C a p í t u l o 6 FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Álvaro Réa Neto 35 INTRODUÇÃO CORAÇÃO Eletrofisiologia do coração Ciclo cardíaco Circulação coronária Débito cardíaco CIRCULAÇÃO SISTÊMICA Fluxo sanguíneo Controle da circulação sistêmica Controle da pressão arterial FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO Transporte de oxigênio Cascata de oxigênio Transporte de oxigênio no sangue Uso metabólico do oxigênio pelas células Troca de gases no tecido O equivalente circulatório REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INTRODUÇÃO O sistema cardiovascular circula o sangue através dos va- sos e capilares pulmonares e sistêmicos com o propósito de troca de oxigênio, gás carbônico, nutrientes, produtos de de- gradação e água nos tecidos periféricos e nos pulmões.1,2 Ele é composto pelo coração e dois sistemas vasculares: as circu- lações sistêmica e pulmonar (Fig. 6-1). O coração, por sua vez, possui os ventrículos direito e esquerdo que funcionam como bombas em série, ejetando sangue através de dois sistemas vasculares – a circulação pulmonar de baixa pressão, onde ocorre a troca gasosa (captação de oxigênio e liberação de gás carbônico pela hemoglobina circulante nas hemácias), e a cir- culação sistêmica que distribui sangue aos órgãos individuais, suprindo as suas demandas metabólicas.1 O fluxo e a pressão sanguínea estão sob intenso controle do sistema nervoso au- tônomo. Este sistema cardiovascular temmuitas funções diferen- tes, dependendo dos tecidos e órgãos que recebem seus su- primentos.1,2 A transferência de oxigênio e gás carbônico en- tre os pulmões e os tecidos periféricos parece ser o papel fundamental deste sistema.3,4 Mas os vasos gastrointestinais absorvem nutrientes dos intestinos e perfundem o fígado. A circulação renal é essencial para a manutenção da hemosta- sia da água e eletrólitos e eliminação de produtos de degra- dação celular e o sistema cardiovascular, também é funda- mental na distribuição dos líquidos nos diversos comparti- mentos extracelulares, na distribuição de hormônios nos ór- gãos-alvo e no transporte de células e substâncias essenciais para a imunidade e coagulação. CORAÇÃO O coração é composto por quatro câmaras e divide-se em dois lados, direito e esquerdo, cada um dotado de um átrio e um ventrículo.1 Os átrios agem como reservatórios de sangue venoso, possuindo leve ação de bombeamento para o enchi- mento ventricular. Em contraste, os ventrículos são as grandes câmaras de propulsão para a remessa de sangue à circulação pulmonar (ventrículo direito) e sistêmica (ventrículo esquerdo). O ventrículo esquerdo é de formato cônico e tem a missão de gerar maior quantidade de pressão do que o direito, sendo, portanto, dotado de paredemuscularmais espessa. Quatro vál- vulas asseguram a direção única do fluxo do átrio para o ventrí- culo (valvas atrioventriculares, tricúspide emitral) e depois para as circulações arteriais (valvas semilunares, pulmonar e aórtica). Omiocárdio é composto por célulasmusculares quepodemso- frer contração espontânea e tambémpor célulasmarca-passo e de condução dotadas de funções especializadas. Eletrofisiologia do coração A contração domiocárdio resulta de uma alteração na volta- gem, através da membrana celular (despolarização), que leva ao surgimento de um potencial de ação.1,2 A contração miocárdica normalmente ocorre como resposta a esta despolarização (Fig. 6-2). Este impulso elétrico inicia-se no nodo sinoatrial (SA), com- postopor uma coleçãode célulasmarca-passo, localizadona jun- ção do átrio direito com a veia cava superior. Tais células especia- lizadas despolarizam-se espontaneamente, ocasionando uma onda de contração que passa cruzando o átrio. Após a contração atrial, o impulso sofre um retardo no nodo atrioventricular (AV), localizado na parede septal do átrio direito. A partir daí, as fibras de His-Purkinje promovem a rápida condução do impulso elétri- co através de suas ramificações direita e esquerda, ocasionando quase que simultaneamente a despolarização de ambos os ven- trículos num tempo de aproximadamente 0,2 segundo após a chegada do impulso inicial no nodo sinoatrial. A despolarização da membrana celular miocárdica ocasiona grande elevação na concentraçãode cálcio no interior da célula, que por sua vez cau- sa contração através da ligação temporária entre duas proteínas, actina emiosina.Opotencial de ação cardíacoémais prolongado que o domúsculo esquelético, e durante esse tempo a célulami- ocárdica não responde a novos estímulos elétricos.2 36 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA Fig. 6-1. Estrutura esquemática do sistema cardiovascular. AD AP VP Capilares pulmonares Capilares sistêmicos Vênulas Arteríolas Grandes veias Artérias VD AE VE Fig. 6-2. Potencial de ação ventricular seguido de contração mecânica. Potencial de ação Contração +30 -90 mV 1 0 2 3 4 250 ms Ciclo cardíaco As relações entre os eventos elétrico e mecânico do ciclo cardíaco estão resumidas na Figura 6-3. Existe um ciclo semelhante em ambos os lados do cora- ção, mas as pressões do ventrículo direito e das artérias pul- monares são menores que as do ventrículo esquerdo e aor- ta.1,2,4 Sístole refere-se a contração e diástole a relaxamento. A contração e o relaxamento podem ser isométricos, quando ocorrem alterações na pressão intraventricular sem modifica- ção no comprimento das fibras musculares. O ciclo inicia-se no nodo sinoatrial com uma despolarização que leva à contra- ção do átrio. Durante este tempo o fluxo sanguíneo no interi- or dos ventrículos é passivo, mas a contração atrial aumenta o seu enchimento em 20 a 30%. A sístole ventricular ocasiona o fechamento das valvas atrioventriculares (1ª bulha cardíaca) sendo que a contração é isométrica até que as pressões intra- ventriculares tornem-se suficientes para abrir as valvas pulmo- nar e aórtica, dando início à fase de ejeção. O volume de san- gue ejetado é conhecido como volume de ejeção. Ao final desta fase ocorre o relaxamento ventricular e o fechamento das valvas pulmonar e aórtica (2ª bulha cardíaca). Após o rela- xamento isovolumétrico, as pressões ventriculares diminuem mais do que as pressões atriais. Isso leva à abertura das valvas atrioventriculares e ao início do enchimento ventricular dias- tólico. Todo o ciclo então se repete na seqüência de outro im- pulso a partir do nodo sinoatrial. Circulação coronária O suprimento cardíaco domiocárdio é fornecido pelas ar- térias coronárias que corrempela superfície do coração e divi- dem-se em ramos colaterais para o endocárdio (camada inter- na do miocárdio).1,4 A drenagem venosa é efetuada principalmente através do seio coronário no átrio direito,mas umapequena porçãode san- gue flui diretamentenos ventrículos atravésdas veias deTebésio, liberando sangue não oxigenado para a circulação sistêmica. 37Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Fig. 6-3. Ciclo cardíaco. 120 80 0 Pulso venoso jugular P r e s s ã o ( m m H g ) Enchimento ventricular Contração atrial Contração ventricular isovolumétrica Ejeção ventricular Relachamento ventricular isovolumétrico Enchimento ventricular Pressão atrial Pressão ventricular Pressão aórtica QRS Eletrocardiograma P T a c v y x S1 S2Fonocardiograma A extração de oxigênio, pelos tecidos, está na dependência do consumo e da oferta. O consumo de oxigênio do miocárdio é mais elevadoqueodosmúsculos esqueléticos (nomiocárdio são extraídos 65% do oxigênio arterial, nos músculos esqueléticos, 25%). Assim, qualquer aumento na demandametabólica domio- cárdio deve ser compensado por uma elevação do fluxo sanguí- neo coronário. Esta resposta é local, mediada por alterações do tônus da artéria coronária, com apenas uma pequena participa- ção do