um fenômeno em si, tende a comprometer o próprio entendimento
da realidade que se representa através desse conceito, pois não percebe que o termo é
fruto de determinados usos e costumes socialmente construídos em lugar e situação
específicos, não podendo ser empregado em todas as condições e contextos com o mesmo
significado.
A simbologia presente em um termo ou idéia toma determinada significação através
do jogo de significados que a sociedade, em conformidade às contradições que a organiza
com certa singularidade espacial, tende a elaborar.
Tal consideração se aplica também aos termos e palavras com que se
compartimentam e se especializam os ramos do saber científico, como é o caso da
 31
Terra Livre - n. 29 (2): 29-50, 2007
Geografia. Muitos não entendem que entre a denominação de uma área do saber e a
existência concreta desta, ou sua naturalização enquanto elemento do real, existe uma
grande diferença.
Achar que o termo Geografia Cultural expressa uma parte da realidade, a qual
deve sofrer dos mesmos processos de abordagens das tradicionais análises geográficas
para assim ser mais bem mensurada, catalogada e representada teoricamente, é um
complicador do discurso geográfico.
Não existe Geografia Cultural enquanto tal, assim como não existe Geografia
Humana, Física etc., o que existe de fato é a realidade em sua diversidade de manifestações
e fenômenos, os quais podem ser interpretados pela organização discursiva e lingüística
de cada ciência.
Portanto, as manifestações e práticas culturais podem ser estudadas por diversos
ramos do saber, incluindo-se aí a Geografia, mas isso não significa que exista uma coisa,
uma entidade ou expressão da realidade que seja a “Geografia Cultural”. Essa denominação
visa mais atender uma necessidade de especialização e burocratização institucional da
pesquisa científica do que delimitar a existência de um fato em si.
A Geografia pode auxiliar no melhor entendimento dos elementos culturais a partir
de como a sociedade atual os utiliza ou os experimenta no sentido de sua lógica e dinâmica
espacial, isso é o que realmente importa e, para tal, torna-se necessário redimensionar o
vocabulário geográfico, assimcomo suas práticas e referenciais, de maneira a melhor
contribuir para a interpretação do mundo em sua dinâmica contemporânea.
Os fatores e elementos culturais tomam na sociedade atual importância cada vez
mais central, tanto no aspecto de congregar o processo de reprodução e acumulação
capitalista, assim como de divulgar e propagar os valores, percepções e comportamentos
definidores das atuais relações, tanto sociais quanto individuais.
O papel das diversas mídias, atrelado às novas tecnologias e técnicas de informação
e comunicação, assim como o caráter cada vez mais presente dos referenciais imagéticos
e estetizantes delineadores e delineados pelas perspectivas e necessidades humanas, faz
com que o complexo cultural possua uma presença espacial nunca antes vista.
A Cultura, entendida aqui em seu sentido mais amplo possível, desenvolveu
contemporaneamente formas diversas de manifestações, assim como dinamizou as relações
de disputa pelo poder e as de construção de identidades sócio-individuais, tanto em nível
local quanto global. Perante esses fatos, cobra-se da Geografia a elaboração de parâmetros
que permitam uma melhor leitura dessa nova ordem espacial, permitindo estabelecer
sentidos de orientação e localização mais próximos das condições de existência do ser
humano no interior desse processo.
O artigo aqui visa contribuir nessa direção, para tal, sistematiza algumas
interpretações pertinentes ao estudo geográfico do conceito e idéia de cultura, assim
como apresenta um rápido histórico de como a geografia oficial incorporou e desenvolveu
o estudo do universo da cultura no interior da área chamada “Geografia Cultural” e,
32
fechando o artigo, propõe alguns temas e abordagens à Geografia a partir de novas
formas de abordagens dos referenciais culturais e da construção necessária de um novo
fazer científico. Insistimos, estas idéias e sistematizações aqui apresentadas não são
únicas nem se encontram acabadas, mas são possíveis e entendemos necessárias para
melhor compreendermos as linguagens geográficas que permeiam nosso viver.
Cultura e Geografia – pontos de contato e novas possibilidades:
O entendimento sobre Cultura nos estudos geográficos tem seu processo de
sistematização e institucionalização a partir do século XIX, em decorrência das novas
técnicas de registro e transmissão de informações, assim como das necessidades colocadas
pelo arranjo capitalista de identificar e mensurar os diversos territórios passíveis de
exploração e controle econômico.
Nesse sentido, Cultura é inicialmente tomada como uma série de artefatos e práticas
(roupas, técnicas de trabalho, alimentação, religião, língua, escrita, os utensílios, a moradia,
arquitetura etc.) que possibilitariam caracterizar determinado arranjo sócio-paisagístico,
viabilizando certa identidade regional passível de ser mapeada.
Essa delimitação territorial permitia identificar a relação dos povos com seus
ambientes, estabelecendo o sentido de unidade e a consolidação da desejada identidade
regional até a escala do Estado-Nação.
A partir da identificação e caracterização de determinado povo com um território
devidamente delimitado e mensurado, tornava-se viável organiza-lo ao redor de uma
estrutura jurídico-política caracterizada como Estado-Nação, a qual, em nome dos
processos civilizatórios e desenvolvimentistas, implementava determinadas práticas de
controle social e de administração territorial comuns a todos os povos articulados por
esse modelo, ou seja, ao longo da superfície do globo terrestre, o território seria dividido
em porções político-administrativas pautadas na mesma estrutura organizacional e
ideológica do Estado-Nação, sendo esse o referencial científico que instituía a consolidação
da lógica econômica do capital.
Formalizava-se assim o modelo único de progresso e organização sócio-territorial
dos diversos povos e nações, sendo a cultura o elemento central na caracterização das
identidades em cada “porção” do espaço mundializado do capital.
Como os veículos de acumulação capitalista ao longo do século XIX se pautavam
nos mecanismos de conquistas e domínios territoriais, os aspectos culturais acabavam
tomando contornos ideológicos que confundiam os conflitos sociais com os processos de
independência territorial e de autonomia do Estado-Nação correspondente.
Os estudos culturais tiveram grande importância no período, exatamente por
contribuir para a elaboração dessas identidades territoriais e por definirem um projeto
evolutivo-desenvolvimentista dessas nações a partir dos referenciais econômicos e culturais
das chamadas nações mais civilizadas.
FERRAZ, C. B. O O ESTUDO GEOGRÁFICO DOS ELEMENTOS CULTURAIS...
 33
Contudo, após a consolidação do modelo de gerenciamento territorial do Estado-
Nação, ao adentrar o século XX, as disputas territoriais desembocaram em conflitos
beligerantes entre as grandes nações imperialistas, o que comprometeu o próprio processo
de acumulação capitalista em escala ampliada. Paralelo a isso, com as novas técnicas de
comunicação e circulação (rádio, telefone, cinema, automóvel, avião etc.) os tradicionais
processos de pesquisas, sistematizações e divulgação dos dados ficaram obsoletos em
relação aos interesses e necessidades, tanto dos Estados como do conjunto social.
O rádio e o cinema, por exemplo, podiam apresentar informações dos diversos
lugares do mundo atualizadas cotidianamente e com imagens consideradas reais dos
lugares, de maneira mais prazerosa e dinâmica que os textos científicos e didáticos. A
forma e a velocidade que os veículos comunicativos apresentavam a diversidade do mundo
interferiram nas formas de percepção com que os homens liam e valorizavam o mundo e
os lugares.
A conseqüência disso para o discurso científico da Geografia foi um distanciamento
cada vez maior entre as pesquisas e estudos sobre os aspectos culturais e o conjunto de
informações que os Estados imperialistas então cobravam da ciência.
As disputas imperialistas por domínios territoriais levaram a duas guerras de caráter
mundial, assim como os conflitos sociais desembocaram nos projetos de libertação da
classe trabalhadora amalgamados com a autonomia de Estados que se assumiram como
Socialistas.
Durante a chamada “Guerra Fria” os confrontos imperialistas por domínios
territoriais se polarizaram em dois blocos de nações, sendo que os elementos culturais
atendiam aos parâmetros dessa disputa.
No interior do bloco capitalista o que se colocava era a disputa de uma cultura
popular de caráter nacional contra uma cultura dominante de aspecto imperialista
internacional. Já nos países do bloco socialista, a questão que se colocava era a criação
de uma cultura internacional da classe trabalhadora orquestrada pelo Estado, contudo,
esse modelo universal de cultura proletária socialista se conflitava com os elementos das
diversas expressões culturais populares no interior de cada “nação”.
Nos países da periferia do sistema econômico, com graves problemas sociais, essa
disputa geopolítica adquiria um tempero especial em decorrência da adoção do modelo
desenvolvimentista capitaneados pelos países centrais, fazendo que o ideal de progresso
se travestisse de urbanização acelerada, aumentando ainda mais a disparidade sócio-
econômica e ampliando os processos de marginalização e conflitos sociais.
Em países como esses, como foi o caso brasileiro, o sentido de cultura estava
parametrizado em reforçar o aspecto de atraso cultural das populações rurais, com seus
ritmos determinados pelos processos naturais, as grandes distâncias a serem percorridas
por veículos e meios de transportes lentos e de baixa tecnologia, assim como a dificuldade
que representavam essas camadas populacionais rurais de se inserirem nos mecanismos
de consumo e de controle fiscalizatório, tão necessários à reprodução econômica e política
Terra Livre - n.

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