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As faces do lazer Luciana Marcassa

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AS FACES DO LAZER: 
CATEGORIAS NECESSÁRIAS À SUA COMPREENSÃO 
 
 
Profª. Ms. Luciana Marcassa – FEF/UFG 
 
 
Este texto procura apresentar indicações para a compreensão do lazer a partir da sistematização de 
algumas categorias centrais que buscam responder à sua abrangência e totalidade. São elas tempo, espaço, 
práxis, cultura e educação que, atravessadas pela noção de trabalho, permitem conceber o lazer como um 
fenômeno tipicamente moderno, manifestação instituída e vivenciada no plano da vida cotidiana, mas como 
uma prática social permeada por contradições e perpassada por relações de hegemonia. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Em nosso campo de pesquisa, são muitas as tentativas de definição e conceituação do lazer, assim 
como são várias as possibilidades de interpretá-lo e explicá-lo. Porém, se observarmos o que há de comum 
nesta discussão, perceberemos que todos os autores elaboram ou utilizam determinadas ferramentas que lhes 
auxiliam na tarefa de revelar, de acordo com as diferentes perspectivas, as inúmeras facetas pelas quais o 
lazer pode ser, então, traduzido e compreendido. Em geral, são noções relacionadas ao tempo de lazer (tempo 
livre, tempo disponível, tempo residual, tempo conquistado, tempo liberado, etc), ao ambiente em que ele 
acontece (espaços e equipamentos como as praças, a cidade, os clubes, cinemas, etc), à atitude frente à 
experiência, às atividades ou conteúdos desenvolvidos, às finalidades buscadas (prazer, satisfação pessoal, 
qualidade de vida), às características ou funções (compensação, descanso, espontaneidade, utilidade), enfim, 
uma quantidade significativa de enunciações que, longe de apontar para um consenso, indicam para direções 
muitas vezes opostas, dificultando o entendimento do lazer em sua abrangência e totalidade. Assim, menos 
que apresentar um conceito definitivo sobre o lazer, busco contribuir com esta discussão sistematizando e 
sugerindo, de maneira didática, alguns caminhos que podem ser percorridos para refletirmos sobre um 
possível conceito de lazer, a partir da exposição daquilo que considero como “categorias centrais” na 
tentativa de apreender, dialeticamente, o lazer em nossa realidade contextual. Desse modo, acredito poder 
fornecer novos elementos a serem ponderados na discussão acerca das referências e perspectivas teóricas 
para os estudos do lazer no Brasil. 
 
 
NOÇÕES PARA A APREENSÃO DO LAZER 
 
A noção de trabalho como princípio ontológico é crucial para a compreensão de qualquer fenômeno 
social, pois estes derivam da forma como os homens se relacionam entre si e com a natureza, mediados pelo 
trabalho, criando as condições para a produção e reprodução de sua própria existência. Segundo Marx (1971), 
“O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem, – 
quaisquer que sejam as formas de sociedade, – é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio 
material entre homem e natureza e, portanto, de manter a vida humana” (p.50). Deste modo, o trabalho figura 
como categoria central no universo da práxis humana, pois é dele que se originam todos os outros processos 
de interação entre os homens, dentre os quais também o lazer. Mas para a adequada interpretação e 
explicação do lazer, é fundamental considerar a relação que este estabelece com a forma assumida pelo 
trabalho na sociedade concreta, isto é, sob o modo de produção capitalista, pois as conexões existentes entre 
lazer e trabalho sob a égide do capitalismo exigem de nós uma atenção especial quanto às implicações do 
fenômeno da alienação sobre a experiência do lazer, assim como aos desdobramentos da separação e 
definição dos tempos ocupados por cada uma dessas manifestações – trabalho e lazer – sobre a organização 
da vida cotidiana. 
No Brasil, desde que o trabalho escravo foi abolido, que houve a implementação da produção 
industrial e o trabalho livre tornou-se a atividade produtora de riquezas, o tempo de trabalho passou a ocupar 
a maior parte da vida das pessoas, provocando o que podemos chamar de cisão do tempo social1. Se nas 
sociedades tradicionais as obrigações sociais, o trabalho, a festa e o passar do tempo ocorriam, sem conflitos, 
 
1 Não estou me referindo aqui ao tempo do escravo, que já era tomado em quase sua totalidade pelo trabalho, mas ao tempo social 
daquela camada de homens livres, imigrantes ou não, que é incorporada à classe trabalhadora no processo de industrialização e 
urbanização da sociedade brasileira. 
ao sabor das circunstâncias2, com o desenvolvimento do capitalismo e da mão-de-obra assalariada, o trabalho 
ganha contornos precisos e fixa limites temporais para sua duração. Não é sem razão que a classe 
trabalhadora organizada se mobiliza para resistir à ambição capitalista que tende a transformar todo o tempo 
de vida dos homens em tempo de trabalho, processo que ocorre por meio de dois movimentos simultâneos: o 
prolongamento da jornada de trabalho e a intensificação da produção3. Entretanto, a luta incessante pela 
afirmação dos seus próprios interesses permitiu à classe trabalhadora conquistar, ao longo das primeiras 
décadas do século XX, a fixação de uma jornada de 8 horas de trabalho e a correspondente regulamentação 
do tempo livre4. Por outro lado, ao passo que o trabalho se racionalizava e se tornava fonte de geração de 
mais valia, dele eram afastadas todas as possibilidades de manifestação do lúdico e do sagrado, pois sua 
jornada organizada em turnos e seções impedia a coexistência de práticas de descanso e diversão. Estas 
foram consagradas ao tempo livre, entendido como conquista e concessão, medida de tempo especificamente 
destinada ao desenvolvimento de tais atividades. Pode-se dizer, assim, que todo esse processo levou à brusca 
separação e nítida distinção do trabalho em relação às demais atividades cotidianas, fazendo surgir uma das 
características centrais da vida moderna que possibilitam a emergência do lazer: a existência de um tempo de 
trabalho e de um tempo livre de trabalho visivelmente diferentes entre si. 
Desta maneira, além da ampla e necessária compreensão do trabalho, uma das primeiras categorias 
a serem consideradas para a apreensão do lazer é a noção de tempo. Se o lazer não se confunde com o 
trabalho, por mais prazeroso que este seja, então a demarcação temporal do lazer é o tempo livre, também 
chamado de tempo de não trabalho. Em outras ocasiões, Mascarenhas (2000) já demonstrou que o tempo 
livre não deixa de ser livre porque existem coações ou normas que agem sobre a sua manifestação. Toda e 
qualquer sociedade cria para si normas e mecanismos de controle que refletem seu estágio de conscientização 
e organização econômica, política e cultural. Além disso, como nos lembra o mesmo autor, a conquista do 
tempo livre não pode ser compreendida como conquista da liberdade, mas como possibilidade de acessá-la, 
desde que consigamos antecipar situações nas quais o tempo livre seja transformado em exercício da 
liberdade. 
Mas afinal, que tempo é esse em que o lazer acontece? Sem dúvida, o lazer não compreende todo o 
tempo de não trabalho, pois neste estão contidas atividades como os cuidados pessoais, as obrigações 
familiares, a escola, a igreja, o partido político e outras que, de longe, chegam a se confundir com o lazer. 
Diria, então, que o “tempo do lazer” se estabelece na fusão entre a instituição social de um tempo livre e o 
planejamento pessoal em relação a este mesmo tempo, frente às possibilidades / opções ofertadas pelas 
experiências sociais e/ou atividades de consumo e fruição da cultura e de suas produções. Disso decorre que 
o lazer acontece numa parcela de tempo livre em que confluem e conjugam-se os objetivos dos sujeitos que o 
procuram e das entidades / instituições que o oferecem. São exemplos desse encontro de interesses as seções 
de cinema,o dia no clube, o bate papo nos bares, as peças de teatro, as programações televisivas, as aulas de 
ginástica, pintura, fotografia ou desenho, ou ainda o momento da leitura, da música e da criação artística e 
cultural. Como se vê, neste tempo livre de trabalho e das outras atividades ou obrigações cotidianas 
desenvolvem-se práticas sociais diversas relacionadas às inúmeras manifestações culturais da sociedade. Tais 
atividades são também chamadas de conteúdos ou interesses culturais do lazer5; ocorrem num tempo e espaço 
específicos e respondem a finalidades mais ou menos homogêneas, mas são capazes de produzir sentidos e 
significados diferentes para cada um dos sujeitos ou grupos mediadores. Elas correspondem, por sua vez, à 
noção da práxis, tão necessária à compreensão do lazer enquanto prática social consciente. Portanto, a 
vivência do lazer pressupõe, não só um tempo, mas determinadas atividades relacionadas à cultura universal 
produzida pelos homens e ainda os espaços em que essa experiência se dá. 
Assim, outra categoria fundamental na tarefa de apreender o lazer é a noção de espaço. Toda e 
qualquer experiência de lazer se desenvolve no interior de espaços e equipamentos admitidos e aprovados ao 
seu desenvolvimento, de modo que as atividades de lazer dependem e são sensivelmente demarcadas pelos 
ambientes onde acontecem. Pode-se dizer, inclusive, que a própria emergência do lazer no Brasil esteja 
relacionada à elaboração de programas e à construção de equipamentos específicos para a sua prática. É o 
caso dos “Clubes de Menores Operários” e dos “Parques Infantis” em São Paulo, dos “Jardins de Praça” em 
Porto Alegre e dos inúmeros centros de recreio projetados para a classe trabalhadora por iniciativa do setor 
público a partir de 1920 em todo país. Além desses, clubes de campo, centros esportivos, jardins arborizados 
 
2 A esse respeito, consultar Thompson (1998) e Costa (1999). 
3 A esse respeito, ver Marx (1971). 
4 A regulamentação do tempo livre na história do Brasil é marcada pela fixação da jornada de 8 horas de trabalho diárias e da semana 
inglesa, ou seja, pela normatização dos finais de semanas, assim como das férias, esta última decretada em 1926. Essas leis resultam das 
greves e das reivindicações operárias que ocorrem ao longo das quatro primeiras décadas do século XX até a promulgação da CLT em 
1943, quando todas as questões relacionadas ao trabalho são consolidadas por uma legislação nacional. Como se observa, então, a 
relação entre tempo de trabalho e tempo livre é fruto da luta de classes, ou seja, da tensão entre capital e trabalho, e o tempo livre, por 
sua vez, não pode prescindir dos interesses e das correlações de força que ora impulsionam a sua expansão, ora o seu encolhimento. 
Sobre esse conjunto de fatos, consultar Vianna (1978), Pinheiro & Hall (1981) e Khoury (1981). 
5 Os conteúdos ou interesses culturais do lazer são classificados, segundo Dumazedier (1976, 1999), como: físico-esportivos, sociais, 
artísticos, manuais, turísticos e intelectuais. 
e um circuito de bares e casas dançantes que vêm sendo construídos, desde aquela época, para a circulação, o 
convívio, a presença e a prática seletiva das classes dominantes, representam também outros tipos de espaços 
e equipamentos especialmente criados para a institucionalização do lazer no Brasil6. 
Hoje em dia, os espaços e equipamentos de lazer são facilmente identificáveis e já foram até 
submetidos a diversas classificações. Marcellino (1996), por exemplo, os diferencia em equipamentos 
específicos e equipamentos não específicos de lazer. Os primeiros podem ser organizados em: micro-
equipamentos especializados de lazer, que são os cinemas, bares, teatros, academias de ginástica, as 
bibliotecas etc, e atendem, preferencialmente, a um dos conteúdos ou interesses culturais do lazer; 
equipamentos médios, que são os parques, centros comunitários, casas de cultura ou clubes esportivos, em 
geral, pouco maiores que os anteriores; macro-equipamentos polivalentes são grandes e abrangem 
diversificados interesses culturais como campings, shoppings, clubes, colônia de férias, hotéis-fazenda, 
parques temáticos, etc. Já os equipamentos não específicos são a casa, a rua, a praça, o campo, a própria 
cidade, etc. São conhecidas as inúmeras barreiras e dificuldades que cercam o acesso e a apropriação desses 
espaços, como a ausência de transporte coletivo, a distribuição sócio-territorial do espaço urbano, a 
privatização dos espaços públicos, o custo e a manutenção dos equipamentos e outros motivos. Acredito, 
contudo, ser a questão do espaço de lazer um problema para o setor público que, ao planejar uma política de 
lazer, deve considerar os equipamentos já existentes, a disputa pela apropriação do território ocupado e as 
condições do espaço social a ser destinado e usufruído pela população. 
Até aqui, tempo, espaço, conteúdos ou interesses culturais parecem suficientes, enquanto dimensões 
do lazer, para a sua explicação como uma prática social. No entanto, faltam algumas noções que nos 
permitam compreendê-lo como um fenômeno historicamente situado. Uma delas é a noção de cultura, na 
medida em que toda experiência de lazer se constitui no e pelo universo da produção material e simbólica da 
sociedade. Ou ainda por que as próprias atividades de lazer correspondem ao contato e apreensão da 
produção cultural da humanidade, isso desde os jogos e festas populares, até os espetáculos de dança, o 
cinema, as artes plásticas e os entretenimentos proporcionados pelo incremento de avanços tecnológicos aos 
desejos e necessidades humanas, como os brinquedos eletrônicos, parques de diversões, shopping centers, 
etc. Mas o lazer é cultura, sobretudo, por que a cultura compreende os modos de ser, agir, pensar e sentir, as 
crenças e os valores, os sentidos e os significados atribuídos às coisas e às relações humanas no interior de 
uma dada sociedade, e estes modos, práticas e relações estão presentes e interferem nas escolhas e 
comportamentos frente ao lazer. Entretanto, isto não quer dizer que o lazer represente toda a cultura, nem que 
a cultura seja um conjunto de signos desconexos, sem qualquer relação com as necessidades materiais e 
objetivas. O lazer é uma esfera da vida cotidiana por onde a cultura penetra e se organiza, ao passo que esta é 
um conjunto articulado de modos de vida determinados pela ação concreta dos sujeitos sociais divididos em 
classes que, dialeticamente e permanentemente, respondem às condições objetivas produzidas e reproduzidas 
por eles. E como uma expressão da sociedade de classes, acredito, como Chauí (1989), que a cultura é uma 
produção material e simbólica articulada ao fazer humano das classes sociais contraditórias e um produto das 
determinações sociais, historicamente construídas, impostas, absorvidas, negadas ou combatidas por eles. 
Dispersa no interior de uma mesma superestrutura dominante, a cultura configura-se, portanto, como mescla 
de conformismo e resistência. 
Sabemos bem como se dá a produção cultural no bojo de uma sociedade capitalista como a nossa. 
Existe uma cultura dominante, cujo objetivo é determinar comportamentos, práticas, valores, significados, 
formas de pensamento e comunicação que permitam às classes dominantes se reconhecerem como agentes do 
processo cultural, bem como responsáveis pela direção intelectual e moral da população; isto significa que a 
cultura dominante é ideológica. Em nossa realidade, são visíveis as formas com que a cultura dominante se 
manifesta no lazer. Existe hoje o que podemos nomear de cultura ocidental, liderada pela indústria norte-
amaricana que a todos absorve, desde os fast-foods como Mc Donalds, parques temáticos como a Disney 
Word ou filmes hollywoodanos como Homem Aranha, para citar alguns exemplos da atualidade. Como se vê, 
no lazer são consumidos produtosculturais intimamente articulados aos interesses do capital e das classes 
dominantes em disseminar saberes, valores, significados e formas de relacionamento e reproduzir 
determinada ordem social e seus modos de ser, viver e compreender a vida correspondentes. Esta é 
manifestação do lazer enquanto indústria cultural7, uma expressão cultural da dominação sócio-econômica. 
Entretanto, como uma faceta contraditória da realidade e da condição humana, a cultura também é 
expressão dos dominados, aquela que se apresenta em meio à aceitação, internalização, reprodução e 
transformação da cultura dominante. É a cultura popular, “uma manifestação diferenciada que se realiza 
numa sociedade que é a mesma para todos, mas dotada de sentidos e finalidades diferentes para cada uma das 
 
6 Para maiores detalhes, ver Marcassa (2001, 2002). 
7 Indústria Cultural é um conceito elaborado por Adorno & Horkheimer (1985), que expressa a fusão de interesses e poderes invisíveis 
que operam em conjunto para controlar e conformar a subjetividade humana à racionalidade técnica, para a qual tudo se homogeneíza e a 
cultura torna-se, por sua vez, mercadoria. Sua capacidade de desenraizar, reproduzir e disseminar códigos de conduta, formas de 
comunicação e entretenimento que correspondem aos padrões estabelecidos pela razão instrumental, ou seja, pela lógica da própria 
dominação, é o que lhe permite seduzir, enquadrar e administrar toda uma sociedade, já alienada em si mesma. 
classes sociais” (Chauí, 1989, p.24). Portanto, se a cultura é dinâmica, dialética e contraditória, o lazer 
também o será. Sua existência está condicionada e é passível de ser orientada e incorporada de acordo com os 
interesses político-educacionais dos indivíduos e dos grupos que a vivenciam, no sentido mais amplo do 
termo. Pois as camadas populares também encontram no lazer uma possibilidade de se relacionar, de 
promover o espírito de grupo e de criar ambientes propícios ao desenvolvimento de valores questionadores 
da ordem social estabelecida (Marcellino,1987). Como duvidar do potencial criativo das inúmeras 
manifestações artísticas e culturais produzidas pelos setores marginalizados, que denunciam as desigualdades 
e contradições existentes, como o rap dos Racionais MC, ou mesmo de uma simples pelada no final de 
semana, do churrasco e do samba de quintal, da reunião informal entre amigos, etc. Nesse sentido, como uma 
instituição que se funda na tensão entre interesses antagônicos, como palco de disputa hegemônica, o lazer é 
aqui compreendido, não como a cultura vivenciada no tempo disponível (Marcellino, 1987), mas como um 
tempo/espaço de organização da cultura (Gramsci, 1995a), isto é, como agência de produção, apreensão, 
propagação e sistematização da cultura universal, cuja tarefa é inserir as pessoas na atividade social, levando-
as a desenvolver maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática, bem como autonomia para a 
sua direção e iniciativa. 
Enfim, o lazer está entrelaçado com a cultura à medida que promove e, ao mesmo tempo, difunde 
elementos concernentes a uma determinada ordem intelectual e moral que, por sua vez, dá direção à práxis 
humana, resultando numa nova produção cultural e assim por diante. Esta dimensão do lazer implica 
diretamente no trabalho pedagógico que este desempenha, de tal modo que é impossível dissociá-lo, portanto, 
da noção de educação. Educação, por que toda atividade de lazer é uma experiência educativa, valorativa e 
real, que expressa a disputa entre os projetos históricos em confronto, através de propostas e ações voltadas 
para a formação de uma determinada consciência coletiva. Mas se o objetivo da educação é a promoção do 
homem (Saviani, 1996) e o lazer é, por excelência, uma experiência educativa, então, cabe-nos perguntar que 
tipos de homens estão sendo formados no e pelo lazer? Historicamente parece ser possível dizer que o lazer 
tem servido como mais um canal de reforço da direção cultural e ideológica das classes dominantes sobre o 
conjunto da sociedade, isto é, o lazer tem colaborado para a hegemonia do projeto capitalista de dominação. 
Se a indústria cultural é o que predomina em nossa sociedade, então não é de se estranhar que o lazer também 
compareça como explicitação desta mesma hegemonia. 
Por outro lado, conforme os ensinamentos de Gramsci (1995b), “se toda relação pedagógica é uma 
relação de hegemonia” e, em relação a esta, a educação é reconhecida como um processo de construção de 
uma visão de mundo coesa, unitária e consoante com as aspirações de grupos e classes específicos, então, só 
tem sentido falar em educação se esta estiver orientada para renovação da hegemonia, ou ainda, para 
fundamentar uma contra-hegemonia, no sentido da emancipação da classe trabalhadora e da transformação da 
sociedade. O lazer, nesta perspectiva, estaria integrado ao processo de elevação intelectual e moral das 
massas e cooperando no processo de incorporação de novos grupos e indivíduos à criação da nova ordem 
social. A noção de hegemonia indica, então, que o lazer é também um fenômeno que oportuniza exercitar a 
construção da autonomia e da liberdade, para a formação da consciência e para o desenvolvimento das 
capacidades humanas em si mesmas. Mas isto só tem sentido se concebermos o lazer como um momento 
intrínseco à vida cotidiana no mundo moderno. É nela que a educação se dá como um todo, articulando os 
saberes advindos da família, da escola, da igreja, do partido, do trabalho e também do lazer, de modo que a 
noção de cotidianidade torna-se imprescindível para a compreensão, não só do lazer, mas das demais 
atividades que compõem a vida humana. 
A vida cotidiana, segundo Heller (2000), é a vida de todo indivíduo; nela o indivíduo, sendo ao 
mesmo tempo particular e genérico, tem um tempo para que os grupos sociais estabeleçam consigo as 
mediações acerca dos costumes, dos valores, das normas, da ética, dos significados, bem como outras 
interações maiores. Para esta autora, a vida cotidiana é universal e constituída de esferas como a organização 
do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a 
purificação. Entretanto, como estas esferas não se encontram no mesmo nível de importância dependendo das 
condições subjetivas e da estrutura da sociedade, o lazer flutua entre as atividades prioritárias que atravessam 
e povoam o dia-a-dia. Por exemplo: se uma comunidade qualquer carece de políticas sociais básicas como 
saúde, rede de esgoto, emprego e escola, o lazer terá uma importância diminuída frente à demanda pelo 
atendimento a essas necessidades básicas. Isto, por si só, configura-se como um entrave para que a 
experiência de lazer se converta num tempo/espaço para o desenvolvimento das capacidades humanas. Além 
disso, a vida cotidiana é orientada pela espontaneidade, pela probabilidade, pela possibilidade, pelo 
economicismo e pelo pragmatismo, características que dificultam ainda mais a passagem às formas 
superiores da cotidianidade, como na arte, da ciência e na filosofia – experiências capazes de agregar os 
indivíduos em unidades coesas, de forma que possam atingir o patamar do ser humano genérico8. Isto 
 
8 O canal / percurso para o alcance do ser humano genérico, de Agnes Heller, aproxima-se muito da expressão catarsis cunhada por 
Antônio Gramsci (1995b) para indicar a passagem do momento puramente econômico, imediato, egoísta ou passional ao momento ético-
implica que a manifestação da vida cotidiana está atravessada por processos que caminham na direção de 
homogeneização e, ao mesmo tempo, da fragmentação da consciência e da ação humana, inclusive no lazer. 
Daí a importância da dimensão educativa do lazer como frutificadora da experiência crítica e reflexiva e daatividade criadora e promotora de mudanças. Pois, ao contrário, na vida cotidiana, as necessidades humanas – 
e o lazer pode ser considerado hoje como uma necessidade, um direito, ainda que não acessível a todos – 
tornam-se conscientes sob a forma de necessidades particulares (não é assim com o lazer?) idéia que mascara 
a condição do homem como ser social que produz coletivamente a sua existência, atendendo suas 
necessidades e realizando novos desejos mediante as determinações histórico-sociais postas para as diferentes 
classes. Assim, a vida cotidiana é o terreno onde a ideologia se reforça e se estabelece, na medida em que a 
sua tendência para o espontâneo, o pragmático e o econômico é orientada para o individual particular, e a sua 
construção subjetiva atende às expectativas e possibilidades de classe. Ora, não é justamente o lazer tido por 
muitos como um estilo de vida, uma atitude frente à atividade ou ainda uma disposição pessoal de tempo? 
Acredito, entretanto, no lazer como um fenômeno que estabelece mediações tanto com a estrutura 
econômica, como com a superestrutura ideológica, não sendo, de modo algum, algo vivenciado segundo 
perspectivas unicamente particulares. A vida cotidiana é a história concreta de todos os homens que vivem 
em sociedade e produzem coletivamente a sua existência e, portanto, o lazer é um momento, ou uma esfera 
dessa história, por onde penetram as relações sociais em seu conjunto. Estando essas submetidas à estrutura 
de classes, então o lazer também será determinado pela mesma divisão, às vezes reproduzindo e às vezes 
resistindo ao princípio da dominação, constituindo e representando os projetos hegemônicos em confronto no 
plano da educação, da cultura e da ordem intelectual e moral. Desse modo, o lazer deve ser entendido como 
um campo social de disputa hegemônica, como uma instituição na qual valores e interesses diversos buscam 
se afirmar e se perpetuar. Justamente por isso é que na vida cotidiana existem possibilidades de resistência e 
insubordinação que permitem aos dominados recriarem suas próprias experiências culturais e, por assim 
dizer, de lazer, conferindo novos significados e produzindo novos conhecimentos sobre as suas próprias 
ações e situações, afirmando-se e perpetuando-se. 
Isto por que, segundo Heller (2000), os momentos característicos do comportamento, do pensamento 
e da lógica cotidiana formam uma conexão necessária para que o homem seja capaz de viver na 
cotidianidade. Em outras palavras, não há vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo, economicismo, 
precedentes, juízo provisório, generalização, imitação e ações circunscritas às probabilidades naturais e 
possibilidades históricas. Mas as formas da estrutura cotidiana não devem se cristalizar em absoluto, pois se 
os indivíduos não possuírem uma margem de movimento e condições para explicitação do genérico, ocorre a 
alienação da vida cotidiana, é o que acredita também a autora: 
 
Mas a estrutura da vida cotidiana, embora constitua indubitavelmente um terreno propício à 
alienação, não é de nenhum modo necessariamente alienada. Sublinhemos, mais uma vez, que as formas de 
pensamento e comportamento produzidas nessa estrutura podem perfeitamente deixar ao indivíduo uma 
margem de movimento e possibilidades de explicitação, permitindo-lhe – enquanto unidade consciente do 
humano-genérico e do individual-particular – uma condensação “prismática”, por assim dizer, da experiência 
da cotidianidade, de tal modo que essa possa manifestar-se como essência unitária das formas heterogêneas 
de atividade próprias na cotidianidade e nelas objetivar-se. Nesse caso, o ser e a essência não se apresentam 
separados e as formas de atividade da cotidianidade não aparecem como formas alienadas, na proporção em 
que tudo isso é possível para os indivíduos de uma dada época e no plano máximo da individualidade – e, por 
conseguinte, de desenvolvimento do humano-genérico – característico de tal época. Quanto maior for a 
alienação produzida pela estrutura econômica de uma sociedade dada, tanto mais a vida cotidiana irradiará 
sua própria alienação para as demais esferas (Heller, 2000, p.38). 
 
O lazer, assim como as demais esferas da vida cotidiana, é determinado pela construção histórica 
que se opera na sociedade e, portanto, as atividades que passam a constituí-lo são vivenciadas e fruídas pelos 
homens em conjunto, segundo as condições econômicas, culturais e sociais criadas. Contudo, na medida em 
que o projeto de hegemonia capitalista se expressa sob a produção cultural, o lazer reforça a alienação e 
contribui para o funcionamento das mesmas relações de poder e dominação. E por outro lado, frente a esta 
situação, a sociedade também desenvolve mecanismos para resistir, incorporar, negar e reproduzir as relações 
e práticas instituídas, possibilitando que o lazer se torne uma agência promotora de valores comprometidos 
com as reais necessidades de todos. Desse modo, o lazer, frente à vida cotidiana, só pode ser compreendido 
como indica Mascarenhas (2000), “um fenômeno tipicamente moderno, resultante das tensões entre capital e 
trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, 
perpassado por relações de hegemonia” (p.17). 
E justamente por ser um campo de disputa hegemônica, lugar onde se conflituam projetos de 
formação antagônicos, é que temos de transformá-lo num tempo/espaço de acesso, fruição e criação de 
 
político, ou seja, a elaboração superior da visão social de mundo na consciência dos homens. Isto significa também, em outras palavras, 
a passagem da necessidade à liberdade. 
cultura, de reflexão e ampliação do conhecimento acerca da realidade e de intervenção sob a prática social, 
permitindo que a sua experiência propicie o desenvolvimento das capacidades humanas em si mesmas e a 
emancipação dos setores populares. Para tanto, tal experiência deve ser por nós proposta e desencadeada 
como uma ação político-pedagógica consciente e diretiva, e uma vez comprometido com os interesses das 
camadas populares, o lazer deve ser orientado para “para o exercício da cidadania e prática da liberdade” 
(Mascarenhas, 2000, p.17). 
 
 
ÚLTIMAS PALAVRAS 
 
De acordo com tais noções, acredito poder contribuir para a superação de algumas ambigüidades 
que envolvem a identificação do lazer entre outras atividades do cotidiano em nossa realidade atual. 
Conforme foi apresentado, o lazer se constitui como prática social historicamente situada que se funda a 
partir das relações que estabelece com o trabalho, o tempo, a práxis, o espaço, a cultura e a educação. Dessa 
forma, parece ser possível afirmar, como Sant’Anna (1994), “uma tendência em conceber o lazer como sendo 
um estatuto que certas atividades, espaços, equipamentos e atitudes adquirem na medida em que respondam 
não somente às necessidades de descanso e diversão do trabalhador mas, ao fazê-lo, implementem também 
valores e normas à organização de esferas e interesses sociais do mundo do trabalho, da política e da 
economia” (p.10). 
Estou convencida de que o lazer se configura como uma instituição que envolve um conjunto de 
práticas cujas normas e características internas lhe conferem um estatuto próprio de funcionamento, 
atribuindo-lhe qualidades que assumem um caráter indissociável da sua própria experiência e compreensão. 
Nessa perspectiva, o lazer agrega, num mesmo tempo e espaço, a realização de inúmeras práticas corporais e 
lúdicas, diferentes formas de divertimento e descontração consideradas lícitas, mas que têm um caráter 
espontâneo, por que partem dos desejos, ainda que induzidos, dos indivíduos e grupos, e um arranjo 
planejado frente à vida cotidiana moderna e racionalizada,abarcando inúmeras experiências de contato e 
recriação do universo cultural que acontecem em locais determinados e que promovem valores, saberes e 
significados articulados às possibilidades e condições postas às diferentes classes sociais. Portanto, o lazer só 
pode ser entendido como um fenômeno social moderno, que cria códigos e funções muito importantes para a 
sua realidade contextual, constituindo-a e revelando-a, tanto no sentido da manutenção, como da 
transformação. 
 
 
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