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O ENSINO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO: UMA TENTATIVA DE ALIAR O CONHECIMENTO AO PRAZER DA LEITURA.

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O ENSINO DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO: UMA TENTATIVA DE 
ALIAR O CONHECIMENTO AO PRAZER DA LEITURA. 
 
JULIANA SYLVESTRE DA SILVA CESILA (UNICAMP). 
 
 
Resumo 
O desafio do professor de colocar o aluno em contato com a leitura é ainda maior 
quando se trata da disciplina Literatura na escola. O professor, nesse caso, vê–se 
na incumbência de tentar despertar no jovem o gosto pelos livros e, ao mesmo 
tempo, cumprir um conteúdo programático pré–estabelecido para cada série do 
ensino médio, contendo uma série de autores, escolas literárias e detalhes 
históricos que, de tão distantes da realidade do aluno, podem torná–lo avesso aos 
estudos de historiografia literária e, consequentemente, afastá–lo do universo da 
leitura. No caso do primeiro ano do ensino médio esse problema mostra–se de 
modo mais evidente, uma vez que a periodização literária a ser estudada vai do 
século VIII a.C. (com introdução ao gênero épico clássico), passando pelo início da 
literatura portuguesa (século XII e as cantigas trovadorescas), à poesia clássica de 
Camões, aos sermões de Antonio Vieira e chegando até o século XVIII com o 
Arcadismo. A questão é: como trabalhar esses conteúdos aliando conhecimento 
histórico–literário ao prazer da leitura? Como tornar Gil Vicente e suas peças tão 
espirituosas algo agradável e interessante para os jovens do século XXI? Como 
seduzir o aluno com a beleza da épica de Luís de Camões e de seus sonetos de 
amor? Essa comunicação pretende colocar em discussão algumas ideias que podem 
ser trabalhadas em sala de aula, de modo a aproximar o aluno do universo literário, 
sem comprometer o programa obrigatório e sem tornar a literatura algo tão 
distante e frio como se fizesse parte apenas dos livros didáticos e não da natureza 
humana. 
 
Palavras-chave: 
Ensino Médio, Literatura, Leitura. 
 
 
O desafio do professor de colocar o aluno em contato com a leitura é ainda maior 
quando se trata da disciplina Literatura na escola. O docente, nesse caso, vê-se na 
incumbência de tentar despertar no jovem o gosto pelos livros e, ao mesmo tempo, 
cumprir um conteúdo programático pré-estabelecido para cada série do ensino 
médio, contendo uma série de autores, escolas literárias e detalhes históricos que, 
de tão distantes da realidade do aluno, podem torná-lo avesso aos estudos de 
historiografia literária e, consequentemente, afastá-lo do universo da leitura. 
No caso do primeiro ano do ensino médio esse problema mostra-se de modo mais 
evidente, uma vez que a periodização literária a ser estudada vai do século VIII 
a.C. (com introdução ao gênero épico clássico), passando pelo início da Literatura 
Portuguesa (século XII e as cantigas trovadorescas), a poesia clássica de Camões, 
os sermões de Antonio Vieira e chegando até o século XVIII com o Arcadismo. Tudo 
isso, atendendo a uma faixa etária entre 14 e 15 anos - idade em que estes 
adolescentes geralmente chegam ao primeiro ano do ensino médio - que acaba de 
sair do ensino fundamental, em que as cobranças eram menores, havia uma menor 
quantidade de disciplinas a serem estudadas etc. 
A questão é: como trabalhar estes conteúdos tão complexos, aliando conhecimento 
histórico-literário ao prazer da leitura? Como tornar Gil Vicente e suas peças tão 
espirituosas algo agradável e interessante para os jovens do século XXI? Como 
seduzir o aluno com a beleza da épica de Luís de Camões e de seus sonetos de 
amor? 
O objetivo desta comunicação, proferida no 17º COLE, é sugerir aos participantes, 
a partir de algumas práticas pedagógicas, alternativas para tornar o ensino de 
Literatura mais prazeroso. As teorizações acerca do ensino e o questionamento da 
validade ou não do conteúdo que faz parte do programa relativo à disciplina 
Literatura no ensino médio não terão lugar nesta discussão. O foco, aqui, é a 
prática pedagógica. Três serão as sugestões referentes a estas práticas: contar 
históricas, usar tirinhas e aproveitar as adaptações em quadrinhos de clássicos 
literários. 
Com este objetivo principal em mente, voltemos à descrição do tipo de público do 
ensino médio na escola. Estes adolescentes estão, em sua maioria, entre 15 e 17 
anos, possuem pouco - quando não nenhum - interesse pela leitura e encontram-se 
imersos em uma sociedade que prima pela imagem. São estes jovens que, de 
repente, são colocados por nós, professores de Literatura, diante de um mundo 
literário do qual fazem parte textos escritos em um português que, por sua vez, 
está longe de fazer parte do cotidiano e do entendimento destes meninos. E não 
estamos falando apenas das cantigas trovadorescas cuja composição se dá entre os 
séculos XII e XIII, mas inclusive daquilo que nos parece mais recente, como 
Machado de Assis ou qualquer escrito do início do século XX. Obviamente que a 
língua empregada nos textos traz uma complicação ao seu entendimento e é aí que 
entra a primeira das propostas que podem ser úteis na hora de lecionar este 
conteúdo: ler os textos com os alunos. 
Não se pode perder de vista que os professores de Literatura têm a função de 
"contar histórias". Claro que isto não significa que o docente seja obrigado a 
empregar métodos lúdicos o tempo todo para dar sua aula, mas é preciso saber - 
ou pelo menos tentar - ser um contador de histórias. Afinal, seja qual for o período 
histórico, o pressuposto de um texto literário é exatamente este: contar uma 
história. Para exemplificar em que consiste este trabalho de "contador de histórias" 
citemos como exemplo o texto de Gil Vicente o Auto da Barca do Inferno. O texto, 
por si só, é difícil para o aluno. Sem um bom vocabulário de apoio, a leitura é 
penosa e aquilo que há de engraçado no texto de Gil Vicente perde-se em meio a 
uma complicação linguística que é inerente ao texto dada a sua antiguidade. No 
entanto, não é lícito nem correto com o aluno que este seja submetido a uma 
versão simplificada do texto original apenas para que consiga ler bem a história. E 
é aqui que entra o papel fundamental do professor. É preciso ler o texto junto com 
o aluno, mostrar, o próprio professor, quais são as palavras complicadas, 
"traduzindo-as" logo em seguida, mas tentando fazer o aluno memorizar o termo 
desconhecido (por exemplo, quando aparecem os palavrões e injúrias proferidos 
pelo Parvo, ou quando há a descrição dos elementos que representam os pecados 
cometidos por vários dos personagens). É assim que o adolescente entra em 
contato com este universo linguístico novo, entende a história e não se embaraça 
ao rever as palavras que, antes da leitura, lhe eram totalmente desconhecidas. 
Este procedimento deve orientar a prática pedagógica do professor de Literatura ao 
longo de todas as séries - inclusive no ensino fundamental - e de todos os assuntos 
tratados no ensino médio. Para o adolescente, hoje, os textos literários a que 
chamamos de "clássicos", antes mesmo de serem lidos, são "chatos", 
"desinteressantes", "difíceis". E estes textos acabarão sendo tudo isso mesmo, caso 
o professor não faça um esforço, a fim de tornar estes textos mais acessíveis aos 
seus ouvintes da escola. 
 
Outra prática pedagógica que pode ajudar na transmissão do conteúdo literário no 
ensino médio é o recurso da imagem. No caso, duas são as formas de se proceder: 
pode-se recorrer a uma tirinha ou charge em que o conteúdo literário possa ser 
retomado, ou mesmo recorrer às versões em quadrinhos de clássicos literários. 
Vamos ao primeiro caso. 
O quadrinho a seguir [ANEXO 1], produzido pelo desenhista Laerte, oferece um 
rico material a ser explorando em sala de aula pelo professor de Literatura. Aqui o 
conteúdo literário é bastante evidente e pode servir como ponto de partida para 
vários tipos de reflexão. 
 
(Fonte: http://www.laerte.com.br/) 
 
A tirinha de Laerte traz um "recitador" de poemas, feliz, porque não precisa pagar 
direitos autoraisao poeta Fernando Pessoa ao citá-lo. É bastante produtivo, neste 
caso, pensar na relação entre aquilo que é declamado pelo personagem e a 
justificativa que este mesmo personagem dá para sua escolha poética: o conteúdo 
não importa, o "legal" (inclusive no sentido daquilo que é "dentro da lei") é "citar 
sem ter de pagar". Reconhecer que se trata de um poema de Alberto Caeiro na 
citação e relacionar o modo como este heterônimo de Fernando Pessoa enxergava o 
fazer literário (o poeta da simplicidade, da "não-razão", do "pensar com os olhos") 
com a afirmação feita pelo personagem do quadrinho pode ser um instigante 
princípio de análise literária na sala de aula. E tudo isso a partir de uma tirinha de 
jornal. 
 
Outra maneira de explorar a imagem como recurso auxiliar no trabalho com o texto 
literário é o uso de adaptações de clássicos da Literatura para os quadrinhos. O 
único cuidado a ser tomado, neste caso, é estar atento ao conteúdo destas 
adaptações: o texto deve ser o original. O aluno do ensino médio tem o direito e o 
dever de entrar em contato com o texto escrito pelo autor em sua época e não ser 
submetido a um texto simplificado ou facilitado. 
Para ilustrar mais esta possibilidade de prática pedagógica, vejamos como exemplo 
um trecho de Os lusíadas, de Luís de Camões. Primeiro o texto, somente, depois o 
mesmo trecho acompanhado do recurso da imagem. 
 
Já néscio, já da guerra desistindo, 
ũa noite, de Dóris prometida, 
Me aparece de longe o gesto lindo 
Da branca Tétis, única, despida. 
Como doudo corri de longe, abrindo 
Os braços pera aquela que era vida 
Deste corpo, e começo os olhos belos 
A lhe beijar, as faces e os cabelos. 
 
Oh que não sei de nojo como o conte! 
Que, crendo ter nos braços quem amava, 
Abraçado me achei cum duro monte 
De áspero mato e de espessura brava. 
(CAMÕES, Luís de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, p. 127) 
 
Agora o mesmo trecho na versão de Fido Nesti, o quadrinista que realizou uma 
cuidadosa adaptação de Os lusíadas para o formato dos quadrinhos [ANEXO 2]: 
 
(NESTI, Fido. Os lusíadas em quadrinhos. São Paulo: Peirópolis, 2006.) 
 
Não apenas ler, mas ver o Gigante Adamastor em seu delírio de paixão pela ninfa 
Tétis faz com que o aluno consiga memorizar melhor o importante episódio d'Os 
lusíadas e, mais do que isso, torna possível a leitura e o entendimento dos 
elaborados e cheios de inversões versos cultivados por Camões neste texto épico. 
Novamente, o papel do professor é fundamental no sentido de esclarecer as 
dúvidas vocabulares dos alunos. Por exemplo, o significado de "néscio" deve ser 
fornecido pelo professor ao aluno durante a leitura, porém a "nescidade" de 
Adamastor será memorizada e associada mais facilmente ao termo usado, através 
da própria atitude apaixonada descrita na imagem estampada no quadrinho: vê-se 
ali um Adamastor desesperado, tolo por causa do amor, "néscio" de amor. 
Por fim, é preciso frisar que não há razão para ter preconceito com as adaptações 
em quadrinhos dos textos literários. Apenas deve-se observar se estas edições 
mantêm o texto original. O que importa é que o adolescente tenha o apoio da 
imagem e não que sua leitura seja facilitada por um texto simplificado e/ou 
adaptado. Os quadrinhos são recomendados pelos Parâmetros Curriculares 
Nacionais como importante instrumento para o estudo da língua. Não podem ser 
menosprezados também no estudo da Literatura. 
 
A Literatura é uma manifestação do sentimento humano, das suas inquietações e 
pensamentos ao longo dos tempos. Os adolescentes não podem perder isso de 
vista, e isso só ocorrerá caso o professor aproxime a Literatura do cotidiano destes 
jovens. Conhecer e respeitar este cotidiano torna-se, deste modo, imprescindível ao 
professor que deseja aproximar-se de seus alunos de modo a incitá-los à 
curiosidade do conhecimento. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
CALAZANS, Flávio. Historia em quadrinhos na escola. São Paulo: Paulus editora, 
2004. 
MOYA, Álvaro de et al. Literatura em quadrinhos no Brasil - Acervo Da Biblioteca 
Nacional . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 
NESTI, Fido. Os lusíadas em quadrinhos. São Paulo: Peirópolis, 2006. 
PEREIRA, Rafaela. Lugar de quadrinho é na sala de aula. Texto eletrônico disponível 
em http://editoraemt.blogspot.com/2007/08/lugar-de-quadrinhos-na-sala-de-
aula.html (acessado em 15/07/2009) 
RAMOS, Paulo. A leitura dos Quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009. 
RAMOS, Paulo et al. Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. São 
Paulo: Contexto, 2004. 
http://www.laerte.com.br/ 
	COLE_3661
	COLE_3661_050809110321
	COLE_3661_050809110459

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