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03 - A perturbadora ascensão do determinismo neurogenético

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A perturbadora ascensão do determinismo neurogenético – Rose
A neurogenética acena com a expectativa de identificar os genes que afetam o cérebro e o comportamento, atribuir-lhes poder causal e, se for o caso, modifica-los. Em um mundo repleto de sofrimento individual e de desordem social, a neurogenética afirma ser capaz de dizer onde devemos procurar explicar nossa situação e modifica-la. 
Se os motivos das nossas aflições são exteriores a nós, cabem às ciências sociais compreende-los e a política tentar resolvê-los. Mas se as causas de nossos prazeres e sofrimentos, de nossas virtudes e nossos vícios estiverem, sobretudo no terreno da biologia, então devemos buscar sua explicação na neurociência e devemos recorrer à farmacologia e a engenharia molecular para encontrar soluções. Explicações sociais e biológicas não são incompatíveis, mas nas diversas ocasiões em que a ênfase foi dada a umas ou a outras isso pareceu depender menos de um estado de conhecimento cientifico objetivo que do zeitgeist sociopolítico. 
Para o autor os fenômenos da existência humana e da experiência são sempre, ao mesmo tempo e inexoravelmente sociais e biológicos, e uma explicação adequada deve envolver ambos os domínios. Isso sem excluir a subjetividade do ser humano.
Para qualquer cientista sério, está claro que é impensável negar o social em favor do biológico ou vice-versa: somos todos interacionistas. Entretanto, em qualquer busca de explicação e intervenção é necessário investigar o nível que efetivamente determina o resultado.
O determinismo neurogenético advoga relação causal direta entre gene e comportamento.
Em um ambiente social e politico que quase perdeu a esperança de obter soluções sociais para problemas sociais, essas afirmações aparentemente cientificas são amplificadas pela imprensa e por políticos, embora os pesquisadores possam ate mesmo objetar que seus clamores mais modestos estão sendo traduzidos além de suas intenções.
Reducionismo neurogenético baseia-se na explicação de que complexos processos sociais são causados por, explicados por ou nada mais que efeitos de programas biológicos com base no cérebro os nos genes.
A iniciativa Americana sobre a violência: Goodwin notando que a violência se concentrava no interior das cidades dos Estados Unidos, em especial entre os negros que- como argumentava ele- herdaram um coquetel de predisposições genéticas (para o diabete, pressão alta, violência), ele defendia um estudo com 100 mil crianças daquelas regiões para investigar fatores genéticos que os predispunham a tal comportamento violento e antissocial. Pouco antes alguns autores já haviam sugerido que nos Estados Unidos o crime violento é prerrogativa dos negros e que a origem disso está nas falhas de suas constituições biológicas. Ciência contaminada.
Discussões sobre violência sempre parecem focalizar o crime na classe trabalhadora: ninguém estuda a hereditariedade da tendência a cometer fraudes nos negócios.
A cascata reducionista: o que essa pesquisa estabelece são os dois primeiros passos na cascata reducionista que caracteriza todo o pensamento determinista: a reificação e a aglomeração arbitrária. A reificação (ou coisificação) converte um processo dinâmico em fenômeno estático. Desse modo, a violência, ao invés de definir uma atividade ou uma ação entre pessoas, ou mesmo entre uma pessoa e o mundo natural, torna-se um personagem – a agressão -, algo que pode ser abstraído do sistema dinamicamente interativo no qual aparece, e estudado em separado. A aglomeração arbitrária leva essa reificação mais adiante, ao juntar muitas e diferentes interações reificadas como sendo, todas elas, típicas de uma coisa. Assim, agressão torna-se um termo genérico dentro do qual muitos tipos de eventos e processos catalogados acima podem ser ligados. Tudo se torna manifestação de alguma propriedade unitária subjacente aos indivíduos, de modo que idênticos mecanismos biológicos estariam envolvidos, ou mesmo causariam alguns desses processos. Exemplo do estudo com oito homens da mesma família que ao longo dos tempos exibiram várias ações e tudo foi agrupado como agressão. Outro erro é quantificação inadequada, por meio dela afirma-se que características reificadas e aglomeradas podem receber um valor numérico, ou seja, quanto uma pessoa é em relação à outra. Curva em sino: QI. Pressupõe que há uma normalidade e quem está fora dos padrões é considerado anormal. Por exemplo, a homossexualidade se torna anormal, pois uma pequena parte da população somente é gay.
Anos 70 psicocirurgiões propuseram combater a violência nas cidades pela amigdalectomia dos militantes do gueto. 
Consequências do determinismo: a primeira refere-se ao estudo da própria biologia: o prejuízo trazido para a conceptualização dos processos vitais. O primado das causas genéticas promove entre os pesquisadores, mesmo os mais experientes, uma visão linear dos processos vitais, ou seja, tudo poderia ser lido a partir do código linear como se fosse um catálogo telefônico. 
Não existem sequer genes ‘para’ olhos azuis ou castanhos, quanto mais para aspectos complexos da existência humana, modelados pela historia de vida de cada um e pela sociedade, como o desejo sexual e as guerrilhas urbanas.
As outras consequências do determinismo tem alcance maior que a teoria. Se as pessoas sem teto ou deprimidas estão nessa situação por causa de uma falha em sua biologia, a sociedade não pode ser culpada por sua situação, mesmo que uma sociedade humana procure por meios farmacológicos ou outros aliviarem suas misérias. A imposição da culpa a vitima gera, por sua vez, uma espécie de fatalismo entre aqueles que ela estigmatiza: não é nossa culpa, a culpa é da nossa biologia.
A consequência final é a subversão das fontes de recursos, hoje tão escassas. Financiamentos para pesquisas e tratamentos tornam-se mal focalizados.
Uma das chaves do sucesso da ciência é buscar o nível adequado de análise em que os determinantes de um fenômeno complexo devem ser buscados. Contudo, quando as diferenças entre ricos e pobres são tão grandes, quando os lucros potenciais da violência podem ser tão altos (chegando a um ponto em que ela pode ate ser sancionada socialmente) e especialmente quando nos Estados Unidos, diz-se que há 280 milhões de revolveres de propriedade privada, é diversão tola e dispendiosa procurar na biologia explicação determinante para o que está acontecendo. 
O que Rose destaca é que na medida certa o conhecimento científico neurogenético está enriquecendo nossa compreensão do cérebro e do comportamento, o problema é quando isto passa a ser o único determinante e não se considera outras dimensões tão importantes como a social e a individual. O reducionismo é até necessário, mais não em absoluto.

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