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TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2018.0000346297 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado EA SPORTS ELECTRONIC ARTS LTDA., é apelado/apelante AYRTON LUIZ GANINO. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso do autor e deram parcial provimento ao recurso da ré. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PIVA RODRIGUES (Presidente), GALDINO TOLEDO JÚNIOR E JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO. São Paulo, 8 de maio de 2018. PIVA RODRIGUES RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 2 APELAÇÃO Nº 1059967-28.2015.8.26.0100 APELANTE/APELADO: EA Sports Eletronic Arts Ltda. APELANTE/APELADO: Ayrton Luiz Ganino COMARCA: São Paulo Foro Central Cível 35ª Vara Cível VOTO: 30464 Apelação. Violação a direito de imagem. Ação indenizatória. Procedência. Inconformismo das partes. Afastadas a preliminar de inépcia da inicial. Devida indenização pela exploração da imagem e apelido desportivo do autor em atividade comercial sem a devida autorização (Súmula STJ nº 403). Reduzido o quantum indenizatório de R$ 25.000,00 por aparição para R$ 5.000,00 por aparição. Reforma também no tocante à incidência dos juros moratórios, que deve se dar de cada evento danoso (Sumula STJ nº 54). Recurso da ré parcialmente provido e recurso do autor provido. Trata-se de “ação de indenização por dano” promovida por Ayrton Luiz Ganino em face de EA Sports Eletronic Arts Ltda. Sentença proferida às fls. 1031/1034, em, 28 de setembro de 2016, pelo E. Juiz de Direito Felipe Esmanhoto Mateo, cujo relatório adoto, na qual julgou procedente o pedido para condenar a ré no pagamento de indenização no valor de R$ 100.000,00, devidamente atualizado desde a data da sentença e acrescido de juros moratórios legais desde a citação, bem como no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da causa. Os embargos de declaração opostos pela ré às fls. 1037/1042 foram rejeitados à fl. 1045. TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 3 A ré Eletronic Arts Ltda. apela às fls. 1048/4092. Requer i) seja julgada integralmente improcedente a ação, afastando-se a condenação imposta à apelante, ou, ainda, ii) seja reduzido substancialmente o valor da condenação, hipótese em que requer a manutenção do percentual fixado em sentença quanto aos honorários advocatícios e o reconhecimento do equívoco quanto à fixação do termo inicial da incidência de juros de mora, declarando-se a sua incidência a partir da data da prolação da decisão que fixou o dano requerido pelo Apelado. Sustenta que o autor deixou de acostar aos autos os jogos reclamados, o que impede à análise da demanda e impõe o indeferimento da petição inicial e a extinção do feito sem resolução do mérito. Sustenta que a insurgência tardia do autor quanto ao uso de sua imagem importa supressio e autorização tácita do uso de sua imagem, o que igualmente afasta, in casu, o dever de indenizar reconhecido na sentença. Sustenta que possui Contratos de Licença para uso e exploração dos direitos de imagem dos jogadores com a FIFPRO e que tais contratos asseguram a cessão do direito de imagem de jogadores de diversos países, incluindo do Brasil, pelo período de novembro de 2003 a dezembro de 2015. Afirma que a FIFPRO é uma organização internacional responsável pela representação de associações de atletas de futebol profissional de todo o mundo, dentre as quais a Federação Nacional dos Atletas Profissionais do Futebol FENAPAF, do Brasil, esta, por sua vez, entidade nacional associada e responsável pela representação de diversos sindicatos estaduais de jogadores de futebol, tal qual o Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado do Paraná SAPEPAR e Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado da Bahia- SINDAP/BA todos de Estados de Clubes onde atuou o autor. Traz documentos novos, especificamente cópias de autorizações concedidas por 462 jogadores profissionais de futebol, que aceitaram receber R$ 1.500,00 para exploração de suas imagens por dois anos, a fim de corroborar sua alegação de que a quantia pleiteada pelo autor é absurda e que a quantia arbitrada pela sentença se revela absolutamente distante da prática deste mercado. Ainda sim, por se tratar o autor de pessoa pública, sustenta ser dispensável a autorização, não ter ocorrido qualquer dano à imagem do autor. TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 4 Contrarrazões pelo autor às fls. 1579/1614. O autor apela adesivamente às fls. 1616/1620. Sustenta que os juros devem incidir a partir do evento danoso, este considerado como data de lançamento de cada um dos jogos, nos termos da Súmula 54 do STJ. Contrarrazões pela ré às fls. 16126/1634. Autos distribuídos a esta relatoria em 05de abril de 2017. É o relatório. Trata-se de ação de indenizatória em que objetiva o autor, jogador de futebol profissional, ser indenizado pelo uso indevido de sua imagem, de seu apelido desportivo e demais atributos pessoais nos jogos produzidos e comercializados pela ré, FIFA SOCCER, edições de 2013 e 2014 e FIFA MANAGER, edições 2013 e 2014. A preliminar de inépcia da inicial por ausência de documentos necessários à formação do arcabouço probatório não prospera. Além das razões pontuadas em sentença para seu afastamento, acresça-se não haver que se falar em inviabilidade de defesa processual, porquanto incontroverso que a ré, enquanto fabricante e comercializadora dos jogos, dispõe de todos os jogos objeto da presente demanda, apresentando plenas condições de se contrapor a qualquer das alegações autorais. No mérito, o recurso da ré comporta parcial provimento e o do réu, integral. Pretende o autor indenização pelo uso indevido de sua imagem e de seu apelido pela ré. Primeiramente, não prospera a alegação da ré de haveria que mera representação gráfica de figuras masculinas, porquanto inequívoca TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 5 a individualização do autor por suas características, especificamente altura, peso, idade, pé de preferencia, posição em que joga, além do uso de sua imagem e de seu apelido desportivo. Relativamente à proteção de tais direitos, dispõem os artigo 87, e 87-A da Lei nº 9.615/98: Art. 87 A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente. Parágrafo único. A garantia legal outorgada às entidades e aos atletas referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação, símbolos, nomes e apelidos.” “Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.” Pois bem, como mesmo se extrai dos dispositivos acima transcritos, a cessão de tais direitos deve ser feita pelo próprio atleta, mediante ajustecontratual. Sustenta a ré que possui Contratos de Licença para uso e exploração dos direitos de imagem dos jogadores com a FIFPRO e que tais contratos asseguram a cessão do direito de imagem de jogadores de diversos países, incluindo do Brasil, pelo período de novembro de 2003 a dezembro de 2015. Afirma que a FIFPRO é uma organização internacional responsável pela representação de associações de atletas de futebol profissional de todo o mundo, dentre as quais a TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 6 Federação Nacional dos Atletas Profissionais do Futebol FENAPAF, do Brasil. Esclarece que a FENAPAF, por sua vez, é entidade nacional associada e responsável pela representação de diversos sindicatos estaduais de jogadores de futebol, dentre eles os sindicatos dos profissionais dos Estados dos Clubes em que atuou o autor. Assim, sustenta a ré que o encadeamento da cessão de uso dos direitos dos jogadores se dá da seguinte forma: os jogadores de determinado Estado são representados pelo respectivo sindicato; os sindicatos, por sua vez, representados pela FENAPAF; e a FENAPAF, finamente, pela FIFPRO, que veio a celebrar contrato com a ora ré. O encadeamento sucessivo de cessões construído pela ré, contudo, não se sustenta por falta de suporte probatório, sendo a tal fim insuficiente os contratos havidos entre ela e a FIFPRO, coligidos às fls. 671/705. Não há como, exclusivamente com base no último contrato da cadeia, afirmar pela existência ou validade das alegadas cessões de direitos precedentes. Os negócios jurídicos realizados em cadeia demandam, por razões óbvias, grau ainda mais elevado de cautela na aferição da regularidade de todas as etapas antecedentes, vez que a nulidade ou inexistência de ato anterior acaba por macular também aqueles supervenientemente, com base nele, celebrados. Ainda, de acordo com o contrato, a FIFPRO “tem direito e poderes para conceder licenças para afins comerciais, em uma base conjunta apenas, dos nomes e imagens dos jogadores de futebol que são membros das PFAs Regionais relacionadas no Anexo A deste instrumento.” (fl. 680 grifei) Extrai-se da cláusula 2.2 que “a Licenciadora reconhece e concorda que ela devera envidar seus melhores esforços para trabalhar com todas as PFAs Regionais para garantir que todos os jogadores membros assinem consentimentos por escrito a respeito do uso e exploração pelas PFAs pertinentes (...)” (fl. 681 -grifei) Ainda, nos termos da clausula 2.5 “jogadores TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 7 excluídos”, “assim que possível no desenvolvimento de cada um dos Produtos Licenciados, a EA deverá fornecer à Licenciadora [FIFPRO] uma lista de todos os jogadores a ser exibidos nesses Produtos Licenciados. A Licenciadora devera revisar imediatamente cada referida lista recebida da EA e, em 15 (quinze) dias úteis de seu recebimento, deverá informar a EA se quaisquer jogadores listados não forem membros de uma das PFAs Regionais ou não tiverem concedido direitos a uma PFA Regional consistente com os direitos concedidos pela Licenciadora nos termos deste instrumento” (fl. 682) Pois bem. Considerando-se o teor das cláusulas transcritas acima, tem-se que a mera juntada de referidos contratos não comprova que i) tenha o autor assinado consentimento por escrito a respeito do uso e exploração de sua imagem e nome; ii) tenha a ré mandado a lista para a FIFPRO, iii) tenha a FIFPRO, ou não, apontado a qualidade do autor como membro da FENAPAF, ou, ainda, v) tenha o autor outorgado poderes especiais para a cessão do uso de sua imagem a qualquer das entidades apontadas pela ré como integrantes da cadeia de cessão dos direitos. Não bastasse, juntamente com a interposição do presente recurso a ré, de forma extemporânea, coligiu aos autos mais documentos, alegadamente “novos”, consistentes em “cópias de autorizações concedidas por nada menos do que 462 (QUATROCENTOS E SESSENTA E DOIS) jogadores profissionais de futebol, pertencentes 20 (vinte) Clubes, sendo a 17 (dezessete) Clubes atuantes pela Série A1 e 3 (três) pela série B2 do Campeonato Brasileiro”, a fim de sustentar a abusividade do valor pleiteado. Tais documentos, além de não serem novos, não guardam qualquer pertinência com a presente ação por se referirem a autorizações concedidas à ré por terceiros sem qualquer relação com o caso subjudice. Ressalte-se, ademais, que tais autorizações individualizadas acabam por contrariar a própria tese da defesa de que a autorização TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 8 seria desnecessária ou, ainda, de que esta se deu e se comprova exclusivamente pelos contratos celebrados com a FIFPRO. Pontue-se que, se, como alega a ré, a FIFPRO se obrigou, numa cadeia de relações jurídicas contratuais, a assumir eventual responsabilidade decorrente da situação ora discutida, deve a ré buscar junto a FIFPRO eventual indenização nos termos da avença entre elas celebrada e não, de outra forma, opor tal avença ao autor na tentativa de se eximir de sua responsabilidade. Não se admite que venha a ré, sem qualquer prova, intentar opor ao autor ajuste por ela pactuado com terceiro envolvendo o uso da imagem do autor, sem qualquer indício da autorização ou interveniência deste. A alegação da ré de que o status do autor de pessoa pública do esporte, tido como patrimônio de toda a nação brasileira, implica na ausência de proteção de absoluta aos seus direitos da personalidade não se sustenta, sendo inclusive contraditória à própria celebração de contrato de licenciamento pela ré, bem como à obtenção de autorizações, como aquelas tardiamente coligidas aos presentes autos. A flexibilização à esfera de proteção da imagem de pessoas pública, se justifica em circunstâncias em que presente o dever de informação de interesse público que, em dado caso concreto, deva se sobrepor aos direitos pessoais do exposto. Contudo, tais circunstâncias não se afiguram na hipótese dos presentes autos, em que há clara e exclusiva exploração econômica da imagem e apelido do autor na atividade empresarial desempenhada pela ré, impondo- se a obtenção de prévia autorização expressa do titular para sua utilização Em que pese seja pessoa pública, é certo que a exploração de sua imagem pela ré em atividade comercial, com fins claramente econômicos, sem a devida autorização do autor, impõe o dever de indenizar, nos termos da sumula 403 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: “ Independe de prova TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 9 do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.” Assim, passa-se a apreciação do quantum indenizatório, objeto de insurgência e ambas as partes. A tal respeito, a r. sentença comporta reparo. Ponderando-se as peculiaridades do presente caso, em especial, a quantidade de jogadores e de clubes em cada edição, bem como o fato de que, embora indevido o uso da imagem, seu uso em jogo mundialmente comercializado traz prestígio ao autor, o montante indenizatório comporta redução. Fixa-se a indenização pelos danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por aparição, atualizáveis a partir da publicação deste acórdão (S. 362, STJ). O valor total (R$ 30.000,00), da mesma forma, bem visualiza as peculiaridades do caso e se põe em linha de coerência com precedentes em casos assemelhados, sendo, por fim, compatível com a lesão sofrida.Por fim, quanto à incidência de juros sobre o valor indenizatório, assiste razão ao autor. Realmente, por se tratar de responsabilidade civil extracontratual, os juros devem incidir da data de cada um dos eventos danosos, in casu, a partir do início da venda de cada jogo em que veiculado o personagem do autor, nos termos da Súmula 54 do STJ. Por ter sido parcialmente frutífero o recurso de apelação da ré, e frutífero o recurso do autor, acarretando trabalho adicional aos patronos de ambas as partes, a fixação dos honorários deve ser majorada para 12% (doze por cento) do valor da condenação em favor dos patronos da ré e para 15% (quinze por cento) do valor da condenação em favor dos patronos da autora, nos TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1059967-28.2015.8.26.0100 -Voto nº 30464 10 termos do artigo 85, §11, CPC/15. Por tais fundamentos, dá-se parcial provimento ao recurso da ré e se dá provimento ao recurso do autor, fixar o quantum indenizatório em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por aparição e determinar que os juros de mora incidam a partir da data de cada um dos eventos danosos, nos termos da Súmula 54 do STJ. PIVA RODRIGUES Relator
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