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A massificação cultural e democratização cultural 
 
Muitas são as possibilidades que a arte aponta para o design: expressão, criação, 
durabilidade, inovação, conhecimento, mas as expressões de arte correm o risco de 
perder sua força simbólica sob os efeitos da massificação cultural e, com ela, o de 
perder algumas de suas principais características contributivas ao design. 
 
A massificação cultural faz com que as artes expressivas tornem-se reprodutivas e 
repetitivas, ao invés de trabalho de criação, evento para consumo rápido e 
efêmero; em lugar da experimentação e invenção do novo, as artes tendem a 
tornar-se a consagração do aprovado pela moda e pelo consumo e, no mínimo, o 
instituído e conhecido através dos meios de comunicação. 
 
A durabilidade das artes e do design tende a tornar-se parte do mercado da moda, 
passageiro, efêmero, sem passado e sem futuro. Um ser aqui e agora, estando em 
toda parte e em lugar nenhum. As artes são formas de conhecimento que 
desvendam a realidade e buscam alcançar a verdade, mas, com a massificação 
cultural, tendem a tornar-se a dissimulação da realidade, ilusão falsificadora, 
publicidade e propaganda cuja matéria-prima é a retórica da persuasão. 
 
Não é difícil imaginarmos aqui o mito da caverna pensado por Platão. O homem 
atual preso à TV, ao vídeo, às redes sociais e aplicativos, onde o que vê como 
realidade na caverna e suas projeções são silhuetas de um simulacro da realidade. 
 
Na busca do grande consumidor, as empresas de produção cultural se apropriam 
tanto de criações populares quanto eruditas, assim que elas começam a interessar 
um público. Ao apropriar-se, vai eliminando os aspectos críticos, inovadores e 
polêmicos das obras, transformando-as em moda para vender muito e depois 
desaparecer sem nenhum indício de sua presença. 
 
Cultura, nessa aula, tem o sentido restrito de obras de arte e de pensamento. 
Democratização da arte e da cultura tem como pré-condição a ideia de que os bens 
culturais são direitos de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural 
significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à 
formação culturais, direito à produção cultural. 
 
Ao massificar, a indústria cultural acarreta resultado oposto ao estrito sentido de 
cultura (CHAUÍ, 2005, p. 291): 
 
 Separa os bens culturais por suposto valor de mercado – há obras “caras” e 
“raras”, destinadas às elites culturais que podem pagar; e há obras 
“baratas” e “comuns”, destinadas à massa. A indústria cultural não garante 
o mesmo acesso de todos à totalidade e ainda introduz a divisão social entre 
elite culta e massa inculta; 
 
 Cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, como se 
cada um escolhesse livremente o que deseja. As grades dos programas de 
rádio e da televisão são criteriosamente montadas e as empresas de 
 
 
 
 
 
 
 
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divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social 
pode e deve ouvir, ver e ler. No caso de jornais e revistas, a qualidade do 
papel, o design gráfico, o tipo de manchete e matéria publicada definem o 
consumidor e determinam o conteúdo e a informação que poderá receber; 
 
 Inventa uma figura chamada espectador médio, ouvinte médio e leitor 
médio, aos quais são atribuídas certas capacidades mentais médias, gosto 
médio e lhe oferece produtos culturais médios. Para seduzi-lo e agradá-lo, 
para vender cultura, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, nada 
que o perturbe, mas sim devolver com aparência nova o que ele já sabe, já 
viu ou já fez. A média é o senso comum cristalizado que a indústria cultural 
devolve com cara de coisa nova. Na prática do design há uma situação 
parecida. Cansamos de ouvir categorização de segmento e público alvo como 
“destinado ao público jovem”. Que não define absolutamente nada; 
 
 Define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração. O que 
houver na obra de arte que seja imaginação, sensibilidade, inteligência, 
reflexão e crítica, não tem interesse, não “vende”. Massificar é banalizar a 
expressão artística e intelectual. 
 
Ainda que brevemente, outro setor da indústria cultural a ser visto é o da 
publicidade e da propaganda comercial. Empregando as artes gráficas, a fotografia, 
a música, a dança, a poesia e difundindo-se por meio de jornais, revistas, cartazes, 
rádio, televisão e inserções na WEB, a propaganda comercial é a difusão e 
divulgação de produtos destinados à venda e dirigidos aos consumidores. 
 
A propaganda opera por meio de: 
 
 Explicações simplificadas e elogios exagerados sobre os produtos; 
 Slogans curtos que possam ser facilmente gravados; 
 Aparente informação e prestação de serviços ao consumidor; 
 Garantia de que o consumidor será igual a todo mundo e não um deslocado 
(pois consumirá o que outros consomem), mas, ao mesmo tempo, será 
diferente de todo mundo (pois o produto lhe dará uma individualidade 
especial). 
 
A eficácia da propaganda se realiza com duas operações simultâneas: afirmar que o 
produto possui os valores estabelecidos pela sociedade em que se encontra o 
consumidor. Por exemplo, se a vida em família é valorizada, o produto ou serviço 
deve estar voltado para a mãe, para o lar, saúde das crianças, da felicidade 
conjugal etc. A outra operação é despertar desejos que o consumidor não possuía e 
assegurar a satisfação desse desejo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Com o aumento da competição entre produtores e distribuidores, com o 
crescimento do mercado de moda, com o advento da sociedade pós-industrial cujos 
produtos são descartáveis, sem durabilidade e de consumo imediato, e levando-se 
em conta que as pesquisas de mercado indicam que as vendas dependem da 
capacidade de manipular desejos do consumidor e até mesmo criar esses desejos, a 
propaganda foi deixando de apresentar o produto propriamente dito para afirmar 
os desejos que ele realizaria: sucesso, prosperidade, segurança, juventude, beleza, 
atração sexual, felicidade. A propaganda ou publicidade passou a vender imagens e 
signos e não as próprias mercadorias. 
 
A propaganda comercial também se apropria de atitude, opiniões e posições 
críticas e radicais existentes na sociedade, esvazia seu conteúdo social ou político 
e as investe em um produto, transformando-o em moda consumível e passageira. 
Assim, feminismo, liberação sexual, cultura de periferia, direitos humanos etc., são 
transformados em qualidades que vendem um produto. 
 
A sociedade contemporânea ou pós-moderna é aquela em que tudo é veloz, fugaz e 
efêmero e a propaganda precisa acompanhar esse ritmo. Com isso, ela aprimora a 
ideia de eficácia e competitividade buscando aumentá-las não apenas agindo sobre 
os desejos já existentes, e sim inventando desejos novos e novas manipulações, de 
acordo com o consumo cada vez mais fugaz. 
 
A imagem de indivíduos vencedores na competição instituída pelo mercado de 
trabalho torna os indivíduos mercadorias que consomem mercadorias, pois as 
qualidades dos produtos, marcas e grifes, que sugerem eficiência, requinte, 
glamour etc., passam a constituir o próprio corpo do indivíduo, formam sua imagem 
como uma espécie de segunda natureza ou de máscara colada em sua pele. (CHAUÍ, 
2005, p. 294-295) 
 
A esse respeito, escreve David Harvey no livro A Condição Pós-moderna: 
 
A competição no mercado de construção de imagens passa a ser um 
aspecto vital da concorrência entre as empresas. O sucesso é tão 
claramente lucrativo que o investimento na construção da imagem 
(patrocínio das artes, exposições de artes, produções televisivas, 
etc.) se torna tão importante quanto o investimento em novas 
fábricas e maquinário. A imagem serve para estabelecer uma 
identidade no mercado, o que se aplica também ao mercado de 
trabalho. A aquisição de uma imagem(por meio da compra de um 
sistema de signos como roupas de grife e carro da moda) se torna 
um elemento singularmente importante na autoapresentação nos 
mercados de trabalho e, por extensão, passa a ser parte integrante 
da busca de identidade individual, autorrealização e significado da 
vida. 
 
 
 
 
 
 
 
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O teórico inglês Roger Silverstone lembra que o consumo pode ser entendido como 
uma forma de mediação entre as esferas pública e privada, trabalho e lazer. Ao 
consumirmos bens materiais e imateriais, nós nos constituímos como indivíduos e 
negociamos nossos próprios significados no jogo comunicativo entre o coletivo e o 
individual, o global e o local. Nas palavras do autor, “o consumo é uma maneira de 
mediar e moderar os horrores da padronização”. 
 
Sendo assim, entende-se que as práticas de consumo estão inseridas nas dinâmicas 
socioculturais e econômicas que as circundam, sendo inadequado pretender tratá-
las como esferas isoladas e autossuficientes, obedecendo a impulsos de ordem 
individual e intersubjetiva, apenas. Em nossos dias, o consumo de serviços e signos, 
nos seus mais variados regimes semióticos, é tão ou mais importante do que o 
consumo de bens materiais. Isso significa que o consumo simbólico ganhou uma 
relevância até então inaudita. 
 
Comentando acerca da centralidade do consumo na cultura atual, o sociólogo 
polonês Zygmunt Bauman constata que “a sociedade pós-moderna envolve seus 
membros primariamente em sua condição de consumidores, e não de produtores”. 
Enquanto a produção é regulada por normas estritas, “a vida organizada em torno 
do consumo”, segundo o autor, “é orientada pela sedução, por desejos sempre 
crescentes e quereres voláteis”. É aí que se insere a potência do discurso 
publicitário-mercadológico. 
 
Marketing e propaganda são hoje vistos como instâncias essenciais desempenhando 
um importante papel na segmentação e educação do público em torno de novos 
gostos, tendências e estilos.

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