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52 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Unidade II 5 INTERAÇÃO GÊNICA Por enquanto, temos nos referido apenas a interações que ocorrem entre os alelos de um mesmo gene, o que pode resultar em dominância completa ou codominância. No entanto, também existem interações que ocorrem entre alelos pertencentes a genes desiguais. Podem ocorrer diferentes tipos dessas interações. Genes díspares podem agir de modo que a expressão de um deles complemente a expressão de outro, ou, em certos casos, o efeito de um gene acaba por inibir o efeito de outro. Em situações mais drásticas, um gene pode interferir de forma negativa no funcionamento de um ou vários sistemas orgânicos, resultando na morte do indivíduo. No decorrer do livro‑texto, destacaremos algumas dessas interações. 5.1 Um gene, mais de uma característica A caracterização cada vez mais detalhada do funcionamento do DNA tem revelado que a amplitude de ação de um gene não se restringe a apenas uma proteína, tampouco a uma única característica. Por exemplo, o fato de o Projeto Genoma Humano ter revelado que em nosso genoma existem “apenas” cerca de 25.000 genes para definir a incrível complexidade estrutural e funcional de nosso organismo permite‑nos ter uma ideia da múltipla ação que um gene pode exercer, uma vez que as células humanas, consideradas juntas, podem produzir cerca de 400 mil proteínas diferentes. Observação O termo genoma significa o conjunto de genes de uma espécie. Saiba mais Para maiores informações sobre o Projeto Genoma Humano (PGH) e suas implicações, leia o seguinte material produzido pelo Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH) da Universidade de São Paulo: CEGH USP. O Projeto Genoma Humano. [s.d.]. Disponível em: <http:// genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto‑genoma‑humano.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2016. 53 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Antes mesmo dessas recentes descobertas moleculares, os geneticistas já tinham provas de que um gene podia exercer mais de um efeito. Talvez um dos casos mais clássicos desse tipo de situação seja representado pelos alelos letais. Observação A palavra letal significa mortal, algo que atua no sentido de comprometer a sobrevivência do indivíduo. Em organismos usados em experimentos, como mosca‑das‑frutas e camundongos, já se conhecem diversos exemplos em que esse tipo de alelo determina tanto uma característica estrutural ou funcional quanto a mortalidade dos indivíduos. O alelo AY de camundongos ilustra bem um caso de letalidade. Os camundongos selvagens normais têm uma pelagem de pigmentação escura. Uma mutação dominante para a cor de pelo, chamada yellow, determina uma pelagem bege, conforme a figura a seguir. Se um camundongo bege é cruzado com um selvagem, sempre é observada uma proporção de 1:1 de bege para selvagem na prole, indicando que os camundongos beges sempre são heterozigotos. Quando dois camundongos beges são cruzados entre si, o resultado é sempre 2/3 de bege para 1/3 de selvagem (2:1), e não 3/4 de bege para 1/4 de selvagem (3:1), como era de se esperar com base nos preceitos da primeira lei de Mendel. Isso ocorre porque os camundongos beges homozigotos (AYAY) morrem antes de nascer, fato que é confirmado pela remoção dos úteros das fêmeas grávidas do cruzamento bege x bege e contagem dos embriões: constata‑se que um quarto dos embriões nessas circunstâncias estão mortos. Desse modo, podemos deduzir que estão em jogo duas características determinadas pelo alelo AY: a cor da pelagem e a viabilidade dos camundongos. Dizemos, nesse caso, que o alelo AY é pleiotrópico, uma vez que influi na manifestação de aspectos distintos. Quando em dose única, permite a sobrevivência dos indivíduos e determina pelagem clara; porém, em dose dupla, interfere de modo negativo no funcionamento do organismo, a ponto de determinar a morte. Figura 43 – Camundongos de pelos selvagens (escuros) e mutantes (beges) 54 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Convém lembrar que nem sempre um loco pleiotrópico é letal. A pleiotropia ocorre quando uma única proteína afeta partes diferentes do corpo ou participa de mais de uma reação bioquímica, e isso não resulta necessariamente em morte. Efeitos pleiotrópicos podem ser a causa de correlações entre características normais. Na planta de soja há o exemplo de um gene que controla tanto a cor do hipocótilo quanto das flores. A coloração do hipocótilo manifesta‑se em estádio de plântula, e, com base nessa cor, é possível prever qual será a cor da flor na planta adulta, como descrito no quadro a seguir: Quadro 10 – Esquema das cores Genótipo Cor da flor Cor do hipocótilo AA Roxa Roxo Aa Roxa Roxo aa Branca Verde 5.2 Dois ou mais genes, um único fenótipo A segunda lei de Mendel baseia suas conclusões a partir das possíveis combinações de dois genes diferentes na determinação dos fenótipos de duas características dissemelhantes. No entanto, quando se considera que dois genes atuam em conjunto para definir uma única característica, nem sempre a proporção fenotípica prevista pela segunda lei é mantida. Nesse caso, os dois genes que interagem produzem proporções diíbridas modificadas. Lembrete Um cruzamento diíbrido clássico mendeliano, quando se considera a herança simultânea de dois genes, a proporção fenotípica esperada em F2 é de 9:3:3:1. Nesse momento, você já deve estar se perguntando: como ocorre essa interação entre os genes? Um dos fenômenos de interação mais conhecidos é o seguinte: os produtos de genes diferentes atuam simultaneamente em certas vias biológicas que definem um fenótipo final. Há casos em que os produtos gênicos atuam em uma mesma via biológica, outros, em vias distintas. As situações mais conhecidas são aquelas que envolvem a produção de pigmentos. Vamos a elas! 5.2.1 Genes que interagem em vias biológicas diferentes Uma maneira pela qual dois genes dissemelhantes podem contribuir para a definição do fenótipo é aquela em que cada um deles atua de modo independente em processos distintos e que ocorrem simultaneamente. Um exemplo corrente é o da herança de cor de pele de uma espécie de cobra conhecida 55 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA como cobra do milharal (em inglês, corn snake). A seguir podemos notar fenótipos de cor de pele da cobra do milharal. Figura 44 – Da esquerda para a direita: camuflado, preto, laranja e albino O fenótipo de cor mais comum nessas serpentes consiste em um padrão de camuflagem preto e laranja, conforme mostra a figura anterior. Esse fenótipo é produzido por dois pigmentos separados, ambos sob o controle genético. Um dos pigmentos é o laranja, e sua fabricação é resultante da expressão do alelo o+_, que é dominante sobre o alelo o_, que, por sua vez, determina ausência de pigmento laranja. Então, outro gene define o pigmento preto, com os alelos b+_ (dominante; presença do pigmento preto) e b_ (recessivo; ausência de pigmento preto). Esses dois genes se situam em cromossomos diferentes. Assim, a definição dos fenótipos dessas cobras pode ser resumida no quadro a seguir: Quadro 11 – Pigmentos Genótipos Fenótipos o+_/b+_ Camuflado (laranja e preto) oo/b+_ Preto o+_/bb Laranja oo/bb Albino Como existem dois genes nesse sistema, é obtido um padrão de herança tipicamente diíbrido, apesar de estar em jogo a definição dos fenótipos de apenas uma característica. Os quatro fenótipos possíveis formam uma proporção 9:3:3:1 na F2, como ilustrado noesquema a seguir: Fêmea o+o+/bb (laranja) x Macho oo/b+b+ (preto) o+o/b+b (camuflados) Fêmea o+o/b+b (camuflada) x Macho o+o/b+b (camuflado) 9 o+_/b+_ 3 o+_/bb 3 oo/b+_ 1 oo/bb F2 (camuflados) (laranja) (pretos) (albinos) F1 Figura 45 – Proporção dos fenótipos 56 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Os genes o e b participam de duas vias bioquímicas paralelas, como esquematizado na imagem seguir: Precursores pigmento preto camuflado Precursores pigmento laranja b+ o+ Figura 46 – Vias paralelas 5.2.2 Interação de genes na mesma via biológica Em geral, os genes que interagem em duas vias distintas produzem uma F2 com quatro fenótipos correspondentes às quatro classes genotípicas possíveis, como no exemplo da cobra do milharal. No entanto, quando a interação entre os genes envolve somente uma via metabólica, surgem proporções em F2 diferentes do tradicional 9:3:3:1. Quando a interação genética ocorre em uma mesma via metabólica ou de desenvolvimento, ela é denominada epistasia. Nesse caso, dois (ou mais) genes atuam em etapas dissemelhantes de uma única via metabólica, de modo que a ação de um deles dependerá do produto da ação do outro. Costuma‑se dizer que um gene é epistático quando ele inibe a manifestação de outro gene que depende do primeiro para se expressar. Mais precisamente, a epistasia ocorre quando um dos alelos de um gene não permite a expressão de alelos de outro gene. 5.2.2.1 Epistasia recessiva Na planta Collinsia parviflora, existem flores cujas cores podem apresentar as seguintes cores: azul, magenta ou branca. A via bioquímica de produção de pigmentos já foi identificada. A imagem a seguir ilustra essa via. Precursor incolor magenta azulgene w + gene m+ Figura 47 – Via bioquímica Como destacado no esquema anterior, há dois genes envolvidos na formação dos pigmentos que serão depositados nas flores dessas plantas: o gene w (cujos alelos são o selvagem dominante w+ e o mutante recessivo w) e o gene m (cujos alelos são o selvagem dominante m+ e o mutante recessivo m). Os genes w e m situam‑se em cromossomos distintos. Nessa planta, a conversão de substâncias depende da ação dos produtos enzimáticos dos genes w e m. Por exemplo, a enzima produzida pelo alelo dominante m+ converte o pigmento magenta em azul. Então, o alelo mutante recessivo m não gera essa enzima, de modo que o genótipo recessivo mm não promove nenhuma alteração da cor magenta. O pigmento magenta, por sua vez, apenas será formado se houver ação de uma enzima fornecida pelo alelo w+ sobre uma substância precursora incolor. O alelo recessivo w não gera esta enzima, portanto o genótipo recessivo ww não altera o precursor incolor. 57 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Nesse contexto, podemos dizer que o alelo recessivo mutante w, quando se manifesta, inibe a formação de qualquer uma das cores, seja magenta, seja azul. Em outras palavras, o alelo w é epistático sobre os alelos m e m+, pois impede que os fenótipos associados a estes alelos sejam manifestados. Como o alelo w é recessivo em relação ao w+, dizemos que se trata de um caso de epistasia recessiva. O cruzamento realizado entre dois parentais puros quanto às cores branco e magenta origina uma prole totalmente azul (F1). A autofecundação desses indivíduos F1 resultaria em uma F2 composta por quatro fenótipos diferentes na proporção diíbrida 9:3:3:1, caso não existisse a epistasia entre os genes considerados. Nesse caso, a proporção 9:3:3:1 é modificada para 9:3:4, havendo, pois, a redução de uma classe fenotípica, como representado no esquema a seguir. Branca x magentaww/m+m+ w+w+/mm x AzulF1 w+w/mm w+w/m+m w+w/m+m F2 9 3 3 1 9 3 4 (azul) (magenta) (branco) (branco) w+_/m+_ w+_/mm ww/m+_ ww/mm Figura 48 – Fenótipos Outro exemplo de epistasia recessiva ocorre na definição da cor da pelagem de cães da raça labrador. Nesses animais, há pelos de cor amarela (“dourado”), marrom (“chocolate”) e preta (figura a seguir). Há dois genes que interagem para a determinação do fenótipo: o gene B, que define se a cor será preta (alelo B, dominante) ou marrom (alelo b, recessivo), e o gene E, que age de modo a depositar os pigmentos produzidos (alelo E, dominante) ou não (alelo e) nos pelos. Se não ocorre deposição de pigmento preto ou marrom, o pelo será de cor amarela. Assim, os genótipos e fenótipos para cor da pelagem em labradores se dão conforme mostra o quadro a seguir: Quadro 12 – Indicação de genótipos e fenótipos Genótipos Fenótipos B_E_ Preto bbE_ Marrom B_ee Amarelo bbee Amarelo 58 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Figura 49 – Da esquerda para a direita: preto, marrom (“chocolate”) e amarelo (“dourado”) 5.2.2.2 Epistasia dominante A cor das pétalas das flores da planta dedaleira (Digitalis purpurea) é uma característica que também está sujeita ao fenômeno da epistasia. Nessa planta, o gene D determina se a quantidade de antocianina produzida é alta (alelo dominante D) ou baixa (alelo recessivo d). O gene W afeta a deposição do pigmento antocianina: o alelo W impede a aplicação do pigmento em toda a superfície da pétala (havendo, nesse caso, constituição de pequenas pintas coloridas na pétala branca), ao passo que o alelo w permite essa deposição em toda a superfície da pétala. Desse modo, o alelo W impede que as pétalas sejam totalmente coloridas; portanto, este alelo é epistático sobre os alelos D e d. Pelo fato de W ser dominante em relação ao w, trata‑se de epistasia dominante. Conforme se pode notar na figura a seguir, a partir do cruzamento entre indivíduos puros quanto às cores púrpura‑escura e branco com pintas, obtém‑se uma prole composta apenas por indivíduos brancos com pintas (F1). (Branco com pintas) (Branco com pintas) (Púrpura‑escuro) (Púrpura‑claro) F2 9 3 3 1 12 3 1 D_/W_ dd/W_ D_/ww dd/ww Púrpura‑escuro x Branco com pintasDD/ww dd/WW x Branco com pintas F1 Dd/Ww Dd/Ww Dd/Ww Figura 50 – Esquema do cruzamento entre indivíduos Como destacamos, a F2 origina‑se da autofecundação de indivíduos F1, e, nesse caso, seria composta de quatro classes fenotípicas, que, caso não existisse a epistasia dominante exercida pelo alelo W sobre os alelos D e d, seriam distribuídas segundo a proporção 9:3:3:1. No entanto, como existe essa inibição, a proporção 9:3:3:1 modifica‑se para 12:3:1, havendo redução de uma classe fenotípica. 59 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA 5.2.2.3 Diferença entre epistasia e dominância Nesse momento, precisamos avaliar a seguinte questão: qual é a diferença entre epistasia e dominância? Apesar de serem fenômenos genéticos semelhantes, é vital explicar tal distinção entre ambas (figura a seguir): • dominância é um fenômeno de interação entre os alelos de um único gene. Em um genótipo heterozigoto, o efeito do alelo dominante sobressai em relação ao efeito do alelo recessivo, mas ambos os alelos são variações da sequência de DNA presente no mesmo loco em cromossomos homólogos; • epistasia é um fenômeno de interação entre genes dissemelhantes. Isso ocorre quando a manifestação dos alelos de certo gene é inibida pela expressão de um alelo de um gene cujo loco pode estar no mesmo cromossomo ou em um cromossomo diverso. inibe A a B b domina domina inibe Figura 51 – Representação esquemática de dominância e epistasia De acordo com a imagem anterior, nota‑se a dominância entrealelos do mesmo loco: no loco A, o alelo A domina a, no loco B, o alelo B domina b. Um alelo do loco A, nesse caso o alelo A, atua de modo inibitório sobre os alelos B e b do loco B. No exemplo ilustrado, os locos A e B estão situados em cromossomos distintos. Observação É comum se empregar o termo gene como sinônimo de alelo, o que gera confusão. Portanto, evite dizer “gene dominante” e “gene recessivo”. A relação entre genes diferentes é de epistasia, e não de dominância. 60 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II 5.2.3 Genes que somam seus efeitos: herança quantitativa ou poligênica Uma das principais metas da genética é a análise do genótipo dos organismos. Entretanto, esse tipo de pesquisa requer a identificação dos fenótipos, que se constituem nas possíveis manifestações de uma característica. Reconhecemos dois genótipos como diferentes um do outro porque os fenótipos de seus portadores são díspares. A correlação dos fenótipos com seus respectivos genótipos é relativamente simples quando os genótipos são monogênicos. A identificação dos genótipos responsáveis pelas variantes fenotípicas de certo aspecto é bem menos complexa quando tudo se resume à expressão de apenas um gene com poucos alelos. Todavia, a complexidade torna‑se maior quando a determinação dos possíveis fenótipos apresentados por um aspecto está a cargo da expressão conjunta de vários genes. Nesse caso, dizemos que a característica em questão é poligênica. Quando um atributo é definido por apenas um gene, em geral sua manifestação se resume a poucos fenótipos: cor amarela ou verde, ausência ou presença de pigmento etc. Por esse motivo, a característica é denominada qualitativa. Entretanto, quando ela é definida pela ação conjunta e complexa de vários genes (poligênica), é possível determinar diversos fenótipos diferentes para uma única característica. Nesse último caso, podemos classificá‑las como merísticas, isto é, aquelas que podem ser contadas (por exemplo, número de ovos, número de cerdas etc.), ou contínuas, que correspondem àquelas que podem ser medidas (peso, altura etc.). Características merísticas e contínuas são conhecidas como características quantitativas. Tanto as características merísticas quanto as contínuas exibem uma variação fenotípica quase contínua entre os valores extremos. Por exemplo, se estivermos analisando o peso de um animal e identificarmos que o menor peso apresentado é de 5 kg e o peso máximo é de 10 kg, encontraremos entre esses dois extremos diversos pesos diferentes (por exemplo: 5,1 kg, 5,25 kg, 6,457 kg etc.). Essa infinidade de classes fenotípicas entre extremos é resultante de um tipo peculiar de herança, a herança quantitativa. A grande variabilidade observada nas características quantitativas pode ser atribuída a dois grandes fatores: constituição genética e ambiente. Na realidade, não se herda determinado peso ou altura, e sim uma potencialidade, que pode ser mais ou menos desenvolvida conforme as condições ambientais, por exemplo, disponibilidade de alimento. Obviamente, essa capacidade de desenvolver um fenótipo tem suas limitações impostas pela composição genética. Assim, por mais favorável que seja um ambiente, a manifestação do fenótipo esbarra na constituição genética do indivíduo. Considerando esses aspectos da herança quantitativa, podemos afirmar fielmente o seguinte: Fenótipo = genótipo + ambiente O grande desafio no estudo de características quantitativas é dimensionar o quanto da variação fenotípica se deve ao genótipo e quanto se deve ao ambiente. Uma maneira relativamente simples 61 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA de responder a essa questão é empreender o estudo de gêmeos monozigóticos (MZ) que vivem em ambientes separados. Esses gêmeos são 100% idênticos sob o ponto de vista genético, de modo que as diferenças constatadas entre eles ocorrem por conta da interferência do local. Exemplo de aplicação Você conhece irmãos que são gêmeos idênticos? Quando deparar com um ou mais desses pares de gêmeos, procure observar (discretamente) as semelhanças e diferenças entre eles. Também vale procurar fotos de gêmeos na internet! Reflita sobre o motivo de tais aspectos. 5.2.3.1 Aspectos gerais da herança quantitativa Dois aspectos da herança quantitativa merecem ser mais bem detalhados. Características quantitativas são poligênicas Conforme mencionado anteriormente, o genótipo por trás das características quantitativas é poligênico e comumente abrange um grande número de locos. Por conta desse aspecto, a herança quantitativa é também chamada de herança poligênica. Em geral, cada loco contribui com uma parcela, e o somatório das parcelas de contribuição de todos os locos envolvidos promove a manifestação da característica. O número de genótipos poligênicos possíveis depende do número de genes enredados. Quando se tem apenas um gene com dois alelos (A1 e A2, por exemplo), existe a chance de formação de três genótipos distintos (A1A1, A1A2 e A2A2). Se considerássemos dois genes com dois alelos cada um, teríamos 9 genótipos disponíveis. Se fossem 3 locos, cada um com um par de alelos, o número de genótipos factíveis seria 27. Generalizando, poderíamos afirmar que a quantidade de genótipos dissemelhantes que podem resultar da combinação de n genes com dois alelos cada um é 3n. Assim, se estimássemos 5 genes diferentes, o número possível de genótipos seria 243! Podemos deduzir o seguinte: quanto maior o número de locos envolvidos, maior será a variabilidade de genótipos, portanto, de fenótipos, e menor será a contribuição relativa de cada loco. Características quantitativas são multifatoriais Já foi dito que as variantes fenotípicas quantitativas resultam da interação de fatores genéticos com o meio ambiente. Na verdade, este tipo de interação ocorre com todo e qualquer atributo que se considere, até no caso das características qualitativas. A manifestação do tipo sanguíneo da pessoa, por exemplo, depende da síntese de compostos específicos e, para que tais elementos sejam fabricados, deve‑se buscar no ambiente a matéria‑prima necessária. Contudo, uma vez portadora do genótipo recessivo, a pessoa vai apresentar o tipo sanguíneo O, seja qual for o ambiente no qual ela se desenvolva. Já as características quantitativas, como o peso e a estatura, por exemplo, variam substancialmente de acordo com o ambiente. Imagine que uma pessoa cresça em condições socioeconômicas adversas, 62 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II cuja dieta seja extremamente pobre em proteína. Possivelmente, esse indivíduo vai apresentar déficit de crescimento, não por conta da hereditariedade, e sim por causa de um ambiente altamente desfavorável. Esse tipo de variação acontece com diversas características quantitativas. Essa interação existente entre genótipo poligênico e ambiente na determinação do fenótipo final do indivíduo é conhecida como mecanismo multifatorial. O termo multifatorial se explica pelo fato de que há diversos fatores (genéticos e ambientais) exercendo influência na expressão final da característica. 5.2.3.2 Métodos estatísticos para avaliar características quantitativas É difícil estudar a herança quantitativa nos descendentes de um único casal. Uma alternativa bastante utilizada pelos geneticistas é analisar descendentes de vários casais cujos fenótipos sejam semelhantes e avaliar os resultados por meio de métodos estatísticos. A pesquisa de uma característica quantitativa em uma grande nação geralmente revela que poucos indivíduos possuem os fenótipos extremos, e que um número maiorde pessoas da população exibe valores próximos ao valor da média populacional. Esse tipo de distribuição simétrica em torno da média apresenta forma de sino (figura a seguir) e, em estatística, é denominada distribuição normal. No primeiro gráfico destacado a seguir, a quantidade de indivíduos que se enquadra em determinada faixa de estatura é representada por uma barra vertical. O gráfico posterior corresponde à curva normal equivalente à distribuição simétrica dos mesmos valores na população. Estatura (cm) Estatura (cm) 156 160 165 170 175 180 185 190 400 360 320 280 240 200 160 120 80 40 0 N úm er o de in di ví du os N úm er o de in di ví du os Figura 52 – Distribuição dos valores de estatura em uma população O emprego de métodos estatísticos diversos é de extrema utilidade no contexto do melhoramento genético. O melhoramento genético é um conjunto de práticas muito aplicado na agropecuária e que visa à obtenção de animais e plantas mais produtivos. Isso é feito por meio da seleção artificial e gerenciamento da reprodução de indivíduos cujos fenótipos quantitativos representem maior potencial de ganho econômico. Muitos dos alimentos atualmente consumidos ao redor do mundo 63 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA são provenientes de um longo processo de melhoramento genético, como aquele efetuado no gado bovino e em plantas de milho. Saiba mais Para saber mais sobre melhoramento genético, leia o seguinte artigo científico: FERREIRA, M. A. J. F. et al. Correlações genotípicas, fenotípicas e de ambiente entre dez caracteres de melancia e suas implicações para o melhoramento genético. Horticultura Brasileira, v. 21, n. 3, p. 438‑442, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hb/v21n3/17576.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2016. 5.2.3.3 Estimativa do número de genes a partir de dados quantitativos Em certas ocasiões, é possível estimar o número de genes que atuam em conjunto na manifestação de uma característica quantitativa. Como qualquer estimativa, esse número obtido não é exato, mas se aproxima da quantidade de genes envolvidos. O cruzamento de duas variedades de trigo com relação à cor dos grãos (variedade vermelha x variedade branca) efetuado por Nilsson‑Ehle, em 1909, permitiu, pela primeira vez, estimar o número de locos envolvidos na determinação de um atributo. P A1A1B1B1 Vermelho‑escuro A1A2B1B2 Vermelho intermediário 1/16 A1A2B1B2 – Vermelho‑escuro 2/16 A1A2B1B1 – Vermelho‑médio 1/16 A2A2B1B1 – Vermelho intermediário 2/16 A1A1B1B2 – Vermelho‑médio 4/16 A1A2B1B2 – Vermelho intermediário 2/16 A2A2B1B2 – Vermelho‑claro 1/16 A1A1B2B2 – Vermelho intermediário 2/16 A1A2B2B2 – Vermelho‑claro 1/16 A2A2B2B2 – Branco Proporção genotípica Proporção fenotípica 1:4:6:4:1 X A2A2B2B2 Branco F1 F2 Figura 53 – Representação do cruzamento 64 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Observe no esquema que em F1 o fenótipo é intermediário em relação aos parentais, já em F2 surgiram fenótipos inexistentes nas gerações P e F1. Obviamente, as proporções genotípica e fenotípica obtidas em F2 não se enquadram em nenhuma das previsões tipicamente mendelianas. Examine a proporção fenotípica em F2 (1:4:6:4:1). Note que os fenótipos de menor frequência são justamente aqueles apresentados pelos parentais (1/16 vermelho‑escuro e 1/16 branco). Baseando‑se nesses números, Nilsson‑Ehle sugeriu que, em F2, a proporção de fenótipos tão extremos quanto os parentais poderia ser calculado de acordo com a seguinte fórmula: 1 4 n Nesse contexto, n é o número de locos (genes) envolvidos na definição dos fenótipos da característica analisada. No caso da cor das sementes de trigo, pode‑se deduzir, pois, que a variação de cores das sementes de trigo resulta da ação de dois locos distintos: 1 4 1 4 2 2 = ∴ = n n locos Analise novamente o esquema do cruzamento entre as variedades de trigo. Veja que em cada um dos genótipos representados há quatro alelos: dois são identificados pela letra A, os outros, pela letra B. Ambas as letras representam os dois locos que determinam os fenótipos. Nesse esquema, os alelos detectados pelo número 1 (A1 e B1) são chamados contribuintes, pois, no caso da semente do trigo, contribuem para a manifestação da cor vermelha. Os alelos que não contribuem para a cor vermelha, identificados no esquema pelo número 2 (A2 e B2), podem ser chamados alelos não contribuintes. Temos, assim, uma série poligênica de quatro alelos (dois alelos de cada loco), os quais, nesse contexto, também são chamados de poligenes. A pigmentação final das sementes depende do somatório dos efeitos dos alelos (poligenes) contribuintes, conforme indicado na tabela a seguir: Tabela 3 – Pigmentação Genótipo Número de alelos (poligenes) contribuintes para vermelho Fenótipo Fração fenotípica em F2 A1A1B1B1 4 Vermelho‑escuro 1/16 A1A1B1B2, A1A2B1B1 3 Vermelho‑médio 4/16 A1A1B2B2, A2A2B1B1, A1A2B1B2 2 Vermelho intermediário 6/16 A2A2B1B2, A1A2B2B2 1 Vermelho‑claro 4/16 A2A2B2B2 0 Branco 1/16 Ao observar a tabela, verifique o seguinte: quanto mais poligenes contribuintes houver no genótipo, mais pigmento vermelho será adicionado à semente do trigo. Quando não há poligene contribuinte, que é o caso do genótipo A2A2B2B2, não há adição de pigmento vermelho. 65 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Várias suposições simplificadoras devem ser feitas para se assumir o modelo proposto: • não há dominância entre os alelos de cada loco; • todos os alelos contribuintes da série poligênica exercem o mesmo efeito; • os efeitos de cada alelo contribuinte são cumulativos ou aditivos; • não há epistasia entre os genes envolvidos; • os genes considerados se localizam em cromossomos diferentes; • os efeitos ambientais são ausentes. A definição da cor de pele humana segue o mesmo padrão descrito anteriormente para a cor da semente de trigo, com a diferença de que são três locos, e não dois, que interagem entre si. O pigmento depositado na pele em maior ou menor quantidade é a melanina. A figura a seguir mostra os fenótipos esperados na prole de um casal triplo‑heterozigoto para os genes que atuam na definição da cor de pele em humanos. × 1/64 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 1/8 6/64 15/64 20/64 15/64 6/64 1/64 0 1 2 3 4 5 6 AaBbCc AaBbCc Espermatozoides Fenótipos: Número de alelos para pele escura: Figura 54 – Combinações entre alelos contribuintes e não contribuintes na determinação da cor da pele em humanos 66 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II No esquema apresentado, cada círculo preto indica um alelo contribuinte, e cada círculo branco destaca um alelo não contribuinte. O quadro maior revela os possíveis genótipos e tonalidades de cor de pele dos descendentes de um cruzamento entre dois indivíduos triplo‑heterozigotos. A parte de baixo da figura mostra as proporções esperadas de cada cor de pele entre esses possíveis descendentes, bem como assinala o número de alelos contribuintes associados a cada fenótipo. Em humanos, a melanina é também o pigmento que se deposita no olho, mais especificamente na íris. Acredita‑se que existam quatro genes interagindo entre si na determinação da cor de olho humano. Nesse caso, há uma série de oito poligenes a ser considerada em cada genótipo,cuja variação na quantidade de alelos contribuintes e seus respectivos fenótipos são expostos na tabela a seguir: Tabela 4 – Alelos e fenótipos Número de alelos contribuintes no genótipo Fenótipo: cor de olho 0 Azul‑claro 1 Azul‑médio 2 Azul‑escuro 3 Cinza 4 Verde 5 Avelã 6 Castanho‑claro 7 Castanho‑médio 8 Castanho‑escuro Perceba que a variação na cor de olhos é quantitativa, ao contrário do que se afirma em alguns livros didáticos para Ensino Médio, os quais consideram de modo perigosamente simplificado a existência de somente dois fenótipos para cor de olho, claro e escuro, determinados pela combinação de apenas dois alelos (com dominância) e com um único loco. 6 RECOMBINAÇÃO GÊNICA E MAPEAMENTO GENÉTICO Nos organismos que apresentam reprodução sexuada, ocorre, em cada indivíduo, uma mistura de genes de origem materna e paterna durante a formação dos gametas. Essa mistura genética é denominada recombinação. Estudos sobre recombinação gênica facultaram aos geneticistas desenvolver um método que permite inferir o posicionamento relativo entre dois ou mais genes situados em um mesmo cromossomo, método chamado mapeamento genético. 6.1 Recombinação gênica Existem duas formas de recombinação gênica: segregação independente e permutação, também conhecida como crossing‑over. O desligamento independente é responsável por recombinar genes situados em cromossomos diferentes, o crossing‑over, em um mesmo cromossomo. 67 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA A segunda lei de Mendel afirma que dois genes quaisquer se desmembram de modo autônomo na formação dos gametas. Esse desligamento explicaria a proporção 9:3:3:1 tipicamente mendeliana observada em F2. Conforme já discutido neste livro‑texto, a justificativa para esse fenômeno seria o fato de que esses genes localizam‑se em cromossomos distintos, os quais se separam de seus respectivos homólogos de maneira isolada. No entanto, essa situação não se aplica a uma boa parcela dos genes conhecidos, ou seja, em um mesmo cromossomo são encontrados inúmeros genes diferentes. Nesse caso, não há como ocorrer segregação independente, pois os genes estão situados em uma mesma estrutura física. A a B b A B a b Situação 1 Situação 2 A B A b a B a b A B a b 4 combinações diferentes nos gametas 2 combinações diferentes nos gametas Figura 55 – Diferentes posicionamentos relativos entre os locos A e B e as possíveis combinações entre seus alelos Observe as duas situações ilustradas na figura anterior. Na situação 1, os genes A e B localizam‑se em pares de homólogos distintos, portanto segregam‑se isoladamente um do outro durante a meiose, o que resulta em quatro possibilidades de combinações alélicas nos gametas formados. Já na situação 2, os genes A e B estão posicionados no mesmo par de cromossomos homólogos. O desligamento entre os alelos A e a durante a meiose está vinculado à separação dos alelos B e b. Assim, o desmembramento do loco A ocorre em conjunto com a segregação ocorrida no loco B. Nesse caso, apenas dois tipos diferentes de gametas poderiam ser formados. Em genética, quando dois ou mais genes estão presentes em um mesmo cromossomo, como na situação 2, diz‑se que tais genes estão em linkage ou são genes ligados. Esses genes ligados são recombinados por crossing‑over. O crossing‑over é um fenômeno genético ocorrido durante a meiose I, mais especificamente na prófase I. Esse fenômeno pode ser caracterizado como a troca de pedaços efetuada entre esses pares de cromossomos. 68 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Figura 56 – Crossing‑over entre cromossomos homólogos durante a meiose Conforme ilustrado na figura anterior, após a ocorrência do crossing‑over, cada cromossomo contém um segmento de seu homólogo. Ao término da meiose, os cromossomos presentes nos gametas poderão ser recombinantes ou não. Os cromossomos recombinantes são aqueles em que o fenômeno do crossing‑over produziu novas combinações de material genético. 6.1.1 Recombinação com e sem permutação A recombinação gênica depende diretamente de alguns fenômenos meióticos. Os fenômenos meióticos responsáveis pela recombinação representam a separação dos homólogos ocorrida ao final da meiose I e a permutação entre os cromossomos homólogos, que também é um evento associado à meiose I. A figura a seguir representa a formação de gametas recombinantes (quando são considerados dois genes não ligados). Nesse caso, obviamente a permutação não influencia o processo de recombinação que envolve esses dois genes, pois eles situam‑se em diferentes pares de cromossomos homólogos. A ilustração destaca os gametas produzidos pelos parentais e por indivíduos da geração F1 e suas combinações alélicas referentes aos locos A e B, situados em diferentes pares de homólogos. 69 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Geração P Geração F1 Gameta parental Gameta parental A B A B a BA b a b a b a aA A A a bB B bB b Gametas recombinantes Gametas com combinação parental Figura 57 – Gametas produzidos pelos parentais e por indivíduos da geração F1 A figura anterior também exibe o resultado do cruzamento parental entre dois indivíduos homozigotos com relação aos locos A e B (AABB x aabb). Observe que os gametas produzidos tanto por um parental quanto pelo outro são apenas de um tipo (AB em um caso, ab no outro). Dessa forma, o único genótipo possível para os indivíduos da geração F1 é o duplo‑heterozigoto (AaBb). Ao analisar os possíveis gametas que os indivíduos F1 podem formar, constatamos que, além dos tipos gaméticos parentais AB e ab, existem novas combinações entre os alelos dos genes A e B nos gametas. Essas novas possibilidades, também chamadas de recombinantes, são Ab e aB, que resultam do processo de separação dos homólogos que ocorre com a mesma chance que as associações parentais, uma vez que tal processo se dá de maneira completamente aleatória. Assim, dos gametas produzidos pelos indivíduos F1, metade possui ligação parental e metade é recombinante. Uma forma de testar a ocorrência de recombinação é o cruzamento – cruzamento‑teste – de um indivíduo F1 com um indivíduo duplo‑recessivo – denominado testador, conforme exemplifica a figura a seguir. Como se sabe que o indivíduo duplo‑recessivo pode formar apenas gametas com a associação ab, a identificação dos recombinantes na prole desse cruzamento‑teste é feita a partir da análise dos fenótipos dos descendentes. Nesse caso, a proporção fenotípica esperada na prole seria de 1:1:1:1, e 2/4 desses indivíduos seriam recombinantes. 70 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II AaBb (F1) aabb (parental) Gametas: AB, aB, Ab, ab Gametas: ab x ab aB aaBb AB AaBb Ab Aabb ab aabb Parental F1 Descendentes recombinantes formados a partir de gametas recombinantes Figura 58 – Cruzamento‑teste que permite identificar os descendentes formados a partir de gametas recombinantes Quando os genes estão localizados no mesmo cromossomo, a recombinação é um efeito da permutação (crossing‑over). O crossing entre dois genes específicos (A e B, por exemplo) não ocorre em todas as meioses, como ilustrado na figura a seguir. Geração P Gameta parental Gameta parental A B b b A B A B a b a b A B a a Sem crossing‑over A B a b Com crossing‑over F1 Figura 59 – Tipos de emparelhamentode homólogos durante a meiose Quando ocorre crossing na região cromossômica situada entre dois genes específicos, a metade dos produtos dessa meiose em particular é recombinante, a outra produz apenas genótipos parentais para esses genes. A figura a seguir destaca essa formação de gametas quando há crossing entre os cromossomos homólogos. 71 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Meiose Interfase Crossing‑over Espermatozoides Figura 60 – Meiose em que ocorre crossing entre cromossomos homólogos no trecho situado entre os genes A e B Dentre os espermatozoides formados após essa meiose apresentada, dois vão conter cromossomos recombinantes (aB e Ab, neste caso). 6.1.1.1 Frequências de recombinação Quando se consideram dois ou mais genes, a formação de gametas recombinantes é um processo cuja frequência varia em função do posicionamento relativo entre eles. Genes localizados em cromossomos diferentes apresentam frequência de recombinação (FR) maior que a de genes ligados. Analisaremos tais situações individualmente. Lembrete Em estatística, o termo “frequência” significa o número total de ocorrências de um evento (frequência absoluta) ou a porcentagem de ocorrências desse evento em relação ao total (frequência relativa). 72 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II 6.1.1.2 Genes não ligados Quando dois genes estão localizados em cromossomos distintos, eles segregam‑se de modo autônomo, de acordo com a segunda lei de Mendel. Meiose Gametas 25% B 25% 25% 25% Figura 61 – Gametas A figura destaca gametas originados por um indivíduo duplo‑heterozigoto, descendente de um cruzamento entre parentais de genótipos AABB e aabb. Nesse caso, os genes A e B situam‑se em diferentes pares de homólogos, e os gametas recombinantes Ab e aB correspondem a 50% do total produzido em todas as meioses. Em um cruzamento‑teste (AaBb x aabb), os descendentes gerados a partir de gametas recombinantes constituem‑se em metade das possibilidades. Isso se deve ao fato de que metade dos gametas criados pelos duplo‑heterozigotos (AaBb) é recombinante, ou seja, a frequência de recombinação é de 50%. Quando lidamos com números absolutos obtidos da contagem direta dos descendentes de um cruzamento‑teste qualquer, o cálculo da frequência de recombinação é obtido de acordo com a seguinte fórmula: FR R N = ×100 Nesse esquema, temos o seguinte: • FR = frequência de recombinação; • R = número de indivíduos recombinantes na prole de um cruzamento‑teste; • N = número total de indivíduos na prole de um cruzamento‑teste. 73 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Na fórmula, a multiplicação por 100 garante que o resultado obtido para a FR seja em porcentagem. A seguir destacamos um exemplo de cálculo envolvendo os genes hipotéticos C e D. Exemplo: do cruzamento entre os parentais CCDD e ccdd, foi originada uma prole F1 cujo único genótipo é CcDd. A partir do cruzamento‑teste, formaram‑se os seguintes descendentes: 49 CcDd, 51 ccdd, 47 Ccdd e 53 ccDd. O que se pode deduzir do posicionamento relativo entre os genes C e D? Resolução: Para resolver o problema proposto, é importante considerar algumas orientações. A) A partir da descrição existente no enunciado, faça um esquema representativo dos cruzamentos, como apresentado a seguir. Assim, fica mais fácil visualizar a situação. Geração P CCDD x xCcDd ccdd CD ccdd cd Geração F1 Gametas parentais Cruzamento‑ ‑teste 49 CcDd 51 ccdd 47 Ccdd 53 ccDd Descendentes do cruzamento‑teste Figura 62 – Cruzamentos B) Determine quais descendentes do cruzamento‑teste são resultantes de gametas recombinantes, ou seja, quais são os indivíduos recombinantes. No exemplo anterior, os gametas recombinantes seriam Cd e cD, os quais, ao fecundarem o gameta cd produzido pelo indivíduo testador, criariam, na prole, indivíduos de genótipo Ccdd e ccDd, que seriam, portanto, os indivíduos recombinantes. C) Calcule a frequência de recombinação a partir dos números obtidos na prole do cruzamento‑teste. Neste exemplo, teríamos: FR R N FR FR FR= × ⇒ = +( ) × ⇒ = × ⇒ =100 47 53 200 100 0 5 100 50, % D) Interprete o resultado obtido para FR. Em nosso exemplo, como a frequência de recombinação entre os genes C e D é igual a 50%, conclui‑se que eles se localizam em cromossomos diferentes, ou seja, são genes que obedecem à segregação independente prevista pela segunda lei de Mendel. 74 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II 6.1.1.3 Genes ligados ou em linkage Uma vez que o crossing não ocorre exatamente no mesmo segmento cromossômico em todas as meioses que originam gametas, a frequência de recombinação nesse segmento cromossômico específico geralmente é baixa. De fato, quanto mais próximos estiverem dois genes em um cromossomo, mais difícil se torna a ocorrência de crossing no segmento cromossômico entre eles, e menor é a frequência de recombinação. De outro modo, quanto mais distantes estiverem dois genes no mesmo cromossomo, maior será o trecho cromossômico situado entre eles, o que torna maior a chance de recombinação. Resumindo: a chance de ocorrer recombinação entre dois genes ligados é diretamente proporcional à distância entre os dois locos no cromossomo em questão. As pesquisas de ligação entre genes foram expandidas pelo norte‑americano Thomas H. Morgan e seus colaboradores. O organismo modelo para estudos genéticos de Morgan foi a mosca‑da‑banana, Drosophila melanogaster, inseto que apresenta ciclo de vida curto e considerável variação fenotípica, tornando possível a caracterização fenotípica ao longo de várias gerações em pouco tempo. Quando Morgan estudava dois genes autossômicos em drosófilas, encontrou um desvio significativo da proporção fenotípica esperada de acordo com a segunda lei de Mendel na prole do cruzamento‑teste. Então, um desses genes afeta a cor de olho (pr – púrpura, e pr+ – vermelho), e o outro alelo afeta o tamanho da asa (vg – vestigial, e vg+ – normal) (conforme figuras 63 e 64). Os alelos selvagens de ambos os genes são dominantes. A B Figura 63 – Exemplares de Drosophila melanogaster com asas normais Na imagem anterior, os machos (A) são menores que as fêmeas (B). O círculo vermelho em cada indivíduo ressalta as cerdas torácicas, cujos número e formato variam em certos mutantes. 75 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Figura 64 – Drosófila com asas vestigiais Morgan cruzou moscas pr/prvg/vg (olhos púrpura, asas vestigiais) com pr+/pr+vg+/vg+ (olhos vermelhos, asas normais) e fez cruzamento‑teste com fêmeas duplo‑heterozigotas da F1: pr +/pr vg+/vg ♀ x pr/pr vg/vg ♂. Os resultados obtidos por Morgan a partir do cruzamento‑teste estão descritos a seguir: Tabela 5 – Resultados do cruzamento‑teste Genótipos na prole do cruzamento‑teste Quantidade obtida pr+/pr vg+/vg 1039 pr/pr vg/vg 1195 pr+/pr vg/vg 151 pr/pr vg+/vg 154 Total 2839 Observação A representação pr+/pr+ para um genótipo equivale a uma representação do tipo AA. A barra situada entre os dois alelos pr+ é um artifício usado para facilitar a visualização. Se houvesse segregação independente entre os genes pr e vg, como previsto pela segunda lei de Mendel, os genótipos obtidos na prole do cruzamento‑teste deveriam estar distribuídos em uma proporção de 1:1:1:1. No entanto,os resultados obtidos estavam bem longe dessa proporção. Morgan sugeriu que o desvio observado deveria ter sido provocado pelo fato de que os genes que controlam ambos os fenótipos estariam situados no mesmo par de cromossomos homólogos. Detalhando os dados fornecidos no quadro anterior, teríamos: 76 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II Identificação das combinações Gametas produzidas por F1 Gametas produzidas pelo testador Genótipos na prole do cruzamento‑teste Queantidade obtida 1 pr+ vg+ + pr vg = pr+/pr vg+/vg 1039 2 pr vg + pr vg = pr/pr vg/vg 1195 3 pr+ vg + pr vg = pr+/pr vg/vg 151 4 pr vg+ + pr vg = pr/pr vg+/vg 154 ‑‑‑ ‑‑‑ ‑‑‑ Total 2839 Figura 65 – Combinações Ao considerar que os dois genes estudados situavam‑se no mesmo cromossomo, os gametas produzidos por F1 deveriam possuir apenas as combinações 1 e 2 da figura anterior, que corresponderiam às combinações que os indivíduos herdaram de seus genitores. Os descendentes do cruzamento‑teste deveriam ser apenas pr+/pr vg+/vg e pr/pr vg/vg, distribuídos em uma proporção de 1:1. De fato, a ampla maioria desses descendentes distribui‑se nessas duas classes genotípicas. Comparando uma dessas classes com a outra, notamos que a quantidade obtida foi muito semelhante (1039 e 1195). No entanto, Morgan deparou com uma dificuldade ao elaborar essa teoria: se os genes são ligados e as combinações parentais nos gametas são pr+ vg+ e pr vg, o que explicaria o surgimento, em F1, dos gametas recombinantes representados pelos números 3 e 4 na figura? Então, Morgan sugeriu que, quando os cromossomos homólogos se pareiam na meiose, os cromossomos ocasionalmente trocam partes entre si, um processo que foi denominado crossing‑over. Assim, as duas novas combinações (3 e 4) passaram a ser chamadas de produtos de crossing. Para elaborar essa teoria, Morgan se baseou no fato de que na meiose de algumas células era possível observar uma estrutura em forma de cruz, a quiasma, que é formada pelo entrecruzamento de cromátides pertencentes aos homólogos (figura a seguir). Para Morgan, o aparecimento desse quiasma seria a prova visual do conceito de crossing. 77 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Leptóteno Paquíteno Tétrade Zigóteno Diplóteno Diacinese Figura 66 – Etapas da prófase I da meiose, em que é possível visualizar a formação de quiasmas no diplóteno e na diacinese Note que Morgan sustentou suas conclusões a partir tanto de resultados genéticos quanto de observações de estruturas físicas (cromossomos). À época, estava se desenvolvendo a teoria cromossômica da herança, que agregava conhecimentos sobre genes e suas bases físicas situadas nos cromossomos. O sucesso de Morgan em correlacionar os resultados de experimentos de cruzamentos com o fenômeno citológico destaca a importância da teoria cromossômica da herança como poderosa fonte para pesquisa. Considerando que as combinações 3 e 4 foram geradas após a ocorrência de crossing‑over, a frequência de recombinação para os dados descritos anteriormente seria calculada de modo semelhante ao que foi exposto para o caso de genes não ligados: FR R N FR FR FR= × ⇒ = +( ) × ⇒ = × ⇒ =100 151 154 2839 100 0 107 100 10 7, , % Observe que a frequência de recombinação ente os genes considerados neste exemplo é bem inferior ao valor de 50%, que é o valor esperado da FR para genes não ligados. Isso se explica pelo fato de os genes se localizarem no mesmo cromossomo e a única forma de recombinação entre eles ser o crossing‑over, um fenômeno que não ocorre necessariamente na mesma região cromossômica em todas as meioses. A partir dessa observação, é possível determinar, a partir do cálculo da FR, se os genes estudados estão ligados ou não, pois: • se FR @ 50%, então os genes não estão ligados, e a recombinação entre eles ocorre devido à segregação independente prevista pela segunda lei de Mendel; • se FR < 50%, os genes estão ligados, e a recombinação entre eles ocorre por conta do crossing‑over. 78 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II 6.2 Mapeamento genético Morgan percebeu que a proporção de prole recombinante variava consideravelmente por causa das características analisadas. Em outras palavras, quando combinações desiguais de genes ligados eram estudadas, eram obtidas proporções diferentes de recombinantes. Ele imaginou que essas variações de frequência de crossing pudessem estar relacionadas com as distâncias que separavam os genes analisados em cada caso. A pesquisa dessas alterações ficou a cargo de um estudante de graduação – Alfred Sturtevant – que trabalhava com Morgan. Mais tarde, Sturtevant se tornaria um grande geneticista. Sturtevant sugeriu que a porcentagem de recombinantes em um cruzamento‑teste fosse utilizada como um indicador quantitativo da distância linear entre dois genes. A determinação do posicionamento relativo entre dois ou mais genes em um cromossomo ficou conhecida como mapa de ligação ou mapa genético. Sturtevant partiu do pressuposto que já mencionamos anteriormente: quanto maior a distância entre os genes ligados, maior a chance de que haja crossing‑over na região cromossômica situada entre estes genes. Para obter uma medida quantitativa da distância entre dois genes ligados, Sturtevant propôs o uso do próprio valor calculado da frequência de recombinação (FR) como parâmetro: uma FR de 1% seria equivalente a uma distância de 1 unidade de mapa genético (u.m.). É importante mencionar que u.m. também é chamada de centimorgan (cM) ou morganídeo, em homenagem a Thomas H. Morgan. No exemplo dos olhos e asas de drosófilas considerado anteriormente, foi calculada uma frequência de recombinação (FR) de 10,7%. Logo, podemos afirmar que os genes pr e vg são separados por uma distância de 10,7 u.m. no mesmo cromossomo, como ilustrado na figura a seguir: gene pr gene vg cromossomo10,7 u.m. Figura 67 – Mapa cromossômico no qual estão representados os genes pr e vg e a distância entre eles 6.2.1 Cruzamento‑teste de três pontos Já estudamos o fenômeno da ligação envolvendo apenas dois genes. Para tal, calculamos a FR na prole obtida do cruzamento‑teste de um indivíduo duplo‑heterozigoto com um testador duplo‑recessivo. O próximo passo consiste em estabelecer o mapa de ligação quando se consideram três genes. Do mesmo modo, será necessário analisar a prole do cruzamento‑teste, que, neste caso, será efetuado entre um indivíduo triplo‑heterozigoto e um testador triplo‑recessivo. 79 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA Para ilustrar essa nova situação, utilizaremos os seguintes genes de drosófila: • gene v (cor dos olhos): alelos v+ (selvagem, dominante) e v (vermilion, mutante com a cor dos olhos num tom de vermelho mais claro); • gene cv (nervuras das asas): alelos cv+ (selvagem, dominante) e cv (crossveinless, mutante sem algumas nervuras nas asas); • gene ct (margem das asas): alelos ct+ (selvagem, dominante) e ct (mutante cujas margens das asas são cortadas). Considere um cruzamento no qual os indivíduos da geração parental possuam os genótipos v+/v+cv/cv ct/ct e v/v cv+/cv+ ct+/ct+. A partir desse cruzamento, foi obtida uma prole (F1) triplamente heterozigota com o genótipo v+/v cv+/cv ct+/ct, e as fêmeas com esse genótipo foram cruzadas com machos testadores triplo‑recessivos (v/v cv/cv ct/ct). O emprego de fêmeas F1 é explicado pelo fato de que, em drosófilas, o crossing‑over só ocorrenas fêmeas. Desse cruzamento‑teste, há possibilidade de formação de oito genótipos distintos na prole. Esses genótipos na prole de 1.448 moscas de um cruzamento‑teste, bem como a organização dos cruzamentos mencionados anteriormente, estão representados no esquema a seguir: Geração P Cruzamento teste Gametas Parentais xv+/v+ cv/cv ct/ct v+/v cv+/cv ct+/ct v/v cv+/cv ct+/ct v+/v cv/cv ct/ct v/v cv/cv ct+/ct v+/v cv+/cv ct/ct v/v cv/cv ct/ct v+/v cv+/cv ct+/ct v/v cv+/cv ct/ct v+/v cv/cv ct+/ct 580 592 45 40 89 94 3 5 1448 v/v cv/cv ct/ctx v+ cv ct v cv+ ct+ v/v cv+/cv+ ct+/ct+ Geração F1 Testador Genótipo da prole do cruzamento‑teste Figura 68 – Esquema de genótipos e cruzamentos Nos genótipos da prole do cruzamento‑teste representado no esquema anterior, as letras sublinhadas se referem aos alelos recebidos de F1, enquanto as letras não sublinhadas destacam os alelos herdados do indivíduo testador. Para efetuar o mapeamento dos três genes envolvidos, é preciso identificar na prole os indivíduos recombinantes. Vale ressaltar que os gametas parentais, nesse caso são compostos pelas combinações v+ cv ct e v cv+ct. A identificação dos indivíduos recombinantes na prole do cruzamento‑teste deve ser feita por meio da análise dos genes aos pares. Começando com os locos v e cv, verificamos que as combinações 80 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II parentais são v+cv e vcv+. Logo, os gametas recombinantes produzidos por crossing‑over nos indivíduos da geração F1 serão v cv e v +cv+. Analisando os genótipos da prole do cruzamento‑teste, é possível identificar e contar aqueles em cuja formação participaram esses gametas recombinantes de F1: • v/v cv/cv / ct+/ct → 45 indivíduos; • v+/v cv+/cv ct/ct → 40 indivíduos; • v/v cv/cv ct/ct → 89 indivíduos; • v+/v cv+/cv ct+/ct → 94 indivíduos. A seguir, temos o cálculo da frequência de recombinação entre os genes v e cv: FR R N FR FR FR= × ⇒ = + + +( ) × ⇒ = × ⇒ =100 45 40 89 94 1448 100 0 185 100 18 5, , % Assim, deduzimos que os genes v e cv são separados por uma distância de 18,5 u.m. Para os locos v e ct, os recombinantes são v ct e v+ ct+. Nesse contexto, temos: 89 + 94 + 3 + 5 = 191 destes recombinantes, totalizando 1.448 indivíduos que constituem a prole do cruzamento‑teste. Neste caso, FR = 13,2%, o que permite afirmar que os genes em questão são separados por uma distância de 13,2 u.m. Para os locos cv e ct, os recombinantes são cv ct+ e cv+ct. Neste caso, existem 45 + 40 + 3 + 5 = 93 destes recombinantes, totalizando 1.448 indivíduos que constituem a prole do cruzamento‑teste. Assim, o valor de FR = 6,4%, ou seja, os genes em questão são separados por uma distância de 6,4 u.m. Os três genes em análise localizam‑se no mesmo cromossomo, porque os valores de FR são todos consideravelmente menores que 50%. Como os genes v e cv denotam valores de FR mais elevados, eles devem estar mais distantes entre si que em relação ao gene ct. Portanto, o gene ct deve estar entre eles. Pode‑se deduzir, pois, que o posicionamento relativo desses três genes no mapa cromossômico deve ser o seguinte: V Cb 13,2 u.m. 6,4 u.m. Cb Figura 69 – Posicionamento dos genes Cabem aqui algumas considerações: • os resultados do mapeamento permitiram deduzir uma ordem gênica diferente daquela representada a princípio. Desse modo, um genótipo que foi inicialmente indicado de modo arbitrário, como v/v cv/cv ct/ct, deve ser reescrito como v/v ct/ct cv/cv, e isso ocorre por conta da descoberta da posição relativa correta entre estes genes; 81 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 GENÉTICA E CITOGENÉTICA • os resultados obtidos forneceram as distâncias entre os três genes, o que permitiu estabelecer a posição relativa entre eles. No entanto, a escolha por colocar o gene v à esquerda e o gene cv à direita foi puramente arbitrária. Em outras palavras, o mapa poderia se iniciar com cv à esquerda e terminar com v à direita, desde que as posições relativas e as distâncias entre os três genes fossem mantidas; • as duas menores distâncias calculadas (13,2 u.m. e 6,4 u.m.) somam 19 u.m., que é maior que 18,5 u.m., a distância calculada para v e cv. Essa diferença se explica pelo fato de que entre v e cv ocorreu recombinação por crossing‑over duplo, e os dados dessa recombinação não entraram no cálculo da distância entre estes locos, pois eles não haviam sido identificados. Resumo O fenômeno genético da interação gênica é marcado pela atuação conjunta de produtos gênicos distintos na manifestação das propriedades do organismo. Em certos casos, destacamos que a expressão de um alelo pode afetar mais de uma característica, e isso revela que o efeito de tal alelo está na base de uma complexa rede de processos no organismo. Esse tipo de alelo é chamado de pleiotrópico. Alelos letais são exemplos de alelos pleiotrópicos mutantes, que, em dose dupla, afetam de modo negativo o funcionamento de diferentes sistemas orgânicos do indivíduo. Vimos que produtos de genes dissemelhantes também podem interagir durante o desenvolvimento do indivíduo, determinando os fenótipos de uma única característica. Esse tipo de interação pode ocorrer na mesma via biológica ou em vias diversas. Quando os produtos de alelos de dois genes dissemelhantes agem em vias biológicas díspares, a proporção fenotípica esperada na F2 de um cruzamento é 9:3:3:1, ou seja, a proporção mendeliana clássica diíbrida. No entanto, quando a interação ocorre em vias biológicas distintas, a expressão de um gene é totalmente dependente da expressão de um segundo gene. Nesse caso, ela é favorecida ou inibida pela manifestação de outro gene. Esse tipo de inibição denomina‑se epistasia, e resulta na alteração da proporção fenotípica diíbrida mendeliana em F2, com redução de uma classe fenotípica. Na epistasia recessiva, essa proporção é de 9:3:4, na epistasia dominante, 12:3:1. Ressaltamos, ainda, que o estudo da herança quantitativa é geralmente associado a análises estatísticas, que permitem particularizar graficamente 82 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 28 /0 1/ 20 16 Unidade II a distribuição fenotípica como simétrica, de acordo com a média. Em estatística, isso recebe o nome de distribuição normal. Nesta unidade evidenciamos que, a partir da proporção fenotípica obtida na F2 de um cruzamento, é possível fazer uma estimativa do número de genes que atuam de modo aditivo na manifestação de uma característica quantitativa qualquer. Cada um desses genes conta com alelos ou poligenes contribuintes e não contribuintes, que somam seus efeitos na definição do fenótipo quantitativo final. Os vários genes de um indivíduo recebidos por via materna e por via paterna se misturam de forma aleatória durante a formação dos gametas desse indivíduo. Esse fenômeno é denominado recombinação gênica, e pode ocorrer por segregação independente ou por crossing‑over. No primeiro caso, mistura genes situados em cromossomos diferentes, enquanto o crossing‑over produz novas combinações de genes ligados ou em linkage, ou seja, situados num mesmo cromossomo. A análise dos genótipos dos descendentes de um cruzamento‑teste permite calcular a frequência de recombinação entre dois genes quaisquer. Uma frequência de recombinação com valor próximo a 50% significa que o processo ocorreu por segregação independente e que os dois genes em questão situam‑se em cromossomos distintos. Valores inferiores a 50% assinalam que os dois genes estão no mesmo cromossomo (estão ligados) e se recombinam por crossing‑over. Concluindoesta unidade, destacamos que os valores das frequências de recombinação para dois ou mais genes ligados são utilizados como medida de distância entre eles. Quanto mais próximos estiverem dois genes em certo cromossomo, menor será a chance de ocorrência de crossing‑over no trecho situado entre eles; quanto mais distantes, maior a chance de crossing, portanto, maior o valor da frequência de recombinação. Com base nas distâncias calculadas entre os genes situados em um mesmo cromossomo, é possível estabelecer as posições relativas entre eles, prática que, em genética, designa‑se como mapeamento cromossômico ou genético.
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