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Fisiologia Cardiovascular - capítulo 6

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C a p í t u l o 6
FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Álvaro Réa Neto
35
INTRODUÇÃO
CORAÇÃO
Eletrofisiologia do coração
Ciclo cardíaco
Circulação coronária
Débito cardíaco
CIRCULAÇÃO SISTÊMICA
Fluxo sanguíneo
Controle da circulação sistêmica
Controle da pressão arterial
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
Transporte de oxigênio
Cascata de oxigênio
Transporte de oxigênio no sangue
Uso metabólico do oxigênio pelas células
Troca de gases no tecido
O equivalente circulatório
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
O sistema cardiovascular circula o sangue através dos va-
sos e capilares pulmonares e sistêmicos com o propósito de
troca de oxigênio, gás carbônico, nutrientes, produtos de de-
gradação e água nos tecidos periféricos e nos pulmões.1,2 Ele
é composto pelo coração e dois sistemas vasculares: as circu-
lações sistêmica e pulmonar (Fig. 6-1). O coração, por sua vez,
possui os ventrículos direito e esquerdo que funcionam como
bombas em série, ejetando sangue através de dois sistemas
vasculares – a circulação pulmonar de baixa pressão, onde
ocorre a troca gasosa (captação de oxigênio e liberação de gás
carbônico pela hemoglobina circulante nas hemácias), e a cir-
culação sistêmica que distribui sangue aos órgãos individuais,
suprindo as suas demandas metabólicas.1 O fluxo e a pressão
sanguínea estão sob intenso controle do sistema nervoso au-
tônomo.
Este sistema cardiovascular temmuitas funções diferen-
tes, dependendo dos tecidos e órgãos que recebem seus su-
primentos.1,2 A transferência de oxigênio e gás carbônico en-
tre os pulmões e os tecidos periféricos parece ser o papel
fundamental deste sistema.3,4 Mas os vasos gastrointestinais
absorvem nutrientes dos intestinos e perfundem o fígado. A
circulação renal é essencial para a manutenção da hemosta-
sia da água e eletrólitos e eliminação de produtos de degra-
dação celular e o sistema cardiovascular, também é funda-
mental na distribuição dos líquidos nos diversos comparti-
mentos extracelulares, na distribuição de hormônios nos ór-
gãos-alvo e no transporte de células e substâncias essenciais
para a imunidade e coagulação.
CORAÇÃO
O coração é composto por quatro câmaras e divide-se em
dois lados, direito e esquerdo, cada um dotado de um átrio e
um ventrículo.1 Os átrios agem como reservatórios de sangue
venoso, possuindo leve ação de bombeamento para o enchi-
mento ventricular. Em contraste, os ventrículos são as grandes
câmaras de propulsão para a remessa de sangue à circulação
pulmonar (ventrículo direito) e sistêmica (ventrículo esquerdo).
O ventrículo esquerdo é de formato cônico e tem a missão de
gerar maior quantidade de pressão do que o direito, sendo,
portanto, dotado de paredemuscularmais espessa. Quatro vál-
vulas asseguram a direção única do fluxo do átrio para o ventrí-
culo (valvas atrioventriculares, tricúspide emitral) e depois para
as circulações arteriais (valvas semilunares, pulmonar e aórtica).
Omiocárdio é composto por célulasmusculares quepodemso-
frer contração espontânea e tambémpor célulasmarca-passo e
de condução dotadas de funções especializadas.
Eletrofisiologia do coração
A contração domiocárdio resulta de uma alteração na volta-
gem, através da membrana celular (despolarização), que leva ao
surgimento de um potencial de ação.1,2 A contração miocárdica
normalmente ocorre como resposta a esta despolarização (Fig.
6-2). Este impulso elétrico inicia-se no nodo sinoatrial (SA), com-
postopor uma coleçãode célulasmarca-passo, localizadona jun-
ção do átrio direito com a veia cava superior. Tais células especia-
lizadas despolarizam-se espontaneamente, ocasionando uma
onda de contração que passa cruzando o átrio. Após a contração
atrial, o impulso sofre um retardo no nodo atrioventricular (AV),
localizado na parede septal do átrio direito. A partir daí, as fibras
de His-Purkinje promovem a rápida condução do impulso elétri-
co através de suas ramificações direita e esquerda, ocasionando
quase que simultaneamente a despolarização de ambos os ven-
trículos num tempo de aproximadamente 0,2 segundo após a
chegada do impulso inicial no nodo sinoatrial. A despolarização
da membrana celular miocárdica ocasiona grande elevação na
concentraçãode cálcio no interior da célula, que por sua vez cau-
sa contração através da ligação temporária entre duas proteínas,
actina emiosina.Opotencial de ação cardíacoémais prolongado
que o domúsculo esquelético, e durante esse tempo a célulami-
ocárdica não responde a novos estímulos elétricos.2
36 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-1. Estrutura esquemática do sistema cardiovascular.
AD
AP VP
Capilares
pulmonares
Capilares
sistêmicos
Vênulas Arteríolas
Grandes
veias
Artérias
VD
AE
VE
Fig. 6-2. Potencial de ação ventricular seguido de contração
mecânica.
Potencial de ação
Contração
+30
-90
mV
1
0
2
3
4
250 ms
Ciclo cardíaco
As relações entre os eventos elétrico e mecânico do ciclo
cardíaco estão resumidas na Figura 6-3.
Existe um ciclo semelhante em ambos os lados do cora-
ção, mas as pressões do ventrículo direito e das artérias pul-
monares são menores que as do ventrículo esquerdo e aor-
ta.1,2,4 Sístole refere-se a contração e diástole a relaxamento. A
contração e o relaxamento podem ser isométricos, quando
ocorrem alterações na pressão intraventricular sem modifica-
ção no comprimento das fibras musculares. O ciclo inicia-se
no nodo sinoatrial com uma despolarização que leva à contra-
ção do átrio. Durante este tempo o fluxo sanguíneo no interi-
or dos ventrículos é passivo, mas a contração atrial aumenta o
seu enchimento em 20 a 30%. A sístole ventricular ocasiona o
fechamento das valvas atrioventriculares (1ª bulha cardíaca)
sendo que a contração é isométrica até que as pressões intra-
ventriculares tornem-se suficientes para abrir as valvas pulmo-
nar e aórtica, dando início à fase de ejeção. O volume de san-
gue ejetado é conhecido como volume de ejeção. Ao final
desta fase ocorre o relaxamento ventricular e o fechamento
das valvas pulmonar e aórtica (2ª bulha cardíaca). Após o rela-
xamento isovolumétrico, as pressões ventriculares diminuem
mais do que as pressões atriais. Isso leva à abertura das valvas
atrioventriculares e ao início do enchimento ventricular dias-
tólico. Todo o ciclo então se repete na seqüência de outro im-
pulso a partir do nodo sinoatrial.
Circulação coronária
O suprimento cardíaco domiocárdio é fornecido pelas ar-
térias coronárias que corrempela superfície do coração e divi-
dem-se em ramos colaterais para o endocárdio (camada inter-
na do miocárdio).1,4
A drenagem venosa é efetuada principalmente através do
seio coronário no átrio direito,mas umapequena porçãode san-
gue flui diretamentenos ventrículos atravésdas veias deTebésio,
liberando sangue não oxigenado para a circulação sistêmica.
37Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-3. Ciclo cardíaco.
120
80
0
Pulso venoso
jugular
P
r
e
s
s
ã
o
(
m
m
H
g
)
Enchimento
ventricular
Contração
atrial
Contração
ventricular
isovolumétrica
Ejeção
ventricular
Relachamento
ventricular
isovolumétrico
Enchimento
ventricular
Pressão atrial
Pressão
ventricular
Pressão aórtica
QRS
Eletrocardiograma
P T
a
c
v
y
x
S1 S2Fonocardiograma
A extração de oxigênio, pelos tecidos, está na dependência do
consumo e da oferta. O consumo de oxigênio do miocárdio é
mais elevadoqueodosmúsculos esqueléticos (nomiocárdio são
extraídos 65% do oxigênio arterial, nos músculos esqueléticos,
25%). Assim, qualquer aumento na demandametabólica domio-
cárdio deve ser compensado por uma elevação do fluxo sanguí-
neo coronário. Esta resposta é local, mediada por alterações do
tônus da artéria coronária, com apenas uma pequena participa-
ção dosistema nervoso autônomo.
Débito cardíaco
O débito cardíaco (DC) é o produto entre a freqüência
cardíaca (FC) e o volume sistólico (VS).4,5
DC = FC ! VS
Para um homem com 70 kg os valores normais são: FC =
72/min e VS= 70ml, fornecendo um rendimento cardíaco de
aproximadamente 5 litros/minuto. O índice cardíaco (IC) é o
débito cardíaco pormetro quadrado da área de superfície cor-
poral. Os valores normais variam de 2,5 a 4,0 litros/min/m.6
A freqüência cardíaca é determinada pelo índice de velo-
cidade da despolarização espontânea no nodo sinoatrial (ver
acima), podendo ser modificada pelo sistema nervoso autô-
nomo. O nervo vago atua nos receptores muscarínicos redu-
zindo a freqüência cardíaca, ao passo que as fibras simpático-
cardíacas estimulam os receptores beta-adrenérgicos, elevan-
do-a.
O volume sistólico é o volume total de sangue ejetado
pelo ventrículo durante uma sístole e é determinado por três
fatores principais: pré-carga, pós-carga e contratilidade, con-
siderados a seguir:
" Pré-carga: é o volumeventricular no final dadiástole. A eleva-
ção da pré-carga leva ao aumento do volume de ejeção. A
pré-carga depende principalmente do retorno do sangue
venosocorporal.3,5 Por suavez,o retornovenosoé influencia-
do por alterações da postura, pressão intratorácica, volume
sanguíneo e do equilíbrio entre a constrição e dilatação (tô-
nus) no sistema venoso. A relação entre o volume diastólico
final do ventrículo e o volume de ejeção é conhecida como
Lei Cardíaca de Starling, determinando que o volume sistóli-
co seja proporcionalmente relacionado ao comprimento ini-
cial da fibra muscular (determinado pela pré-carga). Esta
ilustração gráfica consta na Figura 6-4.
A elevação do volume na fase final da diástole (volume
diastólico final) distende a fibra muscular, aumentando as-
simaenergiade contraçãoeovolumedeejeçãoatéumpon-
to de sobredistensão, quando então o volumede ejeção não
se elevamais ou pode até efetivamente diminuir.2,4,5 O débi-
to cardíaco tambémaumenta emparalelo como volume sis-
tólico, se não ocorrer alteração na freqüência cardíaca.
A curva A ilustra, no coração normal, a elevação do débi-
to cardíaco através do aumento no volume diastólico final
ventricular (pré-carga). Observe aqui que o aumento da con-
tratilidade ocasiona maior débito cardíaco, para uma mes-
ma quantidade de volumediastólico final do ventrículo (cur-
va D).
Na condição patológica do coração (curvas C eD) o débi-
to cardíaco não se elevamesmoquando o volume diastólico
final do ventrículo atinge níveis elevados.
" Pós-carga: é a resistência à ejeção (propulsão) ventricular
ocasionada pela resistência ao fluxo sanguíneo na saída do
ventrículo.2,4,5 Ela é determinada principalmente pela resis-
tência vascular sistêmica. Esta éuma funçãododiâmetrodas
arteríolas e esfíncteres pré-capilares e da viscosidade san-
guínea; quanto mais estreito ou mais contraído os esfíncte-
res oumaior a viscosidade,mais elevada será a resistência e,
conseqüentemente, a pós-carga. O nível de resistência sistê-
mica vascular é controlado pelo sistema simpático, que por
sua vez controla o tônus damusculatura da parede das arte-
ríolas, regulando o diâmetro. A resistência émedida emuni-
dades dedina/segundo/cm.5 A série de curvas do volume sis-
tólico comdiferentes pós-cargas estámostrada na Figura 6-5,
demonstrando a queda do débito cardíaco quando ocorrem
aumentos nas pós-cargas (desde que a freqüência cardíaca
não se altere).
As curvasmostramo comportamento do coração emdi-
ferentes estados de contratilidade, iniciando a partir da si-
tuação cardíaca normal até o choque cardiogênico.5 Essa
condição surge quando o coração se torna tão afetado pela
doençaqueodébito cardíacomostra-se incapazdemanter a
perfusão dos tecidos. Também são mostrados os níveis ele-
vados impostos pela atividade física ou a adição de inotrópi-
cos que requisitam uma elevação correspondente do rendi-
mento cardíaco.
" Contratilidade: representa a capacidade de contração do mi-
ocárdio na ausência de quaisquer alterações na pré-carga ou
pós-carga.4,5 Em outras palavras, é a “potência” do músculo
cardíaco. A influência mais importante na contratilidade é a
do sistema nervoso simpático. Os receptores beta-adre-
nérgicos são estimulados pela noradrenalina liberada pelas
terminações nervosas, aumentando a contratilidade. Um e-
38 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-4. Lei cardíaca de Starling e curvas de Starling relacionando
pré-carga com volume sistólico para diferentes estados de
contratilidade.
V
o
lu
m
e
s
is
t
ó
li
c
o
Pré-carga
D
A
B
C
Contratilidade
aumentada
Contratilidade
diminuída
Normal
Choque cardiogênico
Inotrópicos
Exercício físico
Estímulo simpático
Hipóxia e hipercapnia
Isquemia miocárdica
Depressão cardíaca
Estímulo vagal
feito semelhante pode ser observadona adrenalina circulan-
te e emdrogas comodigoxina e cálcio. A contratilidade é re-
duzidapela hipóxia, isquemiadomiocárdio, doençadomio-
cárdio e pela administração de beta-bloqueadores ou agen-
tes antiarrítmicos.
O débito cardíaco sofre modificação para adaptar-se às
alterações das demandas metabólicas corporais.4,5,6 Os ren-
dimentos apresentados por ambos os ventrículos devemser
idênticos e também iguais ao retorno venosodo sangue cor-
poral. O equilíbrio entre o débito cardíaco e o retorno veno-
so pode ser observado durante o processo de resposta à ati-
vidade física. Quando o músculo é exercitado, os vasos san-
guíneos sofrem dilatação devido ao aumento do metabolis-
mo e incremento do fluxo sanguíneo. Isso promove eleva-
ções no retorno venoso e na pré-carga do ventrículo direito.
Conseqüentemente, maior quantidade de sangue será libe-
rada para o ventrículo esquerdo, elevando o débito cardía-
co. Tambémhaverá aumentona contratilidade ena freqüên-
cia cardíaca devido à atividade simpática associada à ativida-
de física, aumentando, conseqüentemente, o débito cardía-
co para compensar as necessidades dos tecidos.
CIRCULAÇÃO SISTÊMICA
Os vasos sanguíneos sistêmicos dividem-se em artérias,
arteríolas, capilares e veias.2,7 As artérias carregam sangue aos
órgãos sob altas pressões, enquanto que as arteríolas são va-
sos menores dotados de paredes musculares que permitem
um controle direto do fluxo através de cada leito capilar (Fig.
6-6). Os capilares são constituídos por uma camada única de
células endoteliais cujas paredes delgadas permitem trocas de
nutrientes entre o sangue e os tecidos. As veias promovem o
retorno do sangue, a partir dos leitos capilares, até o coração
e contém cerca de 70% do volume sanguíneo circulante con-
trastando com os 15% representados pelo sistema arterial. As
veias atuam como reservatórios e o tônus venoso é importan-
te no processo demanutenção do retorno do sangue em dire-
ção ao coração; por exemplo, no caso de hemorragia grave
quando o estímulo simpático ocasiona venoconstrição.
Fluxo sanguíneo
A relação entre o fluxo e a pressão motriz é dada através
da fórmula deHagen-Poiseuille, a qual estabelece que o fluxo,
no interior de um tubo, é proporcional a:
Pressão motriz raio
Comprimento viscosidade
4!
!
Nos vasos sanguíneos o fluxo é de caráter pulsátil ao in-
vés de contínuo e a viscosidade varia com a velocidade do flu-
xo.7 Assim, a fórmula não é estritamente aplicável, mas serve
para ilustrar um ponto importante: pequenas modificações
no raio do vaso resultam em grandes alterações no fluxo. As
alterações na velocidade do fluxo, tanto nas arteríolas como
nos capilares, são devidas a modificações do tônus e conse-
qüentemente da circunferência dos vasos, principalmente, e
por modificações na pressão motriz e na viscosidade do san-
gue. A variável comprimento aqui não émanipulável e é relati-
vamente fixa. A pressão motriz é a diferença entre a pressão
de entrada e a pressão desaída num determinado segmento.
Por exemplo, num leito capilar ela é a diferença entre a pres-
39Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-5. Relação entre o volume sistólico e a pós-carga.
V
o
lu
m
e
s
is
tó
li
c
o
Contratilidade
aumentada
Normal
Contratilidade
diminuída
Pós-carga
Fig. 6-6. Distribuição das pressões dentro da
circulação sistêmica.120
100
80
60
40
20
P
r
e
s
s
ã
o
a
r
te
r
ia
l
m
é
d
ia
(
m
m
H
g
)
10
3
10
3
200 100
Diâmetro interno ( m)"
3 100
Grandes
artérias
Pequenas
artérias
Arteríolas
Vênulas
Veias
PVC
PMAo
Capilares
são arteriolar e a pressão venular. Neste caso, ela pode tam-
bém ser chamada de pressão de perfusão capilar.
A viscosidade descreve a tendência do líquido a resistir ao
fluxo.2,4,5 Em fluxos lentos, as células sanguíneas vermelhas
tendem a se juntar, aumentando a viscosidade, e a permane-
cer na área central do vaso. A porção de sangue mais próxima
à parede do vaso (que irriga os ramos colaterais) apresentará,
assim, um valor menor de hematócrito. Esse processo é co-
nhecido como deslizamento plasmático. A viscosidade sofre
redução na presença de anemia e o resultante incremento na
velocidade do fluxo auxilia na manutenção do transporte de
oxigênio aos tecidos.
Controle da circulação sistêmica
O tônus das arteríolas determina a velocidade do fluxo
em direção aos leitos capilares.7 Uma série de fatores influen-
cia o tônus arteriolar incluindo o controle autônomo, hormô-
nios circulantes, fatores próprios do endotélio e concentração
local de metabólitos.
Controle autônomo é amplamente dependente do siste-
ma nervoso simpático que inerva todos os vasos à exceção
dos capilares. As fibras simpáticas provêm dos segmentos to-
rácico e lombar da medula espinhal onde são controladas pe-
lo centro vasomotor da medula, que por sua vez é dotado de
zonas distintas de vasoconstrição e vasodilatação. Embora
exista uma descarga simpática basal adequada para a manu-
tenção do tônus vascular, um aumento desse estímulo afeta
mais alguns órgãos do que outros (Fig. 6-7).
Com isso ocorre uma distribuição do sangue a partir da
pele, músculo e vísceras para o cérebro, coração e rins.4,7,8 A
elevação da descarga simpática constitui-se numa das respos-
tas à hipovolemia, por exemplo, em casos de perdas sanguí-
neas graves com o propósito de proteger o suprimento san-
guíneo dos órgãos vitais. A influência simpática predominante
é a vasoconstrição através dos receptores alfa-adrenérgicos.
No entanto, o sistema simpático também pode ocasionar va-
soconstrição por estimulação de receptores beta-adrenérgi-
cos e colinérgicos, mas apenas na musculatura esquelética. A
elevação do fluxo sanguíneo que aporta aomúsculo toma par-
te importante da reação de “combate ou fuga” quando há pre-
visão de atividade física (exercício).
Hormônios circulantes como a adrenalina e angiotensina
II são potentes vasoconstritores, mas provavelmente ocasio-
nam pouco efeito agudo no mecanismo de controle cardio-
vascular. Por outro lado, fatores derivados do endotélio de-
sempenham papel importante no controle local do fluxo san-
guíneo. Tais substâncias podem tanto ser produzidas como
modificadas no endotélio vascular e incluem a prostaciclina e
o óxido nítrico, ambos potentes vasodilatadores. O acúmulo
demetabólitos comoCO2, K+, H+, adenosina e lactato ocasio-
nam vasodilatação. Essa resposta constitui-se, provavelmen-
te, num importante mecanismo de auto-regulação, processo
pelo qual o fluxo sanguíneo, através de um órgão, é controla-
do localmente permanecendo constante mesmo quando sub-
metido a amplo espectro de pressão de perfusão. A au-
to-regulação desempenha papel importante principalmente
nas circulações cerebral e renal.8,9
Controle da pressão arterial
A pressão arterial sistêmica é submetida a um controle
cuidadoso no sentido de manutenção da perfusão tecidu-
al.2,4,5 A pressão arterial média (PAM) leva em consideração o
fluxo sanguíneo pulsátil das artérias e constitui-se no melhor
valor demedida para o grau da pressão de perfusão de um ór-
gão. A PAM é definida por:
PAM = Pressão arterial diastólica + pressão de pulso/3
onde a pressão de pulso é a diferença entre as pressões
arteriais sistólica e diastólica.
A PAM é o produto entre o débito cardíaco (DC) e a
resistência vascular sistêmica (RVS).
PAM = RC ! RVS
Se o débito cardíaco decresce (p. ex.: quando o retorno
venoso diminui na hipovolemia) o valor da PAM tambémdimi-
nuirá, a não ser que surja um aumento compensatório da RVS
através da vasoconstrição das arteríolas.5,9 Essa resposta é
mediada por barorreceptores, sensores especializados da
pressão, localizados no seio carotídeo e arco da aorta e conec-
tados ao centro vasomotor. A diminuição da pressão sanguí-
nea ocasiona redução de estímulo nos barorreceptores e con-
seqüente redução na descarga que esses remetem ao centro
vasomotor. Isso causará aumento da descarga simpática, le-
vando à vasoconstrição, aumento do índice cardíaco e da con-
tratilidade, além da secreção de adrenalina. Damesmamanei-
ra, elevações da pressão sanguínea estimulam os barorrecep-
tores ocasionando elevação da descarga parassimpática car-
40 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-7. Resposta vascular ao estímulo simpático.
1
0 2 4 6 8 10
3
5
10
30
50
100
Pele
Resistência vascular
Músculo
Rim
Basal
Coração
Cérebro
díaca, através dos ramos do nervo vago, desacelerando o co-
ração. Também ocorre redução da estimulação simpática nos
vasos periféricos levando à vasodilatação.
As respostas dos barorreceptores propiciam o controle
imediato da pressão sanguínea; se a hipotensão for prolonga-
da, outros mecanismos entram em operação, como a libera-
ção de angiotensina II e aldosterona, a partir dos rins e glân-
dulas adrenais, permitindo a retenção circulatória de sais e
água e mais vasoconstrição.
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
O sistema cardiovascular deve suprir continuamente os
tecidos de nutrientes para sustentar a vida. Nossas células são
incapazes de armazenar oxigênio e necessitam deste substra-
to para gerar continuamente energia nas mitocôndrias e sus-
tentar forças vitais, como o gradiente eletroquímico das
membranas celulares, as contraçõesmusculares e a síntese de
macromoléculas complexas.9 A falta de oxigênio pode causar
lesão tecidual direta devido à exaustão de ATP ou outros in-
termediários de alta energia necessários para a manutenção
da integridade estrutural das células. Além disso, lesões celu-
lares também podem ser intensificadas por radicais livres
quando a oferta de oxigênio segue um período de disóxia
com acúmulo de adenosina e outros metabólitos celulares.
Emorganismos unicelulares, a captação deO2 e a elimina-
ção de CO2 podem ser realizadas por difusão simples a partir
do meio ambiente por causa das distâncias curtas de difusão.
Entretanto, organismos mais complexos, como o homem,
com grandes distâncias para o transporte de gases, as limita-
ções de difusão são sobrepujadas com estruturas especifica-
mente projetadas para entregar O2 e remover CO2 das bilhões
de células do nosso corpo.6 O modo ativo de vida do homem
requer uma disponibilidade abundante e contínua de O2 para
a energia necessária para trabalhar e dar apoio à vida. Várias
estruturas ajudam a realizar esta tarefa:6 1. os pulmões e sua
rede de capilares que proporcionam uma grande área de su-
perfície para troca de gases com ar de ambiente; 2. a hemoglo-
bina que funciona como portadora especializada para aumen-
tar a capacidade de carregar O2 através do sangue; e 3. um sis-
tema circulatório, que consiste no coração e no sistema vas-
cular que transporta o sangue entre os capilares de troca pul-
monares e teciduais.
Transporte de oxigênioA microcirculação tem um papel importante na oxigena-
ção tecidual porque é através de suas paredes que o oxigênio
atravessa do sangue para atingir as células dos tecidos perifé-
ricos.7 Cada tecido possui uma arquitetura damicrovasculatu-
ra que lhe é característica e que, provavelmente, foi adaptada
para as necessidades específicas daquele tecido. O oxigênio
trafega pelo sistema circulatório dos pulmões até às células,
por convecção e difusão.8 Convecção é o processo pelo qual
grandes quantidades de oxigênio podem ser transportadas
em grandes distâncias (macroscópicas). Os grandes vasos do
sistema circulatório são responsáveis pela distribuição efici-
ente do sangue oxigenado para todos os órgãos. A convecção
continua sendo importante para a distribuição do oxigênio
mesmo dentro da rede de microvasos. A difusão é um meca-
nismo eficiente de transporte de oxigênio em pequenas dis-
tâncias (frações demícron) e é omeio de transporte de oxigê-
nio dos pequenos vasos e capilares para as células.
Uma das observações mais interessantes e intrigantes
com relação ao transporte de oxigênio através dos capilares é
o alto grau de heterogeneidade da perfusão neste nível.6,8
Esta heterogeneidade se expressa pela grande variabilidade
na velocidade de trânsito das hemácias e pelo número de he-
mácias que transitam pelos capilares na unidade de tempo.
Isto se deve a falta de uniformidade nas dimensões dos capila-
res nos diversos tecidos.
Uma das funções mais importantes do sistema circulató-
rio é fornecer uma oferta adequada de oxigênio (DO2) a todos
os tecidos do organismo.6,8,9 Vários mecanismos existem para
regular esta oferta em resposta às constantes modificações
nas necessidades. Nas situações de exercício, há um aumento
global na DO2, regulada principalmente pelo sistema nervoso
autônomo com aumento na contratilidade e na freqüência
cardíaca e aumento no débito cardíaco. Na microcirculação, o
aumento na perfusão em resposta a um tecido com demanda
aumentada por oxigênio se dá por dois mecanismos: 1. uma
diminuição na resistência dos vasos pré-capilares, e 2. um au-
mento na taxa de extração de oxigênio.7,8
Cascata de oxigênio
A pressão parcial de oxigênio (PO2) apresenta uma queda
progressiva desde o ar ambiente até o interior das células, um
preço pago pelos animais multicelulares de grande porte (Fig.
6-8).6,10 A PO2 no ar ambiente ao nível do mar é de aproxima-
damente 159 mmHg (PiO2 no ar ambiente). Entretanto, no ar
inspirado há uma queda na PO2 para 149 mmHg, à medida
que o vapor de água é adicionado ao ar inspirado na via aérea
superior. A PO2 alveolar é de aproximadamente 104 mmHg
porque ar inspirado é diluído quandomisturado com ar alveo-
41Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-8. Cascata de oxigênio.
150
100
50
PO
2
Ar
quente
Traquéia Alvéolo Aorta Capilar Interstício Célula
lar rico em CO2. Posteriormente, há mais um declínio na PO2
entre o alvéolo (PAO2) e o sangue arterial (PaO2), o que é deno-
minado de diferença alvéolo-arterial de O2 (D(A-a)O2), a qual,
geralmente, é menor que 10 mmHg. Isto se deve ao peque-
no shunt fisiológico intrapulmonar (cerca de 2% do débito
cardíaco). No sangue arterial, a PO2 normal é entre 95 e 100
mmHg no nível do mar.
O transporte de moléculas livres de oxigênio entre dois
pontos é descrito pela primeira lei da difusão de Fick, que diz
que a força de movimento é a diferença de PO2 entre os dois
pontos.8,9 O local mais fácil de transporte de oxigênio do san-
gue para os tecidos é através dos capilares, devido a sua pare-
de mais fina (praticamente uma única camada de células en-
doteliais), maior superfície de contato (relação volume/área),
baixa velocidade das hemácias circulantes e uma menor dis-
tância de difusão entre os capilares e as células parenquimato-
sas. No começo do século passado, Krogh formulou um con-
ceito matemático simples no qual os capilares eram rodeados
por um cilindro concêntrico de tecido e estemodelo foi usado
para predizer a magnitude da diferença de PO2 necessária
para suprir o cilindro com oxigênio e transportar oxigênio até
as camadasmais externas do cilindro. Entretanto, nos últimos
30 anos, foi demonstrado que há perda de oxigênio já pelos
vasos pré-capilares, embora os capilares continuem a ser os
principais vasos de oxigenação tecidual.8 Uma parte conside-
rável do oxigênio perdido pelas arteríolas pré-capilares é para
as vênulas pós-capilares contíguas às arteríolas. Por isso, a PO2
capilar é bemmais baixa que a das pequenas artérias. Em situ-
ações de grande consumo de oxigênio ou de hipoperfusão,
uma parte considerável do oxigênio celular pode vir direto
das arteríolas.8
Fisiologicamente, quando o sangue arterial sai dos pul-
mões e alcança a microcirculação, sua PO2 ainda é cerca de 95
mmHg, mas nos capilares e no líquido intersticial a PO2 média
é de 40 mmHg e somente cerca de 23 mmHg dentro das célu-
las. A PO2 capilar média é a mesma do líquido intersticial e,
conseqüentemente, a PO2 média das vênulas também é de 40
mmHg. Portanto, fisiologicamente, existe uma tremenda dife-
rença de pressão inicial (cerca de 40 para 23 mmHg), o que
leva o oxigênio a se difundir muito rapidamente do sangue
aos tecidos.6,9,10
Transporte de oxigênio no sangue
Quando o sangue do capilar pulmonar se equilibra com ar
alveolar, a quantidade de oxigênio fisicamente dissolvida no
plasma é de apenas 0,3 ml de O2/100 ml de sangue (0,3 vol%).
É esta pequena quantidade de oxigênio que é medida na PO2
de 95 mmHg. Quase todo o oxigênio transportado pelo san-
gue está reversivelmente ligado à hemoglobina contida den-
tro das hemácias.9,11 Dentro dos níveis normais de hemoglo-
bina, 98% do oxigênio contido no sangue está ligado nesta
forma. Então, o movimento das hemácias representa uma for-
ma substancial de transporte de oxigênio. A baixa solubilida-
de do oxigênio no plasma resulta numa quantidade negligen-
ciável de seu transporte no sangue, exceto sob condições de
alta tensão de oxigênio. O conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2) é dado pela seguinte fórmula:9
CaO2 = (Hb ! SaO2 ! 1,34) + (PaO2 ! 0,0031)
onde, Hb é a concentração de hemoglobina no sangue
(em g/dl), SaO2 é a saturação arterial de oxigênio (em%), 1,34 é
a capacidade máxima de oxigênio que 1 g de Hb é capaz de
carregar, PaO2 é a pressão parcial arterial de oxigênio e 0,0031
é o coeficiente de solubilidade do oxigênio no plasma. Em
uma pessoa normal, o CaO2 é (15 ! 0,98 ! 1,34) + (95 !
0,0031), ou 19,69 + 0,29, ou aproximadamente 20 ml de
O2/dl de sangue arterial. Embora quase todo o oxigênio seja
transportado ligado à Hb, a PaO2 é essencial porque é ela que
determina a quantidade de oxigênio carregado pela hemoglo-
bina (e, portanto, o conteúdo arterial de oxigênio).11
As hemácias são uma forma ideal de transporte de oxigê-
nio. A hemácia tem a forma de umdisco bicôncavo, o que per-
mite expansão de volume e diminuição nas distâncias de difu-
são extracelular.6,10 Amembrana da hemácia é livremente per-
meável a H2O, CO2 e O2, e exibe consideravelmente mais per-
meabilidade a ânions que a cátions. Esta membrana é imper-
meável à hemoglobina (Hb), seu principal constituinte. É a he-
moglobina dentro da hemácia que se combina com o O2 e o
transporta aos tecidos. Cada molécula de Hb é capaz de se
combinar com 4 moléculas de oxigênio. Isto fornece uma ca-
pacidade máxima de combinação de 1,34 ml de O2/g de Hb.
Quando oxigênio combina-se com a Hb, ela é apropriada-
mente denominada de oxiemoglobina (oxi-Hb). Quando a Hb
está totalmente livre de O2 ela tem uma afinidade relativa-
mente baixa para o O2. Entretanto, as cadeias de polipeptídio
da Hb interagem de tal maneira que uma vez tendo a primeira
molécula de O2 se unido à Hb, há um aumento na facilidade
de união com outras moléculas de O2. Esta característica ex-
plica a curva de dissociação de oxiemoglobina na forma sig-
moidal (Fig. 6-9).6A quantidade de O2 que se une à Hb é rela-
cionada à PO2 do plasma adjacente. No capilar pulmonar nor-
mal, a PO2 do plasma é normalmente quase o mesmo da PO2
alveolar.11 A extensão da combinação do O2 com a Hb é deno-
minada de saturação da Hb e é medida em porcentagem da
capacidade total (SO2). A curva de dissociação de oxiemoglo-
bina é formada pela plotagem da SO2 como uma função da
PO2. A Hb torna-se aproximadamente 100% saturada com oO2
(SO2 = 100%) quando a PO2 atinge cerca de 250 mmHg. Nor-
malmente, a Hb arterial encontra-se tipicamente 97,5% satura-
da (SaO2 de 97,5%) em uma PO2 alveolar normal de 95-100
mmHg por causa da forma rara sigmoidal da curva de dissoci-
ação da oxi-Hb. O sangue venoso da artéria pulmonar tem
uma PO2 normal de 40 mmHg e a SvO2 normal é de 75%.
Então, o conteúdo de O2 aumenta no pulmão de cerca de 15
ml/dl de sangue para 20 ml/dl. Normalmente, um paciente
adulto com cerca de 70 kg, 15 g/dl de Hb e débito cardíaco de
5 l/min, acrescenta 250 ml de oxigênio no sangue do capilar
pulmonar por minuto.9
42 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
A forma de sigmoidal da curva de dissociação de oxi-Hb
tem importância fisiológica tanto para carregar a Hb de O2
nos pulmões quanto para descarregar O2 nos capilares tecidu-
ais.6,10 Notem que a porção superior da curva, entre uma PO2
de 70 a 100 mmHg, é quase plana. Esta porção da curva fre-
qüentemente é referida como a parte de associação da curva
porque é importante no carregamento de O2 (a associação do
O2 com a Hb) no capilar pulmonar. A parte de associação da
curva assegura uma oxigenação da maior parte da Hb mesmo
quando a PO2 alveolar é diminuída devido à altitude ou a do-
ença pulmonar. A SO2 diminui de 97,5% numa PO2 de 100
mmHg para 92% numa PO2 de 70mmHg, ou seja, umamudan-
ça de apenas 1,0 ml/dl no conteúdo O2 de sangue. Assim, esta
porção plana da curva de dissociação de oxi-Hb assegura um
carregamento quase normal da Hb com O2 mesmo quando a
PO2 alveolar é abaixo do normal.6
Por outro lado, a parte inclinada da curva, entre uma PO2 de
20 a 50mmHg, é denominada a porção de dissociação da cur-
va. A porção de dissociação da curva é importante nos capila-
res teciduais onde uma quantia grande de O2 pode ser descar-
regada com umamudança relativamente pequena na PO2. Por
exemplo, uma diminuição no PO2 de 50 a 20 mmHg reduz o
conteúdo O2 de sangue para mais de 10 ml/dl ou aproximada-
mente 50%. Assim, uma porção relativamente grande do O2
carregada pela Hb estará disponível para uso pelos tecidos
mesmo comumamudança relativamente pequena na PO2. Em
outras palavras, a Hb libera uma quantia relativamente grande
de O2 para uma mudança pequena no PO2.8 A transição da
porção de associação para a porção de dissociação da curva
ocorre normalmente numa PO2 ao redor de 60 mmHg. A
curva é muito inclinada para baixo, e relativamente plana aci-
ma desta PO2.
A P50 é definida como a PO2 do sangue emque 50% da Hb
está saturada de oxigênio. Normalmente, a P50 normal é de
26,6 mmHg. A curva de dissociação de oxi-Hb é também ca-
paz de se desviar à direita ou à esquerda.6,8,10 Um aumento na
PCO2 do sangue ou na concentração do íon de hidrogênio
(acidemia) desvia a curva para a direita, ao passo que uma di-
minuição em PCO2 ou alcalemia desvia a curva para a esquer-
da. Estes desvios na dissociação de oxi-Hb devido às variações
na PCO2 ou no pH do sangue são denominados de efeito Bohr.
Um aumento na temperatura do sangue ou na concentração
eritrocitária da 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) também desvi-
am a curva de dissociação de oxi-Hb para a direita, enquanto
uma diminuição na temperatura ou na 2,3-DPG desviam a cur-
va para a esquerda. Uma mudança na curva de dissociação de
oxi-Hb para a direita significa quemais O2 é liberado para uma
dada diminuição na PO2. Dito de outra forma, uma mudança
na curva para a direita indica que a afinidade de Hb para O2 é
reduzida, de modo que para uma dada PO2 no plasma, mais
O2 é libertado da Hb para os tecidos. Em contraste, uma mu-
dança na curva para a esquerda significa quemais O2 será uni-
do a Hb (afinidade aumentada) para uma dada PO2 emenosO2
está disponível aos tecidos ou é libertado da Hb para uma
dada PO2.
Pouca mudança significativa ocorre na porção de associa-
ção da curva de oxi-Hb com os desvios para a direita ou a es-
querda, mas grandes modificações ocorrem na porção de dis-
sociação da curva.6 Desvios da curva para a direita significam
maior PO2 no plasma para ummesmo conteúdo de O2 no san-
gue. Esta maior PO2 plasmática na periferia aumenta o gradi-
ente de oxigênio entre o capilar e as células, facilitando a ofer-
ta de O2. Um tecido com aumento do seumetabolismo, como
ummúsculo esquelético em exercício, tem aumento na libera-
ção de CO2 local, queda no pH microvascular e aumento na
temperatura pelo aumento dometabolismo. Todos estes efei-
tos facilitam a liberação do oxigênio pela hemoglobina na mi-
crovasculatura e garantem uma oxigenação tecidual fisio-
lógica.1,9
Uso metabólico do oxigênio pelas células
Se o fluxo sanguíneo para um determinado tecido tor-
na-se aumentado ou seu metabolismo diminui, a PO2 intersti-
cial aumenta, assim como a PO2 venular. A PO2 intersticial e
venular diminuem se houver queda do fluxo sanguíneo (vaso-
constrição, queda do débito cardíaco etc.) ou se o metabolis-
mo tecidual aumentar desproporcionalmente ao fluxo. Em
suma, a PO2 tecidual é determinada pelo equilíbrio entre a
taxa de oferta de oxigênio aos tecidos e a taxa de consumo de
oxigênio por eles mesmos.1,7,8
O oxigênio, sendo incapaz de ser armazenado, é constan-
temente consumido pelas células. Portanto, a PO2 intracelular
é sempre menor que a PO2 capilar e intersticial. Também, em
muitos casos, existe uma considerável distância entre os capi-
43Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-9. Transporte de oxigênio.
SO %
2
PO (mmHg)
2
100
80
50
20
90
60
30
70
40
10
0 10 30 60 90 12020 50 80 11040 70 100 130
pH = 7,38
ponto V
pH = 7,40
ponto A
D(a-v)PO
2
D(a-v)SO
2
! H , PCO+
2
!
!
Temp.
2,3 DPG
P50 =
27 mmHg
38°C
O fisicamente
dissolvido no plasma
2
PontoV
(Artéria pulmonar)
Ponto A
(Veia pulmonar)
PVO =
SvO =
CvO
2
2
2
"
PaO =
SaO =
CaO
2
2
2
"
40 mmHg
75%
15 ml/dl
100 mmHg
97,5%
20 ml/dl
lares e as células. Isto explica porque a PO2 normal intracelular
pode variar desde valores tão baixos quanto 5 mmHg quanto
valores próximos aos 40mmHgdos capilares, comumamédia
de 23mmHg. Desde que valoresmuito baixos de até somente
1 a 3 mmHg de pressão de oxigênio podem suportar um me-
tabolismo celular aeróbio, pode-se ver que uma PO2 de 23
mmHg é mais que adequada e fornece uma considerável re-
serva de segurança.6
Somente uma pequena quantidade de PO2 é necessária
para que as reações químicas normais intracelulares ocorram.
A razão para isto é que o sistema de enzimas respiratório é
movimentado mesmo quando a PO2 intracelular é tão baixa
quanto 1 a 3 mmHg. Numa PO2 neste nível, a disponibilidade
de oxigênio deixa de ser o fator limitante para ometabolismo
aeróbio. O principal fator limitante a partir daí passa a ser a
concentração de ADP (difosfato de adenosina).6,10 Mesmo que
a disponibilidade de oxigênio aumente, seu consumo aumen-
tará somente se a concentração de ADP intracelular aumentar,
o que significa um aumento nas necessidades de energia devi-
do a um consumo aumentado do ATP celular. Somente em
condições de hipóxia extrema a disponibilidade de oxigênio
torna-se um fator limitante para o metabolismo aeróbio.
Quando o oxigênio é utilizado pelas células, a maior par-
te dele torna-se dióxido de carbono com um aumento na
PCO2 intracelular. A partir daí, o CO2 difunde-se das células
para os capilares até os pulmões, onde ele é eliminado pela
ventilação alveolar.11 Então,em cada ponto da cadeia de
transporte de gases, o CO2 é transportado na direção exata-
mente oposta da do oxigênio. A maior diferença é que o CO2
difunde-se 20 vezes mais rapidamente que o oxigênio e, por-
tanto, necessita de diferenças ainda menores de pressão par-
cial.11
Normalmente, a PCO2 intracelular é de 46 mmHg, a PCO2
intersticial e capilar é de 45 mmHg e a PCO2 arterial é de 40
mmHg. O fluxo de sangue capilar e o metabolismo tecidual
afetam a PCO2 intersticial de forma exatamente oposta a que
afetam a PO2.10
Troca de gases no tecido
Os tecidos em constante metabolismo estão usando O2 e
produzindo CO2. As células necessitam de um estoque contí-
nuo de O2 para metabolismo aeróbio e requerem remoção
contínua de CO2 para conservar o equilíbrio ácido-básico. O
fluxo de sangue é essencial tanto para transportar como para
manter um gradiente de concentração de O2 e remoção de
CO2 nos capilares teciduais. Nos capilares, o O2 difunde-se
para a célula, enquanto a difusão de CO2 está na direção inver-
sa. Ambos gases movem entre o tubo concêntrico de células
por difusão simples em resposta a um gradiente de concen-
tração. Vários fatores podem agudamente ou cronicamente
aumentar a oferta deO2 ou a remoção de CO2 dos tecidos.1,8
O fluxo de sangue é o principal fator que afeta a oferta de
O2 aos tecidos.7 Um aumento no fluxo de sangue tipicamente
resulta em um aumento equivalente na entrega de O2. Au-
mentar o número de capilares abertos ao fluxo de sangue é
um outro meio de aumentar a entrega de O2 a um tecido. Um
aumento no gradiente de pressão parcial entre o capilar e o
tecido também aumenta a entrega deO2. Asmudanças na cur-
va de dissociação de oxi-Hb com relação às mudanças no
equilíbrio ácido-básico característico do sangue também po-
dem alterar a entrega de O2 aos tecidos. Damesma forma, um
aumento no número de hemácias ou no hematócrito (e con-
seqüentemente na concentração de hemoglobina) também
aumenta a quantia de O2 entregue aos tecidos. Muitos dos fa-
tores que aumentam a entrega de O2 também facilitam a re-
moção do CO2 (Quadro 6-1).6
O equivalente circulatório
Todos os tecidos consomemO2 a uma taxa particular (VO2)
e têm taxas típicas de fluxo de sangue em repouso.6,9,11 O equi-
valente circulatório (CEO2) reflete quão bem o fluxo de sangue
está equilibrado para o consumo de oxigênio do tecido (Qua-
dro 6-2).6 Como uma referência, o CEO2 para o corpo inteiro é
calculado dividindo-se o débito cardíaco total pelo consumode
oxigênio total do organismo (VO2). O CEO2 para o corpo todo é
aproximadamente 20 (Quadro 6-2). Se algum órgão específico
temumCEO2maior que 20, pode-se considerar que ele está hi-
perperfundido para o seu VO2. Neste caso, a captação de oxigê-
nio e a diferença arteriovenosa de O2 seriam pequenas (é o que
ocorre com os rins, por exemplo). Por outro lado, órgãos como
o coração têm um CEO2 muito baixo e são considerados hipo-
perfundidos com relação ao seu consumo de oxigênio. Um
CEO2 baixo resulta em uma grande diferença arteriovenosa de
O2 e uma PvO2 relativamente baixa. Estes tecidos têm uma taxa
de extração de oxigênio aumentada.
Como se pode notar na tabela, órgãos ou tecidos diferen-
tes exibem CEO2 com larga variação. Entretanto, o sangue de
todos os tecidos, mesmo comCEO2 bemdiferente, mistura-se
no coração direito e na artéria pulmonar de modo que a dife-
rença no conteúdo arteriovenoso de O2 de todo o corpo é de
aproximadamente 5,0 ml/dl em repouso. O sangue venoso
misto entra no capilar pulmonar para oxigenação com um
conteúdo de O2 de 15,0 ml/dl e uma PO2 de 40 mmHg. Assim,
aproximadamente três quartos dos locais de ligação do O2 na
hemoglobina já estão ocupados antes de oxigenação iniciar
no capilar pulmonar. Isto indica que em repouso, apenas um
quarto do conteúdo arterial total de O2 foi removido pelos te-
cidos perfundidos pela circulação sistêmica. Assim, muitos te-
cidos podem extrair O2 adicional se necessário mesmo sem
aumentar o fluxo de sangue, apenas aumentando a taxa de ex-
44 Parte II ! MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Quadro 6-1. Fatores que afetam a oferta de O2 e a remoção
de CO2 dos tecidos
1. Fluxo de sangue tecidual
2. Número de capilares perfundidos
3. Gradiente de PO2 ou PCO2 entre os capilares e as células
4. Desvios da curva de dissociação da oxi-Hb
5. Concentração da hemoglobina no sangue
tração de oxigênio da hemoglobina.9 Entretanto, a reserva de
conteúdo de O2 de sangue émais alta em alguns órgãos (pele)
que em outros (cérebro), como refletido por seus respectivos
CEO2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Philadelphia: Lippincott, 1996.
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Wilkins, 1993, 119-139.
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in acute medicine. Berlin: Springer-Verlag, 1998. 36-54.
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Company, 1996. 1-23.
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disease. 6. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
1997. 324-336.
11. West JB. Respiratory physiology, the essentials. 5. ed.
Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88.
45Capítulo 6 ! FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Quadro 6-2. Equivalente circulatório
Órgão VO2 (ml/min) Q (ml/min) CEO2
CaO2-CvO2
(ml/dl)
CvO2 (ml/dl)
CaO2 = 20 PvO2 (mmHg)
Cérebro 46 700 15,3 6,5 13,0 34
Coração 30 250 8,4 11,6 8,0 22
Abdome 50 1.400 28 3,5 16,0 47
Rins 17 1.100 65 1,5 18,0 64
Músculos 50 850 17 6,0 13,5 36
Pele 12 400 33,3 3,0 16,5 49
Miscelânea 45 300 6,6 15,6 4,0 14
Total 250 5.000 20 5,0 15,0 40
C a p í t u l o 1 7
FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Álvaro Réa Neto
129
INTRODUÇÃO
ANATOMIA
Laringe
Traquéia e brônquios
Pulmões e pleura
Suprimento sanguíneo
MECANISMO DA RESPIRAÇÃO
Vias motoras
Controle central
PROCESSO RESPIRATÓRIO
Volumes respiratórios
Resistência/complacência
Trabalho da respiração
Difusão
Ventilação/perfusão e “Shunt”
Surfactante
Transporte de oigênio
Circunstâncias especiais
Exercício
Altitude
Causas de hpóxia
FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Todos os tecidos do organismo necessitam de oxigênio
para produzir energia e estão dependentes do seu suprimen-
to contínuo para manter suas funções normais.1 O gás carbô-
nico é o principal produto final da utilização do oxigênio e
também necessita ser continuamente retirado das vizinhan-
ças desses tecidos.
A principal função dos pulmões é de realizar a troca gaso-
sa contínua entre o ar inspirado e o sangue da circulação pul-
monar, suprindo oxigênio e removendo gás carbônico que é
eliminado dos pulmões através da expiração.1-3 A nossa sobre-
vivência depende da integridade, eficiência e manutenção
desse processo, mesmo na vigência de alterações patológicas
ou de um ambiente desfavorável. Para isso, o desenvolvimen-
to evolucionário produziu diversos mecanismos complexos e
uma boa compreensão da fisiologia respiratória torna-se es-
sencial para a segurança do paciente internado numaUnidade
de Terapia Intensiva.
ANATOMIA
O trato respiratório estende-seda boca e do nariz até os
alvéolos.4 As vias aéreas superiores filtram as partículas aéreas
e umidificam e aquecem os gases inspirados. A permeabilida-
de (desobstrução) da via aérea, no nariz e cavidade oral, é
mantida primordialmente pelo esqueleto ósseo, mas na farin-
ge torna-se dependente do tônus dos músculos da língua, pa-
lato mole e paredes da faringe.
Laringe
A laringe situa-se ao nível das vértebras cervicais supe-
riores, C4-6, e seus principais componentes estruturais são as
cartilagens tiróide, cricóide e aritenóides, às quais se junta a
epiglote, que se assenta na abertura laringiana superior.4 Tais
estruturas são conectadas por uma série de ligamentos e
músculos que, através de uma seqüência coordenada de a-
ções, protegem a entrada da laringe dosmateriais sólidos e lí-
quidos envolvidos na deglutição, assim como regulam a ten-
são das cordas vocais para a fonação (fala). A técnica compres-
siva da cricóide assenta-se no fato de que sua cartilagem tem
a forma de um anel completo, utilizado para comprimir o esô-
fago (situado posteriormente) contra os corpos vertebrais
C5-6, prevenindo a regurgitação do conteúdo gástrico para a
faringe, principalmente nos momentos em que o paciente se
encontra inconsciente. As cartilagens tiróide e cricóide estão
conectadas anteriormente através da membrana cricotiróide
por onde o acesso à via aérea pode ser obtido em situações
emergenciais.
Traquéia e brônquios
A traquéia estende-se abaixo da cartilagem cricóide até a
carina, ponto onde ocorre sua divisão para os brônquios es-
querdo e direito (em adultos: 12 a 15 cm de comprimento e
diâmetro interno de 1,5 a 2,0 cm).4 Na expiração, a carina si-
tua-se ao nível de T5 (5ª vértebra torácica) e na inspiração em
T6. A maioria de sua circunferência é composta por uma série
de cartilagens em forma de C, sendo que o músculo traqueal,
correndo na vertical, forma a face posterior.
Quando a traquéia bifurca-se, o ângulo do brônquio prin-
cipal direito é menos angulado, em relação à traquéia, do que
o esquerdo. Com isso, materiais que porventura sejam aspira-
dos tendem a dirigir-se mais para o pulmão direito.5,6 Além
disso, o brônquio do lobo superior direito emerge a apenas
2,5 cm da carina, necessitando de acomodação específica em
casos de intubação endobrônquica.
Pulmões e pleura
Opulmão direito divide-se em três lobos (superior, médio
e inferior), ao passo que o esquerdo em apenas dois (superior
e inferior), com divisões posteriores para os segmentos bron-
copulmonares (em número de 10 à direita e 9 à esquerda). No
total existem 23 divisões das vias aéreas entre a traquéia e os
alvéolos.4,6 A parede dos brônquios contémmusculatura lisa e
tecido elástico, bem como cartilagens nas vias maiores. A mo-
vimentação gasosa se faz por convecção ou através de um flu-
xo de maré nas grandes vias aéreas, contrastando com a difu-
são que ocorre nas visa aéreas menores (além da divisão 17)
(Fig. 17-1).
A pleura é uma camada dupla que reveste os pulmões; a
que entra em contato com o pulmão propriamente dito é
chamada de pleura visceral, a que reveste a cavidade torácica
130 Parte III ! MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-1. Vias respiratórias.
Z
0
1
2
3
4
17
18
19
20
21
22
23
Traquéia
B
r
ô
n
q
u
io
s
p
r
in
c
ip
a
is
Brônquios de
transição
Brônquíolos
respiratórios
Sacos
alveolares
Z
o
n
a
d
e
c
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d
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E
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u
s
ã
o
Z
o
n
a
r
e
s
p
ir
a
t
ó
r
ia
denomina-se pleura parietal.4 Em circunstâncias normais, o
espaço interpleural, entre as duas camadas, contém apenas
uma pequena quantidade de líquido lubrificante. Os pulmões
e a pleura estendem-se, anteriormente, logo acima da
clavícula até a altura do 8º arco costal, lateralmente ao nível
da 10ª costela e posteriormente até T12.
Suprimento sanguíneo
Os pulmões são dotados de duplo suprimento sanguí-
neo, a circulação pulmonar, para trocas gasosas comos alvéolos
e a circulação brônquica para suprimento do parênquima (teci-
do) do próprio pulmão.3,4,6 A maior parte do sangue da circu-
lação brônquica é drenada para o lado esquerdo do coração,
através das veias pulmonares, sendo que essa quantidade de
sangue não-oxigenado faz parte do shunt fisiológico normal
do organismo. O outro componente desse shunt fisiológico
vem das veias de Thebesian que drenam parte do sangue co-
ronário diretamente às câmaras cardíacas.
A circulação pulmonar constitui-se num sistema de baixa
pressão (25/10mmHg) e baixa resistência, capaz de acomodar
qualquer aumento substancial no fluxo sanguíneo sem acarre-
tar grandes alterações na pressão graças aos mecanismos de
distensão vascular e recrutamento de capilares não perfundi-
dos.3,4 O principal estímulo capaz de produzir aumento mar-
cante da resistência vascular pulmonar é a hipóxia.
MECANISMO DA RESPIRAÇÃO
Para gerar fluxo aéreo é necessário um gradiente de pres-
são.1,3,6 Na respiração espontânea, o fluxo inspiratório é con-
seguido através da criação de uma pressão subatmosférica
nos alvéolos (da ordem de 5 cmH2O durante a respiração em
estado de repouso) através do aumento no volume da cavida-
de torácica, sob ação da cadeia demúsculos inspiratórios. Du-
rante a expiração, a pressão intra-alveolar torna-se levemente
mais elevada do que a pressão atmosférica resultando no flu-
xo de gás em direção à boca.
Vias motoras
O principal músculo responsável pela geração de pressão
intratorácica negativa, que ocasiona a inspiração, é o diafrag-
ma; uma lâmina musculotendinosa que separa o tórax do ab-
dome.2,4 Sua porção muscular é periférica e insere-se nas cos-
telas e vértebras lombares, sendo que a porção central é ten-
dinosa. A inervação é suprida pelos nervos frênicos (C3-5) res-
ponsáveis pela contração que desloca o diafragma em direção
ao conteúdo abdominal, forçando-o para baixo e para fora. Os
músculos intercostais externos produzem o esforço da inspira-
ção adicional (inervados pelos nervos intercostais T1-12) e pe-
los músculos acessórios da respiração, esterno-mastóide e esca-
leno, embora o último tenha importância apenas durante o
exercício ou em processos de estresse respiratório.
Durante o estado de repouso a expiração é um processo
passivo, dependente do recolhimento elástico do pulmão e
da parede torácica. Quando a ventilação é aumentada, no
caso de exercícios, a expiração torna-se ativa através da con-
tração dos músculos da parede abdominal e os intercostais
externos.4 Esses mesmos músculos também são acionados
quando se efetua a manobra de Valsalva.
Controle central
Omecanismo que controla a respiração é complexo. Exis-
te um grupo de centros respiratórios localizados na base do cé-
rebro que produz a atividade respiratória automática.2,4 Essa
será regulada, principalmente, pela descarga de quimiorrecep-
tores (ver abaixo). Este controle pode ser suprimido pelo con-
trole voluntário a partir do córtex cerebral. Os atos voluntários
de segurar a respiração, ofegar ou suspirar constituem-se em
exemplos de tal controle voluntário. O principal centro respi-
ratório situa-se no assoalho do 4º ventrículo, dotado de gru-
pos neuronais inspiratório (dorsal) e expiratório (ventral). Os
neurônios inspiratórios atuam automaticamente, mas os ex-
piratórios são utilizados apenas durante a expiração forçada.
Os dois outros centros principais são o centro apnêustico,
que estimula a inspiração, e o centro pneumotáxico que en-
cerra a inspiração inibindo o grupo neuronal dorsal (citado
acima).
Os quimiorreceptores que regulam a respiração têm loca-
lização central e periférica.1,2 Normalmente, o controle é exer-
cido pelos receptores centrais localizados na medula espinhal
que respondem à concentraçãode hidrogênio iônico do líqui-
do cefaloespinhal (LCE). Esta é determinada pelo CO2 que se
difunde livremente através da barreira hematocerebral (BHC)
a partir do sangue arterial. A resposta é rápida e sensível a pe-
quenas alterações do CO2 arterial (PaCO2). Além desses, exis-
tem quimiorreceptores periféricos localizados nos corpos ca-
rotídeos e aórticos, a maioria dos quais responde às quedas
deO2 e alguns tambémàs elevações do CO2 arterial. O grau de
hipoxemia necessária para ocasionar uma ativação significati-
va dos receptores deO2, demodo diferente daquela ocasiona-
da em circunstâncias normais, é < 60 mmHg.3 Estes recepto-
res são ativados, por exemplo, na respiração em altitudes ele-
vadas ou na falta de resposta ao CO2 (quando a PaCO2 torna-se
cronicamente elevada ocorre embotamento da sensibilidade
do receptor central). Nesse caso, o bicarbonato plasmático
(HCO3) também estará elevado.2,4
PROCESSO RESPIRATÓRIO
Volumes respiratórios
Os inúmeros termos utilizados para descrever a excursão
(movimentação) pulmonar durante o repouso e na respiração
maximizada estão mostrados na Figura 17-2.1-3
O volume corrente (500 ml) multiplicado pela freqüência
respiratória (14 movimentos respiratórios/minuto) consti-
tui-se no volume minuto (cerca de 7.000 ml/min). Nem todo o
volume corrente toma parte na troca respiratória, já que o
processo só é iniciado quando o ar, ou gás, alcança os bron-
quíolos respiratórios (a partir da divisão 17 da árvore respira-
131Capítulo 17 ! FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
tória). Acima deste nível a passagem aérea funciona apenas
como condutora e seu volume é conhecido por espaço morto
anatômico.O volume do espaçomorto anatômico é de aproxi-
madamente 2ml/kg ou 150ml nos adultos, aproximadamente
30% do volume corrente. A porção do volume corrente que
toma parte da troca respiratória, multiplicada pela freqüência
respiratória é conhecida como ventilação alveolar (cerca de
5.000 ml/min).
A capacidade residual funcional (CRF) é o volume do ar
que permanece nos pulmões no final de uma expiração nor-
mal.3 O ponto no qual ela ocorre (portanto, o valor da CRF) é
determinado através do equilíbrio entre as forças elásticas in-
ternas do pulmão e as forças externas da caixa respiratória (a
maior parte através do tônus muscular). A CRF diminui no de-
cúbito supino, obesidade, gravidez e anestesia, embora não
ocorra diminuição importante com o passar da idade. A CRF
reveste-se de particular importância nos períodos anestési-
cos, a saber:5 1. durante a apnéia, constitui-se no reservatório
do suprimento de oxigênio para o sangue; 2. quando ela dimi-
nui, a distribuição da ventilação dentro dos pulmões sofre al-
teração, ocasionando desequilíbrio com o fluxo sanguíneo
pulmonar (desequilíbrio V/Q); 3. se diminuir abaixo de deter-
minado volume (capacidade de fechamento) ocorre fecha-
mento da via aérea levando ao shunt (ver adiante Ventila-
ção/Perfusão/Shunt).
Resistência/complacência
Na ausência de esforço respiratório, o pulmão repousará
no ponto da CRF. Para mover-se a partir dessa posição e gerar
o movimento respiratório, deverão ser considerados os as-
pectos que se opõem à expansão pulmonar e ao fluxo aéreo,
tornando necessária a interferência da atividade muscular.1,2,5
São eles: a resistência da via aérea e a complacência do pul-
mão e da parede torácica.
Resistência das vias aéreas constitui-se na reação con-
trária ao fluxo aéreo através das vias aéreas condutoras.
Ocorre principalmente nas grandes passagens aéreas (até as
divisões 6-7), além da contribuição fornecida pela resistência
tecidual (produzida pela fricção entre os tecidos pulmonares,
quando deslizam entre si, durante a respiração). O aumento
da resistência, resultante de um estreitamento das vias aéreas
como no broncoespasmo, leva à doença obstrutiva das vias
aéreas.
Complacência denota a capacidade de distensão (elastici-
dade) e no conceito clínico refere-se à combinação entre o
pulmão e a parede torácica, sendo definida como a alteração
do volume por unidade de pressão alterada. Quando a com-
placência é baixa os pulmões tornam-se mais rígidos sendo
necessário esforço maior para inflar o alvéolo. Condições clí-
nicas que pioram a complacência, tais como a fibrose pulmo-
nar, ocasionam doença pulmonar restritiva.
A complacência também pode variar no interior do pul-
mão de acordo com o grau de insuflação como demonstrado
na Figura 17-3. Uma complacência baixa pode ser observada
tanto em volumes baixos (pela dificuldade inicial do pulmão
em inflar) quanto também em volumes elevados (devido à
limitação da expansão da cavidade torácica).1,2,3 Um melhor
grau de complacência pode ser observado no pontomédio da
expansão.
132 Parte III ! MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-2. Volumes respiratórios
em repouso e forçados.
Homem de 70 kg
Capacidade
pulmonar
total
(5.800ml)
Capacidade
vital
(4.600ml)
Capacidade
inspiratória
(3.500ml)
Capacidade
residual
funcional
(2.300ml)
Volume de
reserva
inspiratória
(3.000ml)
Volume
corrente
(450-550 ml)
Volume de
reserva
espiratória
(1.100 ml)
Volume
residual
(1.200 ml)
Volume
residual
(1.200ml)
Fig. 17-3. Curva de complacência para diferentes níveis de
insuflação pulmonar.
V
Ápice
Zona
intermediária
Base
Complacência =
dV
dP
P
P
P
P
V
V
V
Trabalho da respiração
Dentre as duas barreiras limitantes da respiração, resis-
tência aérea e complacência, apenas a primeira requer produ-
ção de trabalho efetivo para ser sobrepujada.3,5,6 A resistência
da passagem aérea ao fluxo está presente durante a inspira-
ção como também na expiração e a energia necessária para
sobrepujá-la, que representa o trabalho da respiração, é dissi-
pada na forma de calor.
Embora, durante a expansão pulmonar, também seja ne-
cessário energia para vencer a complacência, ela não contri-
bui para o trabalho efetivo da respiração e não sofre dissipa-
ção, mas é convertida em potencial energético nos tecidos
elásticos distendidos. Uma parte dessa energia estocada é uti-
lizada para efetuar o trabalho da respiração produzido pela
resistência aérea durante a expiração.
O trabalho da respiração pode ser mais bem representa-
do através de uma curva de pressão/volume do ciclo respira-
tório (Fig. 17-4) que mostra os diferentes caminhos para a ex-
piração e inspiração conhecidos como histerese.2,3,7 O trabalho
total da respiração dentro de um ciclo é a área contida na alça.
Difusão
Os alvéolos possuem uma enorme superfície de área para
efetuar a troca gasosa com o sangue pulmonar (entre 50-100
m2) e são dotados de umamembrana delgada pela qual os ga-
ses devem difundir. A solubilidade do oxigênio é tal que sua
difusão através da membrana alveolocapilar normal consti-
tui-se num processo rápido e eficiente.3,6 Em condições de re-
pouso, o sangue capilar pulmonar entra em contato com o al-
véolo por cerca de 0,75 segundos, atingindo completo equilí-
brio com o oxigênio alveolar logo após cerca de um terço de
seu caminho ao longo desse percurso. Mesmo havendo doen-
ça pulmonar, que restringe a difusão, ainda haverá tempo sufi-
ciente, geralmente, para o completo equilíbrio do oxigênio
no repouso (Fig. 17-5). No entanto, durante o exercício físico,
o fluxo sanguíneo pulmonar é mais rápido, diminuindo a
quantidade disponível de tempo para a troca gasosa. Dessa
forma os portadores de doença pulmonar são incapazes de
oxigenar por completo o sangue pulmonar, apresentando as-
sim uma limitação da habilidade de exercício.
No caso do dióxido de carbono, cuja difusão através da
membrana alveolocapilar é 20 vezes mais rápida que a do oxi-
gênio, os fatores acima relacionados são menos capazes de
influenciar na troca entre sangue e alvéolo.
Ventilação/perfusão e “Shunt”
Numa situação ideal, a ventilação liberada deuma deter-
minada área pulmonar seria suficiente para propiciar a troca
completa entre oxigênio e dióxido de carbono com o sangue
que perfunde essa área. Mas no pulmão normal, nem a venti-
lação (V) ou a perfusão (Q) são distribuídas uniformemente
através da superfície, combinando-se, porém, demodo equili-
brado, sendo que as bases recebem quantidades substancial-
mente maiores de V e Q do que os ápices pulmonares (Fig.
17-6).2,3,5
Em relação à perfusão, a distribuição através do pulmão
depende amplamente dos efeitos da gravidade. Assim, na po-
sição ereta, a pressão de perfusão nas bases pulmonares é
igual à pressão média da artéria pulmonar (15 a 20 cmH2O)
acrescida do valor da pressão hidrostática entre a principal ar-
téria pulmonar e a região da base (aproximadamente 15
cmH2O). Nos ápices pulmonares, a diferença da pressão hi-
drostática é subtraída da pressão da artéria pulmonar, resul-
tando num valormuito baixo da pressão de perfusão. Tal valor
pode, por vezes, ficar abaixo da pressão no alvéolo acarretan-
do compressão do vaso e interrupção intermitente do fluxo
sanguíneo durante a diástole.5
133Capítulo 17 ! FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Fig. 17-4. Trabalho da respiração.
V
P
Expiração
Inspiração
Trabalho da inspiração
Trabalho da expiração
Fig. 17-5. Tempo de difusão do O2 no capilar pulmonar em
condições normais e nas doenças pulmonares.
0 0,25
Tempo no capilar(s)
0,50 0,75
P
r
e
s
s
ã
o
p
a
r
c
ia
l
Início do
capilar
Alvéolo
Fim do
capilar
CO
2
O (Normal)
2
O (Exercício)
2
O (Anormal)
2
A distribuição da ventilação através do pulmão depende
da posição de cada área na curva de complacência, logo no
início da inspiração normal “em onda de maré” (ponto da
CRF). Como as bases situam-se numa porção de melhor com-
placência da curva, em relação à porção ocupada pelos ápices,
recebem, portanto, maior alteração de volume a partir da al-
teração de pressão aplicada e conseqüentemente maior grau
de ventilação.3,5
Embora a disparidade entre bases e ápices seja menor
para a ventilação do que para a perfusão, no final ocorre uma
boa combinação V/Q e uma eficiente oxigenação do sangue
que passa através dos pulmões.
Distúrbios que interferem nessa distribuição ocasionam
desequilíbrio da relação V/Q (Fig. 17-7).2,3,5 Numa área de baixo
índice V/Q, o sangue que passa por ela será oxigenado por in-
completo, causando redução do nível de oxigênio no sangue
arterial (hipoxemia). Uma vez fornecida ventilação adequada
nessa área de baixo V/Q, a hipoxemia será normalmente corri-
gida através do aumento da FiO2 que restaura a liberação de
oxigênio alveolar em níveis suficientes para a completa oxige-
nação corporal.
O desequilíbrio V/Q é muito comum durante a sedação,
pois a CRF decresce levando a uma alteração da posição do
pulmão na curva de complacência. Assim, os ápices estarão
posicionados na porção mais favorável da curva, enquanto as
bases estarão localizadas na porçãomenos favorável, na parte
mais baixa da curva.
No desequilíbrio extremo da relação V/Q, uma área pul-
monar que não receba perfusão apresentará o índice V/Q de
valor (infinito) referido como espaço morto alveolar que em
conjunto com o espaço morto anatômico forma o espaço mor-
to fisiológico. A ventilação do espaço morto constitui-se, efeti-
vamente, num desperdício da ventilação.3,5
Por outro lado, uma área pulmonar que não receba venti-
lação, por fechamento ou bloqueio da passagem aérea, apre-
sentará índice V/Q de valor zero, sendo designada como shunt.
O sangue emergirá de uma área de shunt com a PO2 venosa
inalterada (40 mmHg), ocasionando grave hipoxemia arterial.
Essa hipoxemia não pode ser corrigida através do aumento
em FiO2 mesmo em 100% uma vez que a área de shunt não re-
cebe ventilação alguma.3,5
As partes pulmonares bem ventiladas não conseguem
compensar as zonas de shunt, pois a hemoglobina encontra-se
quase completamente saturada numa PO2 normal. Um au-
mento da PO2 desse sangue não será capaz de aumentar subs-
tancialmente o conteúdo de oxigênio.
Portanto, no caso de shunt, a oxigenação adequada ape-
nas poderá ser restabelecida através da restauração da venti-
lação nessas áreas, a partir de medidas fisioterápicas, como a
pressão expiratória final positiva (PEEP) ou CPAP, que liberam
o bloqueio das passagens aéreas e reinsuflam áreas pulmona-
res colapsadas. Uma vez que a capacidade de fechamento (CF)
aumenta progressivamente com a idade, sendo também ele-
vada nos recém-natos, tais pacientes encontram-se sob condi-
ção de risco durante procedimentos anestésicos ou sedativos,
já que a CRF pode tomar um valor abaixo da CF, resultando no
bloqueio da passagem aérea e shunt.3,7,8
Surfactante
Qualquer superfície líquida apresenta uma tensão super-
ficial com tendência das moléculas dessa superfície em se
agregar.3,6 Por esta razão, quando a água repousa sobre uma
superfície, ocorre a formação de gotas arredondadas. Se a
tensão superficial for reduzida, adicionando pequena quanti-
dade de um saponáceo, as gotas entrarão em colapso e a água
formará uma película delgada.
Quando a superfície de um líquido é esférica, ela age no
sentido de gerar uma pressão no interior dessa esfera, de
acordo com a lei de Laplace: P = 2T/R, onde P é a pressão, T é
a tensão e R é a resistência.6
134 Parte III ! MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-6. Distribuição da Ventilação e da Perfusão dentro do
pulmão normal.
Ventilação (V)
Perfusão (P)
Q
V
Base
pulmonar
Ápice
pulmonar
Fig. 17-7. Distúrbios da relação V/Q intrapulmonar normal (A).
Do shunt total (B) até a ventilação de espaço morto alveolar (C).
Desequilíbrio ventilação – Perfusão
O = 40
2
O
2
= 40
0 NORMAL !
O = 100
2
O = 150
2
CO = 50
2
CO = 45
2
CO = 40
2
CO = 0
2
CO = 0
2
B A C
Diminuição
da relação
Aumento
da relação
V /Q
A
(Perfusão sem ventilação)
V /Q
A
(Ventilação sem perfusão)
A película do revestimento líquido alveolar exibe uma
tensão superficial que aumenta a pressão nos alvéolos (au-
mentos mais elevados nos alvéolos menores do que nos maio-
res). O surfactante é a substância secretada pelas células epi-
teliais alveolares do tipo II que diminui, de modo intenso, a
tensão superficial dessa superfície respiratória. A substância é
um fosfolipídio (dipalmitol lecitina) e apresenta os seguintes
benefícios fisiológicos: aumento da complacência pulmonar;
redução na tendência que os alvéolos menores apresentam
em esvaziar-se dentro dos maiores acarretando colapso, e re-
dução no extravasamento de fluido, a partir dos capilares pul-
monares, para o interior dos alvéolos através do aumento que
a tensão superficial imprime no gradiente de pressão hidros-
tática dos capilares para os alvéolos.
Transporte de oxigênio
Partindo do índice atmosférico de 159,6 mmHg (21%) ou
21 kPa, o valor da pressão parcial do oxigênio (PO2) sofre 3
etapas de declínio antes de alcançar o sangue arterial.3,8,9 Pri-
meiramente o ar inspirado é umidificado no trato respiratório
superior. A pressão do vapor d'água saturado (47 mmHg) re-
duz a PO2 para um valor em torno de 148 mmHg. Nos alvéo-
los, a troca contínua de dióxido de carbono por oxigênio re-
duz a PO2 para 108mmHg e finalmente o pequeno shunt fisio-
lógico, normalmente presente, reduz a PO2 para aproximada-
mente 100 mmHg. Portanto, fisiologicamente, a PO2 alveolar
(PAO2) normal num paciente respirando ar ambiente no nível
do mar é cerca de 100 mmHg.
Esta PAO2 pode ser calculada a partir da equação de gás
alveolar:3,6 PAO2= (PiO2 – 47) – (PACO2/R), onde PAO2 é a pres-
são parcial de oxigênio dentro do alvéolo, PiO2 é a pressão
parcial do oxigênio no gás inspirado, PACO2 é a pressão parcial
do gás carbônico dentro do espaço alveolar e R é o quociente
respiratório, geralmente ao redor de 0,8.
Depoisde ocorrida a transferência de oxigênio, através
da membrana capilar alveolar, torna-se necessária a presença
de um sistema eficiente de transporte para os tecidos que se
utilizam do oxigênio para a respiração celular.9 O conteúdo de
oxigênio no sangue representa a soma do oxigênio ligado à
hemoglobina (Hb) e daquele dissolvido no plasma (que pouco
contribui para o total). A Hb é uma grande proteína composta
por 4 subunidades, cada qual contendo o íon ferroso (Fe2+)
dentro da fração heme. Até 4 moléculas de oxigênio são
capazes de se ligar, reversivelmente, a cada molécula de Hb,
uma em cada íon ferroso. O principal fator determinante da
quantidade de oxigênio ligado à Hb é a PO2 (ver capítulo de fi-
siologia cardiovascular).
O achatamento inicial da curva ocorre porque a ligação
da primeiramolécula de oxigênio ocasiona uma leve alteração
estrutural na Hb facilitando ligações subseqüentes das demais
moléculas.9 O formato da curva significa que a queda na PO2,
a partir do valor arterial normal, imprime pouco efeito na
saturação deHb (portanto no conteúdo de oxigênio) até que a
porçãomais íngreme da curva seja alcançada, geralmente, por
volta de 60mmHg. No entanto, uma vez alcançado tal nível de
PO2, o decréscimo posterior resultará em queda dramática da
saturação de Hb.
Diversos fatores podem alterar a afinidade da Hb por
oxigênio, resultando namovimentação da curva para a direita
(acidose, aumento na temperatura ou na concentração da
2,3-DPG) ou para a esquerda (Hb fetal, alcalose, diminuição na
temperatura ou na 2,3-DPG).6,9 O grau de intensidade da
curva de dissociação da oxiemoglobina é dado através da P50,
o nível de PO2 no qual a Hb encontra-se saturada em 50%.
Amovimentação da curva para a direita diminui a afinida-
de da Hb por oxigênio. Isso é fisiologicamente útil para os te-
cidos, onde o ambiente levemente ácido estimula a descarga
do oxigênio a partir do sangue – Efeito Bohr. Um desvio da
curva à esquerda aumenta a afinidade da Hb por oxigênio,
ocasionando saturação elevada em determinada PO2. Isso aju-
da a descarga de oxigênio nos capilares pulmonares (levemen-
te alcalinos) sendo de grande vantagem para o feto onde o ní-
vel da PO2 é baixo.
Um grama de Hb, completamente saturada, pode carregar
até 1,34 ml de oxigênio. Numa PO2 de 100 mmHg a Hb estará
normalmente saturada de oxigênio em 97%.6,9 Se a concentra-
ção de Hb for de 150 g/l (15 g/100 ml), o sangue arterial com-
portará aproximadamente 200 ml de oxigênio por litro de san-
gue. Num débito cardíaco de 5 l/min, a quantidade disponível
de oxigênio na circulação periférica será de 1.000 ml/min. Des-
ses, aproximadamente 250 ml/min são utilizados no repouso
perfazendo uma saturação de Hb no sangue venoso de 75%.
A quantidade de oxigênio dissolvido no plasma é de ape-
nas 0,03ml/litro/mmHg.Quando ar ambiente é respirado ela é
de apenas 3 ml/litro, podendo ser substancialmente elevada
através da utilização da pressão hiperbárica, que torna possí-
vel alcançar um nível adequado para o suprimento das neces-
sidades teciduais (respiração de oxigênio 100% em pressão de
3 atmosferas). Esse procedimento pode ser utilizado para su-
prir a oxigenação nas situações em que a Hb do pacientemos-
trar-se insuficiente ou ineficaz.
Circunstâncias especiais
O estudo das diversas respostas e adaptações fisiológicas
específicas, que ocorrem como resposta às alterações das cir-
cunstâncias normais, torna-se útil no sentido de compreender
de forma mais clara os diferentes mecanismos fisiológicos já
descritos anteriormente. São elas:
Exercício
Durante a atividade física o consumo de oxigênio pode
elevar-se a partir de 250 até 3.000 ml/min 6. As alterações em
resposta a essa demanda aumentada de oxigênio incluem:
Aumento no débito cardíaco, na ventilação e na extração
do oxigênio a partir do sangue.
Acima de determinado nível, o suprimento de oxigênio
não consegue atingir o grau de necessidade, ocorrendo então
ometabolismo anaeróbio que leva à produção de ácido lático.
135Capítulo 17 ! FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Altitude
A resposta aguda à baixa PO2 arterial, resultante da expo-
sição a altitudes elevadas, é regida pela ação dos quimiorre-
ceptores periféricos que ocasionam a hiperventilação (bem
como aumento do débito cardíaco).6 A conseqüente queda da
PCO2 alveolar leva ao aumento da PO2 alveolar (através da
equação dos gases alveolares) elevando a PO2 arterial. No en-
tanto, o decréscimo associado na PCO2 arterial reduz a in-
fluência dos quimiorreceptores centrais, limitando a resposta
hiperventilatória. Tal efeito indesejado é reduzido através de
um mecanismo de compensação metabólica, que surge no
decorrer de 2-3 dias, envolvendo o aumento da excreção renal
de HCO–3com a queda subseqüente dos níveis de HCO–3 plas-
mático e da CRF.
Respostas posteriores que melhoram o transporte do
oxigênio incluem a elevação da concentração de 2,3-DPG na
hemácia, levando ao desvio à direita da curva de dissociação
da oxiemoglobina, e a policitemia.
Causas de hipóxia
Hipóxia indica uma situação em que os tecidos são
incapazes de processar as reações oxidativas normais devido
à falência no suprimento ou na utilização do oxigênio. Suas
causas podem ser agrupadas em 4 categorias:5,9
! Hipóxia hipoxêmica: é definida como uma PO2 inadequada no
sangue arterial. Isso pode ser resultado de uma PO2 inade-
quada do ar inspirado (comona altitude), hipoventilação (de
causas periférica ou central) ou por transferência alveoloca-
pilar inapropriada (no shunt ou no desequilíbrio da relação
V/Q).
! Hipóxia anêmica: o conteúdo de oxigênio do sangue arterial
está quase todo ligado à Hb. Na presença de anemia grave,
portanto, o conteúdo de oxigênio diminuirá proporcional-
mente ao grau de redução na concentração de Hb, mesmo
que a PO2 permaneça normal. Omecanismo compensatório
normal que restaura o suprimento de oxigênio é a elevação
do débito cardíaco, mas quando esse não puder mais ser
mantido ocorrerá a hipóxia tecidual. Condições nas quais a
ligação entre a Hb e o oxigênio torna-se comprometida,
como na intoxicação por monóxido de carbono, ocasionam
redução do transporte de O2 de forma semelhante ao que
ocorre na anemia.
! Hipóxia circulatória ou estagnante: na ocorrência de falência
circulatória, mesmo se o conteúdo de oxigênio estiver ade-
quado, o suprimento aos tecidos estará comprometido. Ini-
cialmente a oxigenação tecidual é mantida através do au-
mento na extração de oxigênio do sangue, mas com a piora
da perfusão tecidual este mecanismo torna-se insuficiente
instalando-se a hipóxia dos tecidos.
! Hipóxia citopática ou histotóxica: descreve a situação em que
os processos metabólicos celulares encontram-se diminuí-
dos, bloqueando a utilização do oxigênio pela célula, mes-
mo quando o suprimento de oxigênio aos tecidos está nor-
mal. A causamais conhecida de hipóxia citopática é a intoxi-
cação por cianeto que inibe a citocromo-oxidase.
FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS
Enquanto a função principal dos pulmões consiste na tro-
ca respiratória de gás, eles também desempenham outros im-
portantes papéis fisiológicos, incluindo:2,6 reservatório de
sangue disponibilizado para a compensação circulatória, fil-
tragem da circulação (trombos, microagregados etc.), ativida-
de metabólica como ativação da angiotensina I e sua transfor-
mação na angiotensina II e inativação da noradrenalina, bradi-
cinina, serotonina e prostaglandinas e atividade imunológica
como ativação do macrófago alveolar e secreção de IgA no
muco dos brônquios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Levitzki MG. Pulmonary physiology. 4. ed. New York:
McGraw-Hill, 1995.
2. Nunn JF. Applied respiratory physiology. 3. ed. London:
Butterworth, 1987. 207-239p.
3. West JB. Respiratory physiology, the essentials. 5. ed.
Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88p.
4. Matthews LR. Cardiopulmonary anatomy and physiology.
Philadelphia:

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