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Aula 1 Fatos jurídicos

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1. Fatos Jurídicos
Autores consultados e citados:
Caio Mário da Silva Pereira
Pablo Stolze Gagliano
Silvio de Salvo Venosa
Washington de Barros Monteiro
Arnaldo Rizzardo
Miguel Reale
Marcos Bernardes de Mello
Pontes de Miranda
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Noções gerais
Mundo dos fatos e mundo do direito – visão Realeana
Em sentido amplo, todos aqueles eventos da vida, sejam eles naturais ou de interferência humana, que de alguma forma tocam a ordem jurídica, seja criando, seja modificando, seja conservando, seja extinguindo um direito (uma relação jurídica, ou uma situação jurídica), podem ser chamados de fatos jurídicos
Existe divergência doutrinária na classificação e na posição. O professor prefere a classificação de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Direito Civil, Vol 1, 13ª Ed, p. 333), os quais dividem os fatos jurídicos em três grandes grupos: 1) fato jurídico em sentido estrito (eventos naturais ordinários e extraordinários) 2) ato-fato jurídico (aqueles atos que, embora exista a interferência humana, esta não contém a vontade do agente praticante – ex. A compra de um pacote de balas por uma criança de 10 anos, à qual a lei despreza a vontade ou ainda, quando alguém acha um tesouro por acaso; 3) Ações humanas (atos jurídicos), lícitas ou ilícitas (as primeiras divididas em atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos) e, as últimas resultantes dos atos contrários à ordem jurídica (ex. quando alguém causa dano ao patrimônio de outrem)
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Continuação
O importante é saber que toda relação jurídica decorre ou dos fatos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito) ou dos atos humanos (atos-fatos, atos jurídicos, negócios jurídicos e atos ilícitos). Ver teoria Ponteana, nos slides abaixo.
Não basta porém, apenas o fato. É necessários que a ordem jurídica, ou o direito organizado confira, através de suas normas, efeitos jurídicos àquelas situações de fato para, só depois disso, haver efetiva aquisição, modificação, conservação ou extinção dos direitos
Marcos Bernardes de Mello (Teoria Geral do Fato Jurídico, Plano da Existência, p. 7-9) fala que o Direito valora os fatos, por intermédio da norma jurídica, erigindo à categoria de fato jurídico aqueles de maior relevância para o relacionamento inter-humano. Do mesmo modo, fala que há fatos que sequer interessam ao Direito. Outros, por razões de interesse da coletividade, o Direito entende por bem regulamentá-los, imputando-lhes efeitos e dando-lhes consequências jurídicas. 
Citando Lourival Villanova, Mello alude que “Sem as proposições normativas do direito positivo, nenhum fato do mundo pertence ao universo jurídico” - p. 10
Obs: Mello também pondera que a questão jurídica não interfere na questão fática em si dos eventos (sejam oriundos da natureza ou do ser humano). Ex: quando o direito diz que a capacidade plena de exercício de direitos inicia aos 18 anos, isso em nada altera a consciência ou a compreensão das pessoas ao completarem 18 anos. É apenas uma questão jurídica. O mesmo se diga em relação à escravidão. Não foi a lei que fez com que os escravos se transformassem de objetos em pessoas (sujeitos de direitos). Eles já eram pessoas
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Continuação
Assim, Mello aduz que o fenômeno jurídico envolve cinco passos:
a) definição pela norma da hipótese fática
b) concreção dessa hipótese no mundo dos fatos
c) a consequente juridicização (entrada do fato jurídico no mundo do direito – existência do fato jurídico)
d) passagem dos atos jurídicos lícitos pelo plano da validade (exame dos requisitos legais)
e) chegada ao plano da eficácia, quando o fato jurídico então produzirá os seus efeitos (gerando direitos e obrigações às pessoas)
Veja-se que a existência de que se fala aqui é jurídica e não fática. Ou seja, existência para o mundo do direito.
Discussão se ato ilícito é ato jurídico (Caio Mário)
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Nascimento e aquisição de direitos
Somente as pessoas (físicas ou jurídicas) podem adquirir direitos. A lei estabelece as hipóteses em que esses direitos podem existir mas, na verdade, ela nenhum direito cria por si mesma. Por exemplo, a Constituição e o Código Civil garantem o direito de propriedade. Todavia, não é por isso que todas as pessoas, automaticamente, terão direito à propriedade de algum bem. É preciso que exista um fato jurídico (ou atos e negócios jurídicos) que façam com que esse direito nasça na prática e, depois, esse direito há de ser integrado ao patrimônio jurídico de alguém para que realmente produza efeitos e seja reconhecido como tal.
O surgimento de um direito (configuração objetiva – exemplo: a propriedade nasce quando uma coisa se prende ao dominus) nem sempre coincide com a aquisição. Esta última ocorre quando um determinado direito se prende à pessoa de seu titular (configuração subjetiva). Às vezes, por outro lado, o tempo do nascimento do direito ocorre com a aquisição por parte da pessoa. Dá-se a aquisição do direito, quando ele se conjuga ao seu titular (Pablo Stolze, p. 334) - Ver a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – antiga LICC (art. 6º, § 2º). Ex: alguém joga a tarrafa e pega alguns peixes (surge o direito aos peixes e, no mesmo instante, é adquirido pelo pescador).
Veja-se um apartamento: até a sua construção e devida incorporação, como o ganho de um registro imobiliário, ele não existia. A partir do momento em que está devidamente legalizado, nasce o direito àquele apartamento, que irá se incorporar ao patrimônio jurídico do seu dono.
Caio Mário (p. 385) dá o exemplo da servidão, que nasce ao mesmo tempo em que o sujeito ativo da relação jurídica a adquire
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Nascimento...continuação
Pablo Stolze (p. 335/337) também lembra que há os chamados “direitos futuros”, os quais, embora já existentes, somente se integrarão ao patrimônio jurídico de alguém após (a) passagem do tempo ou a ocorrência de algum evento. A opinião é compartilhada por Venosa (p. 374/375).
Nestes direitos estão: a) expectativa de direito (mera possibilidade de aquisição; é esperança de aquisição – ex. uma proposta contratual); 
b) direito eventual (ainda não realizados todos os elementos necessários à complementação da relação jurídica – ex. o direito à herança); Venosa dá o exemplo da venda de coisa alheia, pela qual alguém fica na dependência de receber a propriedade do bem para, ao depois, transmiti-la;
c) o direito condicional (atrelado à ocorrência de um evento futuro e incerto – ex. te pagarei um ano de faculdade se passares no vestibular – os art. 121 do CC regula a matéria, como em momento oportuno estudaremos)
Discussão: seria possível, como querem alguns autores, uma relação jurídica entre uma pessoa e uma coisa, como no direito de propriedade??? Ex: alguém que possui um terreno 
**Venosa ainda lembra dos chamados direitos potestativos, por meio dos quais o titular pode exigir a sujeição de quem quer que seja, enquanto durar a relação jurídica (ex. o direito do cônjuge de pedir o divórcio; o direito do proprietário de imóvel encravado exigir a servidão) – p. 376, importante para o estudo da decadência, mais ao fim do semestre
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Nascimento e aquisição...continuação
Quanto à classificação das aquisições, temos:
a) Originária X derivada (dependência de uma relação jurídica anterior e a que acaba de acontecer) – esta classificação tem muita importância prática. Por exemplo: quem adquire um imóvel em numa praça (leilão de bens imóveis) o faz de maneira originária, ou seja, nada deve de condomínio ou IPTU anteriores à imissão na posse (há quem entenda diferente – divergência jurisprudencial) – sugere-se estudo jurisprudencial.
b) Gratuita X onerosa (há contraprestação ou apenas um se obriga e o outro apenas recebe?) – ex. numa compra e venda, existem obrigações de ambas as partes, uma entregando o bem e a outra o preço; numa doação pura, apenas um se obriga e o outro apenas recebe, sem ônus algum de sua parte
c) Singular X universal (adquire-se o direito ao todo ou apenas a uma parte?) – posso adquirir uma fazenda ou uma empresainteira ou apenas um percentual dela
d) Simples X complexas (um ato somente é suficiente ou são necessários mais de um?) - a emissão de um cheque é um ato simples, só necessitando da assinatura de uma parte para que alguém adquira direito àquele crédito; a compra e venda de um imóvel é um ato complexo (duas assinaturas pelo menos e mais os atos de registro no CRI)
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Complemento Breve estudo da teoria de Pontes de Miranda sobre o tema
FATOS (Eventos e/ou condutas) → Incidência da norma sobre esses fatos (juridicialização) = FATO JURÍDICO (existência independente)
Se perguntar se o suporte fático é suficiente ou insuficiente para se enquadrar na previsão da norma
Quando ocorre o fato jurídico, há a possibilidade jurídica da produção dos efeitos sociais desejados
Mediação entre o ser e dever ser pelo operador do direito
Direito como instrumento de pacificação de condutas e normatização de comportamentos
Pergunta: como ocorre a passagem do fato para o direito???
Toda vez que houver um fato relevante, haverá uma norma. Ex: celular. Há 30 anos, haveria necessidade de normatização desse uso? Toques inconvenientes, etc...
Edita-se uma norma (não necessariamente uma sanção – às vezes prêmio)
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Classificação dos direitos subjetivos em si
Estudo importante para todas as disciplinas jurídicas
Fundamental para a compreensão dos institutos da prescrição e decadência
Classificação dada pelo professor Agnelo A. Filho (Texto sobre o Critério Científico para distinguir prescrição de decadência)
Os direitos subjetivos se classificam em duas grandes categorias:
Direitos a uma prestação: divididos em (a1) direitos reais e (a2) direitos pessoais
Direitos potestativos: (poderes que a lei confere a determinadas pessoas para interferirem na esfera jurídica de outrem sem concurso da vontade destas (exemplos na p. 11 do texto)
Os direitos reais serão estudados em disciplina própria, com esse nome (CC, arts. 1.225 em diante, do CC), e sempre envolvem uma coisa em que há um ou mais sujeitos ativos (titulares do bem) em contrapartida a uma infinidade de pessoas que são sujeitos passivos e devem abster-se de interferir nessa relação
Os direitos pessoais (ou de crédito, ou obrigacionais), estudados nesta disciplina, e especialmente na próxima (obrigações), tem sempre um ou mais sujeitos ativos (credores) e um ou mais sujeitos passivos (devedores) determinados pela lei ou pelo negócio jurídico, e se referem a um dar, fazer ou não fazer alguma coisa
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Continuação – Teoria Ponteana
Nem tudo o que ocorre na vida será objeto de incidência da norma.
O suporte fático pode ser suficiente ou insuficiente.
Um ato pode não existir ou pode existir e estar em desacordo com o sistema
A incidência da norma seria a chave que abre a porta para o mundo jurídico
Dependendo do suporte fático, haverá uma ou outra norma a incidir. Cabe ao operador do direito descobri-la. Ex: imagine-se um advogado que ingressa com uma ação de divórcio. No meio do processo, se descobre que não foi feito o registro do casamento. Qual a “moldura” que melhor se enquadra nesse panorama??? A resposta está em que na verdade o casamento não obedeceu aos requisitos da lei para que fosse realizado. Esse “casamento” está no mundo jurídico mesmo? Ou apenas existe outra situação de direito?
CONCLUSÃO: a ação não será de divórcio, mas apenas de dissolução de união estável, porquanto o suporte fático não foi suficiente para existir casamento e, portanto, não há novo suporte fático-jurídico (casamento) para a ação de divórcio
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Modificação dos direitos
Podem ser subjetivas (em relação ao sujeito que integra a relação jurídica – exemplo: alienação, com transferência das faculdades jurídicas para o novo titular; também na chamada sucessão causa mortis, em que o direito passa aos herdeiros no instante da morte, pelo princípio da saisine) ou objetivas (em relação ao objeto da relação jurídica - Pode haver modificações tanto quantitativas - CC, art. 1.250 - quanto qualitativas – recebimento de cheque em pagamento de uma nota promissória)
Às vezes há confusão de conceitos de modificação ou perda do direito – Caio Mário (p. 387 e 388) faz a pergunta: a relação jurídica manteve sua identidade???
Obs: existem direitos que não admitem modificação subjetiva. (personalíssimos, ou intuitu personae, como os direitos da personalidade, de família, os quais se extinguem com a morte do titular)
Pode haver modificação tanto no sujeito ativo quanto no sujeito passivo da relação jurídica (credor ou devedor – exemplos: arts. 299 e 1.792 do CC)
Pode haver alteração na intensidade do vínculo jurídico – ex. Art. 1.219 do CC
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Extinção dos direitos
A doutrina fala em fim, morte ou extinção dos direitos
É preciso distinguir perda da extinção do próprio direito. Alguém pode perdê-lo (modificação subjetiva) da extinção (desaparecimento do direito – por exemplo, a morte de um animal de raça)
A extinção é dividida em:
Em razão do sujeito: filho morre antes de investigar a paternidade
Em razão do objeto: a famosa Joia do Navio Titanic cai no mar por descuido de Rose (entretanto, se foi por ato doloso ou culposo de alguém, apenas ocorre modificação, sub-rogando-se a coisa em valor indenizatório
Em razão do vínculo jurídico: decadência ou prescrição (a obrigação jurídica se transforma em natural)
Obs: há os direitos chamados transitórios (Ex: a termo, condição resolutiva – CC, arts. 127, 128 e 131 
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Renúncia a direito
É espécie de extinção subjetiva de direitos. Caio Mário fala em “abandono voluntário do direito, sendo ato unilateral”.
Podem trazer ou não vantagens a alguém (Ex. Da primeira: renúncia a benefício de ordem do fiador em um contrato ou renúncia a herança)
Renúncia translatícia – renunciar em favor de outrem – na verdade se trata de transmissão de direitos (ex. Renuncio a parte da herança em favor de minha mãe) – importante nas questões fiscais do processo de inventário
Grande parte dos direitos podem ser objeto de renúncia (em regra os que envolvem questões patrimoniais)
Outros direitos são irrenunciáveis (poder familiar, honra, direitos fundamentais, proteção ao consumidor, etc.)
Há situações fático-jurídicas incompatíveis com a renúncia (renúncia a prescrição enquanto esta não se opera, renuncia a herança enquanto o titular do patrimônio está vivo, etc.)
Nao confundir renúncia com inércia (esta tem a ver com a prescrição ou decadência)
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Planos de estudo do fato jurídico
EXISTÊNCIA: Plano do ser (para o mundo do Direito). Engloba todos os fatos jurídicos, sem cogitar se válido ou eficaz. Suficiência ou não do suporte fático (expressão desenvolvida por Pontes de Miranda). Ex: Um casamento feito por autoridade incompetente. Seus elementos são: agente, vontade, objeto e forma. Obs: se estamos no mundo jurídico, significa que já estamos no plano da existência.
VALIDADE: Plano do dever ser. Aqui se observam eventuais falhas no ato ou negócio. Controle de qualidade. Flávio Tartuce diz que, neste ponto, os elementos de existência ganham adjetivos. Fica assim: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei. Ex: um negócio de venda de cocaína não é juridicamente válido por ser ilícito o seu objeto. (a falta de algum desses requisitos torna o ato ou negócio nulo ou anulável, dependendo do que diz a lei e da gravidade do defeito)
EFICÁCIA: Plano da produção dos efeitos. Há atos ou negócios que produzem efeitos desde logo. Alguns, estão sujeitos a outros elementos que podem ou não existir (condição, termo, encargo...), os quais também serão estudados mais adiante.
Fórmula: norma jurídica + incidência do suporte fático = fato jurídico
É como se fosse uma escada (a chamada “escada Ponteana” - Pontes de Miranda), em que cada degrau fosse um desses planos, desde a ocorrência do suporte fático, até a produção dos efeitos no mundo jurídico. Mais adiante o estudo será melhor efetivado. Entretanto, há fatos jurídicos (nascimento, aquisição de personalidade jurídica, fatos naturais) dos quaisnão se indaga da validade, produzindo efeitos jurídicos (eficácia) também desde logo
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Leituras obrigatórias relacionadas ao slide
Caio Mario da Silva Pereira – Instituições de Direito Civil, vol. 1, p. 381 a 393;
Miguel Reale - Lições Preliminares de Direito, p. 199 a 226
Pablo Stolze – Curso de Direito Civil, vol. 1, p.
Marcos Bernardes de Mello – Teoria do Fato Jurídico – Plano da Existência – 2003 ou edição mais atualizada – páginas 3 a 19)

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