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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MANUAL DE ÉTICA GERAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os autores: 
Padre Elton João C. Laissone 
Padre Jorge Augusto 
Padre Luís Alberto Matimbiri 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BEIRA 
FEVEREIRO DE 2017
 
1 
 
INTRODUÇÃO 
O discurso ético é tanto antigo quanto é antiga a história do ser humano. Desde as suas origens, 
sobretudo quando ganhou a consciência da sua presença como ser diferente, e desde que começou 
a fazer a experiência da sua existência e busca de realização, o ser humano sempre se inquietou 
sobre como estar com os outros, como agir, como deve ser e fazer. Por isso, pode-se sustentar que 
o discurso ético inicia com grandes questionamentos, tais como: Quem sou eu? De onde vim? Para 
onde vou? Em que mundo vivo? Como é que vivo? Até quando viverei? Como viver e agir perante 
os outros e a natureza? E o que será o depois da minha partida deste mundo? 
Boff refere que o capitalismo neo-liberal levou-nos a acreditar em dois infinitos totalmente 
ilusórios: o infinito dos recursos naturais (convencimento de que os recursos que a natureza nos dá 
são sempre renováveis) e o infinito do crescimento (a ideia do crescimento ilimitado, sobretudo o 
crescimento económico). 
E, com estes infinitos, o séc. XX legou-nos uma aliança entre dois tipos de desumanização: 
a) O primeiro vem das profundezas do tempo (a nossa própria história cometeu erros) e traz 
guerra, massacre, deportação, escravatura, fanatismo, entre outros; 
b) O segundo vem do âmago da racionalização, que só conhece o cálculo e ignora a pessoa, 
seu corpo, seus sentimentos, sua história, sua alma, sua emoção, e que multiplica o poderio 
da ciência e da técnica, criando assim uma cultura de morte e de servidão técnico-industrial. 
Portanto, estamos diante duma aliança de morte: é só pensar nas armas nucleares (guerras ABC1), 
nos novos perigos (morte ecológica, drogas, violências, solidão, angústia existencial, e muito mais). 
De facto, hoje é comum ouvir expressões como: este nosso século sofre de falta de autenticidade, 
o séc. XXI ou será ético ou não será; a espécie homo está a ser auto-destruidora; cuidemos da nossa 
terra, paremos de agredir e de destruir o nosso planeta, pois, o nosso futuro e o da terra é o mesmo. 
Por meio duma profunda conversão, precisamos de repensar a nossa aliança com a própria vida, 
com Deus, connosco mesmos e com a natureza em que vivemos e da qual fazemos parte. 
O presente manual nasce da necessidade de despertar o universo ético em todos os estudantes da 
Universidade Católica de Moçambique. A Vice-reitoria para a área da Pastoral e Extensão 
 
1 Armas atómicas, biológicas e químicas. 
 
2 
 
Universitária, tendo verificado a existência de várias cadeiras ligadas à ética nas diferentes 
Unidades Básicas, e sentido a dispersão em relação à orientação ética plasmada na política da 
própria Universidade, achou por bem propor um único manual a todas elas como forma de 
harmonizar a orientação ética nas mesmas Unidades Básicas para os estudantes dos primeiros anos. 
Tal ideia foi aprovada pela Reitoria. Assim, três capelães foram indicados para elaborar o manual 
e apresenta-lo no encontro de todos os capelães. O manual foi elaborado e apresentado. Depois, a 
Vice-reitoria para a área da Pastoral e Extensão Universitária deu a forma final ao manual e o seu 
devido encaminhamento para que o manual pudesse hoje estar nas nossas mãos. 
É de salientar que o objectivo do manual é de oferecer, em termos gerais, as ferramentas necessárias 
para despertar nos estudantes a postura ética desejada pela Universidade, e tão querida nos dias de 
hoje, pois assim se reconhece a contribuição que ela está a dar para a formação do ser humano, a 
partir da visão cristã que ela tem do ser humano e do mundo. Por isso, este manual entra na lista 
daqueles manuais característicos, identificativos e distintivos da UCM. 
Sendo assim, o manual apresenta a seguinte estrutura: A primeira unidade apresenta a natureza da 
ética. A segunda unidade faz um breve historial da ética desde a antiguidade até aos nossos dias, e 
inclui a questão dos ideais éticos. A terceira unidade fala da pessoa humana como fundamento da 
ética. A quarta unidade fala da pessoa humana como sujeito de valores. A quinta unidade fala dos 
direitos e dos deveres fundamentais da pessoa humana. A sexta unidade apresenta a pessoa humana 
como um ser social e político. E a sétima unidade discute a problemática ligada à ética, à pessoa 
humana e ao ambiente, centrando a sua reflexão na Carta Encíclica do Papa Francisco Laudato Si’ 
sobre o cuidado da nossa casa comum. 
Portanto, espera-se que este manual, aparentemente denso de conteúdos, (a) possa, de facto, 
despertar a sensibilidade ética em todos os que dele fizerem uso, sobretudo aos docentes e 
estudantes, (b) possa oferecer as ferramentas necessárias para a adequada compreensão do dever 
profissional dos estudantes por meio das cadeiras de ética profissional dada nos finais da sua 
formação académica, e (c) possa também provocar uma profunda conversão, de modo a podermos 
repensar a nossa aliança com a própria vida, com Deus, connosco mesmos, com os outros e com a 
natureza em que vivemos e da qual fazemos parte. 
 
 
3 
 
UNIDADE I – NATUREZA DA ÉTICA 
CONTEÚDOS DA PRIMEIRA UNIDADE 
1.1- Estudo etimológico do termo ética 
1.2- Riqueza terminológica e expressiva 
1.3- Objecto de estudo da ética 
1.4- Para uma conceitualização e definição da ética 
1.5- Características da ética 
1.6- Tipologia da ética 
1.7- Ética e moral 
OBJECTIVO PRINCIPAL DA PRIMEIRA UNIDADE 
Esta unidade pretende levar os estudantes a conhecer a natureza da ética a partir da sua etimologia, 
do seu objecto, dos seus métodos, das suas tipologias, procurando também discutir a 
conceitualização e a definição da ética e a distinção entre a ética e a moral. 
 
1.1- Estudo etimológico do termo ética 
Etimologicamente, o termo “ética” vem do grego ethos. Quando escrito éthos, com acento agudo 
(em grego, inicia com a letra épsilon), representa a ideia fundamental de usos, costumes, que na 
vida de um povo ocupam um lugar importante no conceito próprio de moralidade, e, portanto, 
identificando-se mais com a moral e, quando escrito êthos, com acento circunflexo (em grego, 
inicia com a letra êta), significa carácter ou modo de ser, e dá, portanto, a ideia de disposição 
interior, de personalidade. Portanto, podemos dizer que o universo ético compreende esses dois 
pôlos: o pôlo exterior (próprio da moral, dos costumes), e o pôlo interior (próprio da interioridade, 
do carácter). 
Originariamente, o conceito era tomado a partir do seu carácter exterior, de vida colectiva. Daí o 
conceito ser usado para acções que promovam o bem comum ou a justiça no meio social. Devido 
ao facto de que os gregos a utilizavam no sentido de hábitos e costumes que privilegiassem a boa 
vida e o bem viver entre os cidadãos, com o tempo tal palavra passou a significar modo de ser ou 
carácter. Enfim, tinha que se garantir um modelo de vida que deveria ser adquirido ou conquistado 
pelo homem por meio da disciplina rígida que lhe formaria o carácter e que seria transmitida aos 
jovens pelos adultos. Na Grécia, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e da 
moral, uma vez que para sua cultura até os deuses eram humanos com seus defeitos e qualidades. 
 
4 
 
O primeiro filósofo que escreveu sobre ética foi Aristóteles. Com esse título, Aristóteles escreveu 
duas obras: Ética a Nicómaco (seu filho) e Ética a Eudemo (seu aluno). 
Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidadeda vida presente e do sumo 
bem. Nos textos antigos, ética quase sempre parece estar relacionada com desejo inato ao homem 
de busca da realização do sumo bem. A filosofia grega preocupa-se com a reflexão sobre ética 
desde os primórdios. Isso porque ética, ou a sede de justiça, é uma das três dimensões da filosofia. 
As outras duas seriam a teoria e a sabedoria. Em Roma, ética passa a ser denominada “mores”; que 
significa “moral”. No direito romano a palavra ética refere-se a normas de conduta ou princípios 
que regem a sociedade ou um determinado grupo e em uma determinada época. Numa palavra: lei. 
A ética é histórica, o que se deve ao facto de estar solidificada em noções de valor, que mudam à 
medida que se descobrem novas verdades. O agir ético não será apenas uma simples reprodução 
de acções das gerações anteriores, mas uma actividade reflexiva que oriente a acção a seguir num 
determinado momento de nossa vida pessoal. Quando surgem questionamentos sobre a validade 
de determinados valores ou costumes, e a realidade exige novos valores que possam orientar a 
ética, surge a necessidade de uma teoria que justifique esse novo agir, uma vez que é impossível a 
acção ética sem que o agente compreenda a racionalidade dessa acção. Aqui aparecem os filósofos 
que produzem uma reflexão teórica que oriente a prática ou a crítica do viver ético. 
1.2- Riqueza terminológica e expressiva 
Os significados principais da ética podem ser sintetizados da seguinte forma, como expõe Carlos 
Maria Martini, na sua obra Viagem pelo vocabulário da ética (citado em Ética geral: 
apontamentos, s.a.: p.2): 
a) Ética significa costume, o que se costuma fazer, aquilo que normalmente se faz. Ethos, em 
língua grega, indica o costume social, o modo de comportamento próprio de uma determinada 
sociedade. 
b) Outro significado mais específico indica uma sociedade bem orientada, isto é, uma sociedade 
que se pode definir ‘boa’, que segue comportamentos que brotam da experiência e da sabedoria, 
como elementos positivos para a paz, a ordem social e o bem comum. 
 
5 
 
 Vem depois o sentido absoluto que significa: aquilo que é bom em si mesmo, aquilo que 
deve ser feito ou evitado a todo o custo, o que é digno do homem, o que se opõe ao que é 
indigno, o que não é negociável, nem se pode discutir ou transgredir. 
c) Por fim, temos também o significado de reflexão filosófica sobre os comportamentos humanos 
e sobre o seu sentido último. 
Diz o cardeal Martini: 
Penso que a ética deva ser principalmente um lugar onde as pessoas sejam 
permanentemente encorajadas, animadas e confortadas. A grande palavra da ética é: podes 
fazer mais e melhor, na vida és chamado a ser algo superior; é possível ser honesto e é 
uma aventura extraordinária do espírito. (Martini, 1994, citado em Ética geral: 
apontamentos, s.a.: p.2) 
1.3- Objecto de estudo da ética 
A ética estuda as acções humanas. Sendo assim, seu objecto distingue-se em material e formal. O 
objecto material diz respeito aos actos humanos que se devem distinguir dos actos do homem. 
Os actos humanos são acções praticadas de forma livre, consciente, deliberada e voluntária, acções 
essas que afectam a própria pessoa, a outras pessoas, ou a determinados grupos sociais ou mesmo 
a sociedade no seu todo. 
Os actos do homem são aqueles praticados de modo inconsciente e involuntário, ou seja, são 
aqueles actos em que a vontade humana não entra ou a sua liberdade não entra em jogo. 
O estudo do objecto da ética leva-nos à conclusão de que a pessoa antes de praticar qualquer acção 
deve analisar os prós e os contras e estar preparada para assumir os riscos e as consequências. Por 
outras palavras, toda a acção ética deve visar algum bem. Portanto, ela deve buscar todos os meios 
possíveis para alcançar esse tal bem. 
1.4- Para uma conceitualização e definição da ética 
A ética, partindo do seu étimo, pode ser entendida como o abrigo que confere protecção e segurança 
aos indivíduos (cidadãos), aqueles responsáveis pelos destinos da pólis (cidade). Ela é, por um 
lado, o produto das leis erigidas pelos costumes, e, por outro, das virtudes e hábitos gerados pelo 
carácter dos indivíduos. Por isso, a ética não só diz respeito aos costumes culturais ou sociais, mas 
também se refere ao perfil, a maneira de ser e a forma de vida adquirida ou conquistada pelo 
 
6 
 
homem. A ética imprime o carácter da pessoa: mostra-me como te comportas e eu te direi o grau 
da tua ética. 
A ética pode ser definida como a teoria acerca do comportamento moral dos homens em sociedade, 
ou seja, ela trata dos fundamentos e da natureza das nossas atitudes, e se manifesta efectivamente 
na conduta do homem livre. Por isso, o mundo do ethos é composto por dois lados: a colectividade 
(intersubjectividade) e a subjectividade (individualidade). Existem condicionantes internos 
(carácter) e externos (costumes) que determinam a conduta do indivíduo. Portanto, o que se está a 
dizer é que a prática do bem e da justiça envolve o respeito às leis da pólis (heteronomia) e a 
intenção individual de cada sujeito em fazer o bem (autonomia). 
Mas a boa conduta é também determinada pela educação (em grego paidéia). Paidéia é todo o 
processo de formação do homem grego. É, portanto, o que chamamos de educação. Ela fornece as 
regras e ensinamentos morais aos indivíduos; orienta os juízos e decisões dos homens no seio da 
comunidade; e transmite valores acerca do bem e do mal, do justo e do injusto. Ela constitui-se 
como elemento fundamental para a construção da sociabilidade do ser humano. 
A função do ethos é promover a excelência moral, ou seja, a prática das virtudes (areté). E o 
exercício das virtudes tem como fim último a felicidade (a vida boa, a vida virtuosa). A ética trata 
do comportamento do ser humano, da relação entre sua vontade e a obrigação de seguir uma norma, 
do que é o bem e de onde vem o mal, do que é certo e errado, da liberdade e da necessidade de 
respeitar o próximo. Ela se impõe como a condição fundamental de possibilidade para a prática das 
virtudes e o exercício da cidadania. 
A ética também diz respeito ao saber científico específico que caminha em direcção ao bom. O 
ético expressa uma qualidade ou uma dimensão da realidade humana em relação à responsabilidade 
das pessoas. O ético é o que revela bom carácter, boa conduta, ao passo que o antiético é o oposto, 
ou seja, o que manifesta conduta duvidosa, uma conduta que deixa muito a desejar. 
1.5- Características da ética 
Estas anotações de síntese levam-nos à reflexão das características da ética. De facto, como 
resultado da análise do universo moral, surgem diversas características próprias deste fenómeno. 
Das várias, e inspirados no manual de Ética geral: apontamentos, vamos apresentar sete, que 
achamos serem principais. 
 
7 
 
1.5.1- A ética é irredutivelmente diferente 
Ainda que confundível e, de facto, frequentemente confundido com outras realidades, o moral é 
essencialmente diferente e não redutível a elas. O que se verifica nomeadamente com relação aos 
imperativos ou normas sociais, religiosas, jurídicas, etc. As diversas tentativas ‘redutoras’ do moral 
– como a psicanalítica, a teoria emotiva, a da escola sociológica, etc., – revelam-se insustentáveis, 
cometendo frequentemente o paralogismo que consiste em passar indevidamente do que se refere 
à génese psicológica para o que diz respeito à essência ou natureza da realidade em estudo. 
1.5.2- A ética é relativa à liberdade 
O bem ou o mal moral só se consideram existentes, propriamente falando, nos actos livres; só são 
atribuídos às pessoas que agem (ou são supostas a agir) livre e responsavelmente. Por outras 
palavras, a moralidade é universalmente percebida comoimplicando essencialmente a liberdade. 
O valor moral apresenta-se como o valor próprio do agir livre e do agente livre. 
1.5.3- A ética é “pessoal” 
Formulando de outro modo o acima dito: é convicção universal que a moralidade não se verifica 
em qualquer acto realizado por um ser humano, mas apenas naqueles de que este é verdadeiro 
autor, que pode chamar verdadeiramente ‘seus’ e pelos quais é, por isso mesmo, responsável. Tais 
actos, verdadeiramente ‘pessoais’, são os que, em terminologia escolásticas (também adoptada 
pelos autores não escolásticos) se designa por actos humanos, por contraposição aos actos ditos 
simplesmente do homem (mas não da pessoa). 
1.5.4- A ética é “humana” 
O valor moral está assim ligado ao que no ser humano é mais ‘seu’, mais pessoal, mais humano. 
Este carácter eminentemente humano do moral patenteia-se eloquentemente no facto conhecido da 
linguagem comum, que reserva o sentido moral aos adjectivos bom/mau quando usados sem 
qualquer especificação: dizer de alguém que é bom, sem mais, equivale a dizer que é moralmente 
bom. O que sugere que o valor do ser humano como ser humano, está ligado ao que ele vale 
moralmente. 
O valor moral é universalmente humano: coextensivo a todos os sectores da existência humana e a 
todos os indivíduos humanos. Isto significa duas coisas: 
 
8 
 
a) O valor próprio do ser humano enquanto ser humano (o valor moral) não se refere apenas a um 
determinado sector ou sectores da vida humana, mas estende-se a todos (individual, familiar, 
profissional, económico, etc.). A moralidade penetra toda a vida humana, desde que aí esteja 
implicada a liberdade. 
b) O mundo moral estende-se a todos os seres humanos, a todos os seres que partilham a mesma 
‘natureza’ que os faz seres humanos. E isto em nada contradiz, antes pelo contrário, a 
diversidade individual e as variações históricas entre os homens. 
1.5.5- A ética é relativa a normas 
Como se verifica em todas as avaliações, também a atribuição de valor moral aos actos humanos e 
seus autores é feita mediante a sua confrontação (implícita ou explícita) com as normas que se 
julga deverem reger a conduta humana. Nisto consiste precisamente o “emitir um juízo de valor”, 
afirmar a conformidade ou não entre o que ‘é’ e o que ‘devia ser’. 
1.5.6- A ética é incondicional 
A normatividade moral é geralmente concebida – pelo facto de que é experimentada desta forma 
por cada um – como possuindo um carácter de irrecusabilidade, graças à qual o ser humano, 
mesmo tornando-se capaz de a desrespeitar, não tem a possibilidade de a anular. Portanto, a 
exigência moral apresenta-se como incondicional, absoluta e categórica, ou seja, nem ‘hipotética’, 
nem ‘disjuntiva’. Tudo isto aparece mais claramente, embora não exclusivamente, nos casos em 
que o valor moral se apresenta como obrigatório, como dever. 
1.5.7- A ética é transcendente 
O carácter incondicional ou absoluto de que aparece revestido o valor moral faz com que ela surja 
como superior a todos os outros (com a excepção, até certo ponto, do valor religioso, o qual está 
de resto intimamente ligado a ele), preferível a qualquer outro, não sacrificável perante nenhum, 
inegociável. Isto faz com que, em vez de se apresentar como um valor para o ser humano, parece 
que, pelo contrário, é o ser humano que para ele está orientado e a ele submetido. E esta é uma 
questão fundamental e decisiva, em cuja elucidação culmina a tarefa da filosofia moral. 
1.6- Tipologia da ética 
Existem vários tipos de ética. Dentre eles podemos destacar os seguintes: 
 
9 
 
a) Ética filosófica: reflecte sobre o significado do ser ético. A questão fundamental que se coloca 
aqui é, “o que significa ser ético?” 
b) Ética religiosa: faz o confronto entre a ética e a religião e vice-versa. 
c) A ética cristã: reflecte sobre o agir cristão. Reflecte sobre a identidade ou originalidade cristã. 
d) Ética social: reflecte sobre o agir da sociedade, o ordenamento das instituições sociais, e se 
correspondem aos padrões éticos. 
e) Ética sexual: reflecte sobre os aspectos da ética que dizem respeito a questões da sexualidade 
humana, incluindo o comportamento sexual humano. Em termos gerais, a ética sexual diz 
respeito à conduta humana em relação a questões de consentimento, das relações sexuais antes 
do casamento ou quando casado (tais como a fidelidade conjugal, sexo antes do casamento e 
sexo fora do casamento). 
f) Ética profissional: reflecte sobre o agir deontológico (deveres) e diciológico (direitos) na 
profissão. 
g) Ética económica: reflecte sobre o agir económico, o bom andamento ou funcionamento da 
economia. 
h) Ética política: reflecte sobre a conduta e o agir político. 
1.7- Ética e moral 
Como foi afirmado acima, ética provém do grego ethos e significa costumes, bem como “carácter” 
e “modo de ser”. A palavra moral, porém, provém do latim mos ou mores e também significa 
costume ou costumes, no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito. (Vázquez, 
1978, p. 14). Por esta feliz coincidência etimológica e conceptual, estudiosos há, que preferem 
afirmar que a ética e a moral são a mesma coisa, visto que todas dizem respeito aos costumes e 
ambas tratam das questões teóricas bem como práticas do agir humano. Outros estudiosos vão mais 
longe separando uma da outra. Esses últimos se agarram aos argumentos de que, enquanto a moral 
estuda os costumes contextualizados, a ética julga a moral distinguindo o bem do mal. 
A presente reflexão irá na linha do segundo grupo dos estudiosos, aqueles que distinguem a moral 
da ética. Neste sentido, partindo da etimologia das duas palavras, tem-se o seguinte: a moral é o 
conjunto de regras, princípios e valores que determinam a conduta do indivíduo, enquanto a ética 
é o instrumento fundamental para a instauração de um viver em conjunto, a base para a construção 
do mundo sociopolítico, condição necessária para a sobrevivência da espécie humana. 
 
10 
 
Eis então as diferenças fundamentais entre a ética e a moral: 
Ética 
a) Disciplina filosófica – pensamento crítico 
b) Revelação de valores que norteiam o dever-ser dos humanos 
c) Conjunto de juízos valorativos manifestados livremente na acção individual de cada um 
d) Reflexão construída e reconstruída incessantemente 
e) Expressão do ser humano como exigência radical 
f) Disposição permanente para agir de acordo as próprias exigências. 
Moral 
a) Limita-se ao estudo dos costumes e da variante das relações 
b) Conjunto de regras que se impõem às pessoas 
c) Impulso que move o grupo 
d) Acção colectiva que tende a agir de determinada maneira 
e) Comportamentos automatizados 
f) Receio de reprovação social 
g) Cumprimento sem questionamento 
h) Consolidação de práticas e costumes. 
Enquanto a moral tem uma base histórica, o estatuto da ética é teórico, corresponde a uma 
generalidade abstracta e formal. A ética estuda a moral e as moralidades, analisa as escolhas que 
os agentes fazem em situações concretas, verifica se as opções se conformam aos padrões sociais. 
 
 
11 
 
UNIDADE II – BREVE HISTORIAL DA ÉTICA 
CONTEÚDOS DA SEGUNDA UNIDADE 
2.1- A ética na Antiguidade (a ética grega): os sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles, os Estóicos 
e os Epicuristas. 
2.2- A ética na Idade Média: uma ética totalmente religiosa e cristã. 
2.3- A ética na Idade Moderna: uma ética totalmente antropocêntrica. 
2.4- A ética na Idade Contemporânea: várias orientações. 
2.5- Os ideais éticos. 
OBJECTIVO PRINCIPAL DA SEGUNDA UNIDADE 
Levar os estudantes a discutirem a origem e a problemática da ética, fazer com eles um percurso 
histórico do universo ético naquilo que tem de mais essencial no processo da evoluçãotanto do 
termo como da sua compreensão desde a Antiguidade até aos nossos dias, e garantir que eles sejam 
capazes de discutir o sentido dos ideais éticos ao ponto de eles compreenderem hoje quais sejam 
os ideais éticos para os nossos dias e para cada um deles. 
 
2.1- A ética na Antiguidade: a ética grega 
2.1.1- Os sofistas 
Estes constituem um movimento intelectual na Grécia do séc. V (a.C.). 
A palavra "sofista" significa mestre ou sábio, e vem da palavra “sofia” que significa sabedoria. 
Portanto, os sofistas consideravam-se detentores da sabedoria. Eles não ambicionam o 
conhecimento gratuito especulativo, mas cobram para ensinar. 
Os sofistas ensinam a arte de convencer, de expor, argumentar ou discutir, colocam em dúvida não 
só a tradição, mas a existência de verdades e normas universalmente válidas. Para eles, não existe 
nem verdade nem erro, e as normas — por serem humanas — são transitórias. 
Para Protágoras (491/481 - ? a.C.), tudo é relativo ao sujeito, ao "homem, medida de todas as 
coisas”. Aqui temos uma confirmação inconfundível do relativismo ou subjectivismo. Górgias, por 
sua vez, sustenta que é impossível saber o que existe realmente e o que não existe. 
2.1.2- Sócrates (470-399 a.C.) 
Este compartilha o desprezo dos sofistas pelo conhecimento da natureza, bem como sua crítica da 
tradição, mas rejeita o seu relativismo e o seu subjectivismo. 
 
12 
 
Para Sócrates, o saber fundamental é o saber a respeito do homem (daí a sua máxima: "conhece-te 
a ti mesmo"): (1) é um conhecimento universalmente válido, contra o que sustentam os sofistas; 
(2) é, antes de tudo, conhecimento moral; e (3) é um conhecimento prático (conhecer para agir 
rectamente). 
A sua ética é conhecida como Ética racionalista pelas seguintes razões: 
a) Uma concepção do bem (como felicidade da alma) e do bom (como o útil para a felicidade); 
b) A tese da virtude (areté: capacidade radical e última do homem) como conhecimento, e do 
vício como ignorância (quem age mal é porque ignora o bem; por conseguinte, ninguém faz o 
mal voluntariamente) 
c) A tese, de origem sofista, segundo a qual a virtude pode ser transmitida ou ensinada. 
d) (1) é um conhecimento universalmente válido, contra o que sustentam os sofistas; (2) é, antes 
de tudo, conhecimento moral; e (3) é um conhecimento prático (conhecer para agir rectamente). 
e) A bondade, o conhecimento e a felicidade se entrelaçam estreitamente. 
f) O homem age rectamente quando conhece o bem e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-
lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz. 
2.1.3- Platão (427-347 a.C.) 
Foi discípulo de Sócrates. Para ele, a ética se relaciona intimamente com a filosofia política, e a 
polis é o terreno da vida moral. A ética de Platão depende: 
a) da sua concepção metafísica: dualismo do mundo sensível e do mundo das ideias permanentes, 
eternas, perfeitas e imutáveis, que são a verdadeira realidade, e têm como cume a Ideia do Bem, 
divindade, artífice ou demiurgo do mundo; 
b) da sua doutrina da alma: princípio que anima ou move o homem. A alma consta de três partes: 
razão, vontade ou ânimo e apetite. A razão que contempla e quer racionalmente é a parte 
superior, o apetite, relacionado com as necessidades corporais, é a inferior. 
Como o indivíduo por si só não pode aproximar-se da perfeição, torna-se necessária a presença do 
Estado ou da Comunidade política; isto é, o homem é bom enquanto bom cidadão. A Ideia do ser 
humano se realiza somente na comunidade. Por isso, a ética desemboca necessariamente na 
 
13 
 
política. O homem se forma espiritualmente somente no Estado e mediante a subordinação do 
indivíduo à comunidade. 
2.1.4- Aristóteles (384-322 a.C.) 
Foi discípulo de Platão e fundador da sua própria escola, o Liceu, cujos discípulos eram chamados 
de peripatéticos (de perípatos, que significa caminhar por), pois ele ensinava os seus discípulos 
caminhando. 
Para Aristóteles, na continuidade do seu mestre Platão, o homem se forma espiritualmente somente 
no Estado e mediante a subordinação do indivíduo à comunidade. O fim último do homem é a 
felicidade (eudaimonia) e esta se realiza mediante a aquisição de certos modos constantes de agir 
(ou hábitos) que são as virtudes. Estas não são atitudes inatas, mas modos de ser que se adquirem 
ou conquistam pelo exercício e, já que o homem é ao mesmo tempo racional e irracional. 
Existem duas classes das virtudes: 
a) As virtudes intelectuais ou dianoéticas: que operam na parte racional do homem, isto é, na 
razão. 
b) As virtudes práticas ou éticas: que operam naquilo que há nele de irracional, ou seja, nas suas 
paixões e apetites, canalizando-as racionalmente. 
Mas o que é virtude para Aristóteles? Para ele, a virtude consiste no termo médio (in medio virtus) 
entre dois extremos (um excesso e um defeito). A virtude é um equilíbrio entre dois extremos 
instáveis e igualmente prejudiciais. 
Vício por excesso VIRTUDE Vício por deficiência 
Temeridade CORAGEM Cobardia 
Libertinagem TEMPERANÇA Insensibilidade 
Esbanjamento SOBRIEDADE Avareza 
Vulgaridade MAGNIFICÊNCIA Vileza 
Vaidade RESPEITO PRÓPRIO Modéstia 
Ambição PRUDÊNCIA Moleza 
 
14 
 
Irascibilidade GENTILEZA Indiferença 
Orgulho VERACIDADE Descrédito próprio 
Zombaria AGUDEZA DE ESPÍRITO Falta de civismo 
Condescendência AMIZADE Enfado 
Inveja JUSTA INDIGNAÇÃO Malevolência 
Tabela 1: Apresentação das virtudes e seus vícios (por excesso e por defeito) de acordo com Aristóteles. 
Fonte: Adaptado de Silva (1998, p. 131). 
A comunidade social e política é o meio necessário da moral, e o homem é, por natureza, um animal 
político. A vida moral é uma condição ou meio para uma vida verdadeiramente humana (a vida 
teórica na qual consiste a felicidade) acessível a uma minoria ou elite. A maior parte da população 
mantém-se excluída não só da vida teórica, mas da vida política. Para Aristóteles, a vida moral é 
exclusiva de uma elite, pois só ela é que pode realizá-la. O homem bom (o sábio) deve ser um bom 
cidadão. 
2.1.5- Os Estóicos (384-322 a.C.) 
O Estoicismo foi fundado por Zenão. O nome Estoicismo vem de stoá, que significa pórtico. Zenão 
ensinava os seus discípulos aos pés de um pórtico. Para esta corrente, o bem supremo é viver de 
acordo com a natureza racional, com consciência do nosso destino e de nossa função no universo, 
sem se deixar levar por paixões ou afectos interiores ou pelas coisas exteriores. 
Praticando a apatia e a imperturbabilidade, o homem (sábio) se firma contra as suas paixões ou 
contra os reveses do mundo exterior, e conquista a sua liberdade interior bem como sua autarquia 
(auto-suficiência) absoluta. 
O indivíduo define-se moralmente sem necessidade da comunidade como cenário necessário da 
vida moral. O estóico vive moralmente como cidadão do cosmos, não da polis. 
Os principais representantes desta corrente são: Zenão, Séneca, Epícteto e Marco Aurélio. 
2.1.6- Os Epicuristas (384-322 a.C.) 
O nome dessa corrente provém do nome do seu fundador: Epicuro. Segundo essa corrente, tudo o 
que existe, incluindo a alma, é formado de átomos materiais que possuem um certo grau de 
liberdade, na medida em que se podem desviar ligeiramente na sua queda. Não há nenhuma 
 
15 
 
intervenção divina nos fenómenos físicos nem na vida do homem. Por isso, libertado do temor 
religioso, o homem pode buscar o bem neste mundo. 
O bem, para Epicuro, é o prazer. Mas há muitos prazeres, e nem todos são igualmente bons. É 
preciso escolher entre eles para encontrar os mais duradouros e estáveis, que não são os corporais 
(fugazes e imediatos), mas os espirituais que contribuem para a paz da alma. O epicurista alcançao bem, retirado da vida social, sem cair no temor do sobrenatural, encontrando em si mesmo, ou 
rodeado por um pequeno círculo de amigos, a tranquilidade da alma e a auto-suficiência. 
A ética epicurista e estóica, que surgem numa época de decadência e de crise social, a unidade da 
moral e da política, sustentada pela ética grega anterior, se dissolvem. 
2.2- A ética na Idade Média: uma ética totalmente religiosa e cristã 
2.2.1- Algumas premissas importantes 
Quando o cristianismo nasce, por meio das perseguições, espalha-se em todo o império romano e 
em todo o mundo grego. No séc.IV, Roma converte-se ao cristianismo e este torna-se a religião 
oficial do Estado. Toda a cultura passa a se deixar transformar pela mensagem cristã. Assim, na 
Idade Média, temos verdades reveladas a respeito de Deus, das relações do homem com o seu 
criador e do modo de vida prático que o homem deve seguir para obter a salvação no outro mundo. 
Deus é concebido como um ser pessoal, bom, omnisciente e todo-poderoso. O ser humano tem seu 
fim último em Deus, que é o seu bem mais alto e o seu valor supremo. Deus exige a sua obediência 
e a sujeição a seus mandamentos, que têm o carácter de imperativos supremos. 
O que o homem é e o que deve fazer definem-se essencialmente não em relação com uma 
comunidade humana (como a polis) ou com o universo inteiro, e sim, em relação a Deus. Todo o 
seu comportamento — incluindo a moral — deve orientar-se para Ele como objectivo supremo. A 
essência da felicidade (a beatitude) é a contemplação de Deus; o amor humano fica subordinado 
ao divino; a ordem sobrenatural tem a primazia sobre a ordem natural humana. 
2.2.2- Ética religioso-cristã e as virtudes 
As virtudes fundamentais são: a prudência, a fortaleza, a temperança e a justiça, que são as virtudes 
morais em sentido próprio, e regulam as relações entre os homens. São virtudes em escala humana. 
As virtudes supremas ou teologais são: a fé, a esperança e a caridade. Regulam as relações entre o 
 
16 
 
homem e Deus e são virtudes em escala divina. As virtudes elevam o ser humano de uma ordem 
terrestre para uma ordem sobrenatural, na qual possa viver uma vida plena, feliz e verdadeira, sem 
as imperfeições, as desigualdades e injustiças terrenas. Todos os homens, sem distinção — homens 
e mulheres, escravos e livres, cultos e ignorantes —, são iguais diante de Deus e são chamados a 
alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural. 
2.2.3- A ética em Santo Agostinho e em São Tomás 
O cristianismo não é uma filosofia, mas uma religião (isto é, antes de tudo, uma fé e um dogma, 
um encontro pessoal com alguém: Jesus). Ele faz-se filosofia na Idade Média para esclarecer e 
justificar, lançando mão da razão, o domínio das verdades reveladas ou para abordar questões que 
derivam das (ou surgem em relação com as) questões teológicas. Portanto, a filosofia é serva da 
teologia. A ética é limitada pela sua índole religiosa e dogmática. 
Os principais representantes são: Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1226-1274). 
Agostinho defende a elevação ascética até Deus, que culmina no êxtase místico ou felicidade, que 
não pode ser alcançada neste mundo. Ele sublinha o valor da experiência pessoal, da interioridade, 
da vontade e do amor: “eu Te procurava fora de mim, mas Tu estavas dentro de mim”, “Deus é 
mais íntimo do que o meu íntimo”. Para Tomás, Deus é o bem objectivo ou fim supremo, cuja 
posse causa gozo ou felicidade, que é um bem subjectivo. A contemplação (ou o conhecimento 
entendido como visão de Deus) é o meio mais adequado para alcançar o fim último. Na sua doutrina 
político-social, Tomás atém-se à tese do homem como ser social ou político, e, ao referir-se às 
diversas formas de governo, inclina-se para uma monarquia moderada, ainda que considere que 
todo o poder derive de Deus e que o poder supremo caiba à Igreja. 
2.3- A ética na Idade Moderna: uma ética antropocêntrica 
2.3.1- As grandes mudanças, a ruptura e busca de autonomia moral do indivíduo 
A ética moderna sucede à sociedade feudal da Idade Média e passa por mudanças em todas as 
ordens: 
a) Económica: forças produtivas e relações capitalistas de produção; 
b) Científica: constituição da ciência moderna (Galileu e Newton); 
c) Social: nova classe social — a burguesia em contínua ascensão; 
 
17 
 
d) Política: revoluções (na Holanda, Inglaterra e França); Estados modernos, únicos e 
centralizados; 
e) Atraso político e económico de outros países (como Alemanha e Itália), que somente no século 
XIX conseguem realizar a sua unidade nacional; 
f) Espiritual: a Igreja Católica perde a sua função de guia. Temos o movimento protestante e a 
reforma. 
Há ruptura em várias dimensões, como vem apresentado no quadro a seguir: 
RAZÃO – FILOSOFIA ↔ FÉ – TEOLOGIA 
NATUREZA - CIÊNCIAS NATURAIS ↔ DEUS -PRESSUPOSTOS TEOLÓGICOS 
ESTADO ↔ IGREJA 
HOMEM ↔ DEUS 
Tabela 2: Apresentação das rupturas provocadas pela revolução antropocêntrica do início da época moderna. 
Fonte: adaptado de Grokorriski (s. a.). 
Com o Renascimento e a Idade Moderna, junto com a imprensa, e o re-estudo do mundo antigo, a 
difusão da cultura (enquanto na Idade Média quase todos os letrados ou simplesmente alfabetizados 
eram clérigos), o enriquecimento de uma nova classe — a burguesia — o fortalecimento dos 
Estados nacionais, surgem, naturalmente, novos estudos de moral, tanto sobre os aspectos 
individuais quanto sobre os sociais e estatais. É nessa fase que surgem as grandes obras de 
Maquiavel, Rousseau, Spinoza e Kant. 
O que a ética agora desenvolve principalmente é a preocupação com a autonomia moral do 
indivíduo. Este indivíduo procura agir de acordo com a sua razão natural. O mundo medieval, 
baseado na autoridade da "palavra divina revelada", já está longe. Os homens querem fundamentar 
o seu agir na natureza. Assim temos o "direito natural", que contém uma ideia revolucionária em 
relação ao "direito divino dos reis", do regime antigo. 
Assim temos Rousseau (1712-1778), com o ideal de uma vida melhor graças ao retorno às 
condições naturais, anteriores à civilização. Também temos Kant, que busca descobrir em cada 
homem (e neste sentido é antiaristocrata e burguês) uma natureza fundamentalmente igual, porém 
natureza livre. O agir de acordo com a nossa natureza, em Kant, é portanto bem diferente dos ideais 
aparentemente paralelos dos gregos (estóicos e outros), dos medievais e de Rousseau. Para os 
 
18 
 
gregos, isto significava uma certa harmonia passiva com o cosmos. Para o medieval, significava 
uma obediência pessoal ao Criador da natureza. Para Rousseau significava um agir de forma mais 
primitiva. Mas para Kant, a natureza humana é uma natureza racional, o que equivale a dizer que 
a natureza nos fez livres, mas com isso não nos disse o que fazer, concretamente. Sendo o ser 
humano um ser natural, mas naturalmente livre, isto é, destinado pela natureza à liberdade, ele deve 
desenvolver esta liberdade através da mediação de sua capacidade racional. 
2.3.2- A ética kantiana: formal e autónoma 
Kant (1724-1804) é tido como o expoente máximo do iluminismo alemão. As suas principais obras 
ligadas à ética são: Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e Crítica da razão prática 
(1788). 
Ele toma como ponto de partida o factum da moralidade. De facto, é um facto indiscutível que o 
homem se sente responsável pelos seus actos e tem consciência do seu dever. Esta consciência 
obriga a supor que o homem é livre. 
O problema da moralidade exige que se proponha a questão do fundamento da bondade dos actos, 
ou em que consiste o bom. E o único bom em si mesmo é a boa vontade. A bondade de uma acção 
não se deve procurar em si mesma, mas na vontade com quese fez. É boa a vontade que age por 
puro respeito ao dever, sem razões outras a não ser o cumprimento do dever ou a sujeição à lei 
moral. O mandamento ou dever que deve ser cumprido é incondicionado e absoluto. 
O que a boa vontade ordena é universal por sua forma e não tem um conteúdo concreto: refere-se 
a todos os homens em todo o tempo e em todas as circunstâncias e condições. Daí o imperativo 
categórico de Kant: “Age de tal modo que possas querer que o motivo que te levou a agir se torne 
uma lei universal”. 
Se o homem age por puro respeito ao dever e não obedece a outra lei a não ser a que lhe dita a sua 
consciência moral, é legislador de si mesmo, autónomo. Por isso, tomar o homem como meio é 
profundamente imoral, porque todos os homens são fins em si mesmos e, como tais — isto é, como 
pessoas morais —, formam parte do mundo da liberdade ou do reino dos fins. 
Por ser puramente formal, tem de postular um dever para todos os homens, independentemente da 
sua situação social e seja qual for o seu conteúdo concreto. Por ser autónoma (e opor-se assim às 
 
19 
 
morais heterónomas nas quais a lei que rege a consciência vem de fora), aparece como a culminação 
da tendência antropocêntrica iniciada no Renascimento, em oposição à ética medieval. 
Por conceber o comportamento moral como pertencente a um sujeito autónomo e livre, activo e 
criador, Kant é o ponto de partida de uma filosofia e de uma ética na qual o homem se define antes 
de tudo como ser activo, produtor ou criador. 
2.3.3- Hegel e a crítica à ética kantiana 
Completando a obra do pensamento moderno, Hegel considerou demasiado abstracta a posição 
kantiana, lembrando que seu igualitarismo postulado não levava realmente em conta as tradições e 
os valores, o modo de ver de cada povo; ignorava, portanto, as instituições históricas concretas e 
não chegava a uma ética de valor histórico. Hegel liga, então, como já vimos, a ética à história e à 
política, na medida em que o agir ético do homem precisa de concretizar-se dentro de uma 
determinada sociedade política e de um momento histórico variável, dentro dos quais a liberdade 
se daria uma existência concreta, organizando-se num Estado. 
Talvez pudéssemos agora perguntar: se a ética grega era uma estética, e a ética medieval cristã uma 
atitude religiosa, não se deveria dizer que a ética hegeliana é uma política? Talvez sim, mas também 
é verdade que provavelmente Hegel não consideraria esta afirmação, absolutamente, como uma 
crítica. Todo agir é político, inclusive e principalmente o agir ético. 
2.4- A ética na Idade Contemporânea: várias orientações 
2.4.1- A ética, uma questão de discurso 
Na segunda metade do século XX, a questão do comportamento ético modificou-se mais uma vez. 
As atenções se voltaram principalmente para a questão do discurso, mas isto de duas maneiras mais 
ou menos independentes. Por um lado, e ainda por influência do pensamento de Esquerda, as 
reflexões éticas passaram a analisar os discursos com vista a uma crítica da ideologia. Por outro 
lado, filósofos de inspiração anglo-saxónica passaram a ocupar-se principalmente com uma crítica 
da linguagem, dentro da qual se desenvolve também a crítica ou a análise da linguagem ética. 
A crítica da ideologia busca descobrir, por trás dos discursos sobre as acções humanas, individuais 
ou grupais, os (verdadeiros) interesses reais, materiais, económicos ou de dominação política. Por 
 
20 
 
trás dos apregoados interesses éticos e universais, descobrir a hipocrisia e revelar o cinismo dos 
interesses económicos, políticos e particulares. Esta crítica da ideologia tem ajudado inclusive a 
reescrever a história da ética. 
A análise da linguagem, dentro principalmente das diversas linhas da filosofia analítica, tem os 
méritos do rigor formal, quando se concentra na análise das formulações linguísticas através das 
quais os homens definem ou justificam o seu agir. É extremamente interessante, por exemplo, ver 
um autor como E. Tugendhat demonstrar que a afirmação "eu te amo" não tem sentido, 
logicamente, uma vez que o sentido desta proposição só se encontraria, ou melhor, só seria 
encontrado pela segunda pessoa na observação dos actos empíricos da primeira. E não deixa de ser 
instrutivo ler, por exemplo, como Moritz Schlick (1882-1936), membro do Círculo de Viena e 
grande inspirador de muitos filósofos actuais, analisa o que seriam as acções boas: "Boas acções 
são aquelas que se exigem de nós…" 
Por mais que variem os enfoques filosóficos ou mesmo as condições históricas, algumas noções, 
ainda que bastante abstractas, permanecem firmes e consistentes na ética. Uma delas é a questão 
da distinção entre o bem e o mal. Agir eticamente é agir de acordo com o bem. A maneira como se 
definirá o que seja este bem é um segundo problema, mas a opção entre o bem e o mal, distinção 
levantada já há alguns milénios, parece continuar válida. 
Um dos pseudónimos de Kierkegaard, definido exactamente como "o Ético", afirmava, por isso: 
"meu dilema não significa, em primeiro lugar, que se escolha entre o bem e o mal; ele designa a 
escolha pela qual se exclui ou se escolhe o bem e o mal". Neste sentido, poderíamos continuar, 
dizendo que uma pessoa ética é aquela que age sempre a partir da alternativa bem ou mal, isto é, 
aquela que resolveu pautar seu comportamento por uma tal opção, uma tal disjunção. E quem não 
vive dessa maneira, optando sempre, não vive eticamente. 
Numa apresentação da moral tomista, encontramos a seguinte definição: “A moral é uma ciência 
prática, cujo objecto é o estudo e a direcção dos actos humanos em ordem a conseguir o último 
fim, ou seja, a perfeição integral do homem, no que consiste a felicidade. Os actos humanos são 
particulares, e assim, enquanto ciência prática, a moral deve atender e descer ao particular" (Fraile, 
1956). Ora, os homens discutirão sempre sobre os actos particulares, isto é, as acções concretas de 
cada um. O julgamento concreto de cada acção exige exactamente todos os pressupostos éticos. Já 
 
21 
 
se discutirá menos sobre a questão da busca da felicidade, e se discutirá menos sobre a relação 
entre o agir ético e a perfeição do homem enquanto homem. 
Kierkegaard criticava, no século passado, a especulação idealista, porque, segundo ele, ela distraía 
o sujeito, com grandes apresentações históricas, fazendo com que ele se esquecesse que tinha de 
agir, e que tinha de escolher entre o bem e o mal. O perigo desta distracção talvez venha, no século 
XX, daquelas teorias que insistem sobre a análise formal do discurso, e que muitas vezes parecem 
esquecer de que, fundamentalmente, a ética é uma ciência prática, que trata, portanto, de uma 
questão prática, da acção, e não apenas do discurso. 
Mas parece que de resto os homens do século XX estão mais conscientes de que eles não são 
espectadores, e sim actores, que não estão na plateia, e sim no palco, como diziam os pensadores 
da existência. A questão actual é principalmente saber se, mesmo sabendo isto, os homens de hoje 
ainda se sentem em condições de agir individualmente, isto é, agir moralmente. A massificação, a 
indústria cultural, a ditadura dos meios de comunicação e mesmo as ditaduras políticas são 
fenómenos que têm de ser analisados também nesta perspectiva, para sabermos até que ponto o 
homem de hoje ainda pode escolher entre o bem e o mal. 
Adorno, em sua análise do fetichismo da música coloca a questão: nosso mundo individualista não 
estaria acabando exactamente com a individualidade, estrutura básica de um agir moral? 
2.4.2- Tentativa de classificação da ética contemporânea 
Hoje, a ética, devido à sua diversidade na abordagem, possui diferentes critérios de classificação. 
Mas, para o nosso caso, preferimosa seguinte: ética empírica, ética de bens, ética formal e ética 
valorativa. 
A- Ética empírica 
A experiência e a observação dos factos são a fonte para orientar e compreender o comportamento 
humano. Para essa compreensão os preceitos disciplinadores do comportamento estão implícitos 
no próprio comportamento, ou seja, na prática, no quotidiano da vida. 
 
22 
 
Esta ética não questiona o que o ser humano “deve fazer”, mas examina o que “o ser humano 
normalmente faz”. Sendo, assim, cada ser humano age de uma maneira e isso nos leva para o 
relativismo ético. 
Correntes filosóficas empiristas: anarquismo, utilitarismo e cepticismo. 
B- Ética de bens 
O ponto de partida desta ética é: há um bem supremo fundamental. A criatura humana é capaz de 
se propor fins, eleger meios e colocar em prática os últimos, para alcançar os primeiros. O ser 
humano tem fins superiores que orientam o comportamento humano. 
Há posições que diferem qual é o bem supremo que deve orientar o comportamento humano: 
hedonismo (o prazer), idealismo (os ideais), eudemonismo (a felicidade), etc. 
C- Ética formal 
Essa ética defende a consciência racional a partir da lei moral. O racional é tido como o campo da 
lógica. O importante é cumprir logicamente o que tem de ser feito. Tudo aquilo que deve ser feito 
deve-se cumprir conforme as exigências da consciência racional e não conforme os sabores do 
ambiente externo. O filósofo por excelência dessa doutrina é Kant. Ele advoga que o certo é fazer 
o que é lógico ou racional. 
D- Ética valorativa 
Para esta ética, o comportamento moral deve ser orientado e pautado por aquilo que é valioso. Do 
ponto de vista da organização social, a existência do valor está associada àquilo que a sociedade, 
por sua vez, compreende, aceita e respeita como sendo valioso e isso é determinado pela maioria. 
Isso é convenção dos valores, que se expressa nas leis ou nos códigos morais aprovados pela 
sociedade através do legislativo municipal, provincial ou nacional (constitucional). 
2.4.3- Critério ético e posturas morais 
Tais posturas referem-se às mais comuns que as pessoas adoptam frente a situações que têm que 
decidir. Assim, dessas posturas, derivam: a ética essencialista, a ética individualista, a ética da 
responsabilidade, e a ética da resposta-responsabilidade. 
 
23 
 
A- A ética essencialista 
A acção é sempre orientada por um conjunto de normas, que devem servir de base para 
comportamento moral das pessoas em toda e qualquer situação. Tais normas são princípios que 
funcionam como reguladores, são universalistas, ou seja, se é mentira aqui, onde moro, também é 
mentira, lá longe, do outro lado do mundo. Um exemplo é a pessoa religiosa que acredita em 
verdades absolutas. Para esse tipo de pessoa, não há contextualização ou reforma daquilo que se 
tem afirmado. Por isso, esta moral é típica das sociedades tradicionais. 
B- A ética individualista 
Para esta moral, não existem verdades universais ou absolutas, mas cada um, segundo a sua 
consciência, tem a sua própria verdade. A razão humana é que determina quando e como agir. Não 
há um ser superior, que pré-estabelece ou um plano divino que orienta as acções humanas. Cabe 
ao ser humano cuidar de si mesmo, pois é detentor de si mesmo. Portanto, temos a autonomia e a 
liberdade dos indivíduos. “Cada um cuida de si mesmo”: esta é a máxima individualista. A moral 
individualista é própria da sociedade capitalista e de mercado actual. 
C- A ética da responsabilidade 
O grupo ou o meio colectivamente é que decide de maneira consensual os padrões de conduta que 
devem ser seguidos. Estes padrões não são vistos como universais, imutáveis (ética essencialista) 
ou que favoreçam a um indivíduo em particular (ética da convicção), mas são relativos a cada 
situação, tendo sempre o julgamento da colectividade que analisa o mérito para mudar ou 
reconduzir os padrões estabelecidos. 
Considera o contexto e, pelos efeitos, as consequências das acções. Um exemplo oportuno é a 
consciência ecológica no processo de desenvolvimento sustentável que começa a surgir na 
sociedade actual: a necessidade de cuidar do ambiente para nós e as gerações futuras. 
D- A ética da convicção 
Muller (s. a.) refere que a ética da convicção foi idealizada e teorizada por Max Weber para se 
referir, no âmbito político, ao conjunto de normas e valores que orientam o comportamento de um 
político na sua esfera privada. Diferencia-se da ética da responsabilidade, pois esta representa o 
 
24 
 
conjunto de normas e valores que orientam a decisão do político a partir de sua posição como 
governante ou legislador. 
E- A ética da resposta-responsabilidade 
A comunidade de fé reconhece e está consciente da presença de Deus em forma de apelo (ou pro-
posta). Tal apelo (pro-posta) soa no interior de cada membro (cf. GS, n.16), e este descobre por 
meio do discernimento (dokimazein) qual seja a vontade de Deus para aquele momento e naquela 
circunstância (cf. Rm 12,2). 
A comunidade de fé, representada pelo Magistério, descobre os padrões de conduta que devem ser 
seguidos, e submete-se, pelo obséquio religioso, ao ensinamento oficial emanado pelo Magistério 
quer em matéria de doutrina, quer em matéria de disciplina. Estes padrões não são vistos como 
universais, imutáveis ou que favoreçam a um indivíduo em particular, mas são fruto da evolução 
do dogma2 para cada situação histórica, enquanto a comunidade procura ler os sinais dos tempos. 
O julgamento cabe ao Magistério, que analisa o mérito para mudar ou reconduzir os padrões 
estabelecidos, procurando sempre ser fiel a Deus (ao depositum fidei) e ao ser humano. 
2.5- Os ideais éticos 
A ética hoje assume várias orientações e tem vários critérios para ser classificada. Mas qual é o 
critério da moralidade? O que significa dizer que agir moralmente significa agir de acordo com a 
própria consciência? Quando agimos, o que buscamos? Qual seria o ideal da vida ética? 
As respostas variam, como fomos vendo nesta abordagem histórica da ética. Para os gregos, o ideal 
ético estava ou na busca teórica e prática da ideia do bem, da qual as realidades mundanas 
participariam de alguma maneira (Platão), ou estava na felicidade, entendida como uma vida bem 
ordenada, uma vida virtuosa, onde as capacidades superiores do ser humano tivessem a preferência, 
e as demais capacidades não fossem, afinal, desprezadas, na medida em que o ser humano, ser 
sintético e composto, necessitava de muitas coisas (Aristóteles). 
 
2 Dogma é um termo de origem grega que significa literalmente “o que se pensa é verdade”. Na antiguidade, o termo 
estava ligado ao que parecia ser uma crença ou convicção, um pensamento firme ou doutrina. Posteriormente passou 
a ter um fundamento religioso em que caracteriza cada um dos pontos fundamentais e indiscutíveis de uma crença 
religiosa. Pontos inquestionáveis, uma verdade absoluta que deve ser ensinada com autoridade. 
 
25 
 
Para outros gregos, o ideal ético estava no viver de acordo com a natureza, em harmonia cósmica. 
(Esta ideia, modificada, foi depois adoptada por teólogos cristãos, no seguinte sentido: viver de 
acordo com a natureza seria o mesmo que viver de acordo com as leis que Deus nos deu através da 
natureza). Os estóicos insistiram mais nesta vida natural. Já os epicuristas afirmavam que a vida 
devia ser voltada para o prazer: para o sentir-se bem. Tudo o que dá prazer é bom. Ora, como certos 
prazeres em demasia fazem mal, acabam por produzir desprazer, uma certa economia dos prazeres, 
uma certa sabedoria e um certo refinamento, até uma certa moderação ou temperança eram 
exigências da própria vida de prazer. 
No cristianismo,os ideais éticos se identificaram com os religiosos. O ser humano viveria para 
conhecer, amar e servir a Deus, directamente e em seus irmãos. O lema socrático do "conhece-te a 
ti mesmo" volta à tona, em Santo Agostinho, que agora ensina que "Deus nos é mais íntimo que o 
nosso próprio íntimo". O ideal ético é o de uma vida espiritual, isto é, do acordo com o espírito, 
vida de amor e fraternidade. 
Com o Renascimento e o Iluminismo, ou seja, aproximadamente entre os séculos XV e XVIII, a 
burguesia que começava a crescer e a impor-se, em busca de uma hegemonia, acentuou outros 
aspectos da ética: o ideal ético seria viver de acordo com a própria liberdade pessoal, e em termos 
sociais o grande lema foi o dos franceses: liberdade, igualdade e fraternidade. (Há quem afirme 
que a Revolução Francesa buscou concretizar apenas a liberdade, a Russa, a igualdade e a Africana, 
ou a do Terceiro Mundo, a fraternidade.) 
O grande pensador da burguesia e do Iluminismo, Kant, identificou bastante o ideal ético com o 
ideal da autonomia individual. O homem racional, autónomo, autodeterminado, aquele que age 
segundo a razão e a liberdade, eis o critério da moralidade. 
Se Kant e a Revolução Francesa acentuaram de maneira talvez demasiado abstracta a liberdade, o 
ideal ético para Hegel estava numa vida livre dentro de um Estado livre, um Estado de direito, que 
preservasse os direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as leis 
do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição. A profunda perspectiva política 
de Platão e Aristóteles transparece de novo em Hegel. Mas parece que a realidade histórica não 
acompanhou muitas de suas teorias. 
 
26 
 
No século XX, os pensadores da existência, em suas posições muito diversas, insistiram todos sobre 
a liberdade como um ideal ético, em termos que privilegiavam o aspecto pessoal ou personalista 
da ética: autenticidade, opção, resoluteza, cuidado, etc. 
Já o pensamento social e dialéctico buscou como ideal ético a ideia de uma vida social mais justa, 
com a superação das injustiças económicas mais gritantes. A ética se volta sobre as relações sociais, 
em primeiro lugar, esquece o céu e se preocupa com a terra, procurando, de alguma maneira, 
apressar a construção de um mundo mais humano, onde se acentua tradicionalmente o aspecto de 
uma justiça económica, embora esta não seja a única característica deste paraíso buscado. 
Finalmente, não há como negar que exactamente a maioria dos países ricos actuais se caracteriza 
por uma ética que em muitos casos lembra a busca grega do prazer, porém, nem sempre com 
moderação. O prazer, depois do século XIX, época da grande acumulação capitalista, reduziu-se 
bastante à posse material de bens, ou à propriedade do capital. Em nome da defesa do capital, ou, 
mais modestamente, em nome da defesa da propriedade particular, muito sangue já foi derramado 
e muita injustiça cometida. O grande argumento do pensamento de Esquerda é que não foi a 
Esquerda quem inventou a luta de classe. E que a propriedade é um direito básico para todos. 
A reflexão ético-social do século XX trouxe, além disso, uma outra observação importante: na 
massificação actual, a maioria hoje talvez já não se comporte mais eticamente, pois não vive imoral, 
mas amoralmente. Os meios de comunicação de massa, as ideologias, os aparatos económicos e do 
Estado, já não permitem mais a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes e 
participantes, de consciências com capacidade julgadora. Seria o fim do indivíduo? Talvez seja 
necessário determo-nos agora nas questões ligadas à pessoa humana, sua dignidade, seu valor 
fundamental. 
 
 
27 
 
UNIDADE III – A PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA ÉTICA 
CONTEÚDOS DA TERCEIRA UNIDADE 
3.1- Conceito de pessoa humana 
3.2- A pessoa humana e a consciência moral 
3.3- A pessoa humana e o discernimento 
3.4- A pessoa humana e a lei moral 
3.5- A pessoa humana e a opção fundamental 
3.6- A pessoa humana e a liberdade 
OBJECTIVO PRINCIPAL DA TERCEIRA UNIDADE 
Levar os estudantes a discutirem em torno do conceito de pessoa humana, a descobrirem na sua 
vida e experiência o valor e a actuação da consciência moral, a experimentarem a importância do 
discernimento moral-prático, a alimentarem na sua vida o sentido de lei moral (lei que obriga por 
dentro, ao nível da consciência), a organizarem a sua vida (moral) em torno duma opção 
fundamental num espírito de liberdade. 
3.1- Conceito de pessoa humana 
3.1.1- A complexa tarefa de definir da pessoa 
Há dentro da filosofia várias definições do ser humano, razão pela qual poderemos encontrar, neste 
nosso estudo, várias definições, desde a Antiguidade à época moderna. Neste sentido, o conceito 
de Pessoa deve ser abordado sob duas vertentes, mas partindo da questão: Quem sou eu? 
A- Vertente clássica 
Esta vai cingir-se a alguns filósofos da Antiguidade e de Idade Média, como Cícero, Boécio e São 
Tomás. Cícero (106-43 a.C.) define a pessoa como sendo sujeito de direitos e deveres. Boécio 
(c.480-524) entende pessoa como uma substância individual de natureza racional. São Tomás de 
Aquino (1225-1272) entende a pessoa como um subsistente de natureza racional. 
Há, nestes últimos dois filósofos (Boécio e Tomás), algo comum: referência ao individuo 
subsistente, coeso, uno, total, e de natureza racional. A natureza racional confere ao ser humano a 
capacidade de saber que sabe, consciência de ter consciência. Esta racionalidade subentende na 
Pessoa uma dimensão espiritual. 
 
 
28 
 
B- Vertente moderna e contemporânea 
Nesta linha, sobressaem Descartes (1596 -1650), Kant (1724 -1804) e Martin Buber (1878 -1965). 
Difere da vertente clássica por esta ressaltar, nas suas direcções definitórias, as características 
psicológica, ética e social. Resgata-se, portanto, o sentido de individualidade e intencionalidade. O 
mérito de Kant foi de ter apresentado a pessoa como fim e nunca como meio. Mas é necessário 
sublinhar que os elementos, tanto da vertente clássica como os da modernidade, se completam. 
a) Psicológica: Esta direcção toma como referência Descartes, o qual toma a consciência como a 
característica definitória da Pessoa. 
b) Ética: esta direcção, conforme Kant (citado por Chambisse, 2003, p. 38), sublinha a liberdade 
como o constitutivo da pessoa. 
c) Social: esta direcção, segundo o autor acima, juntando-se ao Personalismo e, de modo particular, 
a Martin Buber, destaca na definição de Pessoa a relação desta com o(s) outro(s). Importa 
ressaltar que o Personalismo tem como traço geral a sua insistência na realidade e no valor da 
pessoa e sua tentativa de interpretar a realidade e a afirmação da liberdade humana e do 
fundamento pessoal da realidade. 
Immanuel Kant (1724-1804): Este filósofo concebe ainda o ser humano como necessitado por ele 
ter necessidades, enquanto pertence ao mundo sensível, e nesse aspecto, a sua razão tem uma 
missão de se ocupar dos seus interesses, elaborando máximas práticas com vista à felicidade desta 
vida e de uma vida futura. 
Karl Marx (1818-1883): Para este filósofo, a pessoa humana é, ao mesmo tempo, social e natural, 
portanto meramente material, sem a dimensão espiritual e transcendental, já que tudo no universo 
do real, incluindo o ser humano, se reduz à matéria. 
A pessoa humana como um ser social: a sociedade é a união perfeita do ser humano com a natureza, 
a verdadeira ressurreição da natureza. 
A pessoa humana como um ser natural: O ser humano é directamente um ser natural, porque ele 
sofre, condicionado e limitado como animais e plantas. 
 
29 
 
O trabalho, essência da pessoa humana: Esta é o produtor e o produto de seu trabalho. A essência 
da pessoa humanaestá em seu trabalho (homo faber). O espelho para ver quem é o ser humano é o 
seu trabalho. O ser humano é o criador de si mesmo. 
Importa sublinhar que Marx não se apercebe da dimensão transcendental da pessoa humana 
limitando-se apenas aos aspectos sensíveis, à materialidade. Portanto, o ser humano fica reduzido 
a ser simplesmente natural, resultante da evolução da natureza natural. 
Para Andrea Mercatali, a pessoa é um indivíduo dotado de consciência, inteligência, razão, capaz 
de distinguir o verdadeiro do falso; dotado de moralidade, isto é, capaz de distinguir entre o bem e 
o mal, responsável das próprias acções que age segundo motivos válidos na relação com os outros. 
Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho, a pessoa é um prius para o direito, isto é, uma categoria 
ontológica e moral, não meramente histórica ou jurídica. Pessoa é todo indivíduo humano, homem 
ou mulher, por sua própria natureza e dignidade, à qual o direito se limita a reconhecer esta 
condição. Para Baracho, o conceito de pessoa e o direito à vida são essenciais para explicitar a 
concepção de direitos humanos e a internacionalização dos mesmos e, portanto, para consagrar a 
dimensão da dignidade da pessoa humana. 
Aliados a estas tentativas de definir o ser humano, alguns filósofos existencialistas, como, por 
exemplo, Jean-Paul Sartre e Karl Jaspers, depois de tanta investigação no sentido de conhecer o ser 
humano, expressaram no seu pensamento, um desapontamento neste termos: 
a) Sartre: “O estudo do ser humano trouxe-nos muitos conhecimentos, mas não nos deu a conhecer 
o ser humano na sua totalidade”. 
b) Karl Jaspers: na mesma linha, este autor manifesta o que poderíamos denominar de desilusão, 
dizendo que “o ser humano é profundamente mais do que o que pode saber acerca de si mesmo” 
(Opus cit. p. 316). 
Na filosofia contemporânea, depois das filosofias da existência, vários autores, sobretudo 
franceses, desenvolveram a corrente personalista. Dentre eles, encontra-se Emmanuel Mounier. 
Mounier desenvolveu um conceito nuclear de pessoa, porém não a definiu devido à impossibilidade 
de fazê-lo, pois, segundo ele, “só se definem os objectos exteriores ao homem, que se podem 
 
30 
 
encontrar ao alcance da nossa vista. Mas a pessoa não é um objecto, antes, é exactamente aquilo 
que em cada homem não é possível de ser tratado como objecto” (Mounier, 1961c, pp. 42-44). No 
Manifesto ao Serviço do Personalismo, Mounier (1961b, p. 45) faz ressalvas em relação à 
conceitualização da pessoa e afirma: 
Uma pessoa é um ser espiritual constituído como tal por uma forma de subsistência e de 
independência em seu ser; mantém esta subsistência mediante a adesão a uma hierarquia 
de valores livremente adoptados, assimilados e vividos num compromisso responsável e 
numa constante conversão; unifica assim toda a sua actividade na liberdade e desenvolve, 
por acréscimo, e impulsos de actos criadores, a singularidade da sua vocação. 
Esta é uma simples caracterização da pessoa e não se pode considerá-la uma verdadeira definição. 
Segundo Mounier, a pessoa não se pode definir num sentido estrito, pois, em última análise, pessoa 
é “a própria presença do homem”. 
Mounier afirma que a pessoa está num processo de personalização constante. Ela não se pode 
definir. E a sua filosofia é caracterizada pelo movimento de personalização; isto é, a pessoa 
constrói-se a si própria a partir das experiências. Vejamos mais o que ele diz: “A pessoa não é o 
mais maravilhoso objecto do mundo, objecto que conhecêssemos de fora como todos os outros. É 
a única realidade que conhecemos e que, simultaneamente, construímos de dentro. Sempre 
presente, nunca se nos oferece” (Mounier, 1961a, pp. 24-25). 
3.1.2- A pessoa e a sua dimensão transcendente 
Edgar Shelfied Brightman, na definição da pessoa, afirma que pessoa é potencialmente 
autoconsciente, racional e ideal ou seja, um si que é capaz de reflectir sobre si mesmo, de raciocinar, 
de reconhecer fins ideais à luz dos quais está em condições de julgar as próprias acções. O traço 
mais característico da personalidade, segundo Brightman é a autoconsciência. Na transcendência, 
a pessoa se eleva para um nível mais alto de existência. Pessoa, na sua dimensão ontológica3, quer 
dizer: autonomia no ser, domínio de si mesmo, invisibilidade, inviolabilidade, irrepetibilidade, 
intransmissibilidade, unicidade. Pessoa é substância indivisível, inviolável, irrepetível, 
intransmissível. Pessoa é ser em relação, que entra em comunicação com as coisas, com os outros 
e com Deus. (Mondin. 1980). 
 
3 Ontologia vem de on, ontos do grego, que significa o ser, a essência. Refere-se à pessoa na sua essência, pessoa 
enquanto pessoa. 
 
31 
 
A pessoa é constituída por quatro elementos principais: autonomia quanto ao ser, autoconsciência, 
comunicação e autotranscendência. A pessoa humana pertence à abertura à transcendência: o 
homem é aberto ao infinito e a todos os seres criados. A pessoa humana tende à verdade e ao bem 
absoluto. Ė também aberto ao Outro, aos outros e ao mundo, porque somente enquanto se 
compreende em referência a um tu pode dizer eu. Sai de si, da sua conservação egoísta da própria 
vida, para entrar numa relação de diálogo e de comunhão com o outro. 
A pessoa é abertura à totalidade do ser, ao horizonte ilimitado do ser. Tem em si a capacidade de 
transcender cada objecto particular que conhece, efectivamente, graças a esta sua abertura ao ser 
sem limites. 
3.1.3- A concepção africana da pessoa 
A- Conceito do homem africano 
Nesta parte, queremos reflectir em torno de cinco realidades: o conceito de ser humano para o 
africano, os elementos vitais, a família africana, o poder da palavra, e o ser humano como ser de 
relações. É preciso salientar que, nesta reflexão, os conceitos ser humano, homem e pessoa são 
tidos como sinónimos e traduzem o sentido do termo africano ubuntu, um termo que jaz na esteira 
da seguinte afirmação: EU SOU PORQUE NÓS SOMOS! 
A palavra «muximu» revela a mentalidade nativa do africano: significa coração (equivale à alma), 
é o ser humano interior, é como que o pequeno homem dentro do mesmo homem. O conceito de 
homem não é equívoco nas tradições africanas. É formado por dois elementos: o primeiro, a alma, 
vem do Deus Criador e está ligado ao corpo temporariamente, e o outro, o corpo, é transmitido 
pelos antepassados. O que vemos e tocamos são aparências. A realidade humana encontra-se dentro 
e é chamada «sombra vital» que subsiste mesmo depois morte. Esta «sombra vital» está presente 
em toda a parte do corpo, e aí habita como que numa casa vivente. Depois da morte, a alma 
transforma-se numa força que possui a capacidade de ubiquidade, a capacidade de conhecer o 
presente e o futuro (omnisciência), a posse activa sobre os viventes, que influencia a bondade e a 
maldade do mundo sensível. O pensamento, a memória e a inteligência são entendidas de forma 
concreta de modo que, se em Descartes, temos o «Penso, logo existo», já no africano temos o «Eu 
sinto as coisas, logo existo» (Laissone & Santos, 2000, pp. 16-17). 
 
32 
 
No pensamento africano, a pessoa humana possui vários elementos vitais: o espírito (que liga a 
linhagem), o sangue (recebido da mãe), o corpo e a sombra da pessoa, e a respiração. Não são todas 
as culturas que acreditam que o homem tenha todos estes elementos, mas reconhece-se o facto de 
serem tipicamente duma visão africana. São o suporte da vida humana e servem de intermediários 
da complexa, mas necessária, rede de relações que torna o homem dependente do transcendente 
(Laissone, 2001, pp. 9-10). 
Na concepção africana, a família é tida como o centro da vida do homem e da sociedade.O africano 
não se define somente enquanto indivíduo, mas enquanto visto no meio duma comunidade, duma 
família. A família é um elemento fundamental da tradição africana por ser uma instituição de 
referência e de identidade da pessoa. Pertencer a uma família é um dom, uma riqueza, pois implica 
uma identidade social e cultural. Aí, o africano encontra as suas raízes e os valores de referência, e 
é aí onde se realiza o provérbio, "a árvore cresce quando afunda no solo as suas raízes". Para o 
africano, a família é o lugar onde nasce e se desenvolve a vida; é também o ambiente natural onde 
o homem nasce, cresce, encontra protecção e segurança, encontra as razões de continuar a viver, 
etc. Não se pode entender o africano fora da família. Esta, sempre entendida no sentido alargado, 
é o centro da vida e da sociedade. Na mesma família, vive-se uma boa solidariedade. Esta consiste 
precisamente em partilhar com os outros aquilo que alguém tem; por isso ela é concebida como a 
arte de saber estar com os seus «irmãos». Nas línguas bantu, o verbo «ter» traduz-se por «estar 
com». Assim, dizer «Eu tenho um irmão» significa dizer que «Eu estou com um irmão» (Kalumba, 
2002, pp. 22-23). 
Para o africano, a palavra possui um grande poder. Isto vale dizer que o africano dá grande valor 
ao uso da palavra, pois é por meio dela que ele consegue transmitir a experiência vital que possui 
quando entra em contacto com as coisas e com os outros. É por meio da palavra que ele expressa 
as riquezas do pensamento e do coração; e é também por meio da palavra que os valores culturais 
e tradicionais se transmitem de geração em geração. Lembremos que a oralidade até hoje tem sido 
de grande importância embora possa ser muito ameaçada com a modernidade. A palavra é, para o 
africano, vida, principalmente quando é dita pelos mais velhos. Ressoam em nós provérbios como: 
“Cada velho que morre é uma biblioteca queimada”; ou “A mão do ancião pode tremer, mas a sua 
voz costuma acertar o alvo”: pode ser velho sem forças, mas a sua palavra, cada vez que a idade 
avança, contém mais sabedoria. A palavra se transforma em existência e exprime-se de vários 
 
33 
 
modos: pela dança, choro, riso, grito e em vários outros acidentes da vida: "eu falo, logo existo" 
(Laissone & Santos, 2000, p. 17; Kalumba, 2002, p. 23). 
O ser humano é um ser de relações: com os espíritos, com Deus, com os outros. A existência do 
vasto número de espíritos que habita o universo (antepassados, espíritos bons e maus, etc.) 
confirma a inter-relação entre os homens e o mundo dos espíritos. As boas relações com estes 
espíritos são de grande importância para o bem-estar da pessoa. A doença ou qualquer infelicidade 
são causadas pela pessoa por manter más relações com o transcendente, com o mundo ou com os 
outros. Toda e qualquer violação dos tabus ou a falta de lembrança dos antepassados ou do Criador 
resulta em doença ou infelicidade. Para se efectuar a cura ou a eliminação da infelicidade é 
necessário, antes de tudo, restabelecer a harmonia entre os elementos principais que constituem a 
pessoa humana. Mas isto será ineficaz se, simultaneamente, não se restaurar as relações com o 
ambiente e com Deus, os espíritos, os antepassados e outras pessoas. É daí que possamos afirmar 
que o sistema africano de cura e a solução de problemas é moldado pela visão africana da realidade 
(Laissone, 2001, p. 15). 
B- Para o africano, ser homem é ser ético-religioso: o ético e o religioso 
A ética do homem africano 
A ética do africano se baseia na relação cósmica através de dois princípios: o bem e o mal. O bem 
consiste no respeito da harmonia cósmica que se funda em Deus e no contacto com os antepassados, 
enquanto que o mal significa o corte dessa harmonia e desse contacto, que pode ser provocado por 
um mau acto humano ou pela acção destruidora do chamado «bulogi», «mfiti», «muloyi»: o 
feiticeiro. Quando há harmonia então há união numa solidariedade profunda com os outros vivos 
ou mortos, mas quando há desarmonia, então dá-se a experiência do mal que gera o medo, a tristeza, 
o sofrimento etc. 
A vida é um valor sagrado. O amor à vida é característica do homem africano. Este organiza-se e 
estrutura-se em volta da vida. Ela é a chave para entrar na alma, na filosofia e na espiritualidade do 
africano. Tem um caracter sagrado, por isso deve ser respeitada e protegida para crescer sempre 
mais. A morte, neste sentido, é concebida como a continuação da vida no outro mundo. Assim se 
compreende o culto aos antepassados e a sua veneração (Kalumba, 2002, 22). 
 
34 
 
Tabus e leis. A vida dos bantu é repleta de tabus e leis tradicionais que regem a conduta humana. 
Os tabus diferem das leis. Os tabus actuam por si mesmos, isto é, se alguém viola um tabu, as 
consequências recaem directamente sobre ele. Por isso, o tabu é mais forte que a lei, porque pode 
se violar a lei e ficar-se impune, basta não ser descoberto. Mas quando se trata de tabu, a coisa é 
outra. Basta que se viole um tabu para que a sanção recaia sobre a pessoa. O tabu é entendido em 
duas linhas: religiosa (do sagrado) e moral: 
a) Na linha religiosa, é tabu, por exemplo, não tirar lenha nem deitar fogo no bosque sagrado. 
Quem o fizer terá consequências drásticas na vida: pode morrer ele e toda a sua família ou ele 
pode ser devorado por uma fera ou ser engolido por uma jibóia. 
b) Na linha moral, por exemplo, é tabu não matar a pessoa humana. Quem matar, morrerá errante 
no mato enlouquecido e o seu corpo será comido pelas aves de rapina. Também é tabu não 
manter relações sexuais com a irmã legítima porque isto pode causar a morte da mãe ou, se 
casarem, só nascerão filhos mortos. 
Porém, a ética bantu não está apenas presa nos tabus e nas normas tradicionais, mas também é 
expressa através de provérbios e contos, lendas, etc. 
O coração é critério de avaliação moral. A aspiração moral do homem é de possuir um coração 
bom e viril. Entre o povo nyungwe, por exemplo, quando se diz "nyacintima cikulu" (o que tem 
coração grande), quer-se dizer que a pessoa é má, e quando se diz "nyamtima wakufewa" (o que 
tem coração mole), quer-se dizer que a pessoa é boa. Daí que o valor do homem se julgue pelo seu 
coração. O homem que domina pela força ou pelas armas será temido, mas não é e nem será 
superior porque o homem superior é aquele que tem um coração bom e viril. 
Homem africano: profundamente religioso 
Não existe nas línguas bantu uma palavra que possa corresponder ao termo «religião». É difícil 
perceber a razão desta inexistência principalmente quando se vê e se prova a grande religiosidade 
que existe no africano. Talvez a razão reside no facto de ser a própria religiosidade do africano a 
lhe definir como homem. De facto, a religião, no africano, «invade» todos os sectores da sua 
existência, de modo que a própria dimensão do sagrado já está contida no profano. Não podemos 
captar o verdadeiro conceito do homem africano se não o definirmos também e principalmente na 
sua dimensão religiosa. 
 
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O homem africano acredita em dois mundos: o mundo visível e invisível. Por meio do seu corpo, 
entra em contacto com o mundo visível. Por meio do seu espírito ou dum adivinho (ou outro 
intermediário entre o homem e Deus) ou por meio de sacrifícios ou outros gestos sagrados, o 
homem africano entra em contacto com o mundo invisível (Laissone, 2001, pp. 4-5). Ele acredita 
na existência do Deus Criador, Supremo, Eterno, Providente e Juiz Justo e na existência dum 
mundo espiritual. (EA, n. 67). 
C- O ancião: símbolo da sabedoria e «depósito» do património africano 
Os anciãos em África, desde os tempos remotos, desempenharam um papel decisivo como 
fundamento da família, como condutores da vida, elo de ligação

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