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estrutra_narrativa_-_V.pdf

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A estrutura das narrativas de ficção – O discurso das personagens 
 
5. A representação do discurso das personagens 
Conhecemos uma personagem pelo modo como ela age, mas também pelo que diz 
ou pensa, isto é, pelo discurso particular que o narrador lhe atribui. A fala e o 
pensamento são elementos fundamentais de uma narrativa de ficção. Tanto assim que 
alguns teóricos do romance consideram esse gênero, sobretudo, como resultado do 
choque entre as várias vozes que emanam das personagens, de suas visões de mundo e 
posições sociais. 
A seguir, vamos conhecer as técnicas mais freqüentemente utilizadas para que o 
leitor tenha acesso a essa polifonia. 
 
 5.1. Discurso direto, indireto, indireto livre. 
Existem diversas maneiras de representar o discurso das personagens, e cada uma 
pode produzir ou reforçar efeitos específicos. Para distingui-las, vamos retomar um 
trecho do conto Singular ocorrência, e imaginar duas variações sobre a forma original. 
Compare os fragmentos, atentando para os elementos em destaque. 
Exemplo 1 (excerto do original) - discurso indireto: 
 
No texto original, só temos acesso à fala pronunciada pela personagem Marocas 
através de uma versão que o narrador nos dá. Daí chamarmos a essa técnica de discurso 
ou estilo indireto. Observe que as palavras do narrador não reproduzem exatamente as da 
personagem, ocorrendo inclusive mudanças nas referências temporais (o verbo “ficar” no 
pretérito imperfeito) e espaciais (o advérbio “ali”), que sugerem a distância entre 
enunciado (quando a ação ocorreu) e enunciação (o momento da narração). Outra marca 
do discurso indireto é a presença necessária de um verbo de elocução (“perguntou”), que 
introduz a versão da fala representada. 
 
Exemplo 2 - discurso direto: 
 
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa. 
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu 
um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe: 
— Por favor, o senhor pode me explicar onde fica esse número? 
 
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa. 
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu 
um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe onde ficava o número ali 
escrito. 
 
 
O segundo fragmento, uma adaptação do texto machadiano para efeito de 
exemplificação, distingue-se deste por reproduzir a fala da personagem na forma exata 
como ela teria sido pronunciada, o que se deduz do uso do pronome de primeira pessoa 
(“me”) e dos tempos verbais (“pode”, “fica“) coerentes com o instante da ação narrada. 
Nessa modalidade, denominada discurso direto, é freqüente — embora não seja regra — 
o emprego de parágrafo e travessões indicando o início da fala da personagem. O uso do 
verbo de elocução, que no estilo indireto é obrigatório, aqui se torna facultativo, como 
podemos constatar no exemplo abaixo. 
Exemplo 3 - discurso direto sem verbo de elocução: 
 
 
O quarto exemplo é marcado pela ausência de fronteiras nítidas entre o discurso do 
narrador e o da personagem. Não existem verbos de elocução e, embora os tempos 
verbais (“ficava”, “ensinasse”) e a pontuação do texto indiquem que, formalmente, a 
palavra pertence ao narrador, a perspectiva lógica da personagem está parcialmente 
assimilada ao relato. Quem necessita encontrar certo endereço? Quem tem dúvidas sobre 
a disposição do Andrade em indicá-lo? Certamente não é o narrador. Em contrapartida, 
podemos atribuir a ele as referências a Marocas em terceira pessoa (“deteve-se”, 
“estendeu”). Temos assim um discurso misto, que recebe o nome de estilo indireto livre 
ou semi-indireto. 
 
Exemplo 4 – discurso indireto livre: 
 
 
 
5.2. Monólogo interior e fluxo de consciência 
Boa parte da ficção produzida no século XX, bem como de seus desdobramentos 
atuais, privilegia a exploração em profundidade das dimensões psicológicas de suas 
personagens. Para tanto lança mão, freqüentemente, de uma técnica de representação 
conhecida como monólogo interior. Como a própria expressão indica, trata-se de uma 
conversa da personagem consigo mesma, ou seja, de uma seqüência de discurso não 
pronunciado, formulado apenas em pensamento, a que, no entanto, o leitor terá pleno 
Marocas vinha andando, parando e olhando. Onde será que ficava aquela 
casa? Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, 
estendeu um pedacinho de papel ao Andrade. Talvez ele lhe ensinasse o endereço. 
Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma casa. 
Defronte da loja deteve-se um instante; depois, envergonhada e a medo, estendeu 
um pedacinho de papel ao Andrade. 
— Por favor, o senhor pode me explicar onde fica esse número? 
 
acesso. O monólogo interior simula a representação das idéias que desfilam na mente da 
personagem, sem que a elas se interponham explicações ou comentários do narrador. Mas 
quando, de tal registro, resulta uma seqüência de fragmentos mais ou menos ilógicos, 
dispostos caoticamente, dando-nos a impressão de que o narrador se limitou de fato a 
mostrá-los, então chamamos a técnica de corrente ou fluxo de consciência. Analise o 
exemplo seguinte, extraído do romance Estorvo, de Chico Buarque (op. cit., p. 140-141), 
e veja como a coerência das idéias da personagem vai se perdendo gradativamente. 
 
 
 Não haverão de me negar uma ficha telefônica na rodoviária. Ligarei para 
minha mãe, pois preciso me deitar num canto, tomar um banho, lavar a cabeça. 
Quando minha irmã chegar de viagem, de bom grado me adiantará seis meses do 
aluguel de um apartamento. Se mamãe não atender, andarei até a casa do meu 
amigo; ele não se importará de me hospedar até a volta da minha irmã. Se meu 
amigo tiver morrido, baterei à porta da minha ex-mulher. Ela sem dúvida estará 
atarefada, e poderá se embaraçar com a visita imprevista. Poderá abrir uma 
nesga da porta e fincar o pé atrás. Mas quando olhar a mancha viva na minha 
camisa, talvez faça uma careta e me deixe passar.

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