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ART-Jos+®Reinaldo-Metodologia

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1
RÉGUA E COMPASSO 
(ou Metodologia para um trabalho jurídico sensato) 
José Reinaldo de Lima Lopes 
Faculdade de Direito - Universidade de São Paulo 
Escola de Direito – Fundação Getúlio Vargas - SP 
 
1. Entre a especulação e a ação 
 
Houve um tempo em que saber direito, ensiná-lo e aprendê-lo foi considerado, na tradição 
jurídica do direito codificado e também na tradição anglo-americana (common law) ter o 
domínio de um sistema de proposições. Assim, era preciso aprender quais eram as leis (ou 
precedentes) vigentes e quais eram os conceitos aceitos na teoria (dogmática, ou doutrina 
jurídica, a doctrine dos anglo-falantes). Era preciso saber que o Código Civil diz quais são 
os poderes do proprietário (usar, gozar e dispor de uma coisa) e saber o que a doutrina 
entende por propriedade (o que é um direito subjetivo, o que é uma coisa, e o que se 
entende por usar, gozar e dispor). O direito era tratado como uma ciência, ou à moda 
mesmo das ciências naturais – pois tinha um objeto empírico determinado (as leis, os 
códigos, os precedentes), ou à moda das ciências formais, pois o que se deveria aprender 
eram definições,e derivar das definições outras tantas definições mais ou menos 
correspondentes. 
 
A esse método de abordagem pode-se chamar de positivismo, nos dois sentidos que a 
palavra indica: o positivismo da ciência, pois o tratamento dado ao objeto (o conjunto de 
normas ou ordenamento jurídico) era semelhante ao das ciências ‘naturais’ e ‘positivas’; e o 
positivismo do direito, pois o objeto de estudo deveria ser um direito posto por alguma 
autoridade (legislador e tribunais), positivo, portanto. 
 
Essa espécie de ensino levou – especialmente nos direitos de tradição romano-canônica1 - 
ao famoso distanciamento da ‘prática’. Embora com a cabeça cheia de conceitos e com uma 
enorme e sofisticada gramática, os alunos muitas vezes saíam incapazes de elaborar de 
 
1 Também o direito da common law conheceu seu positivismo. O representante mais exemplar disso foi John 
Austin (1790-1859), amigo dos reformadores utilitaristas ingleses. É bom lembrar, porém, que o 
conceitualismo positivista foi objeto de uma reação enorme pelo movimento do realismo americano, que a 
seu modo recolocou o problema da decisão em um lugar de destaque no pensamento jurídico. 
 2
forma autônoma as ‘decisões’ jurídicas. Dominavam a gramática do direito, se é que a 
dominavam, mas não dominavam a fala jurídica, o discurso. O resultado disto teve pelo 
menos três lados a considerar: uma queixa generalizada da ineficácia do estudo, muito 
distante da ‘prática’; a reprodução em todos os trabalhos jurídicos do mesmo estilo de 
‘manuais’, discursivos mas inconcludentes; o sentimento de que afinal de contas pode-se 
dizer qualquer coisa e que qualquer coisa pode finalmente valer no direito. 
 
Esse mal-estar conduziu a uma série de controvérsias dentro da teoria geral do direito ao 
longo do século XX. Não posso explorar aqui toda essa controvérsia, mas gostaria de 
explicitamente filiar-me a uma das correntes que vem tentando resgatar o caráter ‘prático’, 
na tradição da filosofia prática ou moral, do direito.2 Tomaria como marco dessa inclinação 
um livro, que apesar de não se propor a fazer teoria do direito, teve grande repercussão na 
filosofia e que, a meu juízo, abre portas esquecidas pelos juristas. Refiro-me ao The 
Language of morals, de Richard Hare (edição original de 1956). No ataque, que faz à 
confusão entre linguagem descritiva e linguagem prescritiva, Hare mostra duas coisas 
importantes: a primeira é que a linguagem prescritiva é um ‘jogo’ próprio de linguagem e, 
portanto, não pode ser avaliado pelo sentido geral do ‘jogo’ descritivo. Nestes termos, a 
correção da linguagem prescritiva (bondade, legalidade...) não pode equiparar-se à da 
linguagem ‘descritiva’ (verdade). Ordens, comandos, imperativos, regras, princípios não 
são simples ‘expressões’ de algum estado da alma de ninguém, não são corretas 
(adequadas) ou verdadeiras e não se avaliam, pois, pela adequação / correspondência ao 
estado de coisas (ou estado psicológico). 
 
Em segundo lugar, Hare mostra que mesmo sendo um jogo de linguagem diferente da 
descrição, os princípios mais gerais da lógica (ou pelo menos alguns deles) podem aplicar-
se a ele: ‘não contradição’ e ‘identidade’, pelo menos, de forma evidente. Mais complicado 
 
2 Vertentes dessa tendência encontram-se em Neil MacCormick, Klaus Gunther, Robert Alexy no campo 
específico do direito. No âmbito da filosofia especificamente há muitos outros nomes, destacando-se a meu 
ver Karl-Otto Apel (ética do discurso), Ernst Tugendhat (retomada da teoria das virtudes), Charles Taylor 
(human agency), e herdeiros da filosofia analítica, como Bernard Williams. A reflexão sobre a razão prática 
inclui uma legião de outros pensadores. 
 3
um pouco seria o caso do ‘terceiro excluído’.3 Quem usa os termos a linguagem imperativa 
deve usá-los de forma coerente e consistente, da mesma maneira que usa a linguagem 
prescritiva. Nem uma nem outra podem ter como pressuposto que o falante esteja mentindo 
ou enganando o outro: mentira e engano só funcionam quando a regra pressuposta é a da 
verdade. O falante da linguagem prescritiva também está obrigado a usar as palavras de 
forma unívoca, esclarecendo lealmente o uso que faz das equívocas ou plurívocas. Também 
está obrigado a mandar (obrigar / proibir), ou permitir de forma consistente. 
 
A teoria de Hare a respeito da linguagem da moral destaca o caráter prático do discurso. 
Isto quer dizer duas coisas: (a) que o discurso prático é um ‘guia’ para a ação, ou diz uma 
justificação para a ação4; (b) que alguém que conhece a linguagem ou quem tem um saber 
prático, mostra sua competência produzindo discursos dentro da regra daquela linguagem. 
Sabemos que alguém sabe nadar não quando nos recita um tratado sobre a natação, mas 
quando pula na água e...nada. 
 
Para usar uma analogia, e usá-la de maneira muito perigosa, talvez valha a pena comparar 
duas disciplinas práticas neste segundo sentido, o direito da medicina. Também a medicina 
é prática nestes termos, ou seja, conhece-se o médico pela maneira como atua, não pela sua 
capacidade de repetir conceitos de medicina. De fato, a medicina, a despeito dos muitos 
avanços que a tecnologia trouxe, tem uma finalidade muito clara: manter a saúde (pela 
prevenção) ou restaurá-la (pela cura), e isto tanto de cada indivíduo em particular quanto de 
populações inteiras. Dessa forma, é óbvio que toda a teoria que se faz, em medicina, é de 
algum modo dirigida a um fim e não há muita dúvida sobre esse fim. Pode-se discutir os 
sentidos mais específicos de saúde, pode-se discutir alternativas de ação em cada caso, 
pode-se até discutir a classificação de uma doença, ou a definição de um estado de doença, 
 
3 A maneira mais fácil de identificar os princípios da lógica é convertê-lo nas regras coloquiais que usamos 
diariamente. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” é esta fórmula coloquial do princípio da 
identidade (A=A, B=B). “Se é uma coisa, não pode ser outra coisa” (A não pode ser B ao mesmo tempo). “Ou 
uma coisa, ou outra” (princípio do terceiro excluído). 
4 Sobre o discurso da ação há um longo trabalho de Paul Ricoeur esclarecendo justamente este aspecto: a ação 
humana (ou seja, aquilo que não é simples reação ou evento necessário e orgânico) sempre se pode ‘dizer’, e 
explicar uma ação é dar-lhe os motivos, não as causas. Assim, o discurso próprio da ação é um discurso de 
justificação (Ricoeur 1988). Mais distante no tempo é de se lembrar a sociologiacompreensiva de Weber, que 
a seu modo também insiste em que as ações racionais são ações com sentidos, que se podem dizer por um 
discurso de justificação e compreensão. 
 4
mas ao fim estamos mais ou menos certos de que medicina e saúde são termos, coisas afins. 
Ora, o direito é como a medicina nisto: assim como ninguém pode-se dizer médico sem ser 
capaz de tratar de um paciente, ninguém deveria dizer-se jurista sem ser capaz de deliberar 
articuladamente (com razões jurídicas, legais) sobre casos particulares. 
 
É claro que a comparação com o direito tem vários limites. A saúde, embora se possa 
discutir muito sobre ela, pode ser vista mais ou menos como um ‘objeto’ externo ao médico 
e ao discurso do médico, mesmo que não possa ser separada dos sujeitos saudáveis. O que 
seria este ‘objeto’ do direito? Pode haver no direito um objeto assim? O direito tem alguma 
finalidade ou algum estado de coisas? Bem, na filosofia clássica era a justiça. Por isso, o 
início do estudo do direito dava-se com a discussão das relações entre direito e justiça. Na 
filosofia moderna talvez seja a ordem, talvez seja a legalidade, e por isso a discussão 
fundamental seja a das relações das normas com os direitos individuais, ou a aplicação 
universal da lei. Tanto justiça quanto ordem ou legalidade não são ‘coisas’ como a saúde e 
daí a grande dificuldade da teoria do direito. Poderíamos dizer que justiça e ordem podem 
ser objetos e podem ser objetivas enquanto ‘sentidos compartilhados’. Evidentemente um 
sentido compartilhado é um sentido objetivo (não é o que se passa na cabeça de cada um e 
não é o que se passa apenas na minha cabeça). Mas é um pouco mais difícil tratá-las como 
objeto externo ao próprio discurso, já que o sentido se incorpora ao ato discursivo. 
 
Outra analogia, ainda mais relevante, existe entre direito e língua. Ela serve para mostrar 
que direito é uma disciplina prática no sentido de que seu domínio é ‘demonstrado’ na ação, 
não na repetição de palavras ou frases feitas, como alguns psitacídeos fazem. Seu domínio é 
demonstrado quando o sujeito ‘faz’ as frases de maneira correta, compreensível, aceitável 
para a comunidade dos falantes, segundo as regras da comunidade dos falantes. 
 
Em que consiste aprender a falar – isto é, em que consiste aprender a usar uma língua (o 
português, o espanhol, o árabe, o hindi) – e qual a diferença entre aprender a falar e 
aprender gramática? Será que aprender a falar e aprender gramática, ou decorar palavras de 
um dicionário, são a mesma coisa? 
 
 5
Esta analogia entre língua, gramática e lingüística pode bem servir ao que nos interessa. 
Pois alguns confundem aprender direito com aprender definições, como quem confunde 
aprender uma língua com decorar um dicionário; outros confundem aprender direito com 
saber de cor as regras de uma gramática; outros acreditam ainda que aprender direito é 
aprender uma teoria geral ou uma ‘lingüística’ do direito. 
 
Não há dúvida de que tudo isto importa. Um falante de uma língua que além de falá-la 
cotidianamente, conhece muitas palavras – mesmo as de uso menos freqüente, sabe mais, 
domina melhor a língua. Da mesma forma, se conhece as regras da gramática e se tem uma 
idéia mais geral das funções da linguagem, será provavelmente mais capaz de entender 
estilos, gêneros, discursos diferentes, de perceber as diferenças entre eles e pelo menos 
tentar elaborar coisas criativas. Logo, há níveis de menor ou maior ‘competência 
lingüística’, como há níveis de maior ou menor domínio de um sistema jurídico. 
 
Aprende-se a falar de maneira ‘natural’: o uso da língua, como uma necessidade básica de 
inserção social, é aprendido em casa e na infância. Trata-se da aprendizagem de um artefato 
profundamente sofisticado este da língua, mas as crianças o aprendem relativamente cedo. 
Quando aprendem uma língua as crianças aprendem a fazer discursos: assim, aprender uma 
língua e aprender a fazer discursos são a mesma coisa. Não se pode dizer que alguém 
aprendeu uma língua se esta pessoa não é capaz de ‘falar’( fazer discurso, discorrer) 
naquela língua. 
 
Depois de aprender a língua, as crianças vão à escola e ali são instruídas em gramática. A 
gramática ‘aperfeiçoa’ a língua que as crianças já falam. Quando elas passam a dominar a 
gramática, elas mesmas ‘se corrigem’ e usam a chamada ‘norma culta’: são capazes de 
conversar tanto em nível coloquial, íntimo, usando expressões típicas de sua história 
familiar, de sua vizinhança, de seus pares e seus amigos, quanto de falar com a correção 
que as tornam compreendidas por outros grupos, mais distantes de sua história pessoal, de 
seu local de nascimento ou convivência. 
 
 6
Pode ser que elas parem por aí, mas pode ser que elas avancem no estudo da gramática: e aí 
tomam o caminho da gramática comparada e da gramática histórica. Aprendem e 
pesquisam como o português, o castelhano, o catalão, o sardo, o italiano podem ser 
comparados (suas gramáticas, por exemplo) entre si, ou com outras línguas que têm menos 
em comum: o alemão, o holandês, o inglês, ou quiçá o japonês, o árabe, o chinês. 
 
Depois de tanto comparar, o estudante perceberá que há alguma coisa que caracteriza todas 
as línguas humanas e passa então da gramática à lingüística. Percebe que não importa a 
língua ou família de línguas todas elas valem-se de sons e a relação dos sons com os 
objetos que designam (coisas ou idéias) é arbitrária. Percebe também que o repertório de 
sons de uma língua é diferente da outra e que em cada uma delas os contrates entre sons 
pode ser significativo apenas dentro de um repertório de oposições muito limitadas. Por 
exemplo, no português pode-se pronunciar o som representado pela letra ‘e’ de duas 
maneiras: aberto (representado graficamente por ‘é’) ou fechado (representado 
graficamente por ‘ê’). A oposição ‘ê’-‘é’ é significativa e uma das maneiras mais fáceis de 
reconhecer um estrangeiro (sobretudo os de língua castelhana e italiana) é sua incapacidade 
de fazer esta distinção, pois em espanhol ou italiano esta distinção não é significativa. A 
lingüísica, como uma teoria geral da língua, determina (e pressupõe) que o ‘signo 
lingüístico’ articula-se em vários níveis: no nível fonético, no nível semântico e no nível 
sintático. 
 
Teoricamente diz-se que o fenômeno da língua pode ser apreendido em três níveis: (i) fala, 
(ii) norma e (iii) língua. A fala é o ato concreto e singular de pronunciar discursos. A 
norma consiste num primeiro nível de homogeneidades, que inserem o ato singular de falar 
em algum grupo de falantes: geográfico (dialetos, idiomas, prosódias, pronúncias usados 
em certos lugares e não em outros), social (jargões, palavras vulgares, cultas, etc...) ou de 
estilo (gêneros literários, por exemplo discursos, explicações, diálogos coloquiais, 
declarações de amor, etc). Finalmente há um nível de abstração que abarca os outros, no 
qual se encontram as regras mais básicas: regras de gramática (sintaxe, semântica), regras 
fonéticas (quais as diferenças fonéticas que correspondem a diferenças semânticas) e assim 
 7
por diante. Uma língua só se mantém viva por meio de discursos, que por sua vez só podem 
ser compreendidos a partir de um sistema geral de regras que permitem sua identificação. 
 
A analogia é ainda mais esclarecedora quando tomamos o clássico Curso de lingüística 
geral de Saussure (1972) e atentamos para algumas características da linguagem humana 
que ele destaca: 
“A linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível 
conceber um sem o outro. Finalmente: a cada instante, a linguagem implica 
ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante 
ela é uma instituiçãoatual e um produto do passado. (...) Há, segundo nos 
parece, uma solução para todas essas dificuldades: é necessário colocar-me 
primeiramente no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras 
manifestações da linguagem. (...) Mas o que é a língua? (...) É um produto 
social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, 
adotadas pelo corpo social, para permitir o exercício dessa faculdade nos 
indivíduos.” (Saussure 1972, 16-17) 
 
Saussure sugere que há uma tensão entre o sistema da língua e a realização concreta dos 
discursos ou da fala. A tensão significa que o sistema é, por definição, abstrato e normativo, 
enquanto a língua é por definição concreta, empírica e contingente. Um e outra, porém, 
estão em dependência recíproca. Nenhuma língua se mantém como sistema vivo se não for 
realizada na prática por discursos concretos de falantes, e nenhum discurso concreto é 
compreensível sem a referência a um padrão ou norma. 
 
Para melhor esclarecer, retomo aqui uma série de distinções feitas por Paul Ricoeur entre 
língua e discurso. Em resumo, ele nos alerta (Ricoeur 1971) para o seguinte: a língua é 
atemporal; não tem sujeito; nela os signos se definem por sua relação recíproca, quer dizer, 
ela ‘não tem mundo’. Tudo isto se inverte no caso dos discursos: todo discurso é 
pronunciado em um momento; todo discurso é pronunciado por um sujeito; nos discursos, 
os signos têm um mundo ao qual se referem, conhecido – real ou potencialmente – pelos 
falante e seu auditório ou interlocutor. E justamente isto está em jogo também no caso do 
direito: pode-se falar do ‘direito’ como um sistema, isto é, como uma língua. Assim, pode-
se falar do ‘direito brasileiro’, ou ‘direito argentino’, ou ‘direito chinês’; pode-se da mesma 
forma falar de ‘direito civil’, ‘direito administrativo’, ‘direito do consumidor’. Da mesma 
maneira que reconheço alguém que ‘conhece’ uma língua (sistema) não quando ele 
 8
descreve aquela língua, mas quando a fala (pronuncia discursos), assim também reconheço 
quem sabe direito não quando ‘descreve’ ou ‘reproduz palavras e conceitos’, mas quando 
aplica (usa) o direito (sistema). Naturalmente, alguém é capaz de pronunciar o discurso 
(falar) uma língua, sob a condição de dominar o sistema e ter o que dizer. A analogia se 
estende para o direito: alguém sabe direito quando, dominando o sistema, decide alguma 
coisa em um sentido ou outro. Para decidir precisa dominar o sistema em termos de 
justificação e aplicação, claro está, mas isto já nos levaria muito longe – para a atual teoria 
da decisão jurídica – o que não vem a calhar para os modestos propósitos deste texto. 
 
É claro que esta é uma boa analogia para começar a falar do direito, mas sob uma condição, 
metodologicamente importante: aprende-se o direito como se aprende uma linguagem se 
considerarmos que usamos o direito para fazer alguma coisa, assim como quem usa a 
língua, usa-a para comunicar-se. Se começarmos por aí, veremos que aprender direito, 
como aprender uma língua, tem um propósito prático. Aprendemos direito para resolver 
questões, questões jurídicas, e não por divertissement. Aprendemos uma língua para 
pronunciar discursos. 
 
Creio que isto é um começo para entender o direito, já que assim como a língua, o direito é 
ao mesmo tempo um sistema de regras que permite discursos (o direito como objeto de uma 
teoria geral ou de uma dogmática jurídica) e a realização dos discursos mesmos (o direito 
como aplicação das regras aos casos concretos, por decisão dos tribunais, respostas a 
consultas e assim por diante). 
 
É possível interessar-se pela língua olhando-a de fora? Sim, claro: há quem faça a história 
da língua, há quem faça gramática histórica, há quem faça sociolingüística, há quem estude 
lingüística, há quem estude línguas comparadas. Nesses casos, o objeto de estudo é a língua 
e quem estuda uma dessas disciplinas não está aprendendo e nem ensinando uma língua 
propriamente. Ninguém espera aprender uma língua qualquer em uma aula de lingüística. A 
lingüística não ensina ninguém a falar uma língua, ao contrário, pressupõe que o estudioso 
já saiba falar uma língua, isto é, já conheça a língua que deseja estudar. 
 
 9
Explicitado assim minimamente o quadro teórico do que é saber direito, quero mover-me 
dentro dele para indicar como se poderiam elaborar teses, monografias, trabalhos jurídicos 
mais interessantes e um pouco mais regrados. Bons trabalhos jurídicos deveriam fugir de 
repetições de conceitos (como se fossem dicionários), ou repetição de regras (como se 
fossem gramáticas). Dicionários e gramáticas são ferramentas necessárias, auxiliares para 
os falantes, escritores, usuários de qualquer língua. Não é por acaso que nas bibliotecas 
estão sempre à mão dos freqüentadores, nas seções de ‘obras de referência’. Escrever e 
falar não se aprende apenas ou principalmente lendo dicionários ou gramáticas e os 
escritores não são todos autores de dicionários. 
 
2. Uma distinção preliminar – método e técnica de pesquisa 
 
Embora os termos possam se confundir, convém usá-los para coisas diferentes. Pelo menos 
aqui vou usá-los para coisas diferentes. O método pode ser definido como o procedimento 
teórico, pelo qual se estabelecem os conceitos e suas relações entre si, ou, dito de outra 
forma, pelo qual se constrói um objeto teórico. Há uma relação de correspondência entre o 
método e o objeto. 
 
O método, já disse um filósofo (Castoriadis), é um conjunto de categorias em operação, 
isto é, organizadas em um ‘discurso’. O método, por isso, constrói o ‘modelo’ teórico, ou 
seja, o modelo pelo qual se vai entender a realidade. Finalmente, o método contem os 
princípios de uma ciência, um saber, um discurso, ou um ‘campo’, como dizem os filósofos 
contemporâneos. Esses princípios são os pressupostos, os pontos de partida, que ninguém 
discute. Não é que eles não possam ser discutidos, mas é que sem os pontos de partida não 
se organizam ‘campos’ de saber. Quando os pontos de partida são colocados em dúvida 
transformam-se os saberes, reorganiza-se a ciência, pode-se até falar de ‘revolução 
científica’. Assim, quando a física deixou de ter seu ponto de partida nas qualidades dos 
objetos (frio-quente, em repouso – em movimento, etc.) e passou a matematizar as relações 
entre os objetos (lei de atração dos corpos, etc.) o modelo teórico mudou de tal maneira que 
os pressupostos passaram a ser outros. A explicação que a física poderia dar do mundo 
mudou radicalmente porque seu método construiu um novo objeto. A célebre frase de 
 10
Galileu expressa claramente esse processo: “O universo está escrito em uma linguagem 
matemática”. A possibilidade de transformar o campo, mudando os pontos de partida, não 
significa que um campo de saber (uma disciplina) possa existir sem tais pontos, sem tais 
princípios. Assim, todo campo tem pontos de partida e todo método contem ou pressupõe 
estes pontos de partida. 
 
Cada campo do saber, ou ciência se quisermos facilitar a linguagem, determina-se por um 
objeto teórico e pelo método pelo qual esse objeto é construído. Os objetos teóricos não se 
confundem com os objetos empíricos e, por isso mesmo, muitas vezes os iniciantes não se 
dão conta de que estão de fato usando algum objeto teórico. Objetos teóricos são como 
‘tipos’, ‘conceitos’: são artefatos intelectuais, não são coisas, nem eventos, nem relações 
naturais. Duas pessoas se apaixonam e fazem ‘promessas’ de viver juntas, de serem felizes 
juntas, até morrer. Acontece com muita gente, com a maioria talvez. Esta paixão, este amor, 
esta atração, esta inclinação para o outro pode ser objeto de análise de muitas disciplinas. 
Cada uma delas constrói, paracompreendê-la, um ‘objeto teórico’. O direito vai 
transformar este fato natural em uma ‘relação’, que poderá ser tratada como relação de fato 
ou relação de direito, e, sendo de direito pode transformar-se quiçá em casamento, ou união 
estável, ou parceria civil, ou sociedade de fato. O que às vezes engana os mais incautos é 
que o objeto teórico parece confundir-se com o objeto natural e isto chega a tal ponto que já 
não distinguimos bem um do outro: assim, esta relação entre duas pessoas será sempre 
chamada de ‘casamento’, assim como o fato natural da ‘atração dos corpos’ será às vezes 
chamado de simples manifestação da ‘lei da gravidade’. Mas a natureza, para ser objeto da 
ciência da física, não ‘obedece’ a uma lei, pois ‘obedecer’ é comportamento de sujeitos, e a 
natureza não tem subjetividade na ciência. Fernando Pessoa tem um belo verso que 
expressa poeticamente esta idéia: “Eu compreendo a natureza por fora, / porque a natureza 
não tem dentro, /senão, não era a natureza”. 
 
Imaginemos um animal qualquer: sobre ele podemos nos debruçar com diversos “olhares” e 
alguns desses ‘olhares’ correspondem a ‘ciências’ diferentes. Assim, para a biologia, ele é 
um organismo com determinada estrutura e funções, enquadrado em alguma classe, ordem, 
família, gênero e espécie. Para a biologia evolutiva ele será observado de um ponto de vista 
 11
particular, que une estrutura, função, mudança no tempo, nos lugares, etc. Para a ecologia 
ele será ainda outra coisa, e para a química orgânica uma terceira. Até aqui ficamos no 
campo das ‘ciências naturais’. Mas ele pode ainda ser objeto do olhar da economia, e ali 
transforma-se em recurso, mercadoria, fonte de energia etc. O direito verá nele um ‘bem’ 
(imaginem um jumento deixado em herança pela morte de alguém) ou, em alguns casos, 
uma ‘vítima’ (imaginem os delitos de crueldade com os animais). 
 
Essa diferença de olhares, que está na base do método, é que vai permitir (ou, pela sua 
ignorância, impedir) nos momentos adequados o diálogo entre as diferentes disciplinas, 
ciências e saberes. Sabendo que o direito tem um objeto (um certo ‘olhar’ sobre as ações 
humanas), que a economia tem outro, e que a biologia um terceiro, pode-se entabular um 
diálogo, no qual se reconhecem os potenciais e os limites recíprocos de todas estas 
‘ciências’. 
 
Tomemos o exemplo da matemática: seu objeto, pode-se dizer, são as relações necessárias 
entre os termos (matemáticos) e por causa dessa necessidade da relação seu procedimento – 
seu método – é essencialmente demonstrativo, ou dedutivo. Nas ciências chamadas naturais 
ou empíricas, o objeto também é a relação necessária, mas entre fenômenos naturais. Como 
estabelecê-la? Dado que os fenômenos naturais aparecem como contingentes (podem ou 
não ocorrer) e se está buscando uma relação necessária entre eles, é preciso em primeiro 
lugar definir esta relação. Tradicionalmente é a relação de ‘causalidade’, ou seja de 
antecedente necessário. Passa-se então à formulação da hipótese, uma afirmação 
condicional quanto ao fenômeno: ‘supondo que A é causa de B, toda vez que ocorrer A, 
deve ocorrer B’. O método (procedimento teórico) pressupõe a causalidade (um conceito, 
uma relação, não uma coisa); isola um possível fenômeno que possa ser a causa de outro 
(hipótese) e, sendo isto verdade, deduz as conseqüências possíveis (previsíveis). Se algum 
evento desviar-se da hipótese, ela é invalidada (falseada, na linguagem de Karl Popper). 
Deve-se começar tudo de novo. O método científico exclui explicações pela intenção, pela 
liberdade ou pela finalidade: as coisas se explicam pelas suas causas. A ciência moderna 
começou a nascer quando se abandonaram as explicações da natureza pela sua suposta 
finalidade. 
 12
 
Veja que a observação e o isolamento do fenômeno é a técnica de pesquisa. A técnica está 
a serviço do método: sem a idéia de causalidade e sem a forma ‘hipotético-dedutiva’, a 
técnica de pesquisa não passaria de observação sensorial do mundo e poderia ser usada para 
‘dar impressões’ sobre qualquer coisa. A técnica de pesquisa é o procedimento pelo qual se 
obtém os dados sobre os quais se vai realizar a análise, interpretação ou crítica. Técnica e 
método não são completamente separados, pois conforme o objeto teórico haverá 
procedimentos empíricos ou técnicas mais ou menos adaptadas: a técnica precisa ser 
compatível com o método. 
 
A técnica de pesquisa propriamente dita, consiste em obter os dados a respeito daquele 
objeto empírico de modo a processá-los como objeto teórico. Em alguns casos a técnica 
será de experimentação laboratorial (que por sua vez tem procedimentos pré-definidos que 
são, outra vez, teóricos), noutros o teste da ‘verdade’ das proposições a respeito do objeto 
serão matemáticos, noutros casos o teste poderá ser de outra forma. Em alguns casos o teste 
é documental: pense-se no caso da história em que documentos (e monumentos) são o 
vestígio do que aconteceu...Muitas vezes as técnicas de pesquisa são combinadas. Veja-se o 
caso dos estudos evolutivos humanos, em que há vestígios a serem procurados 
(arqueologia, história), há hipóteses teóricas de interpretação desses vestígios (teoria 
evolutiva), e há o confronto com várias outras ‘ciências’ mais particulares que corroboram 
certas hipóteses de explicação. 
 
Nada do que foi dito antes, porém, poderia ser transferido fácil e diretamente para o direito, 
pois o direito embora seja um ‘saber’ regrado, que se pode aprender e transmitir, não é uma 
‘ciência’ com as pretensões (sentidos) que o termo ciência tem nos últimos trezentos anos 
no Ocidente. O direito não usa o método hipotético-dedutivo e suas técnicas de pesquisa, 
por isso mesmo, não se confundem nem com os trabalhos da matemática, nem com o das 
ciências naturais, nem com o das ciências históricas e humanas. Por isto é que o direito não 
é chamado, nos termos modernos, de ciência. Quando falamos de um trabalho jurídico 
científico queremos dizer algo mais modesto: trata-se de um trabalho de acordo com as 
regras acadêmicas do direito, produzido em universidades. Da mesma maneira, aliás, como 
 13
se pode fazer um trabalho acadêmico, e neste sentido científico, em metafísica, ou um bom 
trabalho acadêmico em crítica ou teoria literária. Tanto o direito quanto a filosofia são 
saberes e são campos de saber com princípios, pontos de partida e regras, ou seja, uma certa 
gramática que lhes controla a produção. 
 
Para notar essa diferença basta olhar para uma classificação bem tradicional de ciência que 
se usou largamente em meados do século XX (Hempel 1966). Há ciências formais (lógica e 
matemática – cujos objetos são formais por definição) e há ciências empíricas (cujos 
objetos são reais, materiais ou empíricos). As ciências empíricas ou se debruçam sobre a 
‘natureza’ ou se debruçam sobre ‘a sociedade’, logo elas podem ser ‘ciências naturais’ ou 
‘ciências sociais’. Nos dois casos, porém, as ciências pretendem ‘explicar’ pela 
‘causalidade’, ou, usando uma palavra ainda melhor, pela ‘necessidade’. 
 
Nessa ordem de idéias ficam de fora as explicações pela ‘liberdade’ – ou seja, nada se pode 
explicar cientificamente quando a explicação for a liberdade. Como em princípio a ciência 
daria conta do ‘determinado’, a liberdade introduziria uma ‘indeterminação’; para a ciência 
ela não pode ser explicação pois não permite isolar uma causa necessária. Outra coisa que 
fica fora dessa idéia de ciência é são discursos de ‘imputação’: ou seja, discursos que dão 
valor às coisas que acontecem ou existem, ou melhor dito, que dá ‘sentido’ às coisas 
existentes. Assim, a moral, o direito e a estética ficam fora da ciência, já que não explicam 
pelas causas,mas avaliam ou imputam valor (o bom e o mau, o proibido ou obrigatório e o 
permitido, o belo ou sublime e o feio, respectivamente). 
 
Mas tudo isso foi uma espécie de digressão e agora que chegamos nesse ponto vale a pena 
indicar uma primeira conclusão: o direito (assim como a ética e a estética) consiste em um 
discurso com regras, e um discurso sobre alguma ‘coisa’, só que essa ‘coisa’ sobre a qual 
fala o direito não é exatamente uma ‘coisa’ da qual falam as ciências naturais. Por isso, 
tanto o método quanto as técnicas de pesquisa do direito não são exatamente as mesmas da 
ciência natural. O método do direito, como não está em primeiro lugar voltado para 
‘explicar pela necessidade’, constrói um objeto teórico (a proibição ou a permissão) que 
não ‘espelha’ a realidade empírica. Proibições e permissões não existem como coisas da 
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natureza: existem como sentidos de ações. Por isso fala-se que os sentidos jurídicos são 
impostos às ações e às coisas. Se eles não existem como coisas, claro que não se pode 
utilizar uma técnica de pesquisa que pressupõe a existência de uma coisa, ou mesmo que 
pressuponha a relação de causalidade entre uma coisa e outra, entre um fenômeno e outro. 
E para descobrir – ou seja, pesquisar – o que é o proibido e o permitido vale-se de 
‘técnicas’ que não podem ser comparadas com as técnicas das ciências naturais. 
 
Apesar de tudo isso, creio que é extremamente útil, para quem vai fazer um trabalho 
jurídico, perceber com bastante clareza que necessita de um objeto teórico e de 
procedimentos para levantar suas hipóteses e chegar a suas conclusões. 
 
3. Qual o objeto de um trabalho jurídico? 
 
A primeira e elementar pergunta diz respeito ao objeto do trabalho jurídico. O que faz um 
trabalho jurídico? A resposta, por mais óbvia que pareça, é que o trabalho jurídico responde 
a uma indagação, uma dúvida, uma questão jurídica. Dúvidas, indagações e questões 
jurídicas podem ser resumidas ao saber se e como alguma coisa, ou melhor dizendo, 
alguma ação ou algum estado de coisas, é proibido, permitido ou obrigatório de acordo com 
o direito. Embora seja muito óbvio, isto nem sempre é lembrado. O estilo de manuais ou 
compêndios adotados em cursos de direito lembra em geral o estilo meramente dissertativo: 
fala-se de alguma ‘coisa’, ou se ‘explica’ o que é uma coisa. 
 
No primeiro caso, o ‘falar de alguma coisa’ é freqüentemente tão inútil quanto aquelas 
composições que nossos professores nos pediam na escola elementar a cada volta às aulas: 
que escrevêssemos uma ‘composição’ com o título ‘Minhas férias’. Cada um de nós falava 
livremente sobre o tema. 
 
No segundo caso, ao tentar explicar uma coisa não é difícil o jurista, ou candidato a jurista, 
enredar-se em questões filosóficas. É que um discurso que pretenda ‘dizer’ o que é alguma 
coisa, ou explicar algum conceito está propriamente na esfera da metafísica, na filosofia 
primeira, predicando ‘do que é, que é’ e ‘do que não é, que não é’. Bem, nesse nível de 
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abstração é muito mais fácil o jurista fazer filosofia (e nem sempre boa filosofia) do que 
fazer propriamente direito. Não creio que se possa fazer direito sem conceitos, ou, pior 
ainda, sem regras. Mas falar de conceitos ou tentar explicá-los nem sempre é o melhor para 
um trabalho jurídico. Começa a ‘multiplicar os seres’ falando, como se fosse uma 
linguagem puramente descritiva, dos ‘princípios’ ou quiçá dos ‘valores’. 
 
Esses níveis de generalidade levam a coisas do seguinte tipo, que uma vez encontrei em um 
breve ensaio de uma disciplina jurídica: 
“Tende ao infinito a variedade de problemas que a Ciência do Direito apresenta 
à nossa investigação. A cada dia, surpreendemo-nos com o surgimento de 
novos problemas ou com a persistente insolubilidade aparente de outros. São, 
portanto, numerosos os desafios enfrentados pelos que buscam compreender o 
fenômeno jurídico. 
Para que não nos percamos pelo labirinto das questões que o espírito científico 
sempre nos está a impor, findamos por, deliberada ou intuitivamente, fixar 
nossas atenções a um universo limitado de problemas, procurando , desse mo 
do, contribuir, com mais efetividade, para, de um lado, mitigar nossa angústia 
ante a impossibilidade do pleno conhecimento do mundo, e para, doutro lado, 
oferecer à comunidade científica uma colaboração mais sólida a respeito 
daquelas questões que elegemos.” 
 
 
 
O melhor, portanto, para definir o objeto de um trabalho é perceber que seu resultado deve 
ser uma conclusão de caráter prático normativo, uma guia para a ação do tipo: deve-se fazer 
isto porque isto é o devido, ou, deve-se não fazer isto porque isto é o proibido, ou ainda, 
pode-se fazer isto já que isto é autorizado, ou isto deve ser mudado porque é injusto (anti-
isonômico) e assim por diante. 
 
Dadas certas circunstâncias a questão a que o jurista deve responder é a respeito do sentido 
jurídico do fato ou da ação. Um exemplo elementar ajuda a compreender. Encontra-se um 
cadáver. Sobre o cadáver vários ‘discursos’ são possíveis, isto é, vários objetos ‘teóricos’ 
podem ser construídos. Para um médico o cadáver coloca a pergunta da causa natural da 
morte. Para um químico o cadáver coloca a pergunta sobre o processo de ‘decomposição’. 
Para um jurista o cadáver coloca a questão do eventual delito. O cadáver para o jurista é o 
 16
‘corpo do delito’. A morte provocada, a morte não natural, transforma-se para o jurista em 
um delito, um crime. Este é o seu objeto de estudo. 
 
Como se vê, mais uma vez, o objeto de estudo – inclusive o jurídico – não é o objeto 
natural, mas um certo ‘sentido’ do objeto natural (ou de um objeto qualquer). Claro que 
para decidir a respeito de um homicídio, o jurista precisará das indicações de outras 
ciências: precisará saber, por exemplo, se houve realmente morte, ou o que provocou a 
morte, ou o momento em que se deu etc. Cada uma dessas questões é respondida por um 
campo do saber. O direito responde à pergunta a respeito da ilicitude da morte (do 
homicídio). 
 
Para responder a essa questão, não é preciso ser ‘legalista’, no sentido pejorativo do termo. 
Mas é preciso, em uma sociedade moderna, estar atento para o fato de o sentido jurídico ser 
determinado de uma certa maneira. O direito goza de uma ‘autonomia’ intelectual ao 
definir seus pontos de partida.5 Assim, é preciso saber se o sentido será a proibição, a 
obrigatoriedade ou a permissão. 
 
4. O problema jurídico 
 
Agora é preciso falar do ‘problema’ como o verdadeiro motor de uma pesquisa. Não há 
verdadeira pesquisa sem que haja um problema a ser resolvido. E isto é o que é mais difícil 
no trabalho acadêmico: ‘construir’ um problema. Para isto, é preciso que o investigador 
tenha certa curiosidade, tenha dúvidas, encare o mundo, e o mundo do direito neste caso, 
como algo intrigante. Um exemplo de problema jurídico bem explicado desde o início 
encontra-se no seguinte trecho de Ronald Dworkin: 
“Em 1945 um negro de nome Sweatt candidatou-se à faculdade de direito da 
Universidade do Texas, mas foi recusado porque a legislação estadual dispunha 
que só brancos podiam freqüentá-la. A Suprema Corte declarou que a lei 
violava o direito à igualdade de Sweatt protegido pela Emenda 14 da 
Constituição dos EUA, que prevê que nenhum estado-membro negará a 
qualquer cidadão a igualdade perante suas leis. Em 1971 um judeu de nome De 
 
5 Toda disciplina tem ou é um discurso, por isso toda disciplina ‘constitui’ seus próprios objetos. Este caráter 
constitutivo da linguagem e das linguagens das disciplinas foi objeto de tratamento no meu As palavras e a lei 
(Lopes 2004), acompanhando a filosofia de John Searle e, paraa história das idéias, acompanhando J. Pocock. 
 17
Funis candidatou-se à faculdade de direito de Washington. Não foi admitido, 
embora seu desempenho e suas notas fossem suficientemente altos para ser 
admitido caso ele fosse negro, filipino, chicano, ou índio. De Funis pediu que a 
Suprema Corte reconhecesse que a prática de Washington, ao exigir padrões 
menos rígidos para grupos minoritários, violava seus direitos à isonomia de 
acordo com a Emenda 14.” (Dworkin 1977, ) 
 
Note que em um parágrafo apenas já sabemos do que ele vai falar (o seu tema) e como este 
assunto se converte em um problema: a questão é saber porque em um primeiro caso (o do 
negro) parece intuitivo que há algo errado em barrar-lhe a entrada pelo simples fato de ser 
negro e porque no segundo caso é tão complicado dar valores diferentes às notas e ao 
desempenho de alguém só porque é branco. O caráter problemático da questão aparece 
nitidamente. 
 
Outro trabalho cuja introdução me agrada e cumpre bem o papel de definir com clareza a 
situação problemática que pretende abordar é o seguinte: 
“Este ensaio tem por objetivo analisar o modo com as Leis de Anistia, 
promulgadas pelos Países-membros do Mercosul em suas transições 
democráticas, foram interpretadas à luz do direito internacional dos direitos 
humanos e da regulamentação de suas graves violações pelo direito 
internacional penal, erigidas à categoria de ‘crimes internacionais’. (...) 
Apesar de as leis de anistia serem consideradas necessárias do ponto de vista 
interno pelas razões acima mencionadas, algumas perguntas vêm sendo 
formuladas a respeito de sua situação perante o direito internacional. Em face 
do direito internacional, tem validadeuma lei de anistia interna? A comunidade 
internacional estaria sujeita a essas normas? Poderia um terceiro Estado ou um 
tribunal internacional exercer sua jurisdição sobre crimes internacionais 
anistiados internamente?” (Cláudia Perrone-Moisés. Leis de anistia face ao 
direito iternacional: ‘desaparecimentos’ e ‘direito à verdade’) 
 
Note que o trabalho pretende dar, ou pelo menos sugerir respostas normativas (pode um 
tribunal internacional exercer jurisdição sobre crimes anistiados domesticamente?) a várias 
questões e tais questões estão limitadas, naquele ensaio, em termos de tempo (período da 
transição democrática dos anos 1980) e de espaço (no Cone Sul da América), e de objeto 
mesmo (o confronto entre as anistias aprovadas na esfera nacional e o direito penal 
internacional dos direitos humanos). O leitor já sabe do que se vai falar, ainda que o 
problema a ser resolvido seja eventualmente mais conceitual (conflito de normas). 
 
 18
A cultura dos manuais impede justamente isto, que os problemas reais e práticos se 
convertam em problemas jurídicos. A forma tradicional de se ensinar o direito é, de fato, 
empobrecedora, pois os manuais dificilmente apresentam as questões jurídicas como 
problemas propriamente ditos. Em geral os manuais, e por imitação muitos trabalhos 
jurídicos, começam com definições. 
 
Menciono a título de exemplo o direito do consumidor. Quando tomamos qualquer livro de 
direito civil da década de 1980 no Brasil, o tema da defesa do consumidor praticamente não 
aparece. Até então ninguém via o consumidor do ponto de vista jurídico, não era visto 
como um problema, e por causa disto não havia se transformado em objeto de investigação. 
Pode-se fazer uma análise numérica muito simples da produção de monografias, 
dissertações e teses antes e depois da promulgação do Código de Defesa do Consumidor no 
Brasil. Os números seguramente indicam que antes de 1990 o número era reduzidíssimo, 
inexpressivo. Depois do Código, houve uma enxurrada de livros sobre o assunto. Não é que 
não existissem consumidores, nem acidentes de consumo antes de 1990. É que os juristas 
não levantavam o problema e não o levantavam porque em geral os trabalhos jurídicos não 
eram estimulados a levantar problemas reais. 
 
O primeiro passo para um trabalho jurídico interessante é, pois, o problema. E a maneira 
mais prática de determinar o problema é transformar sua inquietação em uma pergunta a ser 
respondida. Assim a pergunta, no caso dos acidentes de consumo poderia ser: ‘O Código 
Civil permite que se trate adequadamente o acidente de consumo?’ Ou: ‘É justo que o 
consumidor arque sozinho com o custo de um acidente provocado por um defeito em série 
de um produto?’ Ou ainda: ‘Ao dispensar o fabricante do custo dos acidentes, estará a 
decisão jurídica promovendo um custo social mais elevado?’ Note que as perguntas são 
indiretamente jurídicas, ou seja, não são legalistas. Não se trata apenas de confrontar o que 
algum autor disse, ou uma aparente inconsistência da linguagem do legislador. Há um 
verdadeiro problema colocado: um problema de distribuição, de justiça, de igualdade, cuja 
solução se supõe (olha aí a hipótese!) que pode ser diferente e ter diferentes conseqüências. 
 
 19
É isto que faz Guido Calabresi no seu livro clássico sobre responsabilidade civil (The cost 
of accidents, 1970). O professor da Universidade de Yale começa justamente com um 
conjunto de questões: está a sociedade preocupada em reduzir os custos dos acidentes? Esta 
redução deve ser feita por meio do mercado? Deve ser induzida? Deve ser distribuída 
diferentemente? Para responder a estas questões era preciso ter algum material vindo de 
pesquisas empíricas que diziam quem eram as vítimas dos acidentes, quais as espécies de 
acidentes mais comuns, quantos acidentes eram devidos a defeitos de produtos e, portanto, 
não tinham propriamente um autor imediato, e assim por diante. Era preciso, portanto, não 
tomar os acidentes de consumo como uma fatalidade, um fato da vida, algo sobre o que não 
se poderia fazer nada. Olhados desta perspectiva, tornavam-se objeto de uma regulação 
jurídica nova, na qual se incluíam tanto as decisões que desde os anos de 1960 os tribunais 
já vinham tomando, quanto propostas de solução e de mudança na legislação. 
 
Um problema jurídico desta natureza exige que muitas ciências venham auxiliar o jurista na 
sua tarefa. No caso dos acidentes, é essencial um olhar filosófico (há um problema de 
justiça a ser enfrentado), e um olhar econômico (há uma questão de custos a serem 
eficazmente distribuídos). Veja o que diz Guido Calabresi: 
“Acho que fica claro por esta lista de possibilidades, ainda que parcial, que não 
há nenhuma relação necessária entre os critérios de alocação de indenização e 
os de imposição de custos de indenização. Todos esses métodos são 
possibilidades reais dependendo das políticas que desejamos seguir e das 
finalidades que desejamos que o direito dos acidentes alcance. Isto não quer 
dizer, naturalmente, que tais escolhas amplas devessem estar à disposição dos 
tribunais. Isto é uma questão completamente diferente, da qual este livro não se 
ocupa. Quer dizer, porém, que ao analisar as bases do direito de acidentes não 
há em princípio limites quanto ao modo de alocar ou dividir os custos dos 
acidentes. O que escolhermos, conscientemente ou não, refletirá os propósitos 
econômicos e morais de nossa sociedade. De igual modo, um dos propósitos 
deste livro é sugerir quais finalidades e finalidades secundárias estão implicadas 
em sistemas possíveis e diferentes do direito de acidentes e qual a importância 
que as alocações possíveis devem dar de fato a cada uma das finalidades e 
finalidades secundárias. E visto que não desejamos atingir nenhum desses 
propósitos com o sacrifício completo dos outros, outro objetivo deste estudo 
será mostrar como nossos métodos e finalidades entram em conflito uns com os 
outros de vez em quando e impedem que se atinjam de modo completo 
qualquer um deles. Este estudo mostrará também que,se não exigirmos a 
 20
perfeição, é possível um grau razoável de acomodação dos métodos e 
finalidades conflitantes.” (Calabresi 1970, capítulo 2) 
 
Note que a pesquisa de um tema jurídico pode – e eu diria mesmo que deve – começar por 
uma pergunta interessante, como esta de Calabresi que em última instância indaga ‘o que 
fazer com os acidentes de consumo?’ Note, ainda, que o termo ‘acidente de consumo’ já é 
um termo carregado de significado jurídico, a indicar a diferença entre os acidente sem 
qualificações, tradicionalmente tratado no Código Civil, e este novo acidente, que, como 
sabemos, começou sendo tratado por analogia com a velha ‘responsabilidade por guarda de 
animal ou coisa perigosa’. 
 
Um problema pode ser também menos ‘prático’ do que sugeri até agora. Pode ser que o 
trabalho jurídico vise resolver um problema de natureza diferente, talvez um pouco mais 
conceitual. Disse acima que ‘falar de alguma coisa’ pode ser inútil. Pode realmente sê-lo 
quando o autor não tem uma especial inquietação. Examinei uma vez um trabalho que 
cometia dois pecados ao determinar seu objeto e isto fica evidente na apresentação que o 
autor fazia. O parágrafo da introdução que ‘delimitava’ sua hipótese era o seguinte: 
“Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre a evolução da sucessão do 
cônjuge e do companheiro. Pretende-se, partindo de uma perspectiva histórica, 
demonstrar as tendências legislativas para o tema. Na medida do possível, 
analisar-se-á todos os tempos da raça humana sobre a Terra, começando pelas 
mais remotas legislações conhecidas na atualidade, passando pelo período de 
dominação romana, seguindo-se na Idade Média, até chegar aos dias atuais, 
com análises do direito brasileiro anterior e atual.” 
 
O primeiro pecado é o do excesso de pretensão: tratar de ‘todos os tempos da raça humana 
sobre a Terra’. Como a espécie está espalhada em todos os continentes e há civilizações 
com milhares de anos de existência, a primeira reação de qualquer é dizer: ‘não bastará uma 
vida para tal empreendimento...’ O segundo pecado, que vem a calhar nesta altura é o da 
falta de uma ‘questão’ ou uma ‘hipótese’. O trabalho diz que vai ‘discorrer sobre a 
evolução’ do instituto jurídico. Isto não seria uma dificuldade se ele se dispusesse a 
discorrer a partir de um problema, que pode ser atual (“os juristas discordam sobre a 
sucessão dos cônjuges e discordam por razões determinadas...., logo, uma revisão história 
ajuda a pôr as idéias no lugar, logo...vou tratar disto”) ou pode ser mesmo histórica (“houve 
 21
em tais e tais lugares as seguintes experiências de ‘direito sucessório’, que por sua 
semelhança ou diferença com nossa situação, levantam a dúvida sobre....se isto era o que 
pensavam os juristas daquela época...”). De toda maneira, não se trataria de um simples 
‘falar’ ou ‘discorrer’. A hipótese, como disse antes, traria embutida uma questão, à qual o 
trabalho viria dar resposta. 
 
5. A hipótese em um trabalho jurídico 
 
Considerando que sempre se vai a um objeto com uma pergunta, é bom lembrar que toda 
pergunta levanta algumas ‘hipóteses’ de sua resposta. No caso do direito essa hipótese, que 
vai ser investigada ou confirmada, é uma interpretação de um fato ou de um 
comportamento, ação ou atividade, de um estado de coisas. 
 
Dewey dizia que todo mundo começa examinando o caso com uma idéia de qual é a 
solução correta. No curso do processo deixa-se convencer por uma das versões 
apresentadas. 
“De fato, as pessoas não começam a pensar com premissas. Começam com um 
caso complicado e confuso, aparentemente admitindo modos alternativos de 
tratamento e solução. As premissas emergem apenas gradualmente da análise 
da situação total. O problema não é tirar uma conclusão de premissas dadas; 
isto pode ser feito muito melhor por uma peça inanimada de maquinário, 
apertando-se um teclado. O problema é encontrar proposições, de princípio 
geral e de fato particular, que valham como premissas. Na verdade, começamos 
em geral com a imaginação vaga de uma conclusão (ou pelo menos de 
conclusões alternativas) e em seguida procuramos princípios e dados que lhe 
dêem substância ou que nos permitam escolher de forma inteligente entre 
conclusões rivais. Advogado algum jamais resolveu o caso de um cliente em 
termos de silogismo. Ele começa com uma conclusão que deseja alcançar, 
naturalmente favorável a seu cliente, e então analisa os fatos da situação para 
encontrar material com o qual possa construir uma proposição de fatos 
favorável, para formar a premissa menor. Simultaneamente, passa em revista as 
decisões já existentes (recorded cases) para encontrar as regras jurídicas 
empregadas em casos que podem ser semelhantes, regras que fundamentarão 
certa forma de olhar e interpretar os fatos. E à medida que se amplia sua 
familiaridade com regras de direito consideradas aplicáveis, ele muito 
provavelmente muda a perspectiva e a ênfase na seleção dos fatos que darão os 
dados de base para sua prova. E à medida que entende melhor os fatos do caso, 
pode modificar as regras jurídicas nas quais fundamentar o caso. (...) Em lógica 
estrita, a conclusão não se segue das premissas; as conclusões e as premissas 
 22
são duas maneiras de dizer a mesma coisa. Pensar pode-se definir ou como o 
desenvolvimento das premissas, ou como desenvolvimento de uma conclusão; 
na medida que é uma operação é a outra. Os tribunais não chegam a conclusões; 
expõem-nas, e a exposição deve explicitar as razões que a justificam.” (Dewey 
1983, 71-72) 
 
Esse processo de convencimento é o que poderíamos chamar de refutação. Estabelecida 
uma hipótese de interpretação – por exemplo, de que tal ação ou atividade é proibida ou 
injusta – segue-se um longo processo de refutação de tal hipótese. Diferentemente dos 
saberes formais – como é o caso da matemática – o raciocínio do jurista não é dedutivo. Ele 
não deduz uma coisa de outra, ou seja, ele não procede por demonstração. Isto porque na 
demonstração procede-se a partir das definições: sendo que algo está contido em uma 
definição, segue-se que desse algo pode-se extrair uma outra coisa. 
 
No direito o procedimento é diferente. Se considerarmos que no direito estamos em busca 
de uma solução prática, que precisa se adequar às regras aplicáveis ao caso naquele tempo e 
lugar, o processo não é dedutivo, mas deliberativo. Não se trata de ao fim do processo dar 
uma explicação, uma descrição, uma causa natural de coisa alguma. Trata-se de dar um 
conselho – a um cliente que pergunta se pode ou deve fazer certa coisa – , ou de fazer um 
julgamento sobre um fato passado. Nos dois casos estamos diante de uma regra: uma regra 
para ação – um critério para o que fazer no futuro, ou uma regra de julgamento – um 
critério de avaliação do que foi feito. O trabalho jurídico consiste, portanto, na busca dessa 
regra, de forma justificada. 
 
Uma hipótese nasce de uma inquietação (o problema) e pode ser, inicialmente, confusa 
como disse Dewey. O bom trabalho acadêmico, porque deseja ser compreensível, vai 
transformar esta inquietação relativamente confusa em uma hipótese expressa mais 
claramente. E a hipótese jurídica, por ser uma hipótese de interpretação da ação ou do 
estado de coisas, ou seja, por ser uma hipótese de interpretação da realidade com a lente do 
dever e do direito, formula-se como uma hipótese normativa, para concluir de forma 
normativa. 
 
 23
Uma ilustração pode ajudar. Tomo aqui um importante trabalho de Carlos Santiago Nino, 
Ética y derechos humanos (Nino 1989). Na Introdução, como convém, o autor deixa claro 
o objeto, o argumento, a hipótese. Direitos humanos, diz ele, são uma ‘invenção’ de nossa 
civilização, cujo propósito é impedir certas ‘catástrofes’que ameaçam a vida humana. 
Mesmo assim, a positivação dos direitos humanos em leis nacionais ou no direito 
internacional mostrou-se relativamente débil. Há, pois, um problema de efetividade de tais 
direitos. Ao contrário do que pode parecer, no entanto, um nível profundo de garantia dos 
direitos humanos não está no direito positivo mas na ‘consciência moral’ (Nino 1989, 4-5). 
A consciência moral pode-se adquiri pela propaganda ou pela discussão racional. 
Chegamos à hipótese do trabalho: é possível justificar os direitos humanos na esfera da 
discussão racional e, por causa disto, afastar alguns problemas de justificação fraca de sua 
defesa. A hipótese pode ser ainda mais estreita: há uma fundamentação moral melhor do 
que outras e esta fundamentação moral é a que será posta à prova no percurso do livro. Para 
dar-lhe firmeza, Nino enfrenta as grandes escolas da moral contemporânea (primeira parte, 
‘Metaética’), em seguida oferece os princípios que lhe parecem garantir melhor defesa dos 
direitos humanos (segunda parte, ‘Princípios’), e finalmente como e se as instituições 
jurídicas incorporam tais princípios morais (terceira parte, ‘Instituições’). 
 
Uma hipótese não se confunde com um pressuposto. O pressuposto é o que já se sabe, a 
hipótese é aquilo que se procura confirmar: o conhecimento que se deseja fundamentar. 
Assim, a validade do ordenamento jurídico, sua força vinculante, é um pressuposto do 
trabalho jurídico. O que se deseja normalmente saber é a extensão desse vínculo, dessa 
força, da obrigatoriedade. Pode ser também que se deseje demonstrar que certas normas 
jurídicas da maneira como estão feitas ou da maneira como vem sendo aplicadas dão 
resultados absurdos, isto é, contraditórios, inesperados, injustos mesmos. Isto também é 
objeto de um trabalho jurídico e neste caso o pressuposto é aquilo que já se sabe: que a 
doutrina e a jurisprudência dão a certos casos umas soluções que se pretende refutar. 
 
Tomemos outra vez o exemplo da responsabilidade no direito do consumidor. O Código de 
Defesa do Consumidor brasileiro (Lei 8.078/90) determinou que nos casos e acidentes de 
consumo, os casos de defeito de produto (os casos de product liability, do direito norte-
 24
americano), são casos de responsabilidade sem culpa, ou de responsabilidade objetiva. E o 
art. 12, § 3o diz expressamente quais as defesas admitidas para o fabricante: (a) que não 
colocou o produto no mercado; (b) que o defeito não existe; (c) culpa exclusiva da vítima. 
Pelos termos da lei, o produtor não pode alegar caso fortuito nem força maior. Estas duas 
defesas tradicionais funcionavam da seguinte maneira: excluíam a responsabilidade (por 
culpa) porque embora não eliminassem o nexo de causalidade significavam que o 
responsável não tinha como evitá-lo, fugira a seu controle. Em resumo, o responsável dizia 
que ‘não tinha culpa’. Alguns doutrinadores brasileiros e alguns tribunais começaram a 
adotar o caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade de fabricantes. 
Esta linha de raciocínio tem alguns perigos, pois pode reintroduzir o problema da ‘culpa do 
fabricante’ na defesa do consumidor. 
 
Ora, um trabalho jurídico interessante pode consistir em demonstrar a interpretação 
contrária: apelar para o ‘caso fortuito’ ou para a ‘força maior’ não seria admissível, a não 
ser que se confundissem as duas excludentes de responsabilidade com os incisos II e III do 
§ 3o do art. 12 do Código. Neste caso falar de ‘caso fortuito’ ou ‘força maior’ só poderia 
significar ou (a) que o defeito não existia – e, portanto, o acidente deveu-se a outra causa, 
que não o produto, e, portanto, que se trata de exclusão do ‘nexo de causalidade’ – ou (b) 
que o defeito não existia e foi o mau uso que lhe deu causa (culpa exclusiva da vítima). Um 
trabalho destes daria como sabido que os tribunais estão reintroduzindo um elemento 
excluído pela lei (uma excludente de responsabilidade), e faria a hipótese de que tal 
interpretação se equivoca ou (a) porque abre campo para a discussão da culpa – o que a lei 
proíbe -, ou (b) porque não é capaz de compreender o sentido das expressões da lei (“o 
defeito não existia”, “culpa exclusiva da vítima”). A hipótese do trabalho seria que a 
doutrina ou a jurisprudência estão lendo inadequadamente a lei, estão equivocadas, e há 
uma leitura melhor, oferecida como melhor solução do problema. 
 
A hipótese pode também ser gerada por alguma observação vinda de outras ‘disciplinas’ ou 
‘ciências’. Tomemos o caso da economia que contribui com análise dos efeitos da aplicação 
de certos institutos jurídicos. A análise econômica pode sugerir que certas interpretações 
dos contratos de concessão, como contratos feitos com o Estado, levam a uma distribuição 
 25
não eqüitativa de custos sociais. Um exemplo da experiência brasileira ilustra bem o caso. 
Quando no meio da crise inflacionária dos anos 1985-1986 foi editada uma lei que proibiu 
o reajuste de preços na economia durante um certo período, até que se completasse a 
reforma monetária, a distribuição dos custos desta medida foi universal, mas não foi igual. 
Alguns setores e algumas classes foram pegos quando seus preços estavam já muito 
defasados. Apesar disto, os tribunais consideraram que não poderiam conceder reajustes 
pontuais porque o valor da moeda não poderia ser fixado em cada caso para cada parte de 
cada contrato. Curiosamente, porém, as empresas de transporte aéreo, em nome do 
reequilíbrio financeiro do contrato de concessão (um instituto perfeitamente aceito no 
direito administrativo), obtiveram uma decisão condenando o governo federal a indenizá-
las pelos prejuízos que sofreram. O impacto econômico desta decisão – que pode ser 
medido e analisado pela economia e pelas finanças – pode muito bem servir de padrão de 
crítica à decisão judicial, já que por meio dele pode-se demonstrar ou negar que a decisão 
foi tomada com mais ou menos sentido jurídico, que ela violou, ou não violou a regra do 
tratamento igual perante a lei, e assim por diante. 
 
Pelo que se vê, a hipótese procede do caráter problemático do objeto. Ela pretende ser 
alguma resposta, mas uma resposta a um problema. Se, como já disse antes, não tivermos 
capacidade de formular um problema, não teremos tampouco capacidade de formular 
hipóteses. Nino vê um problema real na defesa simplesmente ‘legalista’ dos direitos 
humanos, pois que fica sujeita às contingências do poder político. Eu vejo um problema na 
reintrodução do ‘caso fortuito’ no direito do consumidor, e vejo um problema na 
indenização de alguns, mas não todos, no caso de perda e valor da moeda. O problema 
jurídico de Nino (a fundamentação de direitos reconhecidos no ordenamento nacional ou 
internacional) nasce de uma preocupação ética. Minhas preocupações nascem de 
inquietações éticas e econômicas. 
 
6. A lógica e a sintaxe do trabalho 
 
O trabalho jurídico, como qualquer trabalho acadêmico, é a expressão de um longo 
raciocínio sobre um determinado tema. Assim, também ele precisa de uma certa lógica. 
 26
Claro que se for um ensaio livre, uma reflexão sem fim, um ‘livre pensar’ não se submete à 
sintaxe de que vamos falar. Mas trabalho feitos em conclusão de curso (a monografia, para 
o bacharelado, a dissertação para o mestrado, e a tese para o doutorado) exigem 
normalmente a lógica. 
 
Isto envolve algumas regras fundamentais, que se apóiam nos princípios mais elementares 
da lógica, ou se quisermos, do próprio uso da linguagem. Estes são os princípios da 
identidade (uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa), da não contradição (uma 
coisa não pode ser ao mesmo tempo outra coisa), e do terceiro excluído (ou uma coisa, ou 
outra). Estestrês princípios importam muito. Assim, o primeiro e o segundo princípios nos 
previnem contra o uso metafórico das palavras: o uso das metáforas atrapalha a lógica 
porque dou o mesmo nome a coisas diferentes e, por causa, disto não posso ter certeza 
quanto aos resultados do discurso. 
 
Tomemos a palavra ‘cidadania’. Pode significar em português muitas coisas: o conjunto 
dos nacionais de um Estado (a cidadania como sinônimo de ‘sociedade civil’, e assim ‘a 
cidadania brasileira está motivada...’); o conjunto dos direitos políticos (alguém adquire ou 
perde a cidadania brasileira); a qualificação de uma faculdade ou poder (meu direito de 
cidadania). Tomemos a própria palavra ‘direito’ que tem tantos significados. Um bom 
trabalho jurídico pode começar explicando em que sentido vai usar as palavras, excluindo 
alguns e enfatizando outros. Em um caso muito interessante julgado no Tribunal Federal da 
3a. Região (São Paulo) o tribunal confundiu as palavras ‘dinheiro’ (no seu sentido 
coloquial) e ‘moeda’ (no seu sentido em direito financeiro). Tratava-se de uma disputa de 
um grande banco contra o Tesouro federal: o banco queria resgatar os títulos públicos com 
um certo índice de reajuste, que já havia sido extinto por lei. O Tesouro defendeu-se 
dizendo que não dispunha do valor, que não estava previsto no orçamento, logo ‘não 
existia’. O tribunal, no entanto, verificou que havia depósitos do tesouro nos bancos e 
embora tais depósitos fossem destinados às despesas previstas no orçamento (no caso 
concreto, eram depósitos para pagamento de funcionários e beneficiários da previdência) o 
Tesouro tinha sim dinheiro e deveria resgatar os títulos com aqueles depósitos. O uso 
 27
impróprio das palavras teve um custo altíssimo para a sociedade inteira, pois a ordem 
judicial implicou uma emissão imprevista de moeda. 
 
Um trabalho acadêmico deve, por isso mesmo, ter muito cuidado no uso das palavras, para 
garantir a ‘conseqüência’ do pensamento. 
 
Outro ponto merece destaque. Visto que o trabalho acadêmico é um longo argumento, 
deve-se tomar o cuidado na escolha e na formulação de cada uma das premissas. É preciso 
tomar cuidado com aquilo que se considera o ponto de partida que um auditório ‘universal’ 
poderia aceitar. Cada campo do saber tem seus conceitos mais ou menos definidos e as 
regras pelas quais se encadeia um pensamento no outro. 
 
Certa vez fui chamado a examinar uma tese, cujo tema (assunto) era a justiça no 
pensamento clássico, confrontada com o pensamento de Friedrich Hayek. A escolha do 
assunto já era problemática, porque Hayek chamou um de seus livros de A Ilusão da 
justiça. Assim, quem escrevia a tese deveria mostrar como poderia confrontar a tradição 
clássica, na qual a justiça é um objeto preeminente de discussão, com um economista do 
século XX totalmente descrente da relevância ou propriedade de uma discussão em torno 
de uma ilusão. Mesmo assim, o trabalho poderia ser feito. No entanto, o texto em vários 
momentos pedia que seu leitor aceitasse pontos de partida extremamente problemáticos e 
externos ao direito. Assim, para fundamentar a noção de autonomia dos sujeitos, o trabalho 
em vez explorar o conceito em si mesmo, ‘ilustrava-o’. A passagem era assim: 
“O conceito de autonomia é imprescindível para a compreensão da própria 
liberdade humana. Numa primeira e concisa aproximação ao tema da liberdade, 
diríamos que a liberdade que efetivamente interessa é aquela que se expressa na 
mais absoluta independência que o homem tem de conhecer a ratio da moral, 
independentemente de quaisquer circunstâncias, e, sobretudo, de agir segundo 
seus preceitos. Talvez pudéssemos ilustrar tal pensamento na figura de Gandhi 
ou, porque não, na corajosa personalidade do próprio Cristo, bem como na de 
todos os mártires do cristianismo.” 
 
Do ponto de vista conceitual o trabalho não disse rigorosamente nada. Disse que o conceito 
é imprescindível, disse qual a liberdade que interessa (a de agir com independência), e disse 
que Gandhi, Jesus e os mártires exemplificam esta liberdade. Mas não foi avante, não disse 
 28
porquê. Mais adiante o trabalho continua dizendo que o sentido de justiça é exclusivo dos 
seres humanos, que só a inteligência humana o capta, mas que para tanto é preciso “acordar 
de um sonho letárgico que [a] distrai das questões elementares da vida.” Além de não 
estabelecer nenhum conceito, usa uma metáfora (“acordar de um sonho letárgico”) para 
indicar um dever. Mas o dever aparece como um conselho, uma exortação, quase como um 
texto de auto-ajuda. Isto sem falar no implícito pedido de valoração positiva da personagem 
integral (Gandhi, Jesus) e sem falar nas enormes dificuldades que a própria teologia cristã 
enfrenta. Ao usar um adjetivo (corajosa) o texto não oferece um argumento e, do ponto de 
vista estritamente acadêmico, não leva a sério algumas questões da teologia. Seria preciso 
explicar porque é corajosa, em que consiste a coragem e o que a coragem tem a ver com a 
autonomia e com a liberdade. Tudo isto poderia ser feito, mas não foi. O exemplo puro e 
simples sugere que Jesus tivesse uma qualidade moral particularmente superior, o que os 
teólogos cristãos debatem há quase dois mil anos. No âmbito da teologia cristã fala-se de 
maneira diferente de Jesus de Nazaré de Jesus Cristo. Cristo é um título que lhe foi dado 
pelos seguidores, não um nome que tivesse usado. Discute-se também qual a espécie de 
consciência cristológica tinha Jesus de Nazaré e assim por diante. 
 
Não mal em tomar figuras – e figuras fundadoras de religiões - como exemplos, mas os 
exemplos, em um trabalho acadêmico devem se tornar tipos ou conceitos que se podem 
analisar e utilizar intelectualmente para prosseguir em análises. É mais do que conhecido o 
livro de Hannah Arendt, A Condição humana. Ela não tem nenhuma dúvida em chamar a 
atenção para a atitude de Jesus, conservada nas distintas narrativas de sua vida, segundo a 
qual o perdão é uma ação política. O que faz Arendt? Toma os exemplos de perdão – 
originalmente situado no âmbito religioso - e o transforma em um tipo de ação: a ação que 
se recusa a repetir o que se sempre se fez, ou a retribuir o mal. Dali, parte para dizer que 
esta ação é política, pois a rigor põe fim à vingança familiar, possibilitando a existência da 
comunidade política maior, a cidade. Ela valeu-se de um exemplo, vindo da tradição 
religiosa do Ocidente, para analisar um tipo de ação humana. 
 
Para garantir a sintaxe e a lógica do argumento, fazem-se os projetos. Todo projeto é uma 
síntese do trabalho, é o mapa a guiar o autor e também o leitor. O projeto comporta 
 29
algumas partes claras: (a) explicação do tema e do problema; (b) justificativa de sua 
relevância e da forma de abordá-lo; (c) Descrição dos pressupostos teóricos e hipóteses; (d) 
a indicação da técnica mesmo da pesquisa; (e) primeiro levantamento bibliográfico. 
 
Com estas partes o leitor (ou ouvinte) sabe do que se vai falar, qual o intinerário do 
argumento (como será dividido o assunto, o que virá antes e depois), o que o autor 
pressupõe e o que o autor deseja demonstrar, e o que o autor pretende ler. Cada um desses 
quesitos permite à comunidade avaliar o trabalho. Por exemplo, se o autor deseja fazer um 
trabalho sobre direitos humanos, há textos indispensáveis, com os quais o estudioso deve se 
confrontar: se o projeto não apresentar esses trabalhos, o orientador (ou um interlocutor 
qualquer do estudioso) poderá dizer-lhe que mesmo para contradizer ou superar aquele 
trabalho, ele deve ser lido e mencionado. 
 
Em geral, a parte mais substantiva do projeto inteiro é resumida nas introduções do trabalho 
final. E os pressupostos metodológicos – o famoso‘capítulo’ metodológico do trabalho – 
segue a introdução. Tomo aqui outra ilustração, agora de um autor que deu nova vida à 
filosofia política normativa, John Rawls. No primeiro capítulo de Uma teoria da justiça, 
diz ele que vai ‘esboçar algumas das principais idéias da teoria da justiça que pretende 
desenvolver’. Quando acompanhamos o texto o que encontramos é exatamente o 
estabelecimento dos seus pressupostos, ou seja, como ele entende os termos de que vai 
tratar e como os articula. Assim começa por definir (a) a justiça como a ‘primeira virtude 
das instituições sociais’, desempenhando no campo das leis e instituições o papel que a 
verdade desempenha no campo da especulação (teoria). A (b) inviolabilidade da pessoa 
humana está fundamentada na justiça. Como as pessoas vivem em sociedade, define a (c) 
sociedade como ‘uma associação mais ou menos auto-suficiente de pessoas que 
reconhecem certas regras obrigatórias’. E das sociedades pode-se predicar que são bem ou 
mal ordenadas, sendo que as bem ordenadas (d) são as que não apenas promovem o bem 
mas são ‘reguladas por uma concepção pública de justiça’. O texto prossegue falando do 
que é o objeto da justiça (‘o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade’), 
qual a idéia principal da sua tese (‘uma teoria que leva a um plano superior de abstração a 
teoria do contrato social’ e ‘os princípios básicos da justiça são objeto do consenso original 
 30
... em uma situação hipotética de liberdade eqüitativa). Em seguida justifica um dos termos 
centrais do trabalho (a posição original) e apresenta os adversários que pretende refutar (o 
utilitarismo clássico, o intuicionismo). O capítulo é simultaneamente uma síntese do que 
vai fazer mas também a primeira explicação do que faz: mostra que o trabalho tem uma 
pretensão normativa (não é um trabalho de sociologia da justiça, ou de história das idéias de 
justiça) e estipula (ou define) o uso dos termos comuns (justiça, sociedade, contrato social, 
etc) para os fins de sua teoria. 
 
O capítulo ou a seção metodológica é isto, e é de importância porque permite que o 
estudioso (estudante) não se perca. Normalmente é fruto de reflexão. Ninguém a escreve 
sem ter pensado muito ao fazer o projeto e ninguém deixa de revê-la e reescrevê-la ao final 
do trabalho. 
 
7. Resumindo 
 
Para sugerir um trabalho jurídico mais criativo e rigoroso, comecei falando de como se 
entende o direito e naquela altura comparei-o a uma língua. Pode-se aprendê-la, mas uma 
língua serve para pensarmos e falarmos: precisamos ter o que pensar e o que falar. Na 
segunda parte procurei indicar o que se entende por um objeto jurídico, pressupondo que o 
direito é uma disciplina das normas sem que isto signifique legalismo obtuso, e sugeri que é 
relevante para um bom trabalho partir de um problema, ao qual se aplicam as hipóteses de 
solução, e tudo isto é mostrado ao leitor como um grande argumento com sua sintaxe 
própria. 
 
Antes de encerrar há tempo para duas breves observações. A primeira relativa ao estilo, a 
segunda relativa à importância mesma da reflexão sobre o método. 
 
Toda disciplina desenvolve naturalmente um jargão, uma linguagem própria. Isto não se 
confunde, porém, com um estilo desnecessariamente obscuro e pedante. Embora saibamos 
que os juristas inclinam-se sempre para as elites, para a convivência agradável com os 
prazeres da vida requintada, afluente ou simplesmente snob, os textos jurídicos poderiam 
 31
ser mais claros. A este propósito lembro a crítica de Karl Popper a seus colegas, professores 
de filosofia na Alemanha. Dizia ele que muitos confundiam a profundidade com o falar 
impressionante. 
“Eu suspeito que em algumas das ciências sociais e das filosofias mais 
ambiciosas, e especialmente na Alemanha, o jogo tradicional, que se tornou em 
larga escala um padrão inconsciente e inquestionado, é de formular as maiores 
trivialidades em linguagem altissonante.” (Popper 1978, 42) 
 
O estilo simples, claro, com poucos adjetivos, com frases diretas deveria ser mais cultivado 
entre os juristas e acrescentaria muito à solução de problemas. Na mesma ordem de idéias, 
é bom lembrar que não é preciso citar apenas para demonstrar erudição. No campo do 
direito, com cerca de mil anos de vida acadêmica ininterrupta na tradição européia, citar a 
todos é impossível e desnecessário. 
 
A breve reflexão sobre o método quer apenas dizer que ele nos ajuda a pôr ordem na 
corrente de pensamento. Com certa ordem, pode-se chegar mais longe. Um dos polêmicos 
fundadores da ciência moderna, Francis Bacon, disse com graça e propriedade algo que 
vale para qualquer um que deseja fazer trabalhos com método: “Nem a mão nua nem o 
intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. (...) Assim como os instrumentos mecânicos 
regulam e ampliam o movimento das mãos, os da mente aguçam o intelecto e o precavêm.” 
(Novum organum). Aristóteles advertia seus alunos: “O sábio começa pelo fim, o tolo 
termina onde começou.” Gastar um pouco de tempo com esta ferramenta intelectual que é 
metodologia pode ajudar muito, mas também gastar tempo em pensar sobre o mundo e o 
andar das coisas. O método ajuda, é mesmo indispensável para avançar e comunicar-se, 
mas não substitui as idéias. Ele é talvez o terreno bem tratado, ou os instrumentos de 
tratamento do terreno, mas a colheita depende ainda de outras coisas. 
 
Bibliografia 
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Dewey, John. (1983) Logical method and law [1924] in The Middle Works 1899-1924. 
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Dworkin, Ronald. (1977) Taking rights seriously. Cambridge: Harvard U. Press. 
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 32
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Popper, Karl. (1978) Lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 
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Ricoeur, Paul. (1971) Événement et sens, in Revelation et histoire – Actes du colloque 
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___________. (1988) El Discurso de la acción. Madrid: Ediciones Cátedra. 
Saussure, Ferdinand de. (1972) Curso de lingüística geral. 4a. ed. [orig. 1916] São Paulo: 
Cultrix.

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