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História da Psicologia (SDE0012 t. 3004 e 3017) Prof.: John Luiz Baytack Beltrão de Castro Ementa: Ao longo deste semestre de 2016.1, na disciplina História da Psicologia, estudaremos: Evolução histórica dos conceitos psicológicos da antiguidade à modernidade. As ideias filosóficas que mais influenciaram a Psicologia. Contextualização sócio-histórica do estabelecimento da Psicologia como ciência autônoma. Principais verbetes da Psicologia nos séculos 19 e 20. Desenvolvimento da Psicologia como profissão no Brasil. Debates contemporâneos na Psicologia. Unidade I: Estudo Histórico da Psicologia: 1.1. A importância do passado para o entendimento presente; 1.2. As ideias psicológicas na antiguidade e na idade média; 1.3. As ideias psicológicas no renascimento e modernidade; Unidade II: Contexto do surgimento das ciências psicológicas: 2.1. A psicologia pré-científica; 2.2. A fisiologia e a psicofísica; 2.3. A Psicologia como ciência; Unidade III: Movimentos da Psicologia nos séculos 19 e 20: 3.1. Estruturalismo e Funcionalismo; 3.2. Comportamentalismo; 3.3. Psicanálise; 3.4. Psicologia cognitiva; Unidade IV: Psicologia como profissão e seus debates contemporâneos: 4.1. O começo da profissionalização em Psicologia; 4.2. Desenvolvimento da Psicologia como profissão no Brasil; 4.3. Debates contemporâneos na Psicologia; Bibliografia básica: BENJAMIN JR., L. T. Uma Breve História da Psicologia Moderna, LTC, 2009. MARX, M. H., HILLIX, W. A. Sistemas e teorias em psicologia. São Paulo: Cultrix, 1998. SCHULTZ, D. P., SCHULTZ, S. E.; História da psicologia moderna. São Paulo: Cengage Learning, 2009. Bibliografia complementar: BOCK, A. M.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: Uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1998. FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise. In: ______. Obras completas. v. 9. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2013. A importância do passado para o presente Historiografia: refere-se ao estudo dos métodos de produção do conhecimento histórico. “Toda e qualquer produção humana — uma cadeira, uma religião, um computador, uma obra de arte, uma teoria científica — tem por trás de si a contribuição de inúmeros homens, que, num tempo anterior ao presente, fizeram indagações, realizaram descobertas, inventaram técnicas e desenvolveram ideias. Em suma: por trás de qualquer produção material ou espiritual, existe a História” (BOCK; FURTADO & TEIXEIRA, 1999, p. 39 grifo nosso). A história da Psicologia tem por volta de dois milênios (início na Grécia, de 700 a. C. até a dominação romana, véspera da era crista). O interesse por ela remonta aos primeiros espíritos questionadores (BOCK; FURTADO & TEIXEIRA, 1999, p. 39 grifo nosso). Sempre houve fascínio pelo comportamento, especulações acerca da natureza e condutas humanas são o tópico de muitas obras filosóficas. ”É uma das mais antigas disciplinas acadêmicas, e ao mesmo tempo uma das mais novas” (BOCK; FURTADO & TEIXEIRA, 1999, p. 39 grifo nosso). No século V a. C., Sócrates, Platão, Aristóteles e outros sábios gregos se viam às voltas com muitos dos mesmos problemas que hoje ocupam os psicólogos: a memória, a aprendizagem, a motivação, a percepção, a atividade onírica e o comportamento anormal, por exemplo. As mesmas espécies de interrogações feitas atualmente sobre a natureza humana também o eram séculos atrás, o que demonstra uma continuidade vital entre o passado e o presente em termos de seu objeto de estudo. É indispensável recuperar sua história para compreender a diversidade com que a Psicologia se apresenta hoje. Não há uma única forma, abordagem ou definição particulares da Psicologia moderna com que concordem todos os psicólogos. Vemos uma enorme diversidade, e até desacordo, tanto em termos de especializações científicas e profissionais como em termos de objeto de estudo. O eixo de referência que vincula essas áreas e abordagens distintas é a história da evolução da disciplina Psicologia. O conhecimento da história pode trazer ordem à desordem, produzir sentido a partir do caos; permite enxergar o passado com mais clareza e explicar o presente. “HISTÓRIA” – Por que? O que é? A história nos ajuda a entender o tempo que vivemos, mesmo que saibamos que toda história é uma narrativa e é arbitrária. É uma narrativa, porque diz respeito à descrição de fatos que aconteceram (contada por alguém que não estava no local e nem na mesma época); É a memória humana preservada e sem ela não podemos ter o senso de uma continuidade, não poderíamos nem mesmo preservar a cultura e os saberes que nos que nos constituem. É arbitrária porque é um historiador que conta a história e nada garante que ela seja contada do mesmo modo por outro historiador. Cada um irá destacar os fatos históricos que considera mais relevantes. O historiador, tal como o arqueólogo, trabalha com “fragmentos” = dados históricos, e a partir desses fragmentos / dados tenta recriar os eventos e as pessoas do passado. História da Psicologia E ainda, os dados podem ser incompletos... 1. Eles podem ter se perdido, 2. Podem ter sido deliberadamente suprimidos, 3. Traduzidos de maneira imprecisa ou 4. Distorcidos por um participante ou um pesquisador motivados por interesses pessoais. A história da Psicologia contém muitos exemplos incompletos ou, talvez, imprecisos de produção da verdade histórica. HISTÓRIA” – formas ou tipos (Conceituação) Há vários modos de se contar uma história. A seguir nos debruçaremos sobre duas formas: a evolutiva e a descontínua. 1. História Evolutiva – linear (cronológica) � Concebe os fatos históricos numa cadeia linear = a evolução está sempre acontecendo = o futuro é sempre a superação do passado. � Nessa concepção seria possível acompanhar a evolução de um objeto no decorrer da história. � O passado interessa senão como passagem para um presente ao qual se pretende também superar em nome de um futuro mais grandioso, mais aperfeiçoado. � Há um suposto consenso coletivo que leva à evolução. Duas abordagens podem ser adotadas para explicar como a ciência psicológica se desenvolveu: 1.1 Teoria personalista Considera que o progresso é decorrente da ação de pessoas que modificaram o curso da História / figura do precursor. Há diversos precursores nas mais diversas áreas do saber: Platão, Aristóteles, Copérnico, Descartes, Newton, Hume, Wagner, Kant, Cantor, Marx, Nietzsche, Comte, Wundt, Saurrure, Freud, Lévi-Strauss, Foucault etc. 1.2 Teoria naturalista Considera que a época modela as pessoas e assim os conhecimentos produzidos. O Zeitgeist, é a expressão alemã comumente utilizada para designar o espírito [Geist] intelectual de um tempo [Zeit], de uma época, e que determina inextricavelmente a ação dos sujeitos históricos O positivismo pode ser considerado um Zeitgeist. 2. História Descontínua � Nega o sentido evolutivo de qualquer história, (a visão personalista, de precursores e mesmo do Zeitgeist, no âmbito científico). � Cada momento histórico só pode ser entendido nele mesmo, em seu contexto político e social. � É feita de confrontos, de lutas, nas quais normalmente é o vencedor que se coloca como detentor da verdade histórica, que narra uma certa história. � Não há objetos evoluindo através do tempo, mas em cada contexto emerge um objeto diferente, definido pelas práticas humanas e também pelo acaso, que não pode ser negado. A tese de doutorado do crítico francês Michel Foucault, publicada como História da Loucura na Idade Clássica – é uma ilustração da história descontínua. Em sua obra, em linhas gerais, aborda problemas concretos (a insanidade, a prisão,a clínica, o corpo, a medicina, a sexualidade) num contexto específico, geográfica (a França, na Europa ou no Ocidente) e historicamente (idade do clássica, do século XVIII, ou na Grécia antiga, etc.). � O passado pode nos mostrar que nada é eterno e que o tempo que vivemos é também construído, no presente, por múltiplas forças sociais e políticas. A importância de uma história da Psicologia Em suma, a História e seu estudo são imprescindíveis para o entendimento da Psicologia como saber, para percebermos de que modo o homem vem transformando seus modos de pensar a si mesmo e, principalmente, para termos a noção de que estamos construindo e utilizando um saber que não é universal, mas que tem sua própria história e que, portanto, tem também seus limites espaço-temporais. Nesse sentido, a Psicologia é um saber histórico, em transformação, inacabado e que está sendo continuamente construído. A psicologia é uma das mais antigas disciplinas acadêmicas e, ao mesmo tempo, uma das mais novas. Historia da Psicologia Moderna Wilhelm Wundt (1832-1920), até então médico e filósofo alemão, é considerado o fundador da Psicologia como ciência independente da disciplina filosófica. É o primeiro psicólogo na história, pois foi quem criou o primeiro laboratório de psicologia, em 1879, em Leipzig, na Alemanha. Sua obra e empreendimento são considerados os marcos dessa fundação que passa a assumir características científicas, baseando-se na observação, coleta de dados e experiências no teor do espírito positivista. No prefácio à primeira edição de Princípios de Psicologia Fisiológica, obra publicada em 1874, Wundt que essa obra consistia numa tentativa de delimitar um novo domínio da ciência ao qual dera o nome de Psicologia (SCHULTZ & SCHULTZ, 2001). As ideias psicológicas na Antiguidade e na Idade Média Como havíamos trabalhado na aula anterior, sobre “a importância do passado para o presente”, a Psicologia é uma das mais antigas e uma das recentes disciplinas acadêmicas. A história revela que há milhares de anos atrás, desde que o homem se percebeu como um ser pensante, inserido em um complexo chamado “natureza”, vem buscando respostas para suas dúvidas e fatos que comprovem e expliquem a origem, as causas e as transformações que ocorrem no mundo e, agora, no universo. O comportamento e a conduta humana são assuntos que sempre fascinaram os homens e estão registrados historicamente ao longo desses longos anos de existência do homem na terra. Por muito tempo buscou-se explicações para as questões naturais e humanas através de personagens mitológicos. Nas sociedades primitivas os acontecimentos eram explicados em termos de forças fora do âmbito dos eventos naturais observáveis (sobrenatural). As explicações eram externas, pois predominava o pensamento mítico. Daí a relevância do MITO. Para os gregos, os mitos eram narrativas sagradas sobre a origem de tudo. Eram tudo em que acreditavam como verdadeiro. Os poetas-videntes, que narravam os mitos, possuíam uma autoridade mística sobre os demais, pois eram "escolhidos dos deuses" que lhe mostravam os acontecimentos passados através de revelações e sonhos, para que esses fossem transmitidos aos ouvintes. O mito, sem dúvida, é, por essa razão, uma das primeiras e mais ricas construções do homem para entender a complexidade da vida. Foi inicialmente uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata explicações do mundo, como é o caso da mitologia grega. A explicação mitológica não se prende à lógica racional, nem busca oferecer comprovações de suas afirmações. É simplesmente a tentativa do homem de dar nome a uma complexidade que não consegue compreende com sua razão. Usa alegorias simbólicas na explicação do homem e do mundo. Como exemplo, temos na mitologia escandinava, que as tempestades (fenômeno natural) seriam a expressão da cólera dos deuses guerreiros. Na mitologia grega, por outro lado, como relata Homero, a vitória na guerra era a expressão do favoritismo do deuses gregos. Com o passar do tempo, o MITO parecia não satisfazer os homens, pois se tornava, para alguns, insuficiente para explicar a quantidade cada vez maior de questões que surgiam. Assim, surgiu um novo modo de tentar explicar a complexidade da vida e esse novo modo recebeu o nome de FILOSOFIA e o surgimento desse modo de pensar estava atrelado a busca de entendimento pela racionalidade. Esse momento corresponde aproximadamente ao século VI a. C.. Precisamente, a Filosofia nasce na Grécia antiga e etimologicamente significa "amizade pelo saber” e define uma forma característica de pensar (pensamento racional). Com ela vários pensadores, chamados de filósofos, destacaram-se, cada um com sua forma particular de pensar e buscar a sabedoria. Assim, instala-se um corte histórico; tem-se o pensamento mítico e o pensamento filosófico. Do mýthus e crenças religiosas a humanidade ascendeu à razão, ao logo (lógos). Trata-se de uma evolução gradativa, uma vez que não houve um rompimento brusco com o pensamento dos antepassados. Durante muitos séculos, a FILOSOFIA tornou-se o campo de saber hegemônico na criação de concepções de mundo e de homem que se dedicava a pensar acerca do que posteriormente tornou-se domínio da Psicologia moderna e de outros campos de saber que tomam o homem como o ponto central, como a Antropologia e a Sociologia, por exemplo. O tipo de pensamento característico da FILOSOFIA era o pensamento racional e lógico e dele temos inúmeros testemunhos. Na história da FILOSOFIA, existiu um filósofo grego que se tornou o primeiro a efetuar uma espécie de corte, foi “um divisor de águas”, como se costuma dizer. Trata-se de Sócrates. A partir dele há uma filosofia pré-socrática e uma filosofia pós-socrática. Os filósofos pré-socráticos (anteriores a Sócrates) Contribuíram para o rompimento com a visão mítica e religiosa que se tinha até então da natureza (eventos naturais) adotando uma forma científica e racional de pensar. Abaixo tomaremos notas de um ponto importante destacados em geral por esses filósofos e que tem relação com nosso tema de estudo. Preocupavam-se em definir a relação do homem com o mundo através da percepção. Para tal, discutiam que: � se o mundo existe é porque o homem o vê, ou � se o homem o vê é por aquele lhe ser anterior (problemas relacionados com a natureza do mundo físico). Com essa dupla maneira de filosofar, os filósofos introduziram duas abordagens opostas no campo da filosofia: idealismo e materialismo. Idealistas Os filósofos idealistas são os que partem da perspectiva de que é a partir do homem que se pode conceber o que quer que seja. O mundo é aquilo que o homem consegue formalizar por intermédio da sua percepção. É a ideia que forma o mundo. Essa doutrina filosófica prega que o mundo material é determinado pelas ideias. E nessa esteira ingressam filósofos como Pitágoras (pré- socrático), Platão, Descartes, Kant chegando ao apegou na filosofia do alemão Georg Hegel. Materialistas Os filósofos materialistas, em contrapartida, pressupõem a matéria como causa de qualquer concepção de mundo. A matéria de que é feita o mundo é dada para a percepção. Incluem-se nessa doutrina os filósofos Tales de Mileto (água), Anaximandro (indeterminação), Anaxímenes (ar), Heráclito (fogo). Em sentido extremo essa doutrina postula que tudo o que existe no mundo é decorrente de circunstâncias materiais, inclusive o pensamento e os valores humanos. É o que ocorre no pensamento do filósofo alemão Karl Marx. No século VI a. C., os filósofos gregos propuseram uma primeira tentativa de sistematizar uma “psicologia” ao começarem a especular acerca do homem e sua interioridade. O termo Psicologia vem do grego e compõem-se de duas palavras: psyché (alma) logos(razão). No sentido etimológico, psicologia seria o estudo da alma. Essa ou espírito seria a parte imaterial do ser humano e englobaria pensamento, sentimentos (amor e ódio), irracionalidade, desejo, sensação, percepção etc. Entretanto, o significado de “alma” sofreu transformações através da própria evolução do pensamento da humanidade, sobretudo a partir da fundação da Psicologia moderna. Contribuições de três importantes filósofos gregos: (Sócrates, Platão e Aristóteles) Os filósofos gregos começaram a buscar respostas racionais para perguntas sobre a vida humana, sobre as coisas que nos circundam. Perguntas como: de onde viemos? Para onde vamos? Por que isso é ou não assim? O que fazemos neste planeta?, passaram a ocupá-los e as respostas que produziram são apresentadas em suas obras. Sócrates nasceu em Atenas (469 a.C.-399 a.C.) e se tornou um renomado filósofo ateniense do período da Grécia clássica. É considerado um dos fundadores da filosofia ocidental sendo, apesar das duras e contundentes críticas do filósofo alemão do século XIX, Nietzsche (1856-1900), é reiteradamente considerado um dos mais importantes filósofos de todos os tempos. Sua filosofia é conhecida principalmente através dos relatos em obras de escritores que viveram mais tarde, especialmente dois de seus alunos, Platão e Xenofonte, bem como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes. Atribui-se aos diálogos de Platão o relato mais abrangente de Sócrates a ter perdurado da Antiguidade à atualidade. A principal preocupação de Sócrates era com o limite que separa o homem dos animais. Para tal, situou na RAZÃO (inteligência) a principal característica humana. A RAZÃO permitia ao homem sobrepor-se aos seus instintos (base da irracionalidade). Ao definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência humana, Sócrates abriu um caminho que seria muito explorado pela Psicologia moderna. Isso quer dizer que as teorias da consciência são frutos dessa primeira sistematização na Filosofia. Sócrates dizia que a Filosofia não era possível enquanto o indivíduo não se voltasse para si próprio e reconhecesse suas limitações. Para tal, formulou a máxima que atravessa séculos e que se expressa sob a forma: "Conhece -te a ti mesmo“. Maiêutica. É assim que a “Psicologia” na Antiguidade ganha consistência. Discípulo direto de Sócrates e principal transmissor de sua obra, Platão, que viveu em Atenas, no período de 428/427 a.C.-348-347 a.C., foi um dos mais importantes filósofos gregos, sendo recorrentemente referenciado por diversos autores dos mais heterogêneos campos do saber. Foi quem inicialmente definiu um “lugar” para a razão humana no corpo (é na cabeça que se encontraria a alma do homem). Esse filósofo grego concebeu a alma como uma instância separada do corpo. Afirmou que a medula seria o elemento de ligação da alma (que está na cabeça) com o corpo. Para ele, quando o homem morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma ficava livre para ocupar outro corpo e assim sucessivamente. Assim, podemos considerar Platão como um filósofo que acreditava na existência e na sobrevivência da alma. Ler: o mito da caverna de Platão (Capítulo VII de A república) Aristóteles foi discípulo de Platão e é considerado um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. Contribuiu demasiadamente com a inovadora postulação de que alma e corpo não podem ser dissociados. Para esse filósofo, alma é a essência do corpo, é “a harmonia das funções vitais”. Psyché: seria o princípio ativo da vida. Tudo o que cresce, reproduz-se e se alimenta possui uma psyché ou alma. Nesse sentido, os vegetais, os animais e o homem teriam alma. Aristóteles retomou o estudo da Natureza, criou métodos de investigação que influenciaram o desenvolvimento da Ciência moderna, passando inicialmente pelo pensamento de são Tomás de Aquino e dos empiristas ingleses dos séculos XVI, XVII e XVIII. Enfatizou a verificação dos fenômenos através dos sentidos (experiência), para o estabelecimento do conhecimento confiável, não se prendendo a meras especulações racionais. Para o que posteriormente tornou-se a Psicologia moderna, uma das principais contribuições de Aristóteles foi estudar as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações, tal como podemos encontrar em Do anima, texto considerado o primeiro tratado no âmbito da Psicologia. Quanto ao estudo da “alma humana”, há aproximadamente 2.300 anos antes da Psicologia moderna, já existiam duas correntes filosóficas que nasceram na Antiguidade, sobreviveram na idade média e modernidade e alcançaram a contemporaneidade. � A platônica: fundamentada na crença da imortalidade da alma e separada do corpo. � A aristotélica: fundamentada na ideia da alma como instância mortal e pertencente ao corpo. Portanto, posterior ao corte socrático, mas ainda na Antiguidade, no século III a. C., surgiram essas duas escolas filosóficas que foram denominadas de ESTOICISMO e EPICURISMO. O ESTOICISMO foi a escola filosófica fundada pelo filósofo grego Zenão de Cítio, a qual aderiram alguns pensadores que passaram a ser designados de estoicos. Esses afirmavam que todo universo corpóreo é governado por uma razão divina, que lhe garante a harmonia. Esse universo corpóreo foi denominado de Kosmos. No plano moral, esses pensadores pregavam a serenidade e a impassibilidade em face da dor ou do infortúnio. Propuseram que os homens deveriam viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselhavam a indiferença em relação a tudo que é externo ao ser. O plano ético dessa escola filosófica baseava-se não no prazer, mas na busca da felicidade por intermédio da virtude. Tal como para Aristóteles, que escreveu que não há nada no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos, pela experiência sensível, para os estóicos, a mente humana é concebida como uma tabula rasa, uma herança que determinará o pensamento do filósofo empirista inglês John Locke. Desse modo, pode-se dizer que o ESTOICISMO é uma escola filosófica materialista. E, se tudo é material, toda atividade é movimento. Assim também deve-se conceber a ideia de Deus materialmente, tal como a alma e as propriedades das coisas. O EPICURISMO foi uma escola filosófica também pertencente aos séculos III e IV a. C. e que foi fundada pelo filósofo grego Epicuro. Os adeptos dessa escola foram chamados de epicuristas e afirmavam que a verdade provinha apenas da sensação. Em oposição aos estóicos, baseavam a ética na experiência do prazer. A busca da felicidade não era intermediada pela virtude, mas pelo prazer direto, desde que, entretanto, não fosse buscado egoisticamente ou em prejuízo dos demais. Os epicuristas acreditavam em deuses, mas defendiam que eles não intervinham no mundo material. Historicamente, a passagem das concepções filosóficas antigas às desenvolvidas na era medieval foi subsidiada por aqueles (os intérpretes da escola de Alexandria e de traduções latinas) que viveram no período do HELENISMO, termo derivado da obra do historiador alemão J. G Droysen (MARCONDES, 2014). Ora, o que vem a ser o HELENISMO? Esse termo serve para designar, segundo Marcondes (2014, p. 84), “a influência da cultura grega em toda região do Mediterrâneo Oriental e do Oriente Próximo desde as conquistas de Alexandre [...] até a conquista romana do Egito em 30 a. C., que passa a marcar a influência de Roma nessa mesma região”. Ainda segundo esse autor, “Embora houvesse uma filosofia desenvolvida em Roma e escrita em latim, ela resultava em grande parte de desdobramentos das escolas filosóficas gregas, sobretudo o estoicismo e o epicurismo”, escolas que nos deteremos a seguir. Antes de chegarmos à Idade Média, iniciada pela queda do último imperador romano (476 a.C.), mas já na era cristã,surgia o filósofo e teólogo santo Agostinho, que se tornou bispo de Hipona. É considerado um dos últimos pensadores da Antiguidade, ao mesmo tempo em que é um dos primeiros filósofos medievais, pois sua obra influenciou os rumos do pensamento medieval em seus primeiros séculos. O que se tornou conhecido através da sua pena como platonismo cristão, é a síntese entre o pensamento cristão e a filosofia grega. Marcondes (2014, p. 111) eleva-o ao lugar de “filósofo mais importante, devido à sua criatividade e originalidade, a surgir no pensamento antigo desde Platão e Aristóteles”. Também o considera “um pensador do final do período antigo, ainda profundamente ligado aos clássicos, mas já refletindo em sua visão de mundo e em suas preocupações as grandes mudanças pelas quais passa sua época e prenunciando o papel que o cristianismo terá na formação da cultura ocidental, para o que contribui de forma decisiva” (MARCONDES, 2014, p. 111). Das três contribuições ao desenvolvimento da filosofia destacadas por Marcondes (2014, p. 112), a segunda é particularmente relevante para nosso enfoque. Trata-se da sua “teoria do conhecimento em ênfase na questão da subjetividade e da interioridade”. Inspirado na filosofia platônica, transmitida pelos intérpretes de Alexandria, sobretudo por neoplatônicos como Plotino e Porfírio, e articulando-a aos ensinamentos de são Paulo e do Evangelho de são João, Agostinho “se pergunta então como pode a mente humana, mutável e falível, atingir uma verdade eterna com certeza infalível” (MARCONDES, 2014, p, 113 grifo nosso). A resposta a essa questão encontra-se no âmago de sua TEORIA DA ILUMINAÇÃO DIVINA, elaborada com base na teoria platônica da reminiscência (em Ménon e A república). Atingir uma verdade eterna é condição de possibilidade para o conhecimento e esse supõe algo de prévio. Nesse sentido, sua posição é inatista, pois supõe que o conhecimento não é derivado inteiramente da apreensão sensível ou da experiência concreta, necessitando de um conhecimento prévio que sirva de ponto de partida para o próprio processo de conhecer. Não se restringido à tese platônica, Agostinho introduz sua contribuição com a teoria da interioridade e da iluminação. Marcondes (2014) o considera o primeiro a desenvolver, com base em concepções neoplatônicas e estoicas, uma noção de INTERIORIDADE que prenuncia o conceito de SUBJETIVIDADE do pensamento moderno. Em sua filosofia encontra-se a oposição (interior-exterior) e a concepção de que a interioridade é o lugar da verdade. É olhando para a sua interioridade que o homem a descobre ou “no homem interior habita a verdade”. Essa interioridade “é dotada da capacidade de entender a verdade pela iluminação divina” (MARCONDES, 2014, p. 114). A mente humana, acrescenta Marcondes (2014, p. 114), “possui uma centelha do intelecto divino, já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. A teoria da iluminação vem assim a substituir a teoria platônica da reminiscência, explicando o ponto de partida do processo de conhecimento e abrindo o caminho para a fé”. (MARCONDES, 2014, p. 114). Dando um extenso salto, o pensamento psicológico foi amplamente silenciado ao longo da Idade Média, subjugado pelos dogmas cristãos. Ainda assim, temos dele notícias através de importantes pensadores que estavam fortemente influenciados pelo pensamento cristão, na medida em que o cristianismo era a principal religião da Idade Média e nessa época havia uma implacável supremacia da Igreja Católica Apostólica Romana sobre o pensamento filosófico e científico. Ler: O nome da Rosa, livro de Umberto Eco ou Assistir: O nome da Rosa, filme de Jean-Jacques Annaud Algumas das características desse momento era a autoridade da Igreja ao impor sobre os homens sua doutrina como verdade que não podia ser questionada. A razão foi amalgada à fé, permanecendo quase indissociáveis. Temendo perder a autoridade, a Igreja, por meios dos seus representantes, reprimia toda ideia que poderia traçar novos caminhos para a ciência, impedindo seu livre desenvolvimento. Nesse extenso período (aproximadamente 10 séculos), pouco conhecimento a ciência acumulou. O interesse pelos fenômenos naturais era nocivo para a salvação da alma. A concepção de homem que se tinha estava restrita aos dogmas cristãos. Era baseada no princípio de que o homem era a imagem e semelhança de Deus, que seu comportamento estava sujeito somente à vontade divina. Nesse sentido, o homem não podia ser objeto de investigação científica, pois o corpo era representado como sacrário da alma. Apesar da forte pressão exercida pela Igreja, particularmente alguns pensadores como santo Anselmo, conseguiram destacar-se, mas, sem dúvida, foi são Tomás de Aquino, filósofo e teólogo que pertenceu ao período da alta escolástica, quem conseguiu reorientar o pensamento Ocidental para o campo da investigação filosófica. São Tomás de Aquino é considerado o príncipe da escolástica. Ao contrário de Agostinho, Aquino não considerou a filosofia platônica, mas a aristotélica, sobretudo por meio dos seus intérpretes árabes, destacando-se a pena de Averróis. Isso quer dizer que no pensamento de Aquino alma e corpo eram indissociáveis. A alma não habita o corpo, ela o anima, como escreveu Aristóteles em Do anima. Ao buscar a distinção aristotélica entre essência e existência, Aquino postulou que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua existência. Entretanto, ao Contrário de Aristóteles, afirmou que somente Deus seria capaz de reunir a essência e a existência. O homem busca a perfeição a medida que busca a Deus. Assim, a alma, a essência, seria o elo de ligação entre o homem e Deus, o que conduziria a mortalidade à imortalidade. Aquino ainda ofereceu argumentos racionais para justificar os dogmas da Igreja. Da Antiguidade à Idade Média, acompanhamos, de forma breve e panorâmica, as ideias psicológicas nessas duas idades da História a partir dos argumentos de Sócrates, Platão e Aristóteles, das escolas estoicismo e epicurismo, de santo Agostinho e são Tomás de Aquino. Esse último revela em sua obra o interesse que muitos dos seus contemporâneos tinham acerca do pesquisa filosófica fora dos limites eclesiásticos sustentados pela escolástica. Poucos séculos depois, assistimos a grande produção artística e cultural que ensejou o Renascimento, abrindo caminhos para uma nova idade histórica, a IDADE MODERNA, como sua ideia de progresso e valorização do homem. As ideias psicológicas no Renascimento e na Modernidade O RENASCIMENTO é o período da História compreendido entre os séculos XIV e XVI, período que marca o fim da Idade Média. Pouco mais de 200 anos após a morte de são Tomás de Aquino, grande pensador do período da Idade Média, inicia-se uma época de transformações radicais no mundo europeu, configurando-se o (re)nascimento do passado ou Renascença. O RENASCIMENTO é considerado um significativo movimento social, político, econômico e cultural, reflexo das transformações europeias entre a Idade Média e a Idade Moderna. É o renascer ou a reinterpretação do classicismo greco-romano. Produziu uma cultura baseada no individualismo (em contraposição à massificação medieval) e no princípio da razão (em contraposição ao pensamento regido pelo dogmatismo cristão). É a eclosão de manifestações artísticas, filosóficas e científicas. Além do resgate dos valores clássicos, da antiga cultura greco-romana, que ocasionou muitos progressos e incontáveis realizações no campo das artes, da literatura e das ciências, houve uma superação, na maior parte desses campos, da herança clássica. Fatores determinantes do Renascimento: � Impressa (Gutemberg); � Queda de Constantinopla (pelo Império Otomano liderado por Maomé II); � Expansão marítima (Novo Mundo); � Mecenas (pessoas dotadas de poder e dinheiropara fomentar produções). Algumas características gerais do Renascimento: � Racionalidade; � Antropocentrismo; � Cientificismo; � Ideal humanista; � Classicismo (reutilização das artes greco-romanas). Contexto: � Mercantilismo: houve descoberta de novas terras, acúmulo de riquezas pelas nações em formação como França, Itália, Espanha, Inglaterra, ocorrendo transformações em todos os setores da produção humana (artes, literatura e ciências sobretudo). � Mecanicismo: entendido como uma doutrina filosófica, também adotada como princípio heurístico na pesquisa científica, o mecanicismo concebe a natureza como uma máquina, obedecendo a relações de causalidade necessárias, automáticas e previsíveis, constituídas pelo movimento e interação de corpos materiais no espaço. Dentre as transformações e desenvolvimentos ocorridos durante o período do RENASCIMENTO, encontramos grandes personalidades históricas que demonstram que a Itália foi o berço do RENASCIMENTO. Dentre essas grandes personagens podemos citar: � Sandro Botticelli (1445-1510) � Leonardo da Vinci (1452-1519). � Michelangelo Buonarroti (1475-1564) � Rafael Sanzio (1483-1520) � Nicolau Maquiavel (1469-1527) � Nicolau Copérnico (1473-1543) � Galileu Galilei (1564-1642) Considerando, portanto, o trabalho desses artistas, escultores, filósofos, cientistas, denota-se o avanço na produção de conhecimentos que deram início à sistematização do conhecimento científico, como ocorre com o desenvolvimento da física de Isaac Newton, que revisitou a teoria da queda dos corpos de Galileu (1610). No campo específico da Psicologia, foi a partir dessa época histórica que na Europa emergiram duas grandes correntes filosóficas que se tornaram as bases para os fundamentos epistêmicos da Psicologia. Essas duas correntes filosóficas são o RACIONALISMO e EMPIRISMO. Elas remontam aos séculos XVI, XVII e XVIII e seus adeptos estavam preocupados, dentre outros aspectos, com a identificação da origem do conhecimento ou da razão humana. Suportando-se na obra de grandes filósofos como René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Leibniz, o RACIONALISMO foi uma das duas correntes da Filosofia Moderna de grande influência no pensamento ocidental e de onde muitos modos de pensar contemporâneos encontram seus fundamentos, inclusive no campo da Psicologia, tendo essa sido fundada como ciência no século XIX. Qual o argumento central do RACIONALISMO? Há verdades intemporais que nenhuma experiência nova poderá modificar. Essas verdades são essenciais para a razão humana incluindo-se entre elas as ideias inatas identificadas por Descartes como: “o eu, Deus, os axiomas geométricos, a perfeição e o infinito” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2001). O EMPIRISMO desenvolveu-se na Europa sustentando-se na obra de diversos filósofos como Francis Bacon (1561-1626) e John Locke (1632-1704), inicialmente, passando por Georges Berkeley (1685-1753) e chegando à sua expressão mais radical na obra do filósofo escocês David Hume (1711-1776). Qual o argumento do EMPIRISMO? Baseia-se na proposição lockeana segundo a qual, “quando nascemos, a mente é uma espécie de folha em branco que adquire conhecimento mediante a experiência sensorial” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2001). Interessando-se pelo funcionamento mental, os empiristas negaram as ideias inatas propostas por Descartes, alegando que os seres humanos não estão equipados, ao nascerem, com qualquer espécie de conhecimentos. Que esses conhecimentos, inclusive os supostamente inatos, decorreriam das experiências sensoriais. Que as ideias nos foram ensinadas desde a tenra infância. René Descartes (1596-1659) filósofo francês. � Rompeu com os dogmas teológicos e tradicionais. � Absorveu a posição dualista (separação entre mente e corpo); � Defende a relação de interação entre essas substâncias. Esse filósofo propõe uma teoria interacionista entre mente e corpo (dualismo psicofísico). Apesar de serem duas entidades distintas, são capazes de exercer influências mútuas. Em sua concepção, o homem possuiria: • Substância/coisa extensa (res extens): o corpo material/física. Essa substância seria determinada por leis físicas (corpo desprovido de espírito, corpo como uma máquina); • Substância/coisa pensante (res cogitans): o pensamento imaterial, livre de determinismos físicos. O corpo desprovido de espírito, de alma ou de razão, é análogo a uma máquina. Essa analogia favorece decisivamente a pesquisa científica, o avanço na anatomia e fisiologia, base para a fundação da Psicologia no século XIX, subsidiada por Princípios da Psicologia Fisiológica e o PRIMEIRO LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL. Do dualismo cartesiano, temos, portanto: � O corpo englobando todas as funções de sobrevivência; � E a razão tendo por função o pensamento. Esse filósofo simbolizou a passagem do Renascimento para o período moderno da ciência, do estudo da alma (no sentido abstrato) para o estudo da mente e suas funções. Em 1637, tornou pública Discurso do método, considerada a obra inaugural da Filosofia Moderna e que marca, de saída, uma descontinuidade na transmissão do conhecimento por ter sido escrita em francês, permitindo que sua leitura não ficasse restrita aos doutores, mas que pudesse ser lida por todos os homens. Nessa obra expõe seus argumentos iniciais acerca da “razão”, termo que em sua concepção é sinônimo de “alma”, “espírito” e “mente” (ROSENFIELD, 2013). Uma das questões centrais em torno das quais gravita o pensamento de Descartes é: nada reconhecer como verdadeiro sem que, antes, tenha passado previamente pela razão, pelo crivo de um procedimento metódico, baseado na dúvida. “Nenhuma ideia merece o qualitativo de verdadeira, se não for objeto de um questionamento radical que permita chegar a princípios, proposições primeiras, que sejam, de fato, indubitáveis” (ROSENFIELD, 2013, p. 7). Discurso do método destina-se a expor argumentos relativos a como conhecemos, como podemos ter acesso a ideias verdadeiras, que sejam imunes ao erro, quando perseguidas segundo um procedimento metódico, sistemático. A razão é concebida por Descartes como sendo o que torna todos os homens iguais. Ela é formalmente igual para todos. É através dela que o homem torna-se capaz de distinguir o verdadeiro do falso. Para esse filósofo, se a razão é igual para todos, o que os diferenciariam? Sua resposta é: a opinião. Enquanto a razão iguala, as opiniões diferenciam os homens. Descartes (1637) pretende com Discurso do método inaugurar um projeto ambicioso no qual seja possível aos homens orientarem-se através de um método que permita que o edifício do conhecimento seja construído sobre bases sólidas, que não poderiam ser demolidas por opiniões impertinentes. Um método voltado para a busca da verdade, referida essa a um livre exercício da razão, que pode ser publicamente reproduzido por qualquer um, no surgimento de um conhecimento indubitável. Encontrar a verdade significa somente um encontro com a razão consigo mesma num procedimento livre e metódico. E qual seria, para Descartes, a verdade primordial? O “cogito ergo sum” ou “je pense, donc je suis” (penso, logo sou). É em Discurso do método, portanto, que Descartes (1637) põe em questão tudo o que se lhe apresenta encontrando como limite o pensar. Para chegar a essa verdade, o homem deve proceder por etapas iniciando no nível das ideias para progressivamente estender-se a outros campos da vida, dos costumes até a sociedade. Nessa perspectiva, a humanidade avança se empreende a reforma do pensamento, e essa começa por indivíduos que procuram retomar as próprias bases do conhecimento em geral. Quais seriam essas etapas? Descartes propõe quatro regras do método que podem ser adotadas por qualquer pessoa quetenha firme convicção de avançar nas vias do conhecimento verdadeiro, despojada de preconceitos e ao livre exame, ao questionamento mais aberto. Primeira regra: não aceitar nada como verdadeiro sem antes ter passado pelo crivo da razão. Aqui entra em ação a dúvida hiperbólica. Segunda regra: tudo que aparece como complexo deve ser dividido em tantas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar um problema perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que encará-lo de modo composto. Terceira regra: a simplificação operada pela segunda regra deve seguir um ordenamento, de modo que a remontagem para o complexo possa ser feita sem desvios, que prejudicariam a verdade almejada. Trata-se de um ordenamento sustentado pela lógica. A busca da verdade pressupõe o descobrimento de nexos necessários e naquele momento ocultos entre as coisas do mundo sensível – fadadas ao erro – e as proposições, que são verdadeiras. Quarta regra: esse procedimento pode ser retomado e repetido dando lugar a tantas revisões quanto necessárias, de modo que as contribuições e objeções de todos possam ser levadas em consideração, pois ela é a condição mesma do estabelecimento da verdade. Pense-se mais especificamente nos processos de verificação das verdades científicas. Segundo Schultz & Schultz (2001), Descartes propôs um ideário que teve profunda influência no desenvolvimento da psicologia moderna. Que esse filósofo sugeriu que a razão dá origem a duas espécies de ideias: as ideias derivadas e as ideias inatas. Por ideias inatas deve-se entender as que independem das experiências sensoriais. Ainda segundo Schultz & Schultz (2001), a doutrina das ideias inatas, culmina na teoria nativista da percepção – a ideia de que nossa capacidade de perceber é antes inata do que adquirida – e na escola da psicologia da Gestalt, um dos fundamentos da Gestalt-terapia, uma abordagem clínica que, não obstante, fundamenta-se na experiência do contato. Por ideias derivadas podemos conceber as ideias produzidas pela aplicação direta de um estímulo externo como o som de um sino ou a visão de uma árvore. Isso quer dizer que as ideias derivadas são produtos das experiências sensoriais. Apesar de tomarmos o filósofo inglês Francis Bacon como um dos pioneiros do Empirismo britânico, é certamente o trabalho acurado e primoroso do também filósofo inglês, John Locke (1632-1704), trabalho fruto de quase vinte anos de reflexão, que assinala o início formal desse movimento filosófico que influenciou diretamente o próprio ideário de Wundt de fundar a Psicologia como uma ciência baseada sobretudo na experiência. Ensaio acerca do entendimento humano, publicada inicialmente em 1690, é a grande obra de Locke na qual o autor expõe seus argumentos relativo ao funcionamento do entendimento, interessando-se particularmente pelo modo como o ser humano adquire conhecimentos. Para ingressar nesse projeto, ele rejeita a doutrina das ideias inatas proposta por Descartes, alegando que os seres humanos não estão equipados ao nascerem com qualquer espécie de conhecimento. Locke renova a máxima aristotélica segundo a qual não há nada no intelecto que não tenha passado antes pela experiência sensível. Assim, retomando o caminho apontado e desenvolvido por Aristóteles, Locke explica o caráter inato das ideias em termos de aprendizagem e de hábito, como reforçará Hume posteriormente. Ao supor ser a mente um papel em branco, desprovido de todos os caracteres, sem quaisquer ideias, Locke se pergunta como pode ela ser preenchida? De onde há de vir esse vasto estoque que a fantasia humana pintou nele com uma variedade quase infinita? A essas perguntas, Locke (1690) responde com uma só palavra: a experiência. Nela está fundado todo o nosso conhecimento; e dela deriva, em última análise, o próprio conhecimento. Segundo Schultz & Schultz (2001), Locke reconhecia dois tipos de experiências: as provenientes das sensações e as da reflexão. O que advêm da estimulação sensorial direta causada por objetos físicos no ambiente, são impressões sensoriais simples. Sobre essas a mente poderia exercer forte influência reflexiva de modo a gerar outras ideias, sendo que, a existência dessas últimas, portanto, estaria condicionada àquela. Essa teoria da experiência é o fundamento para o conhecimento. Isso quer dizer que no nível do desenvolvimento do humano a sensação – que compõe os processos elementares da consciência destacados por Wundt – é sua porta de entrada. Provém dela a possibilidade para que outras ideias possam ser produzidas. Ela é uma precursora necessária da reflexão porque tem de haver primeiro um reservatório de impressões sensoriais para que a mente seja capaz de refletir. Georges Berkeley (1685-1753) foi um filósofo irlandês que se alinhou aos filósofos empiristas seguindo diretamente o projeto de Locke, mas objetando a distinção acolhida por esse filósofo acerca das qualidades primárias e das qualidades secundárias. É o que vai defender em Ensaio para uma nova teoria da visão, publicado em 1709. É considerado um empirista porque concorda com os pioneiros dessa corrente que postulam que todo o conhecimento do mundo exterior e interior provêm da experiência sensível. Segundo Schultz & Schultz (2001, p. 48), para “Berkeley, todo conhecimento era um função da pessoa que percebe ou passa pela experiência [...] Ele afirmava que a percepção é a única realidade de que podemos estar certos. Não nos é dado conhecer com certeza a natureza dos objetos físicos do mundo vivencial. Tudo o que sabemos é como percebemos esses objetos. Como está dentro de nós , sendo portanto subjetiva, a percepção não reflete o mundo externo”. Através dessa obra, Berkeley torna-se um dos pioneiros no que tange a explicação de processos puramente psicológicos em termos de associações de sensações. Segundo Schultz & Schultz (2001), ele deu continuidade à tendência associacionista no âmbito do Empirismo, antecipando, a moderna concepção da percepção da profundidade ao considerar as influências dos indícios fisiológicos de acomodação e convergência. Gottfried Leibniz (1646 e 1716) foi um filósofo alemão que trouxe diversas contribuições para o campo da Filosofia e da lógica matemática. Nasceu em Leipzig e se inclui entre os filósofos racionalista ocupando um lugar diferenciado porque se deteve a examinar acuradamente as teses precedentes e que orientavam o curso do pensamento europeu. As teses antinômicas de Descartes (inatismo) e Locke (empirismo), por exemplo, já estavam estabelecidas e Leibniz, ao examiná-las, propôs uma articulação entre ambas no que concerne ao problema da verdade. Para tal, precisou retomar os postulados precedentes nomeando duas espécies de verdades: as “verdades de razão” e as “verdades de fato” (CHAUI, 2003). As verdades de razão enunciam que uma coisa é o que é, necessária e universalmente, não podendo ser diferente que do é e de como é. Seu exemplo mais evidente são as ideias matemáticas, tal como defendidas por Descartes e, antes dele, por Sócrates, como podemos observar em seu questionamento no Menon de Platão, ao demonstrar, através de tal procedimento, que o escravo – até então desprovido de saber – era alguém que possuía conhecimentos. Em suma, as verdades de razão são inatas. As verdades de fato são, ao contrário das inatas, dependentes da experiência. Elas são obtidas por meio da sensação, da percepção e da memória. São empíricas e se referem a coisas que podem ser diferentes do que são. As verdades de fato são verdades porque para elas funcionam o princípio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que percebemos e tudo aquilo de que temos experiência possui uma causa determinada e essa causa pode ser conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – pelo conhecimento das causas – todas as verdadesde fato poderão, em certas condições, tornar-se verdades de razão. Para Leibniz, o que são verdades de fato para a inteligência humana limitada ou finita são verdades de razão para a inteligência divina e infinita. O filósofo escocês David Hume, que viveu entre 1711-1776, foi quem efetuou a crítica mais radical ao Racionalismo ao objetar, por exemplo, o princípio da causalidade, refutando, com sua objeção, o império metafísico em torno do qual grande parte dos filósofos, desde a Grécia Clássica, fizeram orbitar o objeto de suas investigações. Para esse filósofo, o princípio da razão suficiente defendido por Leibniz é apenas um “hábito” adquirido por experiência como resultado da repetição e da frequência de nossas impressões sensoriais. As críticas de Hume à causalidade e ao princípio da razão suficiente levam, em termos epistemológicos, à resposta de Kant (CHAUI, 2003). Seguindo o ponto reinaugurado por Locke e a linha traçada a partir desse ponto por Berkeley, Hume enveredou sua pesquisa para o campo da combinação das ideias simples em ideias complexas desenvolvendo a teoria da associação. Segundo Schultz & Schultz (2001), Hume concordou com Berkeley, mas levou a ideia mais adiante abolindo a ideia da mente como substância para tomá-la como uma qualidade secundária. Isso implica que ela só pode ser observada por meio da percepção e não passa do fluxo de ideias, sensações e lembranças. Considerada desse modo a mente humana, portanto, comportaria as impressões e as ideias. Em Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais, Hume (1739 e 1740) declara que as percepções da mente humana se reduzem a dois gêneros distintos chamados por ele de impressões e ideias. A diferença entre essas, escreve, consiste nos graus de força e vividez com que atingem a mente e penetram em nosso pensamento ou consciência. As percepções que entram com mais força e violência podem ser chamadas impressões; sob esse termo incluo todas as nossas sensações, paixões e emoções, em sua primeira aparição à alma. Denomino ideias as pálidas imagens dessas impressões no pensamento e no raciocínio, como, por exemplo, todas as percepções despertadas pelo presente discurso, excetuando- se apenas as que derivam da visão e do tato, e excetuando-se igualmente o prazer ou o desprazer imediatos que esse mesmo discurso possa ocasionar. Creio que não serão necessárias muitas palavras para explicar essa distinção. Cada um, por si mesmo, percebe imediatamente a diferença entre sentir e pensar. (HUME, 1739[2009], p. 25). Para tornar mais acurada a teoria da associação, Hume propõe nessa obra duas leis as quais chama de semelhança ou similaridade e a contiguidade no espaço e no tempo. Quanto mais semelhante e mais contíguas duas ideias, tanto mais prontamente elas se associam. Hume, inspirado nas grandes revoluções científicas de Copérnico, Galileu, Newton, alegou que do mesmo modo que os astrônomos determinaram as leis de força do universo físico seria possível realizar o mesmo no universo mental. As leis da associação de ideias eram a contraparte da lei da gravidade na Física. Hume faz do hábito o ponto radical da sua crítica ao Racionalismo fundamentado na razão como princípio do conhecimento. O hábito seria o acúmulo de experiências sensoriais que compõem as impressões e as ideias e que subverte o princípio da causalidade. Atribuímos uma lei que seria universal com a força do hábito, que é uma experiência puramente subjetiva. Hume constrói sua pesquisa em objeção às ideias dominantes na física, como as leis de Isaac Newton. Para ele, é o hábito que orienta o ser humano e a percepção que esse tem do mundo que lhe cerca. Iluminismo Movimento da elite intelectual que se desenvolveu na Inglaterra, Holanda e França, nos séculos XVII e XVIII, sendo esse último seu apogeu. O século XVIII passou a ser designado como “das luzes”, tendo como precursores desse movimento: � René Descartes (método universal de pensamento racional e científico) � Isaac Newton (lei da gravitação universal, procurando explicar a natureza de maneira racional) � John Locke (Dois tratados de governo e Ensaio acerca do entendimento humano – base do liberalismo) Esses filósofos afirmavam que a sociedade tinha de ser igualitária. Influenciaram a organização social e política com suas ideias, momento onde a razão humana passou a ser a fonte de todo o conhecimento. Foi contra a intolerância e os abusos da Igreja e do Estado, propondo movimentos reformistas que combatiam o mercantilismo, os monopólios, as desigualdades sociais, o absolutismo e à proibição do livre pensamento. Nessa época, portanto, o desenvolvimento intelectual, que vinha ocorrendo desde o Renascimento, deu origem a ideias de liberdade política e econômica. Assim, os Iluministas (filósofos e economistas), que difundiam essas ideias, julgavam-se propagadores da luz e do conhecimento. Além dos três precursores, são considerados os principais pensadores do Iluminismo Voltaire (1694-1778), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Montesquieu (1689-1755), somando-se a eles, no plano econômico (liberalismo), Adam Smith, Turgot e François Quesnay (1694-1774) O centro do Iluminismo foi a França; Contando com a ajuda dos filósofos e economistas iluministas, os franceses Denis Diderot (1713- 1784) e D’Alembert escreveram a grande Encyclopédie (1772), com o resumo dos conhecimentos humanos que iriam divulgar as ideias do Século das Luzes. O filósofo alemão Immanuel Kant, um dos mais conhecidos expoentes do pensamento iluminista, num texto escrito precisamente como resposta à questão O que é o Iluminismo? "O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento, mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo". A experiência, a razão e o método científico passam a ser as únicas formas de obtenção do conhecimento. E estas fontes de conhecimento são vistas como a única forma de tirar o homem das trevas, da ignorância. As principais características do iluminismo: � Valorização da razão, considerada o mais importante instrumento para se alcançar qualquer tipo de conhecimento; � Valorização do questionamento, da investigação e da experiência como forma de conhecimento tanto da natureza quanto da sociedade, política ou economia; � Crença nas leis naturais, normas da natureza que regem todas as transformações que ocorrem no comportamento humano, nas sociedades e na natureza; � Crença nos direitos naturais, que todos os indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à posse de bens materiais; � Crítica ao Absolutismo, ao Mercantilismo e aos privilégios da nobreza e do clero; � Defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos perante a lei; � Crítica à Igreja Católica, embora não se excluísse a crença em Deus.
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