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Corrente e Resistência Nos últimos cinco capítulos, discutimos a eletrostática — a física das cargas estacionárias. Neste capítulo e também no próximo, vamos discutir as correntes elétricas — a física das cargas em movimento. Corrente Elétrica • Embora uma corrente elétrica seja um movimento de partículas carregadas, nem todas as partículas carregadas que se movem produzem uma corrente elétrica. Para que uma superfície seja atravessada por uma corrente elétrica, é preciso que haja um fluxo líquido de cargas através da superfície. Dois exemplos deixarão claro o que queremos dizer. • 1. Os elétrons livres (elétrons de condução) que existem no interior de um fio de cobre se movem em direções aleatórias a uma velocidade média da ordem de 106 m/s. Se imaginarmos um plano perpendicular ao fio, elétrons de condução passarão pelo plano nos dois sentidos bilhões de vezes por segundo, mas não haverá um fluxo líquido de cargas e, portanto, não haverá uma corrente elétrica no fio. Se ligarmos as extremidades do fio a uma bateria, por outro lado, o número de elétrons que atravessam o plano em um sentido se tornará ligeiramente maior que o número de elétrons que atravessam o plano no sentido oposto; em consequência, haverá um fluxo líquido de cargas e, portanto, haverá uma corrente elétrica no fio. • 2. O fluxo de água em uma mangueira representa um movimento de cargas positivas (os prótons das moléculas de água) da ordem de milhões de coulombs por segundo. Entretanto, não existe um fluxo líquido de carga, já que existe também um movimento de cargas negativas (os elétrons das moléculas de água) que compensa exatamente o movimento das cargas positivas. Em consequência, a corrente elétrica associada ao movimento da água no interior de uma mangueira é zero. • Neste capítulo, vamos nos limitar ao estudo de correntes constantes de elétrons de condução em condutores metálicos, como fios de cobre, por exemplo. • Em um circuito fechado feito exclusivamente de um material condutor, como o da Fig. 26-1a, mesmo que exista um excesso de carga, todos os pontos estão ao mesmo potencial. Sendo assim, não pode haver um campo elétrico no material. Embora existam elétrons de condução disponíveis, eles não estão sujeitos a uma força elétrica e, portanto, não existe corrente. • Por outro lado, quando introduzimos uma bateria no circuito, como mostrado na Fig. 26- 1b, o potencial não é mais o mesmo em todo o circuito. Campos elétricos são criados no interior do material e exercem uma força sobre os elétrons de condução que os faz se moverem preferencialmente em um sentido, produzindo uma corrente. Depois de um pequeno intervalo de tempo, o movimento dos elétrons atinge um valor constante, e a corrente entra no regime estacionário (deixa de variar com o tempo). • A Fig. 26-2 mostra uma seção reta de um condutor, parte de um circuito no qual existe uma corrente. Se uma carga dq passa por um plano hipotético (como aa′) em um intervalo de tempo dt, a corrente i nesse plano é definida como 𝑖 = 𝑑𝑞 𝑑𝑡 • Podemos determinar por integração a carga que passa pelo plano no intervalo de tempo de 0 a t: 𝑞 = 𝑑𝑞 = 0 𝑡 𝑖 𝑑𝑡 • A corrente elétrica, definida pela Eq. 26-1, é uma grandeza escalar, já que a carga e o tempo que aparecem na equação são grandezas escalares. • A seta da corrente é desenhada no sentido em que portadores de carga positivos se moveriam, mesmo que os portadores sejam negativos e se movam no sentido oposto • Teste 1: A figura mostra parte de um circuito. Quais são o valor absoluto e o sentido da corrente i no fio da extremidade inferior direita? • Problema 3: Uma correia com 50 cm de largura está se movendo a 30 m/s entre uma fonte de cargas e uma esfera. A correia transporta as cargas para a esfera a uma taxa que corresponde a 100 μA. Determine a densidade superficial de cargas da correia DENSIDADE DE CORRENTE • Às vezes estamos interessados em conhecer a corrente total i em um condutor. Em outras ocasiões, nosso interesse é mais específico e queremos estudar o fluxo de carga através de uma seção reta que se estende apenas a uma parte do material. Para descrever esse fluxo, usamos a densidade de corrente , que tem a mesma direção e o mesmo sentido que a velocidade das cargas que constituem a corrente, se as cargas forem positivas, e a mesma direção e o sentido oposto, se as cargas forem negativas. • A Fig. 26-4 mostra que a densidade de corrente também pode ser representada por um conjunto de linhas, conhecidas como linhas de corrente. Na Fig. 26-4, a corrente, que é da esquerda para a direita, faz uma transição de um condutor mais largo, à esquerda, para um condutor mais estreito, à direita. Como a carga é conservada na transição, a quantidade de carga e a quantidade de corrente não podem mudar; o que muda é a densidade de corrente, que é maior no condutor mais estreito. O espaçamento das linhas de corrente é inversamente proporcional à densidade de corrente; quanto mais próximas as linhas de corrente, maior a densidade de corrente. Velocidade de Deriva • Quando um condutor não está sendo percorrido por corrente, os elétrons de condução se movem aleatoriamente, sem que haja uma direção preferencial. Quando existe uma corrente, os elétrons continuam a se mover aleatoriamente, mas tendem a derivar com uma velocidade de deriva vd no sentido oposto ao do campo elétrico que produziu a corrente. A velocidade de deriva é muito pequena em relação à velocidade com a qual os elétrons se movem aleatoriamente, conhecida como velocidade térmica vt, por estar associada ao conceito de temperatura. Assim, por exemplo, nos condutores de cobre da fiação elétrica residencial, a velocidade de deriva dos elétrons é da ordem de 10−7 m/s, enquanto a velocidade térmica é da ordem de 106 m/s. Problema 13 • Quanto tempo os elétrons levam para ir da bateria de um carro até o motor de arranque? Suponha que a corrente é de 300 A e que o fio de cobre que liga a bateria ao motor de arranque tem 0,85 m de comprimento e uma seção reta de 0,21 cm2. O número de portadores de carga por unidade de volume é 8,49x1028 m-3. RESISTÊNCIA E RESISTIVIDADE • Quando aplicamos a mesma diferença de potencial às extremidades de barras de mesmas dimensões feitas de cobre e de vidro, os resultados são muito diferentes. A característica do material que determina a diferença é a resistência elétrica. Medimos a resistência entre dois pontos de um condutor aplicando uma diferença de potencial V entre esses pontos e medindo a corrente i resultante. A resistência R é dada por • Um condutor, cuja função em um circuito é introduzir uma resistência, é chamado de resistor (veja a Fig. 26-7). Nos diagramas dos circuitos elétricos, um resistor é representado pelo símbolo A resistência de um condutor depende do modo como a diferença de potencial é aplicada. A Fig. 26-8, por exemplo, mostra a mesma diferença de potencial aplicada de duas formas diferentes ao mesmo condutor. Como se pode ver pelas linhas de corrente, as correntes nos dois casos são diferentes; portanto, as resistências também são diferentes. A menos que seja dito explicitamente o contrário, vamos supor que as diferenças de potencial são aplicadas aos condutores como na Fig. 26-8b. Como já fizemos em outras ocasiões, estamos interessados em adotar um ponto de vista que enfatize mais o material que o dispositivo. Por isso, concentramos a atenção, não na diferença de potencial V entre as extremidades de um resistor, mas no campo elétrico que existe em um ponto do material resistivo. Em vez de lidar com a corrente i no resistor, lidamos com a densidade de corrente no ponto em questão. Em vez de falar da resistência R de um componente, falamos da resistividadeρ do material: • Também podemos falar da condutividade σ de um material, que é simplesmente o recíproco da resistividade: • A resistência é uma propriedade de um componente; a resistividade é uma propriedade de um material. • A Eq. 26-16 se aplica apenas a condutores isotrópicos homogêneos de seção reta uniforme, com a diferença de potencial aplicada como na Fig. 26-8b. Teste 3 • A figura mostra três condutores cilíndricos de cobre com os respectivos valores do comprimento e da área da seção reta. Coloque os condutores na ordem decrescente da corrente que os atravessa quando a mesma diferença de potencial é aplicada às extremidades. Variação da Resistividade com a Temperatura • Os valores da maioria das grandezas físicas variam com a temperatura; a resistividade não é exceção. A Fig. 26-10, por exemplo, mostra a variação da resistividade do cobre com a temperatura. A relação entre temperatura e resistividade para o cobre (e para os metais em geral) é quase linear em uma larga faixa de temperaturas. Isso nos possibilita escrever uma fórmula empírica que é adequada para a maioria das aplicações práticas: A lei de Ohm • A definição original da lei de Ohm é a seguinte: • Um componente obedece à “lei” de Ohm se a corrente que o atravessa varia linearmente com a diferença de potencial aplicada ao componente para qualquer valor da diferença de potencial. • O componente da Fig. 26-11b, que é um resistor de 1000 Ω, obedece à lei de Ohm. O componente da Fig. 26-11c, que é um diodo semicondutor, não obedece à lei de Ohm. Uma definição mais realista da lei de Ohm é a seguinte: • Um componente obedece à lei de Ohm se, dentro de certos limites, a resistência do componente não depende do valor absoluto nem da polaridade da diferença de potencial aplicada. Podemos expressar a lei de Ohm de modo mais geral se nos concentrarmos nos materiais e não nos componentes: • Um material obedece à lei de Ohm se a resistividade do material, dentro de certos limites, não depende do módulo nem do sentido do campo elétrico aplicado. POTÊNCIA, SEMICONDUTORES E SUPERCONDUTORES • A Fig. 26-13 mostra um circuito formado por uma bateria B ligada por fios, de resistência desprezível, a um componente não especificado, que pode ser um resistor, uma bateria recarregável, um motor, ou qualquer outro dispositivo elétrico. A bateria mantém uma diferença de potencial de valor absoluto V entre os seus terminais e, portanto (graças aos fios de ligação), entre os terminais do componente, com um potencial mais elevado no terminal a do componente que no terminal b. • De acordo com a lei de conservação da energia, a redução da energia potencial elétrica no percurso de a a b deve ser acompanhada por uma conversão da energia para outra forma qualquer. A potência P associada a essa conversão é a taxa de transferência de energia dU/dt, que, de acordo com a Eq. 26-25, pode ser expressa na forma 𝑃 = 𝑖𝑉 Teste 5 • Uma diferença de potencial V é aplicada a um componente de resistência R, fazendo com que uma corrente i atravesse o dispositivo. Coloque as seguintes mudanças na ordem decrescente da variação da taxa com a qual a energia elétrica é convertida em energia térmica: (a) V é multiplicada por dois e R permanece a mesma; (b) i é multiplicada por dois e R permanece a mesma; (c) R é multiplicada por dois e V permanece a mesma; (d) R é multiplicada por dois e i permanece a mesma. • Problema 52: O módulo da densidade de corrente em um fio circular com 3,00 mm de raio é dado por J = (2,75 × 1010 A/m4)r2, em que r é a distância radial. O potencial aplicado às extremidades do fio é 60,0 V. Qual é a energia convertida em energia térmica em 1,00 h? • Problema 53: Uma diferença de potencial de 120 V é aplicada a um aquecedor de ambiente de 500 W. (a) Qual é a resistência do elemento de aquecimento? (b) Qual é a corrente no elemento de aquecimento? Semicondutores • Nos isolantes, é muito grande a energia necessária para liberar elétrons dos átomos da rede cristalina. A energia térmica não é suficiente para que isso ocorra; um campo elétrico de valor razoável também não é suficiente. Assim, não existem elétrons disponíveis e o material não conduz corrente elétrica, mesmo na presença de um campo elétrico. • Um semicondutor tem as mesmas propriedades que um isolante, exceto pelo fato de que é um pouco menor a energia necessária para liberar alguns elétrons. O mais importante, porém, é que a dopagem (adição de certas impurezas) pode fornecer elétrons ou buracos (déficits de elétrons que se comportam como portadores de carga positivos) que estão fracamente presos aos átomos e, por isso, conduzem corrente com facilidade. Por meio da dopagem, podemos controlar a concentração dos portadores de carga e assim modificar as propriedades elétricas dos semicondutores. Quase todos os dispositivos semicondutores, como transistores e diodos, são produzidos a partir da dopagem de diferentes regiões de um substrato de silício com diferentes tipos de impurezas. • Nos condutores, n tem um valor elevado, que varia muito pouco com a temperatura. O aumento da resistividade com o aumento da temperatura nos metais (Fig. 26-10) se deve ao aumento das colisões dos portadores de carga com os átomos da rede cristalina,2 que se manifesta na Eq. 26-29 como uma redução de τ, o tempo médio entre colisões. • Nos semicondutores, n (número de portadores de carga/volume) é pequeno, mas aumenta rapidamente com o aumento da temperatura porque a agitação térmica faz com que haja um maior número de portadores disponíveis. Isso resulta em uma redução da resistividade com o aumento da temperatura, como indica o valor negativo do coeficiente de temperatura da resistividade do silício na Tabela 26-2. O mesmo aumento do número de colisões que é observado no caso dos metais também acontece nos semicondutores; porém, é mais do que compensado pelo rápido aumento do número de portadores de carga. Supercondutores • Em 1911, o físico holandês Kamerlingh Onnes descobriu que a resistência elétrica do mercúrio cai para zero quando o metal é resfriado abaixo de 4 K (Fig. 26-14). Esse fenômeno, conhecido como supercondutividade, é de grande interesse tecnológico porque significa que as cargas podem circular em supercondutor sem perder energia na forma de calor. Correntes criadas em anéis supercondutores, por exemplo, persistiram, sem perdas, durante vários anos; é preciso haver uma fonte de energia para produzir a corrente inicial, mas, depois disso, mesmo que a fonte seja removida, a corrente continua a circular indefinidamente. • Antes de 1986, as aplicações tecnológicas da supercondutividade eram limitadas pelo custo de produzir as temperaturas extremamente baixas necessárias para que o efeito se manifestasse. Em 1986, porém, foram descobertos materiais cerâmicos que se tornam supercondutores em temperaturas bem mais altas (portanto, mais fáceis e baratas de obter), embora menores que a temperatura ambiente. No futuro, talvez seja possível operar dispositivos supercondutores à temperatura ambiente. • A supercondutividade é um fenômeno muito diferente da condutividade. Na verdade, os melhores condutores normais, como a prata e o cobre, não se tornam supercondutores nem em temperaturas muito baixas, enquanto os novos supercondutores cerâmicos são isolantes à temperatura ambiente. • Uma explicação para a supercondutividade se baseia na ideia de que, em um supercondutor, os elétrons responsáveis pela corrente se movem em pares. Um dos elétrons do par distorce a estrutura cristalina do material, criando nas proximidades uma concentração temporária de cargas positivas; o outro elétron do par é atraído por essas cargas. Segundo a teoria, essa coordenação dos movimentosdos elétrons impede que eles colidam com os átomos da rede cristalina, eliminando a resistência elétrica. A teoria explicou com sucesso o comportamento dos supercondutores de baixa temperatura, descobertos antes de 1986, mas parece que será necessária uma teoria diferente para explicar o comportamento dos novos supercondutores cerâmicos.
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