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Preços Agrícolas Janeiro/Fevereiro de 2001 3 Pastagens Pastagens no Brasil: Situação Atual e Perspectivas Geraldo Bueno Martha Júnior Moacyr Corsi A concepção equivocada e distorcida com que a maioria dos sistemas de produção a pasto foram estabelecidos, em associação com o mau manejo dos componentes solo, planta e animal, contribuem para a rápida degradação do pasto e para a baixa produtividade animal, que reduzem a competitividade e lucratividade de empreendimentos de pecuária frente às outras alternativas de uso do solo. As pastagens ocupam uma posiçãode destaque no cenário agrícola brasileiro. A área ocupada por plantas forrageiras responde por três quartos da área agrícola nacional, embora essa proporção varie entre os diferentes Estados (Tabela 1). Além do aspecto físico, as pastagens são a principal forma de alimentação do rebanho bovino brasileiro. O pasto, exclusivamente, é responsável por quase 90% da carne bovina consumida no Brasil e pela maior parte dos 20 bilhões de litros de leite produzidos anualmente no país. O valor econômico das pastagens, pelo menos até o momento1 , só pode ser visualizado através dos produtos animais. Mais uma vez, a importância é destacada. No Estado de São Paulo, por exemplo, a carne bovina e o leite representam 13% do valor não agregado da produção agrícola, o equivalente a R$ 1,48 bilhões de reais2 . A partir dos anos 60, mas principalmente durante as décadas de 70 e 80, as áreas de pastagens nativas passaram a ser substituídas por pastagens cultivadas, em especial por plantas do gênero Brachiaria. A simples introdução de gramíneas cultivadas permitiu que a taxa de lotação animal nas pastagens passasse de cerca de 0,3 para 1,0 cabeças/ha no curto-prazo. Obviamente, esse foi o estímulo para que paulatinamente a área ocupada por pastagens cultivadas aumentasse para os níveis atuais (Tabela 2). Estima-se que hoje, no Brasil, dos 180 milhões de ha TTTTTaaaaabela 1bela 1bela 1bela 1bela 1 EstimaEstimaEstimaEstimaEstimativtivtivtivtiva da Ára da Ára da Ára da Ára da Área Ocupada por Pea Ocupada por Pea Ocupada por Pea Ocupada por Pea Ocupada por Pastagensastagensastagensastagensastagens em Estados Selecionadosem Estados Selecionadosem Estados Selecionadosem Estados Selecionadosem Estados Selecionados Fontes: 1 – São Paulo (1997); 2 – Censo Agropecuário 1995/1996. TTTTTaaaaabela 2bela 2bela 2bela 2bela 2 EstimaEstimaEstimaEstimaEstimativtivtivtivtiva da Pra da Pra da Pra da Pra da Proporção de Poporção de Poporção de Poporção de Poporção de Pastagens Cultivastagens Cultivastagens Cultivastagens Cultivastagens Cultivadas em Relação àadas em Relação àadas em Relação àadas em Relação àadas em Relação à ÁrÁrÁrÁrÁrea ea ea ea ea TTTTTotal Ocupada por Plantas Forrageiras emotal Ocupada por Plantas Forrageiras emotal Ocupada por Plantas Forrageiras emotal Ocupada por Plantas Forrageiras emotal Ocupada por Plantas Forrageiras em Estados SelecionadosEstados SelecionadosEstados SelecionadosEstados SelecionadosEstados Selecionados Fonte: Estimado a partir de São Paulo (1997); 2 – Censo Agropecuário 1995/1996. ocupados por pastagens, aquelas cultivadas respondam por 105 milhões de ha3 . Por outro lado, a concepção da maioria desses empreendimentos de pecuária baseou-se na existência de uma “planta forrageira milagrosa”, que sobreviveria em condições adversas de ambiente, seria resistente, produtiva e adaptada ao manejo da propriedade (quer seja o fogo, o pastejo intenso, etc.). Com isso, uma Estado Área ocupada por pastagem cultivada (%) São Paulo1 80 Minas Gerais2 46 Mato Grosso2 71 Mato Grosso do Sul2 72 Goiás2 74 Paraná2 79 Rio Grande do Sul2 10 Estado % da pastagem que é cultivada São Paulo1 51,4 Minas Gerais2 72,1 Mato Grosso2 78,0 Mato Grosso do Sul2 93,0 Goiás2 87,2 Paraná2 46,8 Rio Grande do Sul2 69,3 Preços Agrícolas Janeiro/Fevereiro de 2001 4 Pastagens colonião, capim-elefante pangola braquiária Andropogon braquiarão gramão rebrota de barba de bode, rabo de burro, sapé, etc. ReprReprReprReprRepresentação da esentação da esentação da esentação da esentação da “Escada da Ilusão”“Escada da Ilusão”“Escada da Ilusão”“Escada da Ilusão”“Escada da Ilusão” Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1 TTTTTaaaaabela 3bela 3bela 3bela 3bela 3 Fonte: Adaptado a partir de Werner et al. (1996). VVVVVelocidade de Retorelocidade de Retorelocidade de Retorelocidade de Retorelocidade de Retorno do Cano do Cano do Cano do Cano do Capital Inpital Inpital Inpital Inpital Invvvvvestido em Sistemas de Pestido em Sistemas de Pestido em Sistemas de Pestido em Sistemas de Pestido em Sistemas de Pecuárecuárecuárecuárecuária a Pia a Pia a Pia a Pia a Pastoastoastoastoasto Figura 2Figura 2Figura 2Figura 2Figura 2 Fonte: Corsi (1989). N P K Ca Mg S Espécies g/kg Brachiaria brizantha, Brachiaria decumbens 12-20 0,8-3 12-30 2-6 1,5-4 0,8-2,5 Panicum maximum, Pennisetum purpureum 15-25 1-3 15-30 3-8 1,5-5 1-3 Andropogon gayanus 12-25 1,1-3 12-25 2-6 1,5-4 0,8-2,5 Paspalum notatum, Melinis minutiflora 12-22 1-3 12-30 3-7 1,5-4 0,8-2,5 Cynodon spp. 15-26 1,5-3 15-30 3-8 1,5-4 1-3 FFFFFaixa de aixa de aixa de aixa de aixa de TTTTTeoreoreoreoreores de Nutres de Nutres de Nutres de Nutres de Nutrientes ientes ientes ientes ientes Adequados para Adequados para Adequados para Adequados para Adequados para Algumas Forrageiras Algumas Forrageiras Algumas Forrageiras Algumas Forrageiras Algumas Forrageiras TTTTTrrrrropicaisopicaisopicaisopicaisopicais,,,,, Calculados com Base na MaCalculados com Base na MaCalculados com Base na MaCalculados com Base na MaCalculados com Base na Matértértértértéria Secaia Secaia Secaia Secaia Seca 1 Com base na produção de matéria seca esperada Investim entos em instalações investim entos na genética dos animais adubação com nitrogênio1 adubação com fósforo, potássio e micro nutrientes/subd iv isão de pastagens aná lise e correção (calagem) do solo conservação do solo, controle de form iga e cup ins M enor velocidade do retorno do capital investido M aior Preços Agrícolas Janeiro/Fevereiro de 2001 5 Pastagens gama de espécies forrageiras monopolizou a atenção de técnicos e pecuaristas, que passaram a experimentá-las em ciclos cada vez mais curtos (i.e., a “escada da ilusão”; Figura 1). Entretanto, há muito se sabe que a simples troca da espécie forrageira na propriedade não determinará melhora sensível na produtividade animal no médio/longo-prazo, a não ser que se verifiquem outras mudanças no manejo do sistema solo-pasto-animal. Assim, o ciclo cada vez mais curto em que “os capins milagrosos” são experimentados nada mais é do que o reflexo da velocidade crescente com que as pastagens estão sendo degradadas. Como resultado, estima- se que atualmente pelo menos 50% das pastagens brasileiras encontrem- se em algum grau de degradação. A importância relativa de cada um dos componentes do sistema solo- pasto-animal sobre a perenidade e produtividade das pastagens irá variar em função das peculiaridades intrínsecas a cada região. Todavia, a baixa fertilidade química natural da maioria dos solos nos trópicos e o elevado potencial de extração de nutrientes das pastagens tropicais (Tabela 3), indicam que a manutenção e reposição da fertilidade do solo são premissas básicas para garantir a longevidade e produtividade destas pastagens e, dessa maneira, investimentos nesses fatores podem proporcionar ganhos econômicos (Figura 2). Isso não quer dizer que a genética e saúde do animal devam ser relegadas a um segundo plano, no entanto, de nada vale ter animais de genética superior se o alimento (pasto) para sua manutenção, crescimento e reprodução não estiver disponível na quantidade e qualidade necessárias. Além disso, animais bem nutridos são mais saudáveis. A preocupaçãocom a fertilidade do solo no Brasil, de fato, existe, mas ainda de maneira muito tímida. Em 1990, cerca de 110 mil toneladas de fertilizantes foram aplicados nas pastagens brasileiras. Esse valor cresceu para 663 mil toneladas em 19974 . Estas estimativas consideraram 90 milhões de ha de pasto, o que leva a uma média de 7,4 kg/ha de fertilizantes aplicados anualmente nas pastagens (Tabela 4). Considerando que esse fertilizante seja “NPK”, e que a proporção utilizada desses elementos em pastagens seja aquela usada em outras atividades agrícolas brasileiras (i.e., cerca de 0,6:1,0:0,8), tem-se que, na média, a aplicação anual de N:P2O5:K2O em pastagens é de aproximadamente 1,9 kg: 3,1 kg: 2,5 kg, respectivamente. A conclusão óbvia que se tira dessa situação é que o consumo de fertilizantes em pastagens no Brasil é extremamente baixo e substancialmente inferior ao de outras regiões do Mundo, onde o manejo adequado da pastagem é priorizado (Tabela 4). Outra conclusão que pode ser tirada é que a nutrição mineral dessas plantas forrageiras reside quase que exclusivamente na reciclagem de nutrientes ocorrendo naturalmente no sistema, que por apresentar taxas e extensões limitadas, não sustenta a produtividade e a perenidade da pastagem por muito tempo. Assim, invariavelmente, o resultado final é a degradação do pasto. O período de tempo para que estágios avançados de degradação se instalem, no entanto, são variáveis e dependentes da deficiência de elementos minerais no solo, de distúrbios muito severos na pastagem (como o fogo ou o pastejo muito intenso), da competição da pastagem com plantas daninhas e da presença de pragas. Na média, o sistema entra em colapso em 4 ou 5 anos. Portanto, da breve discussão apresentada acima é possível concluir que a exploração de bovinos de corte e de leite, no país, ocorre prioritariamente em áreas de pastagens cultivadas. No entanto, o manejo inadequado do pastejo e a falta de atenção para com a manutenção e reposição da fertilidade de solos vegetados por plantas forrageiras levam à degradação da pastagem. A insistência em se adotar essa maneira extrativista de exploração de pastagens reduz a competitividade e lucratividade de empreendimentos de pecuária frente às outras alternativas de uso do solo. Por exemplo, dados recentes divulgados pela EMBRAPA5 apontaram que sistemas extensivos de pecuária de corte no Estado de São Paulo permitiram um lucro de apenas R$ 33,00/ha/ano. Em contrapartida, a intensificação do sistema de produção elevou esse lucro para R$ 446,00/ha/ano. Nessa situação a atividade de pecuária de corte seria capaz de competir favoravelmente com as outras alternativas de uso da terra. O mesmo raciocínio vale para a pecuária de leite. A simples troca da espécie forrageira na propriedade não determinará melhora sensível na produtividade animal no médio/longo- prazo, a não ser que se verifiquem outras mudanças no manejo do sistema solo-pasto-animal A maneira extrativista de exploração de pastagens reduz a competitividade e lucratividade de empreendimentos de pecuária frente às outras alternativas de uso do solo Preços Agrícolas Janeiro/Fevereiro de 2001 6 Pastagens Desse modo, diversos fatores contribuem para ineficiência técnico- econômica dos empreendimentos baseados na exploração de pastagens no Brasil, marcadamente a falta de investimentos em tecnologias adequadas e de maior do capital investido, com a aplicação preferencial de dinheiro em recursos não produtivos e/ou em tecnologias cujo retorno do capital investido é mais demorado. Por outro lado, o panorama pecuário no Brasil pode ser alterado rapidamente, uma vez que a reforma de 50% da área de pastagens oferece oportunidades para a adoção de tecnologias que teriam potencial para modificar significativamente a produtividade da planta forrageira e do animal em pastejo. Frente a esse cenário, observa-se a necessidade de participação de Instituições de Ensino Pesquisa na orientação de limitações e vantagens de sistemas de produção a pasto. Esse fato concorreria para reduzir as frustrações freqüentemente obser- vadas no campo. Notas Uso de FUso de FUso de FUso de FUso de Fererererertilizantes em Ártilizantes em Ártilizantes em Ártilizantes em Ártilizantes em Áreas Ocupadas por Forragens e Peas Ocupadas por Forragens e Peas Ocupadas por Forragens e Peas Ocupadas por Forragens e Peas Ocupadas por Forragens e Pastagensastagensastagensastagensastagens TTTTTaaaaabela 3bela 3bela 3bela 3bela 3 Fonte: 1 – Griffith &Murphy (1996); 2 – MAFF (1994, citado por Scholefield & Oenema, 1999); 3 – ANDA (1996/1997, citado por Ferreira et al., 1999). GGGGGERALDOERALDOERALDOERALDOERALDO B B B B BUENOUENOUENOUENOUENO M M M M MARARARARARTHATHATHATHATHA J J J J JÚNIORÚNIORÚNIORÚNIORÚNIOR Eng. Agrônomo, MSc., Doutorando do Depto. de Produção Animal da ESALQ-USP, bolsista FAPESP Eng. Agrônomo, PhD., Professor Titular do Depto. de Produção Animal da ESALQ-USP MMMMMOOOOOAAAAACYRCYRCYRCYRCYR C C C C CORSIORSIORSIORSIORSI 1 A preocupação com o aquecimento global é pauta cada vez mais visada no Mundo e, assim, a redução nas emissões de gases causadores do efeito estufa, como o CO2, passa a assumir um caráter de extrema relevância. Ecossistemas de pastagens (bem manejadas) podem desempenhar papel positivo sobre a qualidade do ambiente através da captura do CO2 da atmosfera e estocagem desse carbono no solo. Essa peculiaridade das pastagens pode vir a se transformar em “moeda” num futuro próximo, uma vez que já se discute um sistema de equilíbrio entre emissão e seqüestro de CO2 em termos globais. 2 SÃO PAULO. Secretária de Agricultura e Abastecimento. LUPA (Levantamento Censitário de Unidades de Produção Agrícola). São Paulo, 1997, 4v. 3 ZIMMER, A.; EUCLIDES FILHO, K. A pecuária de corte no Brasil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE PRODUÇÃO ANIMAL EM PASTEJO, 1997, Viçosa. Anais... Viçosa: UFV, 1997. p.349-379. 4 FERREIRA, C.R.R.P.T., VEGRO, C.L.R., BORTOLETO, E.E., FRANCISCO, V.L.F.S. Caracterização da pecuária bovina no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, v. 29, p.7- 30, 1999. kg fertilizante/ha Total N P2O5 K2O kg/ha/ano Estados Unidos1 pastagem/área de agricultura 44,8 16,8 28,0 89,6 pastagem/área de floresta 33,6 11,2 22,4 67,2 pastagem permanente 39,2 16,8 16,8 72,8 nativa ("range") 33,6 16,8 5,6 56,0 Inglaterra/Oeste Europeu2 pastejo intensivo 340 60 60 460 forragem sob corte 380 90 320 790 Brasil3 pastagem - - - 7,4 5 ESTEVES, S.N. Custo de produção de carne utilizando pastagens adubadas. In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO E NUTRIÇÃO DE GADO DE CORTE, Goiânia, 2000. Anais... Goiânia: CBNA, 2000.
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