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Possibilidades de pesquisa Considerando o relato acima, vejamos algumas propostas de pesquisa que poderíamos desenvolver diante de tal situação e alguns modos pelos quais poderíamos utilizar as ferramentas, métodos e técnicas de que estivemos falando nas últimas aulas. Considero que toda a situação relatada concerne ao campo de atuação do assistente social, embora especificamente este projeto tenha sido conduzido por psicólogos e estudantes de psicologia. Possivelmente a presença, a melhor articulação dessa proposta com o trabalho de assistentes sociais (o que poderia incluir o CREAS de Nova Friburgo) teria dado a esta iniciativa pelo menos a chance de um maior sucesso. O fato da proposta não ter resultado em sucesso, pelo menos no que tange ao objetivo último que seria o de recolocar pelo menos algumas das pessoas participantes em postos de trabalho (empregos), não quer absolutamente dizer que possamos desistir de intervir. Ao contrário, nos desafia a buscar transformar as situações penosas dos diversos grupos sociais de modo mais eficaz. Por outro lado, cumpre dizer que, a despeito de quantitativamente o projeto ter tido resultado nulo, qualitativamente é impossível afirmar que tal aconteceu. Não é mensurável o quanto o contato entre população, estagiários e responsáveis pelo projeto pode ter transformado o estado de espírito das pessoas envolvidas, ou a qualidade das marcas deixadas pelo trabalho nas comunidades abordadas; na verdade, até mesmo o quanto não pode ter contribuído para aproximar as pessoas participantes de um retorno ao mercado de trabalho. Faço assim, e desde já, com que notem, através do exemplo, a diferença entre as perspectivas quantitativa e qualitativa. Há o que pode ser mensurado, mas há o que está para além de qualquer mensuração e, quanto a isso, não se deve recuar em nome de um método científico supostamente universalizável para todo tipo de estudo. O exercício que proponho tem obviamente um caráter didático e parcial, de vez que não poderíamos esgotar todas as possibilidades de pesquisa abertas por tal situação. Nos limitaremos a procurar imaginar algumas nas quais seria possível utilizar os recursos sobre os quais viemos conversando até agora. a) Pesquisa-ação - Em primeiro lugar chamei a ação do projeto de “pesquisa ação”. Por que? Porque desde seu início ele envolveu trabalho de campo, coleta de dados e produção de conhecimento, ao mesmo tempo em que se propunha a produzir uma transformação, por sua própria ação, na comunidade estudada. Não foi o caso de que tenha sido feito um estudo que depois poderá ser utilizado para trazer uma transformação em um grupo social. Ou tampouco se poderia dizer que, como aconteceria em qualquer outra intervenção, por mais passiva que seja (como, por exemplo, no caso de um antropólogo observando o comportamento de indígenas), sempre há uma interferência que não deixa de transformar de alguma maneira a população estudada. A intervenção foi uma ação feita para transformar, mas ao mesmo tempo envolveu algum grau de estudo e produção de conhecimento. A intenção primordial foi transformar, sendo que para isso, um estudo foi feito e dados foram colhidos e poderão ser posteriormente utilizados para outros estudos. O objetivo do projeto não foi em nenhum momento ‘meramente’ conhecer a população vítima da tragédia, embora no esforço para transformar o estado em que se encontrava parte dessa população, mais conhecimento tenha sido produzido. Finalmente pode-se ainda arguir que o projeto não foi, estrito senso, uma pesquisa. Porém tal afirmativa estaria considerando o conceito de pesquisa de um modo muito estrito. Se alargarmos nossa compreensão do que seja uma pesquisa, podemos perfeitamente enquadrar a ação do projeto como pesquisa, que teve inclusive como efeito um relatório com dados que poderão ser posteriormente utilizados em novos estudos e projetos. b) Estudo de caso – É possível tomar este caso - o relatório que ele proporcionou com os dados colhidos, conclusões etc. – para realizar o que chamamos “estudo de caso”. Para o exercício que proponho, você pode imaginar também ter participado dessa iniciativa. Pense como se você tivesse estado lá, como um dos estagiários. Conforme conversamos, no estudo de caso há um mergulho vertical nas especificidades do caso. Enquanto tal, o estudo de caso evita a generalização típica da atividade científica. Ele investiga a fundo a particularidade do que está sendo estudado. Neste sentido, conforme nosso exercício, seria o caso de abstrairmos, durante a pesquisa, das comparações deste caso com outros, que visa encontrar os elementos comuns entre eles. Por outro lado, no estudo de caso, trata-se do trabalho sobre uma situação já ocorrida e não na fabricação de uma nova situação. Caso estivéssemos fabricando uma nova situação e ao mesmo tempo considerando essa situação na perspectiva de um estudo de caso, teríamos uma situação combinada envolvendo pesquisa-ação e estudo de caso. Quanto ao “como” estudar este caso, como desenvolver este específico estudo de caso, isso já envolveria optar entre muitas técnicas e ferramentas de pesquisa. Pessoas da população alvo e da equipe de trabalho poderiam responder a questionários ou entrevistas. Os resultados dos questionários poderiam ser quantificados. Alguns dos termos recorrentemente utilizados pelos respondentes, tanto das entrevistas quanto dos questionários poderiam ser estudados à luz da teoria das representações sociais, em uma perspectiva genealógica ou não. Considerando hipoteticamente que o caso escolhido teria sido um do qual você participou, isso geraria ainda a facilidade do contato com as pessoas que já seriam suas conhecidas o que facilitaria o acesso e tornaria mais fácil a obtenção de colaboração. Algumas categorias prévias poderiam ser determinadas de antemão para direcionar a análise dos dados colhidos por entrevistas e questionários. Você poderia por exemplo, utilizar a categoria de “cidadania”, ou de “trabalho”, ou de “políticas públicas”. Ouvir as pessoas sobre isso e depois analisar as respostas. Se forem respostas obtidas em questionários, seriam facilmente quantificáveis; caso não, exigiriam uma análise mais trabalhosa, qualitativa, em que você pesquisador poderia expor ao leitor trechos das respostas obtidas em entrevistas ou por observação ativa – convívio com pessoas da comunidade em reuniões de associação etc. – procurar aspectos recorrentes e comentá-los para o leitor. Neste caso seus comentários não teriam precisão matemática, porém desde que postos à disposição para debate dentro da comunidade científica à qual sua pesquisa se dirige e rigorosamente encadeados segundo um número significativo de dados obtidos nas respostas, teria validade, pelo menos como estudo exploratório. Finalmente, ainda nesta perspectiva de estudo de caso, os próprios estagiários e coordenadores do projeto poderiam ser chamados a responder questionários e / ou entrevistas, que sofreriam um tipo de análise semelhante ao que dissemos acima. No que diz respeito tanto aos membros da população foco quanto aos membros da equipe, poderia ser proposta como categoria de análise o próprio conceito de “serviço social” ou “assistente social”, de vez que neste exemplo específico a equipe foi composta predominantemente por psicólogos e estagiários de psicologia. Com isso seu estudo poderia detectar questões relacionadas à interdisciplinaridade, ao modo como um grupo pertencente a outra disciplina científica entende a interação com o assistente social. Lembre-se de que quando faz um estudo dessa forma, nesta perspectiva qualitativa, você seaproxima do tema das representações sociais, quer dizer, representações que atravessam um grupo de pessoas, causando ações que acabam se cronificando em função da compreensão que o grupo tem de certos conceitos e que pode ser interessante desconstruir. Falamos na aula sete sobre as genealogias que mostram como um conceito e seu significado podem surgir como efeitos do poder, ou seja, efeito de lutas e dominações e não de uma compreensão cada vez mais aperfeiçoada de uma suposta realidade. Um estudo qualitativo sempre permitirá que você interprete o sentido das questões que investiga à luz dessa perspectiva. Disse que categorias poderiam ser previamente construídas, mas veja que no próprio decorrer do trabalho de campo algumas categorias podem ir se destacando para você a partir das respostas / dados colhidos durante seu trabalho de campo. c) Pesquisa participante – Ao decidirem chamar pessoas “chave” da comunidade para serem parte integrante do projeto, por sua experiência com a comunidade, a equipe que coordenou o projeto deu um exemplo de pesquisa participante. A rigor, quando se toma uma atitude como essa, se reconhece que um leigo tem uma contribuição a dar para a construção do conhecimento e para o alcance dos objetivos do projeto. Quebra-se, mesmo que pontualmente, com a crença nos poderes superiores dos especialistas. Pratica-se assim algo muito recomendado, porém não tão simples de fazer, que seria a quebra da hierarquia segundo a qual o conhecimento dos poucos que ficam no topo da pirâmide do conhecimento flui para os muitos que ficam em sua base. Introduz-se como agente ativo da produção do conhecimento aquele que em uma perspectiva mais “fechada” de ciência ou pesquisa deveria estar ali como “objeto” e não como “sujeito”. d) Pesquisa sem o trabalho de campo – Novamente, peço que imagine que participou deste projeto e experimentou ao longo de sua execução uma série de dúvidas que levaram você a construir uma questão de pesquisa. Você estaria partindo desse fragmento de sua experiência para fazer uma pesquisa que relacionasse essa experiência ao trabalho de um ou mais (mas não muitos) teóricos que você considere relevantes na área do serviço social. Poderia trabalhar com um ou mais conceitos desses teóricos, mostrando como eles são eficazes para pensar pelo menos alguns aspectos do que se passou. Para o estágio a que corresponde o trabalho monográfico de final de graduação, seria suficiente e já bastante importante que você mostrasse simplesmente que pode localizar na teoria elementos conceituais que lhe permitiram organizar a reflexão sobre o que foi a sua prática. Você estaria mostrando uma capacidade fundamental para todo aquele que deseja ingressar no universo acadêmico, preparando-se para o mestrado, doutorado e produção de artigos científicos. Você poderia, por exemplo, pensar os conceitos de multi, inter e transdisciplinaridade no campo do serviço social, utilizando este caso de sua experiência para ilustrar a discussão que faria a partir da conceituação destes termos por autores que te parecessem relevantes, dentro e fora do campo do serviço social (afinal essa discussão não é feita apenas neste campo). Em uma estruturação hipotética de seu projeto de pesquisa, você poderia: Introdução – Uma introdução estará bem feita se vc conseguir mostrar ao seu leitor o que quer fazer, por que e como deseja fazê-lo. Apresente o tema escolhido mostrando que essa questão surgiu a partir de sua experiência com este caso. Como deseja fazer uma articulação entre teoria e prática, apresente os autores que pretende trabalhar e por que resolveu trabalhar com eles. Apresente a ordem pela qual irá falar destes autores. Ainda na introdução, você poderá fazer uma breve revisão de literatura, mostrando que percorreu o trabalho de alguns autores principais para o tema que você escolheu e seu estudo. Fará também algumas referências ao projeto de que participou e de que maneira pensa que as questões que levantou relacionadas a ele podem ser articuladas a conceitos dos autores que escolheu trabalhar. Você poderá deixar para falar da metodologia optada em uma seção separada chamada metodologia. Entretanto, neste tipo de pesquisa sem o trabalho de campo, você pode já na introdução mostrar como a sua monografia está estruturada, anunciando os capítulos ou partes que a compõe. Desenvolvimento – poderá estar dividido em capítulos ou partes / seções. Voltando a imaginar uma possibilidade para o caso que tomamos como exemplo, digamos que no primeiro capítulo você poderia optar por fazer um histórico do serviço social e uma introdução de discussões sobre as interfaces desta disciplina com outras disciplinas científicas. No segundo capítulo trabalhará mais extensivamente as posições de dois autores relevantes, com posições diferenciadas sobre o problema. Note que o primeiro e segundo capítulos poderiam ser substituídos por uma grande seção chamada “desenvolvimento”, conforme um dos formatos clássicos de trabalho monográfico estudado em disciplinas anteriores a esta. Considerações finais - Finalmente entrará com suas considerações finais. Note que você, em uma monografia, não está obrigado a falar propriamente em conclusões. A expressão “considerações finais” é mais flexível e justamente contempla que você teça algumas considerações que anunciem alguns dos pontos que lhe pareceram mais relevantes em seu trabalho e sua intenção de pesquisar mais o tema. Como anexo, seguiria sua exposição do trabalho feito no projeto. Em um trabalho estruturado dessa maneira, você estaria fazendo uma articulação entre teoria e prática, sem recorrer ao trabalho de campo. Esse tipo de trabalho tem relevância não apenas para trazer conhecimento ao campo, mas também para exercitar no aluno que finaliza a graduação neste importante movimento da prática científica, qual seja, a articulação entre teoria e prática.
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