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RESUMO O homem cordial Sérgio Buarque de Holanda

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O “homem cordial” relaciona-se com o social por meio de uma ética de fundo afetivo, confunde respeito com o desejo de estabelecer intimidade, pensa o Estado como a amplificação ou ramificação do círculo familiar e escolhe os homens públicos por confiança pessoal e à margem de suas efetivas capacidades. O “homem cordial” que habita o modelo mental de todos nós, brasileiros, é fruto de uma sociedade estruturada em um tipo primitivo de família patriarcal, incapaz de distinguir os domínios do público e do privado, e de entender que o Estado prorrompe da ruptura com as vontades particularistas e com os círculos fechados.
A corrupção é uma cepa de bactérias bastante resistente e que grassa em ambiente favorável, como reconhecidamente se apresenta o mundo habitado pelo “homem cordial”, deveras propício ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao aulicismo. Eu mesmo, confesso, no exercício de meus papeis sociais, deparo-me com uma refrega titânica entre minha consciência republicana e o “homem cordial” que em mim viceja e irradia seu magnetismo atávico.
Era disso que Sérgio Buarque de Holanda tratava quando lançou, há exatos 80 anos, o conceito de "homem cordial", seu esforço para traçar um perfil psicológico do nosso povo em seu livro Raízes do Brasil, publicado em 1936. Por cordial, o historiador não se referia à hospitalidade, expansividade ou simpatia como nossas vocações "naturais", e sim ao hábito de agir - e reagir - mais com o coração (do latim cordis) do que com a razão.
Aqui, observou o pai de Chico Buarque em sua obra clássica, "cada indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo".
Nossas convicções se adequam a nossos interesses privados, mesmo quando tratamos de temas de interesse público (o popular "farinha pouca, meu pirão primeiro"). É um exercício permanente de adaptação da realidade. Não é assim hoje mesmo?
Experimente escolher um lado em política. Para ficar no caso que mais nos causa comoção: contra ou a favor do Partido dos Trabalhadores - que, aliás, teve em Sérgio Buarque de Holanda um de seus fundadores.
A hipótese do “homem cordial”, se não for a principal, certamente é uma das principais hipóteses do trabalho de Sérgio Buarque de Holanda em seu livro “Raízes do Brasil”. Holanda mostra como a família patriarcal no Brasil contribuiu para a formação do “homem cordial”, aquele individuo que não consegue separar o público do privado, que não consegue entender que a vida no Estado burocrático deve ser impessoal e não pessoal. Na verdade, Holanda afirma que o “homem cordial” é a contribuição do Brasil para a civilização.
Para desenvolver tal argumento, Holanda vai lançando os fundamentos de seu pensamento desde o início de seu livro. No primeiro capítulo, onde fala sobre nossas origens ibéricas, Holanda argumenta sobre a precariedade das idéias de solidariedade entre hispânicos e portugueses em função da cultura da personalidade ou do personalismo presente entre estes povos europeus. Holanda observa que a idéia de solidariedade entre os povos ibéricos só existe onde há vinculação de sentimentos, característica marcante do homem cordial.
Já no segundo capítulo, onde contrasta dialeticamente o trabalhador e o aventureiro, Holanda argumenta que o que faltou para o êxito do labor produtivo entre nós foi uma capacidade de livre associação entre os elementos empreendedores do país. Todavia, o que ocorreu de fato foram vínculos de pessoa a pessoa, compreensíveis em uma sociedade de origem personalista como a nossa. Mesmo não citando ainda a expressão “homem cordial” neste segundo capítulo, Holanda já lança as bases para dele falar mais à frente, quando mostra que a peculiaridade da vida brasileira foi a acentuação do afetivo, do passional, e também um bloqueio quanto a qualidades de ordenação, de disciplina, de racionalização, ou seja, o contrário do que se deve esperar de um Estado burocrático impessoal.
Se já havia lançado as bases para o homem cordial nos dois primeiros capítulos, é no terceiro capítulo, que Holanda torna ainda mais explícitos os fundamentos do homem cordial em nossa sociedade brasileira. Ao escrever sobre a nossa herança rural, Holanda mostra a força do modelo da família patriarcal no Brasil, força esta favorecida pelo fato de toda a estrutura de nossa sociedade colonial ter se desenvolvido fora dos meios urbanos, ou seja, no meio rural, com um forte predomínio deste modelo patriarcal de família. Essa influência se fez sentir nas relações políticas, onde os partidos políticos também se constituíam à semelhança de famílias patriarcais, onde os vínculos sentimentais, afetivos e biológicos estavam acima de interesses e idéias. Nestes domínios rurais que foram a base para o surgimento do “homem cordial”, a autoridade do proprietário de terras jamais era confrontada. Desta forma o quadro familiar tornou-se tão poderoso que sua influência, mesmo fora do ambiente familiar, perseguiu os indivíduos. Segundo Holanda, ainda argumentando no terceiro capitulo de seu livro, foi impossível, portanto, que tal organização familiar, deixasse de estabelecer fortes marcas em nossa sociedade, vida pública e outras atividades. Quando as cidades começaram a se desenvolver de forma mais efetiva, as pessoas que saíram das zonas rurais em direção à vida citadina já levaram consigo os valores recebidos no seio das famílias patriarcais, favorecendo assim a disseminação dos valores do homem cordial em nossa sociedade, inclusive no âmbito dos serviços públicos e nas relações entre governantes e governados. Os centros urbanos brasileiros nunca deixaram jamais deixaram de sentir a influência da ditadura dos domínios rurais.
Após discorrer sobre o semeador e o ladrilhador no capítulo quatro, Holanda chega então ao capítulo cinco, onde descreve com detalhes, segundo sua tese, o “homem cordial”. Para Holanda, o “homem cordial” – contribuição do Brasil para a civilização, que se desenvolveu a partir de características peculiares aos povos ibéricos e a partir de características comuns à formação de nossa sociedade colonial – tem certas marcas que o distinguem. Ele sente pavor em viver consigo mesmo; para ele, a parcela social, tende a ser o que mais importa. O “homem cordial” sente dificuldade de uma reverência prolongada ante um superior; até prestamos reverencia, desde que não seja suprimida a possibilidade de convívio mais familiar. A manifestação normal de respeito que outros povos demonstram, para nós é dissolvida em desejo de intimidade. Esse modo de ser reflete-se em nossa inclinação para emprego de diminutivos e para a tendência de omissão do nome de família prevalecendo nome individual. Tem também uma ética de fundo emotivo. Outro aspecto comum ao povo brasileiro, segundo SBH, legítimo representante do “homem cordial”, é o tratamento dos santos com uma intimidade quase desrespeitosa; o próprio Deus é um amigo familiar, doméstico e próximo. Nossa cordialidade se traduz ainda em horror às distâncias interpessoais até mesmo no campo espiritual. Para nós, o rigor do rito se afrouxa e se humaniza.
No capítulo seis, Novos Tempos, Holanda mostra como o “homem cordial” afetou nossas concepções políticas. O liberalismo democrático, por exemplo, só foi assimilado entre nós até onde permitiu tratarmos com familiaridade nossos governantes e até onde pode negar a autoridade confirmando nosso horror às hierarquias.
Já finalizando seu livro, em seu último capítulo intitulado “Nossa Revolução”, Holanda continua mostrando as influências do “homem cordial” em nossa vida política e social. Para tal, ele lembra como, entre nós, os próprios ideais da Revolução Francesa sofreram a interpretação que melhor pareceu acomodar-se aos velhos padrões patriarcais e coloniais. Holanda argumenta como a idéia de uma entidade imaterial e impessoal, pairando sobre os indivíduos e presidindo seus destinos, é dificilmente inteligível para nós, povos da América Latina. Para Holanda, emfunção de nossa noção de bondade natural, nosso “homem cordial” encontraria uma possibilidade de articulação entre seus sentimentos e as construções mais dogmáticas da democracia liberal nas idéias da Revolução Francesa. Todavia, com a simples cordialidade não se criam bons princípios. É necessário que o “homem cordial” se submeta a algum elemento normativo. Somente assim haverá progresso social.
É interessante, também, relacionar este conceito do “homem cordial” com outras leituras que temos feito. Vemos o princípio da cordialidade já no primeiro documento da literatura brasileira. Basta notar como Pero Vaz de Caminha já misturava o público com o privado. Depois de escrever um documento oficial ao soberano de Portugal, no fechamento da carta Caminha aproveita para pedir um favor pessoal ao Rei, ou seja, que este mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, seu genro.
Ainda nos escritos de Gilberto Freyre, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, vemos as marcas do “homem cordial”. Especialmente quando ele fala como entre nós, os nomes próprios foram perdendo a solenidade, dissolvendo-se deliciosamente na boca dos escravos. Criamos também, em detrimento do modo português, um modo novo de colocar os pronomes, inteiramente característico do brasileiro. Um modo bom, doce, de pedido. Ainda vemos as marcas do “homem cordial” em G. Freyre quando ele fala de nossa religião doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens. Um cristianismo doméstico, lírico e festivo, de santos compadres, de santas comadres dos homens, de Nossas Senhoras madrinhas dos meninos. Isso faz bem lembrar de Sérgio Buarque de Holanda quando ele fala que o “homem cordial” trata os santos com uma intimidade quase desrespeitosa e que não se conforma com o rigor do rito.
Concordo plenamente com SBH quando ele diz que o Estado não é uma ampliação do círculo familiar, que entre estes existe até mesmo uma oposição por pertencerem a ordens diferentes, que não entender isso gera crises que podem afetar a sociedade. Concordo também quando ele diz que a vida no Estado burocrático é caracterizada pela ordenação impessoal. Todavia, penso que, quando as características do homem cordial não ultrapassam os limites, invadindo assim a esfera pública do Estado burocrático, estas características não são de todo ruins. Pessoalmente entendo com muito positiva a inclinação do brasileiro para a vida em sociedade. Penso também que, mesmo entre um superior e um subalterno é possível uma relação mais pessoal sem que esta extrapole os limites no sentido de vantagens pessoais. Como religioso e cristão, também prefiro o rito mais frouxo e humanizado, a intimidade com a divindade. Não vejo nisso, necessariamente, perda de espiritualidade. Seja como for, este tema do “homem cordial” é algo que deve ser pensado pela sociedade brasileira para que os limites do público não sejam invadidos pelo privado e tenhamos assim uma sociedade mais justa, isenta e igualitária.

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