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0 UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE DIREITO KÁTINA JAÍNE MARCOLIN A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO INJUSTIFICADA DE CRIANÇAS OU ADOLESCENTES DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA Maravilha(SC) 2017 1 KÁTINA JAÍNE MARCOLIN A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO INJUSTIFICADA DE CRIANÇAS OU ADOLESCENTES DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, Área das Ciências Humanas, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Maravilha como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Alexandra Vanessa Klein Perico Maravilha(SC) 2017 2 SUMÁRIO 2 A HISTÓRIA DA ADOÇÃO............................................................................. 9 2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA..................................................... 9 2.1.1 A Adoção no Direito Romano e Grego............................................................. 11 2.1.2 A Adoção na Idade Média.................................................................................. 13 2.1.3 A Adoção na Idade Moderna............................................................................. 13 2.1.4 A Adoção no Código Civil de 1916.................................................................... 15 2.1.5 A Adoção na Constituição Federal de 1988...................................................... 16 2.1.6 A Adoção no Código Civil de 2001 e a Lei nº 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente.................................................................................................... 17 2.2 PODER FAMILIAR............................................................................................. 20 2.2.1 Limitações ao exercício do poder familiar: perda, suspensão e destituição.. 22 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DEVER DE INDENIZAR....................................................................................................... 26 3.1 REPONSABILIDADE CIVIL: ORIGEM DO INSTITUTO E PRESSUPOSTOS GERAIS................................................................................. 27 3.2 TEORIAS E SEUS PRESSUPOSTOS................................................................ 35 3.2.1 Teoria Subjetiva da Responsabilidade Civil.................................................... 35 3.2.2 Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil...................................................... 36 3.3 O DANO E SUA QUANTIFICAÇÃO................................................................ 37 4 A ADOÇÃO: A (IM) POSSIBILIDADE DE CONFIGURAR O DEVER DE INDENIZAR NAS DEVOLUÇÕES OCORRIDAS DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA....................................................................... 45 4.1 ADOÇÃO: QUEM ESTÁ APTO PARA ADOTAR E SER ADOTADO............ 45 4.2 CARACTERÍSTICAS E MODALIDADES DE ADOÇÃO............................... 46 4.2.1 Características.................................................................................................... 46 4.2.2 Modalidades........................................................................................................ 47 4.2.2.1 Adoção Unilateral................................................................................................ 47 4.2.2.2 Adoção Póstuma................................................................................................... 48 4.2.2.3 Adoção à Brasileira.............................................................................................. 49 4.2.2.4 Adoção Internacional........................................................................................... 51 4.2.2.5 Adoção intuiu personae....................................................................................... 55 4.3 O PROCEDIMENTO PARA ADOÇÃO: OS CANDIDATOS............................ 56 3 4.4 ESTATÍSTICAS SOBRE A ADOÇÃO NO BRASIL.......................................... 58 4.5 O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA E SEUS OBJETIVOS................................. 59 4.6 A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA: DEVER DE INDENIZAR?........................... 62 4.6.1 Precedentes jurisprudenciais............................................................................ 73 5 CONCLUSÃO .................................................................................................... 77 REFERÊNCIAS................................................................................................. 79 4 KÁTINA JAÍNE MARCOLIN A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA DEVOLUÇÃO INJUSTIFICADA DE CRIANÇAS OU ADOLESCENTES DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovada em ___/___/____ BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Profª Alexandra Vanessa Klein Perico Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC __________________________________________________ Profº Nédio Dariva Pires de Lima Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC 5 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso trata sobre a perspectiva de responsabilização civil dos pretendentes à adoção e o dever de indenizar por danos provocados, em virtude da desistência da medida durante o estágio de convivência. Tal análise se faz a partir dos princípios da proteção integral, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente, todos estampados na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Almejou-se evidenciar o cabimento e a importância da reparação por danos morais causados em crianças e adolescentes que sofrem com a devolução imotivada às instituições de acolhimento. Para isso, disserta-se sobre a evolução histórica do instituto da adoção e as modificações sofridas no ordenamento jurídico brasileiro, particularmente com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ocasionou uma mudança de paradigma em relação ao papel ocupado pelos infantes na sociedade. Analisar-se-á ainda, os motivos que possibilitam a responsabilização civil devido à devolução dos adotandos durante o estágio de convivência, uma vez da inexistência de legislação que verse sobre o assunto. Palavras-chave: Adoção; desistência; estágio de convivência; responsabilidade civil; dano. 6 ABSTRACT The present work of conclusion of course deals with the perspective of civil responsibility of the pretenders to the adoption and the duty to indemnify for damages caused, due to the waiver of the measure during the stage of coexistence. This analysis is based on the principles of integral protection, the dignity of the human person and the best interest of the child and the adolescent, all stamped in the Federal Constitution of 1988 and the Statute of the Child and Adolescent. It was hoped to highlight the importance and the importance of reparation formoral damages caused to children and adolescents who suffer from the unimpeded return to the host institutions. In order to do so, the article discusses the historical evolution of the adoption institute and the changes undergone in the Brazilian legal system, particularly with the emergence of the Child and Adolescent Statute, which led to a paradigm shift in relation to the role of infants in society. It will also analyze the reasons that allow civil responsibility due to the return of adoptees during the stage of coexistence, once there is no legislation that deals with the subject. Word-keys: Adoption; Withdrawal; Stage of coexistence; civil responsability; damage. 7 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho trata sobre a possibilidade de reparação civil, no que pese a indenização por dano moral, na eventual devolução de crianças e adolescentes durante o estágio de convivência às instituições de acolhimento. O principal questionamento deste trabalho é a respeito da responsabilização civil e o dever de indenizar ou não, crianças e adolescentes que tenham passado pela experiência de novo abandono. O tema é muito pertinente, ainda que não haja vedação legal para tal ato e que a adoção apenas se efetiva e passa a ter caráter irrevogável após o trânsito em julgado da sentença, argumenta-se que o estágio de convivência não pode amparar o fundamento para a devolução e por consequência, causar dano emocional ou psicológico às crianças e adolescentes. A análise da possibilidade de responsabilização civil dos pretendentes à adoção torna- se inevitável, particularmente, diante da repetição de situações desse gênero, demonstrando descaso com os sentimentos do adotando, além de configurar grave ofensa a sua dignidade. O tema abordado se justifica por sua valia para proteger o melhor interesse de crianças e adolescentes, de modo que a lei deve ser interpretada a seu favor. Ao colocar a criança ou o adolescente em família substituta, acredita-se que esse novo núcleo familiar seja capaz de lhes oferecer um ambiente sadio para o seu desenvolvimento e também atenuar o histórico de rejeição já vivenciado. O estágio de convivência serve propriamente para observar se o adotado está se adaptando ao novo ambiente familiar e se a adoção efetivamente lhe trará benefícios, não se traduzindo em favor dos adotantes. O presente trabalho se dividirá em três capítulos, a saber: 1) A história da adoção, a evolução do direito de família e o poder familiar; 2) A responsabilidade civil e o dever de indenizar e suas teorias; e 3) A possibilidade do dever de indenizar dos adotantes pela desistência durante o estágio de convivência. O primeiro capítulo discutirá a história da adoção, abordando a evolução do direito de família. Também, analisar-se-á o instituto sob o Código Civil de 2002 e a Lei n. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a demonstrar as alterações sofridas pelo instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, será abordado o poder familiar e suas limitações. Por sua vez, o segundo capítulo tratará sobre o instituto da responsabilidade civil e o dever de indenizar, falando sobre a origem do instituto e os pressupostos exigidos, bem como abordando as teorias, quais sejam, responsabilidade civil subjetiva quanto no caso de 8 responsabilidade civil objetiva. No terceiro capítulo, se dissertará quanto a (im)possibilidade de indenização por dano moral diante da desistência da adoção durante o estágio de convivência. Será analisado quem está apto para adotar e ser adotado, as características da adoção e suas modalidades. Também, as estatísticas da adoção no Brasil e os objetivos do estágio de convivência. Por fim, apresentará decisões dos tribunais brasileiros acerca do tema, demonstrando posições favoráveis e contrárias acerca da configuração do dano moral e a possibilidade de indenização. O estudo se desenvolveu mediante pesquisa bibliográfica, procurando identificar os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema, com a análise de diversos artigos sobre a matéria. 9 2 A HISTÓRIA DA ADOÇÃO A evolução cultura, histórica e social, do mesmo modo que as conquistas na área do Direito vêm reforçando que a justiça tem como propósito acompanhar a necessidade da população, visto que a dignidade das pessoas humanas prevalece, tendo como finalidade colocar em primeiro plano das prioridades o ser humano, o cidadão. A adoção é um dos institutos que tem por finalidade, a de proporcionar ao cidadão o atendimento às suas necessidades e estabelecer o bom convívio social, instituto este que será objeto de estudo. Será abordada a evolução histórica e legislativa do instituto da adoção, ressaltando os aspectos relevantes da história e as legislações que regulamentaram a adoção no Brasil, dentre estes, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que forma a base da adoção nos moldes atuais, da mesma forma que o Código Civil de 2002, busca regulamentar. 2.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA A família pode ser considerada a unidade social mais antiga, a qual, historicamente, mesmo antes do homem se estabelecer em comunidade, constituía-se em um conjunto de pessoas relacionadas a partir de um ancestral comum ou através do matrimônio. A família era uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional ao mesmo tempo (WALD, 2002). Todos os membros da família assumiam obrigações morais entre si, sob a liderança do ancestral comum, conhecido como “patriarca”, normalmente da linhagem masculina, símbolo da unidade da entidade social, reunindo-se em uma mesma comunidade todos seus descendentes, os quais compartilhavam de uma identidade cultural e patrimonial. Essas primeiras entidades familiares, unidas por laços sangüíneos de parentesco, receberam o nome de clãs (MIRANDA, 2001). Com o crescimento territorial e populacional, essas organizações familiares tiveram que se associar promovendo o surgimento das primeiras tribos, grupos sociais compostos de corporações de grupos de descendentes. Deste modo, a organização primitiva das famílias, estabelecida principalmente nas relações de parentesco sanguíneo, foi o primórdio das primeiras sociedades humanas organizadas (MIRANDA, 2001). O termo “família” advém da expressão latina famulus, que significa “escravo doméstico”, que designava os escravos que trabalhavam de forma legalizada na agricultura familiar das tribos ladinas, situadas onde hoje se localiza a Itália (MIRANDA, 2001). 10 Com o desenvolvimento de sociedades mais complexas, na qual os laços sanguíneos eram cada vez mais dissolvidos entre a população, ganha importância no Direito da Roma Antiga a expressão família natural, formada apenas por um casal e seus filhos. Ao contrário dos clãs, que se formavam a partir da relação de parentesco com um ancestral comum, a família natural romana originava-se através de uma relação jurídica, o casamento (MIRANDA, 2001). Não obstante a importância do afeto na relação matrimonial, o modelo romano de família mantinha a estrutura de poder despótico, “concentrados sob a patria potestas do ascendente comum vivo mais velho”. O poder do patriarca era dividido empater familias, o chefe da família natural, o qual exercia seu poder sobre os seus descendentes não emancipados, sua esposa e com as mulheres casadas com seus descendentes (WALD, 2002). A família natural foi adaptada pela Igreja Católica, que transformou o casamento em instituiçãosacralizada e indissolúvel, e única formadora da família cristã, formada pela união entre duas pessoas de diferentes sexos, unidas através de um ato solene, e por seus descendentes diretos, a qual ultrapassou milênios e predomina até os dias atuais (CASTRO, 2002). Destaca-se dentro do modelo canônico de família a importância destinada ao sexo, sendo que a relação carnal entre os nubentes tornou-se requisito de validade para a convalidação da união. Esta condição estabelecida pelo direito eclesiástico é fruto da indissociação entre o matrimônio e a procriação, função primordial da união e que poderia ocorrer após o sacramento do casamento (CAPARELLI, 1999). Entendia-se dessa forma que o fim do matrimônio enquanto instituição era a procriação e, por conseguinte, a educação da prole, o que tornava justificável a prática do ato sexual dos cônjuges, autorizado no seio dessa instituição como remédio (...) A evolução da família, em específico no interior das sociedades ocidentais, fundamentou-se na consanguinidade entre seus integrantes, originando-se grandes ordens familiares provenientes de um singular patriarca. Gradativamente, essa formação foi substituída por núcleos familiares menores, compostos a partir do laço entre homens e mulheres por meio de ato solene, chamado casamento, que foi enraizado e sacralizado pela Igreja Católica (GOMES, 1998). A família iniciou sua passagem para a contemporaneidade com o ingresso da mulher no mercado de trabalho por volta de 1950 e com a conquista da igualdade entre os cônjuges. 11 O afeto passou a ser um elemento essencial para a união entre pessoas, tornando-as cúmplices do amor e da felicidade, formando assim, entidades familiares diversas, tuteladas ou não pelo Direito (CAROSSI, 2003). A família contemporânea se faz distinta pela diversidade, fundamentada pela incansável procura pelo afeto e felicidade. Dessa forma, a filiação também tem seus alicerces no afeto e na convivência, abrindo brechas para a possibilidade da filiação não ser simplesmente aquela que decorre dos laços de sangue, mas da mesma forma do amor e da convivência, como é o caso da filiação socioafetiva (CAROSSI, 2003). 2.1.1 A Adoção no Direito Romano e Grego Em Roma, o instituto da adoção ganha notável desenvolvimento, acompanhando as transformações da família romana, que nos primeiros tempos tinha uma concepção eminentemente pública ou política, não determinada necessariamente pelos laços sanguíneos. O parentesco chamado agnatício compreendia todos os que estavam debaixo do poder de um pater familae (SIQUEIRA, 1992). Na Fase Romana existiam três formas de adoção: arrogatio (ad- rogação), a adoptio (adoção) e aadoptio per testamentum (adoção por testamento). Na “ad- rogação” um pater familae era adotado por outro pater familae, juntamente com o seu patrimônio, tornando-se, por isso, um incapaz pois perdia seus bens e família para o adotante. Este deveria ter mais de sessenta anos e ser, pelo menos, dezoito anos mais velho que o adotado. Na adoptio, que era a adoção propriamente dita, o adotando mudava de uma família para outra, o adotante deveria ser homem, com diferença de 18 anos em relação ao adotando e não possuir filhos legítimos ou adotados. Como em Roma existia culto aos mortos, existia a adoptio per testamentum, terceira modalidade de adoção, em que os efeitos da mesma ocorriam após a morte do testamenteiro, deixando, dessa forma, herança ao nome, bens e os deuses ao adotado (GRANATO, 2010). A história mostra que um grande número de filhos adotivos tornaram-se imperadores em Roma: Scipião Emiliano, César Otaviano, Calígola, Tibério, Nero, Justiniano. No fim da República, Cláudio, para chegar ao tribunato, fez-se adotar por um plebeu, e Galba adotou Pison, homem do povo, para que ele continuasse as tradições de seu governo (COULANGES, 1961). A fim de continuar a sacra privata, ou por motivos políticos, para assegurar sucessor ao príncipe; para transformar plebeus em patrícios; para atribuir o jus civitatis, a um latino, 12 era relevante a adoção entre os romanos, pois servia, entre outras coisas, para dar herdeiro a quem não os tinha, por motivos de família. Constituía-se da adoção propriamente chamada de adoptio, que entre os romanos é o ato pelo qual o allieni juris, homem ou mulher, sai da família de origem para colocar-se sob outra patria potestas, ou seja, da família do adotante (CHAVES, 1994). A adoptio ou adoção, em sentido estrito, ou propriamente dita do direito romano, é a que mais se assemelha à concepção moderna do instituto. Esse tipo de adoção possuía os seguintes requisitos em relação à pessoa do adotante: deveria este último ser sui juiris (homem), ser mais velho ao menos dezoito anos que o adotado, e não possuir filhos legítimos ou adotados (CHAVES, 1994). Em Roma, à época de Justiniano, havia duas espécies de adoptio: 1. A plena; e 2. A minus plena. A primeira tinha a finalidade de conceder pátrio poder a quem não o tinha, porém somente entre membros da mesma família natural ou de sangue. A adoptio minus plena, em contrapartida, se caracterizava por manter os laços de parentesco do adotivo com sua família natural, ficando sob o pátrio poder de seu pai de sangue. Neste caso, na eventualidade de o adotante falecer sem testamento (ab intestato), o filho adotivo concorria à sucessão. Praticada entre pessoas estranhas, este tipo de adoção exigia a presença do magistrado para concretizá-la (MARCILIO, 2001). Na Grécia Antiga, mais especificamente em Atenas, a adoção poderia ser vista como um ato extremamente formal, de cunho religioso, onde apenas os cidadãos, que eram os homens livres maiores de 18 anos e que tinham posse, possuíam o direito de adotar. As mulheres não poderiam adotar vez que não eram cidadãs, porém poderiam ser adotados, assim como os homens (GRANATO, 2010). Quando a mulher não poderia ter filhos ou ainda só tinha dado a luz a crianças do sexo feminino e não tinha outro membro do sexo masculino que pudesse manter as oferendas, então se recorria para a adoção (REDE, 1999). Desta forma, passava a conviver com os costumes, éticos, morais, culturais e religiosos deixando para trás toda e qualquer costumes religiosos a família que pertencia ou cultuava, pois, a partir do momento em que passava ser membro daquela família, teria que se dedicar somente a mesma, tendo assim obrigação de continuar os ritos religiosos dos que eram agora sua família e antepassados do mesmo modo como seu pater adotivo, que, após a sua morte, passava as obrigações para este seu filho do qual adotou, que também assumiria total controle sobre os negócios da família, tendo também que, deixar sempre um herdeiro para que após a sua morte lhe prestassem homenagens fúnebres e aos deuses da religião 13 correspondente àquela família, para que esse também viesse a abençoar sua família. Era assim, pois, que funcionava a adoção na Grécia, levada pelo medo de não descansar em paz a quem não fosse rendido homenagens (REDE, 1999). A adoção também era a saída para homens que não haviam contraído o matrimonio, segundo a Lei de Licurgo de Esparta, visto que o celibato não era permitido e as famílias eram constituídas com o principal intuito de procriar, então estes adotavam para não sofrerem as sanções que Licurgo os impunha (JAEGER, 2001). 2.1.2 A Adoção na Idade Média A Idade Média foi época de grandes conflitos com muitas perdas humanas. As guerras empreendidas durante a civilização e organização da sociedade germana admitiam a adoção com objetivo de aumentar o numero de guerreiros e dar continuidade às lutas empreendidas pelos pais e famílias dos adotados,tendo como efeito, conferir ao adotado o nome, as armas e o poder publico do adotante (ARIÉS, 2003). Durante o período medieval, as crianças eram, em sua maioria, aprendizes de tarefas domésticas e tinham por função servir aos adultos. A prática corrente era de se entregar as crianças para outras famílias a fim de serem educadas em algum ofício. Os mestres transmitiam aos filhos de outras famílias o conhecimento do trabalho e seus valores. Nessas condições, a criança, desde muito cedo, escapava da sua própria família, mesmo que voltasse a ela mais tarde, depois de adulta, o que nem sempre acontecia. Era uma época em que as relações afetuosas e com sentimentos mais profundos entre pais e filhos, não ocorriam, porque não havia tempo para isto. A adoção não se acomodava aos costumes e às instituições dessa época, caindo em desuso, por ser considerada contraria aso direitos eventuais dos senhores sobre os feudos (ARIÉS, 2003). 2.1.3 A Adoção na Idade Moderna Foi no Direito Francês, início da Idade Moderna, que a adoção renasce, adoção através do Código Napoleônico (séc. XIX), dando a ele novos fundamentos e regulamentando-o de forma a satisfazer aos interesses do Imperador Napoleão Bonaparte, o qual não tinha filhos e pretendia adotar um de seus sobrinhos para que o sucedesse no Império. Entretanto, só era reconhecida a adoção de maiores de idade, devendo o adotante contar com idade mínima de 50 anos (WALD, 2005). 14 Sobre a adoção na França, Wald (1999, p. 188) muito bem lecionou: Coube à França ressuscitar o instituto, dando-lhe novos fundamentos e regulamentando-o no Código Napoleão, no início do século XIX, com interesse do próprio Imperador, que pensava adotar um dos seus sobrinhos. A lei francesa da época só conheceu a adoção em relação a maiores, exigindo por parte do adotante que tenha alcançado a idade de cinqüenta anos e tornando a adoção tão complexa e as normas a respeito tão rigorosas que pouca utilidade passou a ter, sendo de rara aplicação. Leis posteriores baixaram a idade exigida e facilitaram a adoção, permitindo que melhor desenvolva o seu papel na sociedade moderna. O Código Napoleônico estabeleceu quatro tipos de adoção: Adoção ordinária: permitia que pudessem adotar pessoas com mais de cinquenta anos, sem filhos e com a diferença de mais de quinze anos do adotado; previa a alteração do nome e a determinação de ser o filho adotivo herdeiro do adotante. Era contrato sujeito a homologação judicial. - Adoção remuneratória: prevista na hipótese de ter sido o adotante salvo por alguém, poderia então, adotar essa pessoa. - Adoção testamentária: permitia ao tutor, após cinco anos de tutela. - Adoção oficiosa: que era uma espécie de “adoção provisória”, em favor dos menores (GRANATO, 2013). Foi a legítima legislação francesa, que trazia ao adotado o desligamento total de sua família biológica e integrado totalmente a família substituta, sendo ele órfão devido a morte dos pais ou simplesmente abandonado ou em casos de gratidão por salvar a vida de alguém, podendo o mesmo ser acolhido, integrado e ter plenos direitos como menciona acima nos tipos que Napoleão estabeleceu (GRANATO, 2013). A respeito do direito português daquela época, sua definição não era desenvolvida com plenitude, diferente dos outros direitos como, por exemplo, o romano, o direito português tinha efeito apenas se o príncipe autorizasse para que fosse aberta algo adverso da lei existente e a filiação só servia para pedir títulos de alimentos. Esse direito não foi acolhido, vindo mais tarde a entrar em vigor no surgimento do Código Civil de 1966, nas formas de adoção plena (GRANATO, 2013). Assim destaca Eunice Ferreira Granato (2013, p. 42): Assim, a adoção, no direito português antigo era um título de filiação que servia apenas para pedir alimentos e ter outras distinções: só por graça do príncipe, por lei especial, poderia ter todas as consequências que existiam no Direito Romano. Não foi acolhida a adoção no Código Civil português de 1867, mais foi restaurada pelo Código Civil de 1966, nas formas de adoção plena e de adoção restrita. 15 2.1.4 A Adoção no Código Civil de 1916 A forma de adoção no Código Civil de 1916 foi muito criticada pelas suas restrições, como, por exemplo, o parentesco do adotado ser apenas com os pais adotivos. Assim, era a previsão do art. 336 que preconizava ser o parentesco resultante da adoção meramente civil, sendo limitado, por força do art. 376, apenas entre adotante e adotado (BRASIL, 1916). Segundo esta orientação, pode-se dizer que havia discriminação e preconceito entre filhos legítimos e filhos adotados que acabou por gerar mudanças no Código Civil de 2002. Durante a vigência do Código Civil de 1916, a adoção era realizada através de escritura pública, da qual não se admitia condição ou termo. Não havia a intervenção judicial no ato da Adoção, efetivando-se esta, presentes os requisitos, apenas com a averbação da escritura da Adoção no Registro Civil, salvo quanto aos impedimentos matrimonias estabelecidos pelo art. 183, do referido código: CC/16 - Lei nº 3.071 de 01 de Janeiro de 1916 Art. 183. Não podem casar (arts. 207 e 209): [...] II - os afins em linha reta, seja o vínculo legítimo ou ilegítimo; III - o adotante com o cônjuge do adotado e o adotado com o cônjuge do adotante (art. 376); [...] Inicialmente, o Código Civil de 1916, determinava que a adoção geraria seus efeitos ainda que o adotante viesse a ter filhos, a não ser que já houvessem sido concebidos no momento da adoção e que os direitos e deveres resultantes do parentesco natural não se extinguiam pela Adoção, com exceção do pátrio poder, que era transferido para o pai adotivo (SÁ, 1986). Ao ser instituído o Código Civil de 1916, a adoção tinha sentido diverso do atual, sendo a única forma de adoção, de natureza negocial que objetivava principalmente à pessoa dos adotantes, afastando para segundo plano os interesses do adotado, ao contrário do aspecto moderno pretendido pelo instituto, que busca atender necessariamente à pessoa destes. Seus modelos estavam fundados no passado com uma instituição destinada a dar filhos àqueles que não tinham e não podiam ter (SÁ, 1986). Somente era permitida a adoção para pessoas que não possuíssem prole legítima ou legitimada. Desta forma, quem não possuísse filhos, mas tivesse netos legítimos ou legitimados também não poderia adotar. Só era concedido o direito a adoção para duas pessoas, caso fossem marido e mulher. Não se permitia a adoção por homem e mulher se não 16 fossem unidos pelo matrimônio, nem tampouco por casais do mesmo sexo (FONSECA, 2006). O Código Civil de 1916 vigorou em uma época de discriminação por não julgar capaz para ser pai ou mãe pessoas que não atendessem às determinações legais e religiosas como homens e mulheres que não eram legalmente casados, como casais homoafetivos e as pessoas solteiras. Para a legislação, eram pessoas “incapazes” e não podiam assumir a paternidade e a maternidade (FONSECA, 2006). 2.1.5 A Adoção na Constituição Federal de 1988 Inspirada nos Direitos Fundamentais, a Constituição Federal de 1988 deu atenção significativa ao instituto da adoção, no art. 227, § 6º que dispõe: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988). Assim, a Constituição Federal deixou de atender as formas de adoção até então vigentes (civil, simples e plena), equiparando em direitos e qualificações a condição defilho, fossem ou não provenientes de relação de casamento ou por adoção. Desta forma, não seria mais necessária à coexistência das três formas de adoção até então vigentes (civil, simples e plena), pois estas apresentavam diferentes efeitos em relação à condição dos adotados. Percebe-se que as antigas formas de adoção sugeriam discriminação em relação aos filhos adotivos que não possuíam os mesmos direitos que os filhos legítimos (CARVALHO, 2009). Enquanto o adotado plenamente estaria legalmente equiparado aos filhos de sangue (legítimos, legitimados e naturais reconhecidos), com os mesmos direitos e deveres, os adotados, em consonância com as regras que disciplinam a adoção civil e simples, seriam considerados filhos de segunda categoria. A princípio, seria do entendimento de que estariam assim revogados os dispositivos no Código Civil relativos à Adoção, bem como no Código do Menor, em relação às disposições sobre a Adoção Simples. Com relação aos maiores de 18 anos, no entanto, continuavam os mesmos dispositivos da adoção Civil do Código de 1916 (CARVALHO, 2009). 17 2.1.6 A Adoção no Código Civil de 2002 e a Lei nº 8.069 de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente O Código Civil de 2002 trata da Adoção nos artigos 1.618 a 1.629. Tal como promulgado, abordando de forma ampla, diversos institutos, o referido diploma, sem dúvida trará problemas de interpretação o que gerará, muito em breve modificações intensas (BRASIL, 2002). Anterior ao Código de 2002, podia-se considerar três espécies de adoção: simulada, civil e estatutária. A simulada, também conhecida como adoção “à brasileira”, é uma criação da jurisprudência. a) A expressão "adoção simulada" foi empregada pelo Supremo Tribunal Federal ao se referir a casais que registram filho alheio, recém-nascido, como próprio, com a intenção de dar-lhe um lar, de comum acordo com a mãe e não com a intenção de tomar-lhe o filho. Embora tal fato constitua, em tese, uma das modalidades do crime de falsidade ideológica, na esfera criminal tais casais eram absolvidos pela inexistência do dolo específico. Atualmente, dispõe o Código Penal que, nesse caso, o juiz deixará de aplicar a pena. No cível, o Supremo manteve o mesmo entendimento, não determinando o cancelamento do registro de nascimento, afirmando tratar-se de uma adoção simulada. b) A adoção civil era a tradicional, regulada no Código Civil de 1916, também chamada de restrita porque não integrava o menor totalmente na família do adotante, permanecendo o adotado ligado aos seus parentes consangüíneos, exceto no tocante ao poder familiar, que passava para o adotante. Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente ficou limitada aos maiores de dezoito anos. c) Adoção estatutária era a prevista no mencionado diploma para os menores de dezoito anos. Era chamada, também, de adoção plena, porque promovia a absoluta integração do adotado na família do adotante, desligando-o completamente da sua de sangue, exceto no tocante aos impedimentos para o casamento. Como o referido Estatuto e omisso no tocante à adoção do nascituro (GONÇALVES, 2006). Alguns doutrinadores como, Venosa (2006), Gonçalves (2006) e Carvalho (2010), dentre outros, afirmam que a Lei n.º 8.069/90, como microssistema jurídico regente dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, não foi revogada pelo novo ordenamento jurídico que se impõe, devendo esta ser aplicada em tudo o que não conflitar com o Novo Código Civil. Podemos citar como exemplo prático, a maioridade que se atinge ao completar 18 anos, estando-se apto a todos os atos da vida civil. Dessa forma, salvo para o ato infracional e seus efeitos, cujo fundamento é diverso, tudo o que se referir a capacidade civil e suas consequências, não mais se observa a antiga regra do Estatuto da Criança e do Adolescente que faz menção aos 21 anos de idade. 18 No novo Código Civil, o instituto da adoção compreende tanto a de crianças e adolescentes como a de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos (GONÇALVES, 2006). Não cabe, portanto, qualquer alteração de nomenclatura, devendo ambas serem chamadas unicamente de “adoção”. Foram reproduzidos, quase que em sua totalidade e com algumas alterações de redação, os dispositivos do Estatuto. Contudo, o novo código não traz normas procedimentais, não tratando da competência jurisdicional. Mantendo-se, portanto, a atribuição exclusiva do Juiz da Infância e da Juventude para conceder a adoção e observar os procedimentos previstos no mencionado Estatuto, no tocante aos menores de dezoito anos (GONÇALVES, 2006). Quanto à natureza jurídica, informa Gonçalves (2006, p. 97): A adoção é negócio bilateral e solene. Todavia, a partir da constituição de 1988, passou a constituir-se por ato complexo, a exigir sentença judicial, destacando-se o ato de vontade e o nítido caráter institucional. Os principais requisitos constantes do novo Código Civil são: a) idade mínima de dezoito anos para o adotante (art. 1.618); b) diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado (art. 1.619); c) consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar; d) concordância deste, se contar mais de doze anos (art. 1.621); e) processo judicial (art. 1.623); f) efetivo benefício para o adotando (art. 1.625) O novo Código Civil revogou a legislação do Código Civil de 1916, buscou manter, no possível, as determinações, que se formara de dispendiosos estudos doutrinários e jurisprudenciais, adequando-se, contudo, aos princípios da Constituição de 1988 e à evolução social. A adoção, após o novo Código Civil, passou a ser irrestrita com importantes reações nos direitos de personalidade e nos direitos sucessórios. Terminava a dicotomia da adoção em “Simples” e “Plena” (DINIZ, 2007). Com a revogação da legislação, anterior o novo Código, acabou-se com a modalidade de adoção por escritura pública do antigo Código de 1916 e acresceu a forma de adoção plena contemplada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a adotandos de qualquer idade, seguindo os demais requisitos legais (DINIZ, 2007). A redução da idade mínima foi a principal inovação trazida pela nova lei civil, reduzindo de 21 anos para 18 anos, permitindo ainda a adoção por pessoas casadas ou que vivam em União Estável, desde que um deles tenha completado esse mínimo de idade. Essa redução decorre da diminuição da própria menoridade civil pelo novo Código. Manteve, contudo, como forma de se respeitar a natureza, a diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotando nos moldes das legislações anteriores (DINIZ, 2007). 19 Rodrigues (2002, p. 389) completa que se estabeleceu também, ao tratar do consentimento para a Adoção, que este pode ser revogado até a publicação da sentença constitutiva da Adoção (art. 1621, § 2º), e quanto a essa possibilidade de revogação do consentimento, não agiu bem o legislador, conforme observou: Permitir a retratação do consentimento, até a publicação da sentença, se for ela manifestada no final do processo, certamente trará numerosos transtornos processuais, além de ensejar significativo desgaste emocional ao menor, se já adaptado, no estágio de convivência e guarda provisória, à nova família, podendo representar traumática frustração das expectativas do menor e dos próprios adotantes. No ano de 1990, em 13 de julho, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei 8.069 que veio a revogar totalmente o Código do Menor de 1979. Diante da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente e os novos princípios que a Constituição Federal trazia para o campo do Direito de Família, restava saber seainda seguiriam em vigor as disposições sobre Adoção existentes no Código Civil (LISBOA, 1996). Promulgou-se então o Estatuto da Criança e do Adolescente que já em seu art. 1º estabeleceu sua função primordial de proteção integral à criança e ao adolescente, considerando, para os efeitos legais, criança, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente, aquela entre 12 e 18 anos de idade (BRASIL, 1988). A Adoção no Estatuto é disposta entre os art. 39 a 52 sendo somente permitida ao adotando de, no máximo 18 anos de idade, à data do pedido, salvo se já se encontrasse sob a guarda ou tutela dos adotantes (BRASIL, 1990). Para Lisboa (1996), a formalização para a adoção pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é necessário o processo judicial, sendo competente o juízo da Vara da Infância e Juventude, independente da situação jurídica do menor, se abandonado ou em situação regular. Essa disposição leva à conclusão de que o Estatuto da Criança e do Adolescente não é aplicável, exclusivamente, pelas Varas da Infância e Juventude e, não sendo o caso de ameaça ou violação aos direitos fundamentais da criança ou adolescente, a competência para conhecer dos pedidos de tutela ou guarda será das Varas de Família (PEREIRA, 2003). O juízo territorialmente competente para apreciação do pedido de adoção será o do foro do domicílio dos pais ou responsável pela criança ou adolescente, ou ainda do local onde ela se encontrar, à falta dos pais ou responsável (art. 147, I e II do Estatuto da Criança e do Adolescente) (BRASIL, 1990). 20 Percebe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta sensíveis inovações ao instituto da Adoção no Brasil que procuraram atender aos princípios da Constituição Federal de 1988, declarando a igualdade de direitos que o ato da adoção confere ao filho adotado, em relação aos filhos consanguíneos, aos quais se igualam em todos os direitos, ate mesmo sucessórios, afastando o vínculo jurídico do adotado com os parentes consanguíneos, salvo para os efeitos matrimoniais. Estabeleceu a necessidade de procedimento judicial para a Adoção, bem como proibiu a Adoção por meio de procuração (VENOSA, 2006). Venosa (2006) ressalta que antes do novo Código Civil em 2002, era o Estatuto da Criança e do Adolescente a lei que regulava o instituto da adoção. Assim, após o CC de 2002, os dispositivos do Estatuto, incompatíveis com a nova legislação foram revogados. Mas, no geral, os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente foram protegidos no Código Civil de 2002 que inseriu apenas algumas modificações. 2.2 PODER FAMILIAR Na Antiguidade o pater tinha poderes ilimitados sobre os filhos, enquanto a mãe, totalmente submissa, nada podia decidir quanto à educação dos filhos. A evolução do referido instituto foi no sentido do termo “poder familiar”, antes intitulado pátrio-poder, deixar de ser o poder que o pai detinha sobre a vida e morte dos filhos, passando a ser um munus público, um poder/dever dos pais no interesse dos filhos. Foi em virtude do reconhecimento dos filhos como seres humanos dotados de dignidade, que se passou a reconhecer seus direitos, destacando o direito/dever de convívio com ambos os pais, independente de coabitação (OLIVEIRA, 1995). Oliveira (1995, p. 353), afirma que o poder familiar é um instituto jurídico destinado a proteger os filhos menores. No mesmo sentido, Elias (1999, p.6) retrata o poder familiar como: “um conjunto de direitos e deveres, em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores e não emancipados, com a finalidade de propiciar o desenvolvimento integral de sua personalidade”. Com base na política de proteção absoluta às crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu o direito dos filhos de serem protegidos e cuidados pelos pais. Desta forma, cabe ao pai e à mãe, em igualdade de condições, o exercício do poder familiar, dirigir e comandar a estrutura da família, devendo sempre buscar a felicidade e o afeto mútuo, para que os filhos tenham a possibilidade de preparar-se e desenvolver-se como cidadãos a fim de alcançar a ampla e irrestrita dignidade humana (OLIVEIRA, 1995). 21 O poder familiar compõe uma responsabilidade partilhada entre os genitores, de prestar aos filhos, enquanto civilmente incapazes, o necessário ao seu sustento, proporcionando-lhes, alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer, assistência à saúde, em conformidade com os artigos 227 da Constituição Federal e o 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 22: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (BRASIL, 1990). Diniz (2007, P. 515), destaca que “o poder familiar decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal, e é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível. As obrigações que dele fluem são personalíssimas”. Refere-se a um dever conferido pelo Estado aos pais, no intuito de que estes protejam o futuro de seus filhos, que serão posteriormente entregues à sociedade. O poder familiar “é uma espécie de função similar a um encargo privado, sendo o poder familiar um direito- função e um poder-dever, que estaria numa posição intermediária entre o poder e o direito subjetivo”. É, portanto, um dever atribuído pelo Estado aos pais, em benefício dos filhos, de forma irrenunciável (DINIZ, 2007). O estado de filiação é imprescritível e irrenunciável, conforme institui o artigo 27 do ECA. Monteiro (2003, p. 121) destaca: Essa imprescritibilidade descansa na conexão existente entre o interesse do individuo e o do Estado. Além disso, o status families implica coincidência de direitos e deveres, que impede que alguém se isente de seus deveres, despojando-se dos direitos que porventura lhe assistam. Nesse sentido a súmula 149 do STF. O poder familiar compreende disposições legais dos deveres atribuídos aos pais, para que cuidem dos interesses de seus filhos menores. Os deveres do poder familiar, entretanto, podem ser delegados a outras pessoas que não seja os pais, mas o poder familiar, em sua totalidade, é indelegável e irrenunciável. (GOMES, 2000) O poder familiar confere aos pais diversos deveres e direitos irrenunciáveis, dentre os quais o dever de tê-los em sua guarda e companhia. Os pais devem estar presentes na vida de seus filhos e esse dever é fundamental para que estes possam crescer e se desenvolver. Desta forma, mesmo no caso de não haver coabitação com os pais ou nos casos de separação, o poder familiar persistirá conjuntamente aos deveres intrínsecos a ele, devendo ser respeitados e cumpridos integralmente (GOMES, 2000). 22 O poder familiar “conserva ainda, a natureza de uma relação de autoridade, por haver um vínculo de subordinação entre pais e filhos, pois os genitores têm o poder de mando e a prole, o dever de obediência”. Destaca-se que a autoridade do pai é em benefício do desenvolvimento do filho e o poder de mando deve ser exercido dentro dos limites da lei, sem haver abusos (DINIZ, 2007). De acordo com Diniz (2007, p. 378) o poder familiar: Compreende o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, como fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja físico, mental, moral, espiritual ou socialmente. A autoridade paternal é o veículo instrumentalizador de direitos fundamentais dos filhos, de modo a conduzi-lo à autonomia responsável. A autoridade dos pais concentra-se, principalmente na educação e criação dos filhos, estabelecendolimites para que desde cedo compreendam o sentido das normas e que estas devem ser respeitadas. Os pais conscientes de sua tarefa como educadores deverão preparar os filhos para a vida em sociedade (MIRANDA, 2001). 2.2.1 Limitações ao exercício do poder familiar: perda, suspensão e destituição. O poder de família é atribuição característica dos pais e deve durar por toda a menoridade, não sendo possível a sua renúncia voluntária, ademais essa atribuição é irrenunciável, inalienável e indelegável. Assim, sempre que comprovada a existência de fato incompatível com o exercício do poder de família configura-se a possibilidade de suspensão ou até mesmo perda do poder (COMEL, 2003). A suspensão é uma restrição no exercício da função dos pais e está regulada no artigo 1.637 do Código Civil e assim dispõe: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a ele inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha” (BRASIL, 2006). Entende-se que a suspensão é a interrupção transitória do exercício do poder familiar por decisão judicial com fundamentação definida em lei. É medida temporária utilizada quando houver abuso da atribuição dos pais que cause prejuízo e vai permanecer durante necessária e conveniente aos interesses do filho (COMEL, 2003). 23 Representa medida menos severa e facultativa, podendo ser sujeita a reavaliação. Existe a possibilidade de ser decretada com referência a um único filho e não toda prole, bem como, pode ser suspenso parcial ou total (DIAS, 2007). Suspende-se o mencionado poder quando o genitor empregar o filho em atividade proibida ou diversa a moral, ou em práticas que deixem em risco sua saúde, vida e moralidade. No entanto, é fundamental que haja responsabilidade do pai no procedimento (RIZZARDO, 2006). O artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe a cerca da perda e suspensão do poder familiar: A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado os deveres e obrigações a que alude o art. 22. (BRASIL, 2006) Conforme o que dispõe o artigo acima citado, a suspensão e a perda do poder de família serão decretadas judicialmente, qualquer que seja a causa que motiva tal medida. É importante proporcionar as partes envolvidas a possibilidade de ampla defesa, para afirmar a imparcialidade e a justiça na decisão. Os artigos 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o rito a ser seguido. É importante salientar que a suspensão atinge somente o exercício e não a titularidade da função paterna, esta permanece intacta (COMEL, 2003). Toda suspensão é provisória, não definitiva e deve perdurar enquanto durar os motivos que a causaram, guardando preliminarmente o interesse do menor. Essa medida pode ser revista e modificada sempre que cessarem os fatos que a provocaram (COMEL, 2003). A doutrina distingue perda de extinção. Perda é uma penalidade imposta por sentença judicial, enquanto a extinção ocorre pela morte, emancipação ou extinção do sujeito passivo. O artigo 1.635 do Código Civil traz as hipóteses de extinção acima citadas e acrescenta a extinção pela maioridade, pela adoção do filho por terceiros e em virtude de decisão judicial, no entanto, não há nenhuma conotação punitiva (COMEL, 2003). O primeiro motivo que extingue o poder de família é o falecimento de um dos pais ou do filho, com a morte dos pais desaparece o sujeito ativo e dessa maneira, não há maneiras de manter alguma ligação protetivo com o filho (COMEL, 2003). A segunda hipótese mencionada pelo artigo 1.635 do Código Civil de 2002 é a emancipação nos termos do artigo 5°, § único do mesmo código. O menor emancipado se 24 equipara em tudo ao maior. Com a cessação da incapacidade do filho, há a extinção do poder familiar que tem por finalidade a proteção do incapaz (COMEL, 2003). Os incisos contidos no paragrafo único do art. 5° do Código Civil menciona algumas formas de emancipação do menor: Art. 5° A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à pratica de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II- pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior. A primeira possibilidade de emancipação é aquela proporcionada por qualquer um dos pais ou de ambos, desta forma, tornando o filho maior e assim dando a ele capacidade civil antes da idade legal (RIZZARDO, 2006). O artigo 1.635, inciso III do Código Civil, trata da extinção do poder de família devido a maioridade civil. Se dá aos 18 anos completos, quando o pai passa a ser isento do dever de ampla proteção ao filho, o que não quer dizer que ele deva diminuir o interesse no futuro do filho, nem mesmo deixar de dedicar-se a vida que lhe deu(COMEL, 2003). Com a adoção afasta-se o poder familiar entre a família biológica, passando esse poder para os pais adotantes. Alguns doutrinadores consentem que não há extinção do poder de família nesse caso, o que acontece é uma substituição de quem o exerce (RIZZARDO, 2006). A última modalidade expressa de extinção do poder familiar é por meio de decisão judicial que a decreta, conforme art. 1.638 do Código Civil de 2002. Previamente, a perda do poder familiar não era causa de extinção, com a redação do novo Código Civil, passou a se entender que seja qual for à modalidade de perda, motivará extinção (RIZZARDO, 2006). A extinção do poder familiar se da de forma automática e natural, tendo como efeito a cessação definitiva da função paterna, acaba o dever de proteção que existia entre os pais e os filhos. A destituição do poder familiar é uma medida judicial de extrema gravidade, pois é através dela que os pais que falharam no cumprimento de seus deveres para com seus filhos menores de idade são definitivamente proibidos de exercer tal encargo (RIZZARDO, 2006). Neste sentido, afirma Arnaldo Rizzardo (2009, p.625) que, “Aspecto de maior relevância diz respeito à perda do poder familiar, que ocorre em casos de suma gravidade na infringência dos deveres paternais”. 25 Distintamente da suspensão, na destituição do poder familiar a penalidade aplicada aos pais tem caráter definitivo, visto que eles desrespeitaram gravemente com os deveres que lhes são atribuídos. O Código Civil de 2002 traz em seu artigo 1.638 as hipóteses que ocasionam a destituição do Poder Familiar. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. Além destas hipóteses previstas no Código Civil de 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina ainda que caso os pais descumpram os deveres que lhes são atribuídos, como os de guarda, sustento e educação dos filhos menores de idade, também ocorrerá a destituição do poder familiar (RIZZARDO, 2006). Percebe-se desta maneira que a intenção do legislador é proteger a Criança e o Adolescentede todos os atos de seus genitores que possam ser nocivos ao seu desenvolvimento, visando o cumprimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral e do melhor interesse da Criança e do Adolescente, previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (RIZZARDO, 2006). 26 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DEVER DE INDENIZAR A responsabilidade civil, no âmbito do direito de família, recai sobre os contornos de interações familiares que possam a vir a prejudicar algum de seus membros, assim sendo, para se analisar a incidência da responsabilidade civil no âmbito da família, se deve se ater ao fato de que as relações familiares são compostas por uma pluralidade de interações entre seus membros, sendo que algumas destas formas de interações podem causar danos a um ou mais dos componentes desta família. Estes danos podem ser de natureza material, ou de natureza psicológica, onde, neste caso são subjetivas, os danos causados à psique de um dos membros da família, não pode ser aferidos por critérios unicamente objetivos (GUILHERME, 2013). Contudo, este não é o entendimento empregado pelos peritos judiciais. O dano psicológico, apesar de ser tipo um dano extrapatrimonial, não é considerado necessariamente de natureza moral: O dano psicológico é definido como sendo extrapatrimonial, mas não necessariamente de natureza moral. Nesse sentido, é possível dizer que o dano psicológico é perfeitamente caracterizável e avaliável, haja vista, que as consequências psicológicas são demonstráveis (ex: alterações perceptivas, depressão, fobias, tentativas de suicídio, dentre outros). O dano psicológico pode ser objeto de indenização, desde que fique caracterizado como uma incapacidade que importe uma lesão de tal entidade que implique alteração ou perturbação significativa do equilíbrio emocional da vítima, cujas consequências resultem em descompensação que afete gravemente sua integração ao meio social (MACIEL, 1998). Nesta conjuntura, a valoração e extensão do dano moral é incumbência atribuída ao julgador, vez que o dano moral lesa o íntimo do ofendido, sem possibilidade de análise técnica, sendo que as alegações devem ser capazes somente de atingir o livre convencimento do magistrado (GONCALVES, 2009). A responsabilidade civil parte da opinião que todo sujeito que violar um dever jurídico por meio de um ato lícito ou ilícito, tem a obrigação de reparar, uma vez que todos têm um dever jurídico originário que é o de não gerar danos a outrem e ao infringir este dever jurídico originário, passa-se a ter um dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano que foi causado (CAVALIERI, 2008). A palavra "responsabilidade" surgiu do verbo latin respondere, conceituando que quando alguém, à frente de uma ação ou omissão ocasionar um dano, este tem o dever de responsabilizar-se, assumindo quaisquer resultados que este dano tenha causado (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003). 27 A reparação do dano levaria de fato a um equilíbrio, o qual a parte prejudicada retornaria a sua condição anterior como se não lhe teria acontecido. O principal propósito da ordem jurídica é o de preservar o lícito e coibir o ilícito, no mesmo momento em que ela se dedica em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito e reprimir a conduta daquele que contraria (BITTAR, 1994). 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL: ORIGEM DO INSTITUTO E PRESSUPOSTOS GERAIS O termo responsabilidade é utilizado em várias áreas da ciência, dispondo de significados diversos conforme o contexto. No âmbito filosófico, responsabilidade é “a possibilidade de antever os efeitos da própria conduta e de corrigi-la com base em tal previsão [...]”. Em contrapartida, a ideia jurídica de responsabilidade traz o indivíduo para um patamar distinto da filosofia, pois neste âmbito científico tem como propósito o de exprimir a obrigação de reparar um dano, vinculada a ideia de compensação por um prejuízo causado (ABBAGNANO, 2003). O termo responsabilidade possui conexão direta com o conceito de obrigação de caráter contratual proveniente do direito romano, onde a responsabilidade associava o devedor ao credor por meio de um contrato realizado verbalmente, com perguntas e respostas. A expressão responsabilidade não surgiu para simbolizar a obrigação de reparar um dano, mas sim com o intuito que o devedor confirmava possuir com o credor uma obrigação, garantida desta forma por uma caução (AZEVEDO, 2004). No âmbito do direito civil, o tema da responsabilidade contempla o ramo do direito obrigacional, relativo ao dever, segundo o qual a conduta humana está ligada ao seu fim, econômico ou social, e, na casualidade do descumprimento da obrigação, surge, então, o dever de compensar o dano causado (STOCO, 2007). Apesar dos conceitos de responsabilidade civil e obrigação serem muito semelhantes, possuem concepções distintas: [...] a responsabilidade civil, nós a diferenciamos da obrigação, surge em face do descumprimento obrigacional. Realmente, ou o devedor deixa de cumprir um preceito estabelecido num contrato, ou deixa de observar o sistema normativo, que regulamenta sua vida. A responsabilidade nada mais é do que o dever de indenizar o dano. (LIMONGI FRANÇA, 1977, p. 332). 28 A responsabilidade civil tem uma vasta e lenta evolução histórica. De maneira geral, o dano causado pelo ilícito sempre foi rejeitado pelo Direito. O que se remodelou ao longo da trajetória humana foi tão somente o modo de ação contra os danos sofridos em virtude de um ato praticado em descumprimento a um dever de conduta (DINIZ, 2009). Inicialmente na evolução histórica da responsabilidade civil, a culpa do agente responsável pelo dano não era considerada, bastando, meramente, a ação ou omissão deste e o dano sofrido pela vítima para que o agente fosse responsabilizado. Neste período os costumes comandavam as regras de convivência social, levando os atingidos a reagir de forma direta e violenta contra o causador do dano. Essa ação lesiva do ofendido era exercida mediante a vingança coletiva, caracterizada pela “reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes” (DINIZ, 2009). O marco inicial da responsabilidade civil em Roma se associa com o período das vinganças coletivas, estabelecendo que a retaliação, antes pertencente ao grupo dominante, passasse a ser reconhecida e legitimada pelo Poder Público. É a chamada vingança privada, ou vendetta. Vigorava a Lei de Talião, sintetizada pela ideia de “olho por olho, dente por dente”. Bastava o dano efetivamente sofrido pela vítima para provocar “a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido” (GONÇALVES, 2009). Por este motivo a desnecessidade ou inaplicabilidade da culpa do ofensor. O talião, aplicado primeiramente pelos povos do Oriente Médio e depois por outros que foram influenciados por eles, como os da bacia mediterrânea (chegando à Roma do tempo da Lei das XII Tábuas, que é de meados do século V a.C.), representou outro progresso, com a reciprocidade que representava, entre ofensa e castigo – mesmo que hoje pareçam chocantes preceitos como o contido no § 230 do Código de Hammurabi (de começos do século XVIII a.C.), segundo o qual se a casa construída ruísse e matasse o filho do proprietário, o filho do construtor deveria ser morto. (NORONHA, 2007, p. 528) Durante este período o poder público por vezes mantinha-se inerte, intervindo meramente para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, para produzir no ofensor um dano idêntico ao queexperimentou. (DINIZ, 2009). O período que adveio ao da vingança privada é o da composição, onde a vítima passou a reparar as vantagens e conveniências pela troca da violência pela reparação econômica do dano. Desta forma, surgiu o princípio pelo qual o patrimônio do agente ofensor precisaria responder por suas dívidas e não mais sua pessoa. Emerge então as tarifações para determinadas formas de dano, como aquelas instituídas pelo Código de Ur-Nammu, Código de Manu e Lei das XII Tábuas (FIUZA, 2011). 29 As ideias primárias sobre diferenciação de pena e reparação foram definidas pelos romanos, ante a distinção entre delitos públicos e privados. Por consequência, o delito público tinha uma implicação mais elevada, quando havia violação de norma jurídica que o Estado considerava de relevante importância social, enquanto o delito privado era a ofensa feita à pessoa ou aos seus bens (ALVES, 2003). O conceito de reparar o dano indevidamente causado surge em uma época tanto quanto recente da história do Direito, pois, primeiramente a responsabilidade civil e penal se confundiam, sendo futuramente separadas, empregando no que se cabe a responsabilidade civil, a indenização e, relativo à responsabilidade penal, a pena (VENOSA, 2009). Contudo, apenas com o surgimento da Lei de Aquilia é que se inicia um princípio norteador para a reparação do dano. Essa norma “[...] foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou no início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens” (VENOSA, 2009). A Lei de Aquilia é vista como marco primordial para a utilização da culpa na obrigação de indenizar, ocasionando a responsabilidade extracontratual, também denominada “responsabilidade aquiliana” a partir da qual a conduta do causador do dano é medida pelo grau de culpa com que atuou. Após este período, o Estado assumiu definitivamente o ius puniendi, tomando para si a função de punir os ofensores da ordem jurídica. Surge então a ação de indenização derivada da responsabilidade civil. (VENOSA, 2009). Na Idade Média, como consequência dos princípios e normas romanas, o direito foi aperfeiçoando a responsabilidade civil em toda a Europa Medieval, especialmente no direito francês, sendo que pouco a pouco, foram convencionados certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência (GONÇALVES, 2009). Apenas nos séculos que se seguiram à Idade Média, especialmente no século XVIII, é que houve a absoluta distinção entre a responsabilidade civil e penal, com determinações de penas, quando houvesse violação penal e aquela delimitada à sua atribuição basilar de reparação de danos, no âmbito privado (NORONHA, 2007). A Idade Moderna foi marcada pela transformação de paradigma no fundamento da responsabilidade civil, que passou a se estabelecer na quebra do equilíbrio patrimonial 30 causado pelo dano. Houve então uma mudança do enfoque da culpa, como acontecimento centralizador da indenização, para o dano. (VENOSA, 2009). A mudança de padrão se deu especialmente em razão do aumento do progresso, da industrialização e do aumento dos danos, que ocasionaram a origem de novas teorias dentro da responsabilidade civil, capazes de proporcionar uma maior proteção às vítimas. Desta forma, se deu a origem e estabilização da teoria do risco, vista sob o aspecto objetivo, quando alguém sofre um dano, aquele que tira proveito da atividade perigosa deve repará-lo, independentemente da existência de culpa (GONÇALVES, 2009). No Brasil, a responsabilidade civil atravessou vários estágios de desenvolvimento, especialmente pela modificação da legislação existente, como por exemplo o Código Criminal de 1830, que se fundava na justiça e equidade, que previa a reparação natural ou a indenização ao ofendido, quando fosse viável (GONÇALVES, 2009). Inicialmente “a reparação civil era condicionada à condenação criminal. Posteriormente, foi adotado o princípio da independência da jurisdição civil e da criminal” (GONÇALVES, 2009). Desde o descobrimento, o Brasil, adotou as Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) como parâmetro normativo para as relações privadas, que perduraram até 1916, quando, então, surgiu o primeiro Código Civil. O Código Civil de 1916 associou-se a teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo uma prova forte da culpa do agente causador do dano, e, em determinados casos, presumindo-a (CAVALIERI FILHO, 2009). O Código Civil sustentou a teoria subjetiva da responsabilidade civil, determinando a demonstração da culpa do agente, apontando que todo aquele que, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito. O Código também ampliou a noção de ato ilícito, firmando a ilicitude do exercício de um direito quando violar seu fim econômico, social ou os limites da boa-fé e bons costumes. Houve, desta forma, o condicionamento do exercício de um direito a certos limites que vedam seu uso de forma abusiva. (CAVALIERI FILHO, 2009). Em virtude principalmente dos riscos gerados pela revolução industrial, fazendo crescer a procura pela reparação de danos decorrentes das máquinas, a exigência de uma conduta culposa norteada pelo século XIX não era compatível com a necessidade social de se proporcionar a reparação dos danos, mesmo que seu causador não houvesse agido com culpa. O direito não deveria preocupar-se somente com o comportamento do agente, precisava olhar o lado do prejudicado também (NORONHA, 2007). 31 Portanto, o Código Civil admitiu a teoria do risco em determinados casos, onde o simples exercício de uma atividade perigosa estabelece a obrigação de indenizar os danos por ventura causados, sem a obrigação de comprovação da culpa do agente que causou o dano (NORONHA, 2007). Para que surja a obrigação de indenizar são necessários os seguintes pressupostos: 1. Que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências; 2. Que o fato possa ser imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; 3. Que tenham sido produzidos danos; 4. Que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta (NORONHA, 2010, p. 468/469). O elemento inicial de todo ato ilícito, e por decorrência da responsabilidade civil, é uma conduta humana. Compreende-se por conduta o comportamento humano voluntário, que se evidencia através de uma ação ou omissão, provocando consequências jurídicas (CAVALIERI FILHO, 2009). Neste sentido a conduta é: A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o deverde satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2005, p. 43). A responsabilidade resultante do ato ilícito baseia-se na ideia de culpa, no tempo em que a responsabilidade sem culpa baseia-se no risco. O ato comissivo é aquele que não deveria, enquanto a omissão é a não obediência de um dever. A voluntariedade é característica essencial da conduta humana, representando a liberdade de escolha do agente. Sem este elemento não haveria de se falar em ação humana ou responsabilidade civil (DINIZ, 2005). O ato de vontade, no âmbito da responsabilidade civil, deve ser oposto ao ordenamento jurídico. É necessário destacar que voluntariedade significa genuína e meramente o discernimento, a consciência da ação, e não a consciência de causar um resultado danoso sendo este o conceito de dolo. Cabe ressaltar ainda, que a voluntariedade deve estar presente tanto na responsabilidade civil subjetiva quanto na responsabilidade objetiva (CAVALIERI FILHO, 2009). 32 A existência de dano é outro pressuposto primordial para a responsabilidade civil. Não seria aceitável tratar sobre indenização, nem em reparação se não existisse o dano: O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta; será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71). O dano pode ser estabelecido como a lesão, que devido a um determinado ato, uma pessoa sofre, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse, patrimonial ou moral. O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva. (STOCO, 2007, p. 128). Para que o dano seja indenizável é essencial à existência de alguns requisitos. Inicialmente é necessário que haja a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica (DINIZ, 2005, p. 43). Desta forma, o dano pode ser classificado em patrimonial e extrapatrimonial. O primeiro também entendido como material é aquele que causa destruição ou redução de um bem de valor econômico. O segundo intitulado de moral é aquele que está relacionado a um bem que não tem atributo econômico, não é mensurável e não pode retornar ao estado anterior (STOCO, 2007). Os bens extrapatrimoniais são aqueles intrínsecos aos direitos da personalidade como o direito a vida, a integridade moral, física, ou psíquica. Desta forma, é difícil a valoração da reparação, uma vez que é uma espécie de bem com valor imensurável. (STOCO, 2007). O nexo de causalidade é outro requisito chave entre a relação de causa e efeito, a conduta praticada e o resultado. Para que se possa caracterizar a responsabilidade civil do agente, não basta que o mesmo tenha praticado uma conduta ilícita, e nem mesma que a vítima tenha sofrido o dano. É imprescindível que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. O nexo de 33 causalidade é condição essencial para toda espécie de responsabilidade, ao contrário do que ocorre com a culpa, que não está presente na responsabilidade objetiva (DINIZ, 2005). Inúmeras teorias emergiram para procurar explicar o nexo de causalidade, quais se pode citar as principais como sendo a teoria da causalidade adequada, teoria dos danos diretos e imediatos e a teoria da equivalência dos antecedentes (CAVALIEIRI FILHO, 2008). A teoria da equivalência dos antecedentes, chamada também como teoria da equivalência das condições, ou ainda, conditio sine qua non, enfatiza que toda e qualquer circunstância que tenha concorrido para a produção do dano é considerada como causa. Seguindo a maioria dos doutrinadores, é a teoria empregada pelo código penal brasileiro (CAVALIEIRI FILHO, 2008). Esta teoria é alvo de diversas críticas, uma vez que pode levar a um retrocesso infinito. Se essa teoria fosse adotada na órbita civil, por exemplo, no caso de acidentes de transito, a obrigação de indenizar a vítima, não seria unicamente do condutor do veículo causador do dano, mas sim de quem lhe vendeu o veículo, quem o fabricou e assim por diante. (CAVALIEIRI FILHO, 2008). Na teoria da causalidade direta ou imediata, que igualmente pode ser chamada de teoria da interrupção do nexo causal, a causa pode ser classificada como unicamente o antecedente fático que, ligado por um vínculo ao resultado danoso, determina esse último como uma consequência sua, direta e imediata (STOCO, 2007). A teoria da causalidade adequada prega que haverá nexo causal quando, pela ordem natural das coisas, a conduta do agente poderia adequadamente produzir o nexo causal. Isto é, quando várias condições concorrerem para a ocorrência de um mesmo resultado, a causa será a condição mais determinante para a produção do efeito danoso, desconsiderando-se as demais mais remotas (STOCO, 2007). Diante da diversidade de teorias: Enfim, independente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado. (STOCO, 2007, p. 152). A culpa do agente é outro pressuposto determinante na responsabilidade civil. Ela não é definida e nem idealizada na legislação brasileira. A regra geral do Código Civil Brasileiro para caracterizar o ato ilícito, estabelece que este somente terá materialidade se o 34 comportamento for culposo, presente a culpa lato sensu, que abrande tanto a dolo quanto a culpa em sentido estrito (CARDOZO, 2005). Por dolo se pode entender a conduta intencional de causar o dano, na qual o agente age conscientemente de forma que deseja que ocorra o resultado antijurídico ou assume o risco de produzi-lo (CARDOZO, 2005). Na culpa stricto sensu não existe a intenção do agende de causar dano, a conduta é voluntária, mais o resultado alcançado não. O agente não deseja o resultado, mas acaba por alcançá-lo ao agir sem o dever de cuidado. A inobservância do dever de cuidado revela-se pela negligência, imprudência ou imperícia (CARDOZO, 2005). A negligência tem relação com como falta de cautela ou distração e envolve em omissão ou falta de observância do dever, ou seja, o mesmo de agir de forma prudente, não age com a atenção devida a situação. Portanto, é quando aquele que deveria tomar conta para que um fato não acontecesse, não presta a atenção devida e deixa acontecer (BITENCOURT, 2002). Por imprudência, ou ainda imprevidência, tem se que o ato, tem relação com algo mais do que a simples desatenção ou falta cuidado, o ato pode até se revelar de má fé, ou seja, com conhecimento do mal e intenção de praticá-lo. Desta forma, imprudente é aquele que não toma os cuidados normais que qualquer pessoa tomaria (BITENCOURT, 2002). A imprudência tem como característica
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