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Universidade Federal de São Paulo Campus Baixada Santista Terapia Ocupacional Lidia Stalberg Machado Trabalho em Saúde DIÁRIO DE CAMPO II SUS: Unidade de Saúde da Família - Bom Retiro SANTOS 2017 O presente trabalho apresenta os dados coletados a partir de uma segunda visita de campo realizada em 10 de outubro de 2017 na Unidade de Saúde da Família (Policlínica) de Bom Retiro, na cidade de Santos, onde foi realizada uma entrevista profissionais de saúde (técnico de farmácia e enfermeira) e um acompanhante de um paciente frequente da unidade, dando continuidade à coleta de informações que pretendem conferir se há excepcionalidade na execução do serviço proposto no Sistema Único de Saúde- SUS do Brasil, criado pela Constituição Federal de 1988, afim de equalizar a assistência à saúde da população em geral. Essa discussão tem como referência os usuários e trabalhadores do serviço, através de relatos de suas experiências na unidade e com o serviço em geral. ● Notas descritivas: visita e entrevistas Nessa segunda visita, o contato com os trabalhadores deu-se de forma mais rápida, já que estavam cientes sobre o que os alunos estavam buscando, além de nos reconhecerem da primeira visita. O primeiro profissional contatado foi William, contratado como técnico de farmácia, graduado em odontologia, que trabalha na unidade há apenas 3 meses. A princípio, nos relatou que o trabalho executado vai muito além do que ele havia sido contratado para fazer, portanto, há necessidade de um farmacêutico para ajudar, devido á pressão, a jornada de 8h exaustivas, porém, devido aos custos, ele duvida que um dia o governo contrate tal profissional para cada unidade. Atualmente, há apenas uma farmacêutica para toda a região Noroeste de Santos, o que torna o trabalho desta também sobrecarregado. Além disso, foi criticada a falta de remédios para hipertensão e diabetes, que são os de maior demanda durante todo o ano, já em alguns períodos, aumentam a procura por remédios sazonais, de acordo com as doenças mais frequentes em cada época. Segundo William, que não participa das reuniões de equipe, inclusive menciona que as considera apenas “blá blá blá”, portanto, mantém contato frequente apenas com enfermeiros, alguns médicos e oficiais administrativos, todos sabem dessa falta, mas nenhuma atitude é tomada para resolver o problema, por isso, já chegou até a ser acusado de roubo e venda de remédios devido ao rápido esgotamento destes mencionados. Essas precariedades mencionadas não diminuem a enorme importância do SUS na vida dos usuários, caracterizados como carentes e leigos, sendo a única forma de acesso a saúde para tais, também não diminuem o amor de William pelo trabalho com farmácia. Com a segunda trabalhadora entrevistada não foi diferente, há 10 anos na unidade, Gardênia é uma enfermeira muito conhecida por lá e apaixonada pelo trabalho que faz por causa do contato direto com a população, previamente ao atendimento médico, ainda que contrário a decisão da população em geral que preferem passar diretamente com o médico, o trabalho em saúde torna-se mais abrangente e completo através dessa pratica, junto com o lado social e humano, demandas invisíveis ao atendimento direto podem ser identificadas. Por ser enfermeira, participa das reuniões de equipe que são três: lilás (a qual Gardênia faz parte), rosa e violeta, as sextas feiras, 14h. Nessas reuniões, é realizado o contato entre SUS, CAPS, CRAS, CREAS, Conselho Tutelar e Hospital, tudo afim de dar aos usuários do serviço uma assistência completa, em casos mais graves, a intervenção é imediata, nesse aspecto, Gardênia afirma que a comunicação entre os serviços é proveitosa e ativa, porém, para chegar a tal ponto, é necessário passar por algumas burocracias consideradas desnecessárias. Suas críticas partem rumo à questão da hierarquização dos médicos com outros funcionários, sendo esses considerados os únicos detentores da razão em relação a saúde, como mencionado previamente, ademais, ela mencionou algumas medidas que definem sua posição, por exemplo: a oposição ao ato médico, que restringe a solicitação de exames somente aos médicos, dificultando muito a ação prévia que é executada no SUS pela equipe. Também foi citada a “má vontade” dos médicos advindos de outros países, pelo Programa Mais Médicos, em aprender a língua portuguesa, fato que prejudica a compreensão entre médico e paciente e, portanto, a efetividade nas consultas. A falta de recursos mostra-se em alguns momentos, porém, aparentemente, esse é um ponto de menor relevância entre outros. Por parte dos usuários, de modo geral, a falta de frequência para check-ups, consultas de rotina, tornam o trabalho médico muito solicitado, sendo por vezes até incompreendido a atuação dos demais profissionais responsáveis pela Unidade de Saúde da família, que buscam promover a saúde para evitar que essa busca por atendimento seja repentina e ao acaso. A adequação dos funcionários é trabalhada em processos de capacitação, que ocorrem com certa frequência. No geral, o trabalho é muito querido por Gardênia, mas é reconhecida a pressão e responsabilidades tida por ela, juntamente com a sua equipe para proporcionar o melhor atendimento possível aos usuários com a limitação dos recursos que lhe são dados. Por fim, temos o breve relato de Jonathan, de 18 anos, paciente da unidade á 4, mas que naquele dia apenas acompanhava sua tia (frequentadora regular da unidade) em uma consulta. Sem muitos comentários, Jonathan elogia o serviço prestado pelos profissionais da unidade, mas menciona que tal fato não se dá em todas as unidades do SUS. Também foi confirmado pelo próprio usuário a busca pelo serviço (do médico) apenas em caso de necessidade, sendo desprezado por ele os serviços prestados previamente pelos outros trabalhadores para manter a saúde em dia, considerando-os de pouca importância, salvo agentes comunitários, que vão até as casas para marcação de consultas, cadastro e visitas mensais, tornando desnecessário o deslocamento até a unidade, facilitando tal ponto e promovendo um contato continuo com a família, que sente-se mais acolhida para usar o serviço. Uma reclamação feita foi a demora na marcação de consultas com dentista, cuja observação já foi feita por ele na caixinha de sugestões, para que se agilizasse o processo. Outro método de reivindicação, seria a participação nos Conselhos de Saúde, porem Jonathan afirma desconhecer a presença e atuação destes nos serviços de saúde. ● Notas intensivas e reflexivas: percepções e relações O mais perceptível fato durante essa segunda visita foi a hierarquização mencionada explicitamente pelos funcionários e indiretamente pelo usuário, a qual superioriza o médicoperante todos os demais. Esse aspecto notavelmente impede que o trabalho de assistência completa do SUS seja realizado com a população, já que para isso, é necessária a colaboração e entendimento da importância desse contato frequente entre os usuários com os serviços e profissionais da saúde no geral, desde os agentes comunitários até, em casos específicos e de baixa periocidade, a busca pelo médico. Apesar disso, também foi percebido as diferentes perspectivas dos próprios trabalhadores, os quais assumem opiniões opostas sobre a política de trabalho do serviço de saúde da Unidade de Saúde da Família, sendo uma delas favorável ao trabalho em equipe e outra, indiferente com essa relação. A regularidade na utilização do SUS acaba sendo mais comum na população de terceira idade, por deterem maiores carecimentos em sua saúde. Por outro lado, alguns outros buscam o atendimento apenas quando lhes convém, causando muitas faltas as consultas, ocasionando lotação em períodos de maior incidência de doenças e deixando de opinar e participar de meios que poderiam agregar para o melhoramento dos serviços prestados. Esse cenário poderia ser mudado se houvesse maior participação popular, além do desempenho das políticas criadas pelo Estado, com investimento nos setores de saúde pública, os quais são citados na legislação: “Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”, sendo assim, tidos como essenciais para o funcionamento adequado da missão proposta ao SUS. Enfim, podemos constatar em relação ao serviço na unidade considerada, que de modo geral, há qualidade no trabalho em geral, com exceção dos impasses que estão fora do controle dos profissionais que atuam na rede. Podendo assim ser considerado que as necessidades de quem busca o serviço, são devidamente supridas de acordo com os meios disponíveis para tal. Como discussão final, pode-se estabelecer um questionamento sobre as reais disfunções que levam às falhas do desempenho na atuação das propostas de lei na Constituição, devendo assim, serem exigidos os direitos dos trabalhadores desse sistema e dos usuários, que por vezes se mostram acomodados com tais problemas, principalmente no caso de jovens e adultos, quando a busca pelo atendimento só é solicitada na presença de algum problema de saúde, caracterizando uma procura imediata, que se dá eventualmente, portanto, as objeções sobre o funcionamento não são prioritárias a outros pretextos de maior importância. Vale salientar que, a não contestação de tais direitos, não significa que esses não são importantes, mas com base no que realmente acontece, é evidente o descaso na pretensão de sanar os problemas questionados. Referências Bibliográficas PAIM, J. O maior desafio do Sistema Único de Saúde hoje, no Brasil, é político. Entrevista com Jairnilson Paim. Legislações da Constituição Federal (193 a 200). Lei nº 8080 (Art. 1 a 3, 8 a 14). Lei nº 8142 (Art. 1 a 7). SILVA JÚNIOR, A.G. E ALVES, C.A. Modelos assistenciais no Brasil: desafios e perspectivas in: Morosini, M.V.G.C. Corbo, A.D. (org) Modelos de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007.p. 29-41.
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