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Liderança Feminina Compartilhe esse material com seus amigos ÍNDICE A realidade das mulheres no mundo do trabalho .......................................................3 Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema ............................7 O sonho grande de ter mais mulheres brasileiras na liderança .................................. 13 O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro................................................17 A rotina da presidente da Microsoft Brasil ............................................................. 23 O dia a dia da advogada que assessora fusões &aquisições bilionárias ....................... 29 ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas .............................................................. 34 Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras ................................... 40 Conheça a história da astrofísica brasileira premiada pela Unesco ............................ 45 ‘Minha vontade é impactar muita gente’, diz Marcela Trópia, que planeja ser a vereadora mais nova de Belo Horizonte ........................................ 49 Do mercado financeiro a uma revolução no terceiro setor ......................................... 53 Na Prática recomenda: livro ‘Faça Acontecer’, de Sheryl Sandberg ............................. 58 L iderança feminina está em pauta. De altas executivas, como a diretora do FMI Christine Lagarde e a COO do Facebook Sheryl Sandberg, a profissionais nas mais diversas áreas e países, as mulheres (e também os homens) estão batalhando pela causa no dia a dia, discutindo desigualdade de gêneros e propondo soluções. O que está em jogo, no final das contas, é simples de explicar: igualdade de oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, desde recrutamento e seleção até as políticas de promoção e crescimento profissional. As formas de se atingir esse objetivo, por outro lado, não são tão simples assim. Mesmo diante desse cenário complexo, um número cada vez maior de empresas está abrindo espaço para discussões sobre liderança feminina – e não só porque a diversidade é a escolha moralmente correta, mas porque rende frutos financeiros. Impacta no bolso dos acionistas. Segundo uma pesquisa de 2015 da consultoria McKinsey chamada “Diversity Matters”, companhias mais diversas em termos de gênero têm faturamento até 15% acima da média de suas indústrias. Ainda há muito pela frente, é verdade. Apenas 9% das posições de CEOs do mundo são ocupadas por mulheres e o gap de gêneros, causado por uma série de fatores, ainda é significativo em todos os níveis hierárquicos. No Brasil, segundo o mesmo relatório, as mulheres representam em média apenas 6% da equipe de altos executivos. Conhecer as histórias de mulheres que venceram esses desafios é uma forma de se inspirar e ganhar fôlego para reverter o cenário desigual. Este material traz algumas dessas histórias, como a trajetória da tenente Carolina Reis, primeira mulher na Diretoria de Obras de Cooperação do Exército brasileiro, Paula Bellizia, presidente da Microsoft no Brasil que lidera uma gigante tecnológica em uma das indústrias com menor inclusão feminina, e Fernanda Bastos, advogada e sócia do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, que lida no dia a dia com fusões e aquisições bilionárias. “É importante que o líder seja um exemplo das atitudes que acredita e defende”, resume Paula. “Ele precisa manter uma equipe diversa, refletindo o mercado no qual atuamos para podermos entender melhor as demandas dos consumidores e clientes e gerar criatividade e inovação.” Boa leitura! Voltar para o índice 1 Introdução 2 Voltar para o índice A realidade das mulheres no mundo do trabalho Em um recente relatório, intitulado “The Future of Jobs”, o Fórum Econômico descreve suas previsões sobre como será o mercado de trabalho nos próximos anos, levando em conta os principais componentes sociais, tecnológicos e econômicos que atuam sobre o mercado global. O documento chama atenção para a urgência das questões de diversidade e igualdade de gênero na força de trabalho, e critica o ritmo lento dos avanços nessa área. As chances de uma mulher conseguir uma posição de liderança ainda são muito menores que as dos homens (28%) e apenas 9% dos CEOs do mundo são do sexo feminino; entenda esses dados em um infográfico interativo 33 Voltar para o índice A realidade das mulheres no mundo do trabalho “É tempo para uma mudança fundamental em relação à questão do talento e da diversidade, seja de gênero, idade, étnica ou orientação sexual”, escrevem os autores. Na última década, apenas 3% do gender gap econômico global foi fechado. As chances de uma mulher conseguir uma posição de liderança ainda são muito menores que as dos homens (28%) e apenas 9% dos CEOs do mundo são do sexo feminino. Mulheres ainda são minoria em tais campos por diversas razões e, se um cuidado extra não for aplicado pelas empresas na hora de pensar sobre o futuro, há um risco de dificultar ainda mais o sonho de eliminar o hiato profissional entre homens e mulheres. No gráfico a seguir, é possível ter uma visão mais aprofundada sobre a representatividade das mulheres nas diversas indústrias e níveis de carreira: Clique para abrir gráfico > 4 Voltar para o índice O relatório estima que homens perderão cerca de 4 milhões de empregos e ganharão outro 1,4 milhão. Quase um novo posto para cada três perdidos. No caso das mulheres, já subrepresentadas, a expectativa é de um novo emprego para cada cinco eliminados. Os autores do documento finalizam pedindo atenção especial ao tema e sugere uma série de medidas, de mecanismos de responsabilidade empresarial a programas de tratamento e mentoria. E um ponto valioso da conclusão é lembrar que a responsabilidade não termina no escritório. Uma empresa tem a oportunidade de impactar sua cadeia de valores e tornar-se uma influência externa que garanta neutralidade, inspira meninas e jovens e desenvolva parcerias com a sociedade civil, entre outras possibilidades. São ações que podem fazer toda a diferença, agora e no futuro. Compartilhe esse material com seus amigos A realidade das mulheres no mundo do trabalho 5 Os homens são o outro sexo, mas não o sexo oposto. A paridade de gêneros é uma batalha que nós precisamos vencer juntos, porque é uma questão de interesse global. – Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI) 6 Voltar para o índice Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema Em 2014, a Organização das Nações Unidas criou a HeForShe, uma nova campanha em prol da igualdade de gêneros. O tema é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que dão sequência aos Objetivos do Milênio. A atriz Emma Watson, então recém-nomeada embaixadora da boa vontade da ONU Mulheres, foi a escolhida para apresentar a campanha, que busca angariar o apoio de homens em prol das mulheres. Seu delicado discurso em Nova York foi muito bem recebido – e visto mais de sete milhões de vezes no Youtube, na versão original –, e o debate ganhou espaço. Durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, líderes de empresas como Twitter, McKinsey e Unilever discutiram o tema em um painel mediado por Emma Watson, embaixadora da ONU Mulheres 77 Voltarpara o índice Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema Uma das ramificações do HeForShe é o projeto IMPACT 10x10x10, em que 10 universidades, 10 chefes de estado e 10 CEOs de grandes empresas se comprometem em dar grandes passos rumo à igualdade de gêneros em seus respectivos campos até 2020. Um relatório recente da McKinsey & Co., uma das empresas comprometidas, diz que a igualdade de gênero pode significar um estímulo de até US$ 28 trilhões na economia mundial até 2025. No último Fórum Econômico Mundial, que aconteceu em janeiro, seis dos dez líderes empresariais viajaram a Davos para apresentar propostas e avanços em um painel moderado por Emma e colegas. Confira abaixo os destaques de cada um: McKinsey & Co. “A igualdade não é apenas um tema moral, mas econômico e de performance”, disse o CEO Dominic Barton. “Nossa missão é atrair, manter e desenvolver os melhores talentos e também ter um impacto duradouro em nossos clientes. E não estamos cumprindo essa primeira parte.” Ele segue dizendo que 41% dos mais de 21,000 funcionários da consultoria são mulheres, mas elas estão menos representadas em cargos de liderança. “Não tem como dizer [que está certo] enquanto não forem 50%”, disse. Barton chama de “solavanco” o plano que criaram para avançar. “Chegar dos 24% atuais aos 40% em cargos de liderança sênior, em cinco anos, vai exigir muito esforço.” PricewaterhouseCoopers “Equipes diversas são equipes mais fortes, que fazem decisões melhores, e isso está nos dados”, resumiu o CEO Dennis Nally. “Quando pessoas diferentes lidam com um desafio, a solução encontrada é muito mais criativa do que seria com apenas homens brancos.” Na PwC, contou, a igualdade de gêneros já é uma realidade nos cargos de entrada, mas não na liderança. “No nível de sócios e acima, apenas 20% são mulheres”, diz. “É um desafio de negócios: não apenas atrair os talentos, mas mantê-los.” 8 Voltar para o índice Nally aposta na análise de dados para descobrir exatamente onde devem agir. “Estamos em 157 países pelo mundo, e queremos intervir no processo de administração das carreiras das pessoas”, falou. “Achamos que o problema tem a ver com dados e com fazer a pergunta na hora certa.” O empresário concluiu dizendo que, em uma pesquisa interna recente com jovens funcionários, a PwC constatou que esta é uma geração focada em atingir um equilíbrio. Homens e mulheres não diferem em termos de flexibilidade, estilo de trabalho ou como querem conduzir suas vidas – não há diferenças de gênero nesse sentido. “Então temos que atrair e manter este talento e garantir que o terreno seja o mesmo para ambos os gêneros”, resumiu. “Caso contrário, eles vão buscar essas oportunidades em outro lugar.” Schneider Electric Para Jean-Pascal Tricoire, CEO da gigante de energia europeia, “seria estúpido nos privarmos de 50% do talento do mundo”. Em um campo onde pensar diferente é chave para o crescimento, ele diz que a inovação vem da criatividade, e ecoa Nally da PwC. “Uma comunidade mais inclusiva e equilibrada é fundamental para a inovação”, disse. “Uma sala só com homens… É triste.” Dentre os líderes presentes, o desafio de Tricoire era substancial. Quando assumiu o posto, apenas 3% dos cargos de liderança da Schneider Electric eram ocupados por mulheres. Hoje, são 20%. “É insuficiente, mas um grande progresso.” Unilever A abordagem da Unilever, uma das maiores empresas do mundo, faz jus ao seu tamanho. Como o CEO Paul Polman explica, é a ideia de agir não apenas dentro da companhia, mas também nas áreas em que faz negócios. “O maior impacto acontece na cadeia de valores”, disse. Lá, segundo ele, estão cinco milhões de mulheres que dependem da Unilever para seu sustento – e muita gente que pode ser pressionada para entrar nos eixos. Por isso, a empresa se comprometeu com olhar todo e cada tema pelo prisma das mulheres. Os ângulos são três: Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema 9 Voltar para o índice direitos das mulheres (como direito à propriedade e à segurança), habilidades e oportunidades (como usar marcas e redes para criar empregos). “É usar nossa escala e influência pelas mulheres”, resumiu. “Em qualquer coisa que avaliamos, elas são melhores investimentos.” Tupperware Do ponto de vista dos negócios, as mulheres são um recurso subaproveitado. Investir nelas, portanto, significa um enorme retorno sobre investimento. É o que diz o CEO Rick Goings antes de suscitar outra discussão. “Muito dessa conversa sobre igualdade de gênero acontece no mundo desenvolvido”, disse. “Entendo a questão de quebrar o teto de vidro e é maravilhosa, mas a conversa precisa avançar para esses outros mercados, que têm 85% da população feminina.” Ele acredita que a próxima era de trabalho, pós-automação, será uma marcada pelo trabalho autônomo, em que soft skills como motivação e resiliência serão importantes. “Hoje, focamos nessa trabalhadora autônoma ao oferecer acesso à microfinanças, kits de venda gratuitos e treinamento”, explicou. “No México e na Indonésia, vimos essas mulheres saírem da classe baixa para classe média, aumentarem a autoestima, se sentirem como líderes e se conectarem com outras mulheres.” O impacto não se restringe a elas, continua Goings. Companheiros e filhos também passam a tratá-las com mais respeito. AccorHotels Um de apenas dois CEOs compro- metidos com instituir pagamento igualitário até 2020, Sebastien Bazin diz que a decisão é polêmica mas veio naturalmente. “Tentei achar uma única razão para não fazer isso, e ninguém deu uma boa.” “Mas é preciso avaliar o gap, que é extremamente diferente entre as empresas e segmentos”, disse. A Accor Hotels está presente em 92 países e emprega cerca de 200,000 pessoas. Aqui, a chave e delegar para gerentes de hotel implementarem a política em cada uma das propriedades. 2. Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema 10 Voltar para o índice Outro plano para criar lideranças igualitárias é inusitado. O empresário criou um comitê “sombra”, formado por seis homens e seis mulheres. As equipes serão trocadas anualmente e terão acesso a todos os documentos confidenciais que o CEO tem e lidarão com os mesmos desafios e decisões, ao mesmo tempo que ele. Antes de decidir algo, Bazin vai consultar as decisões do comitê. Por fim, Bazin também tocou no assunto maternidade.“Após ter um filho, você volta uma pessoa diferente, suas prioridades sofreram reajustes, você pensou sobre a organização e seu papel”, falou. “Você é ainda mais valiosa agora e eu quero que você volte.” Twitter Único representante do Vale do Silício, que lida com frequentes discussões sobre baixa representatividade feminina, o COO Adam Bain garantiu que a mudança começa já em 2016. Os quadros da empresa verão mais diversidade em posições tecnológicas e de liderança e, para retirar qualquer preconceito inconsciente, as ofertas de salário são feitas sem que empregadores saibam os nomes do possível funcionário. “Queremos que as pessoas que formam a empresa reflitam a imensa diversidade dos usuários”, resumiu. Além da revisão frequente de métricas, o Twitter também investe em conversar diretamente com seus funcionários para conseguir insights sobre como melhorara empresa. “Um exemplo é que ouvimos de mulheres em posição de liderança que elas queriam mais mentorias, então começamos um programa”, contou. Outro veio de uma dificuldade enfrentada por novas mães, que consideram um desafio amamentar seus filhos em viagens de negócios. “Então agora há um sistema de remessas global em que é possível mandar seu leite materno para sua família.” Clube do livro feminista Emma Watson também criou recentemente um clube do livro virtual, “Our Shared Shelf”, dentro do site goodreads.com. A primeira obra escolhida por ela foi “My Life on the Road”, de Gloria Steinem. O grupo conta com quase cem mil inscritos. Compartilhe esse material com seus amigos Liderança feminina: seis CEOs apresentam suas ideias sobre o tema 11 Histórias inspiradoras 12 Voltar para o índice O sonho grande de ter mais mulheres brasileiras na liderança Dar um impulso na carreira de mulheres no Brasil todo, nos mais diversos setores. Essa é a ideia por trás da startup Impulso Beta, fundada pela empreendedora Renata Moraes. O projeto surgiu em 2014, quando Renata estava terminando o MBA no Insper e começou a pensar em construir algo que pudesse ajudar as mulheres a chegar mais longe em suas carreiras. “Estava muito inspirada em algumas iniciativas e empresas fora do Brasil e sentia que havia necessidade de ferramentas por parte das mulheres e das empresas preocupadas com diversidade de gênero. Vi que naquele momento existia uma real oportunidade, eu me sentia preparada e queria muito me lançar a esse desafio”, conta. A empreendedora Renata Moraes, do Impulso Beta, compartilha dicas para as mulheres que querem impulsionar suas carreiras e chegar ao topo nas empresas 1313 Voltar para o índice O sonho grande de ter mais mulheres brasileiras na liderança A oportunidade de mercado, como é dito no jargão dos empreendedores, estava ali. Nunca se falou tanto sobre a importância de ter mais mulheres na liderança das empresas. Numa linha de raciocínio apoiada por nomes como Sheryl Sandberg, do Facebook, e Christine Lagarde, do FMI, argumenta- se que a igualdade de gênero é uma questão não só de direitos como também de economia – em uma pesquisa recente, a McKinsey revelou que a igualdade feminina no mundo do trabalho somaria novos EUA e China ao PIB global. “O Brasil ainda é um país com muitas desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Mesmo as mulheres sendo já maioria na universidade e tendo participação quase igual no mercado de trabalho, são minoria absoluta nas posições de liderança de todos os setores”, ela explica. Já podemos considerar como fato: o problema existe, e precisa ser resolvido. Se, por um lado, políticas públicas e corporativas são parte da solução, Renata também acredita no protagonismo feminino e mudança de atitude como forma de acelerar a carreira de mulheres rumo ao topo. É aí que entra a Impulso Beta. Ao mesmo tempo, não é como se o “comichão” do empreendedorismo não estivesse começando a falar alto a Renata. Filha de empreendedores e formada em Jornalismo pela USP, ela não havia se encontrado no ambiente das redações. Depois te ter começado a carreira na revista de maior circulação do país, mudou de área e foi trabalhar na Fundação Estudar – na época uma empresa de cinco pessoas, onde ela fez de tudo um pouco. “Foi na Estudar que me descobri, de fato, empreendedora. Tive a oportunidade de criar vários produtos do zero e me sentir empreendendo num ambiente protegido”, conta. Seu próximo passo foi, de fato, rumo ao empreendedorismo, criando a ImpulsoBeta. “Nossa missão é contribuir para que as mulheres atinjam seus objetivos profissionais e impulsionar negócios por meio do talento feminino. Acreditamos que a igualdade de gênero no mercado de trabalho é bom para as mulheres, as famílias, as empresas e a sociedade com um todo”, ela explica. Atualmente, a empresa aposta em cursos e workshops presenciais e online voltados para mulheres que querem acelerar suas carreiras, além de uma 14 Voltar para o índice plataforma online de liderança feminina lançada em 8 de março. A seguir, Renata compartilha com exclusividade dicas para as mulheres que querem impulsionar suas carreiras rumo à liderança. Confira: 1. Rompa crenças limitantes de que realização pessoal e profissional só podem andar juntas se reduzirem suas ambições de carreira. 2. Escolha bons parceiros para a vida: se for se casar, certifique-se que a pessoa torce pelo seu sucesso e valoriza tanto sua carreira quando a sua própria. 3. Escolha uma empresa que acredita em mulheres: as mudanças no mercado ainda são lentas, mas há empresas comprometidas em encontrar soluções para incluir mulheres e outras que estão satisfeitas com o status quo. Para as empreendedoras, isso pode ser aplicado em relação aos clientes. Compartilhe esse material com seus amigos O sonho grande de ter mais mulheres brasileiras na liderança 4. Não espere que seu trabalho fale por você. Sim, você tem que trabalhar duro. Mas tem que saber promover suas realizações, buscar visibilidade e construir relacionamentos que abram oportunidades. Ninguém fará isso por você. 15 Nós chamamos meninas de ‘mandonas’, mas não fazemos o mesmo com meninos porque já é esperado que eles liderem. O que acontece então é que quando as mulheres fazem coisas que as tornam líderes, não gostamos delas e portanto não as promovemos. – Sheryl Sandberg, COO do Facebook 16 Voltar para o índice O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro Carolina Reis sempre gostou de visitar obras. Quando era pequena, ia acompanhada pelo pai, engenheiro militar que adorava lhe ensinar matemática. Hoje tenente moderna – que, no linguajar militar, quer dizer recente – na Diretoria de Obras de Cooperação do Exército e também engenheira, segue a tradição. A opção pela carreira veio cedo. Na oitava série, incentivada pela família, Carolina prestou concurso para o Colégio Militar do Rio de Janeiro. Passou em quarto lugar e decidiu ali, em meio às formaturas cerimoniais, que queria ser militar também. “O companheirismo do Exército é diferente. O oficial tira algo da própria farda para colocar na sua, por exemplo”, diz. “Qualquer posto pode ser alcançado por qualquer mulher que achar que pode”, diz a tenente moderna Carolina Reis. Ela é a primeira mulher a chegar na Diretoria de Obras de Cooperação, que superintende a execução de obras e serviços de engenharia por órgãos militares 1717 Voltar para o índice O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro Estudiosa, também gostava do currículo aprofundado. Decidiu estende-lo ao estudar no Instituto Militar de Engenharia (IME), onde entrou em 2008. A instituição, que fica na capital carioca, é a mesma que formou seu pai, que possui seu nome gravado no salão nobre do lugar. “O IME permite que uma mulher tenha uma carreira militar completa, até alcançar o posto de general”, resume ela, que é a primeira mulher engenheira a chegar na Diretoria de Obras de Cooperação. Representadas A história é resultado de uma série de conquistas recentes na luta pela igualdade de gêneros. As brasileiras do Exército, que somam mais de 22 mil, representam cerca de 6% da força total. É um número baixo, mas crescente desde 2012, quandoa então presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei permitindo que vagas em áreas combatentes fossem abertas também para elas. A primeira mulher a integrar o Exército só foi oficialmente reconhecida pela organização mais de um século depois. Maria Quitéria de Jesus Medeiros, ou soldado Medeiros, pertencia ao Batalhão de Voluntários do Imperador e lutou pela Independência do Brasil em 1822. Famosa entre os pares, foi condecorada por Dom Pedro I como Cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro depois da guerra – e aproveitou para pedir que ele escrevesse uma carta para seu pai, a quem havia desobedecido ao se alistar. Em 1996, ela ganhou o título de Patrono do Quadro Complementar de Oficiais e hoje tem seu retrato em todos os quarteis do país. As primeiras integrantes oficiais mesmo vieram em 1943, na Segunda Guerra Mundial. Eram enfermeiras e voluntárias. Meio século depois, em 1992, a Escola de Administração do Exército, na Bahia, teve sua primeira turma feminina matriculada – até então, as poucas mulheres presentes atuavam em cargos majoritariamente administrativos e de saúde. Ainda nos anos 1990, seguiram-se outras opções de serviço na área de saúde, como médicas e dentistas, e na área técnica, que inclui profissionais diversas como advogadas, psicólogas, professoras e jornalistas. A Aeronáutica, que tem a maior parte das militares ativas e 36 aviadoras, abriu suas portas em 1995, assim como a Marinha. O 18 Voltar para o índice próprio IME passou a admitir mulheres (e, consequentemente, engenheiras militares) apenas em 1997. Finalmente, no início de 2016, a Força Terrestre divulgou seu primeiro edital para ingressantes do sexo feminino na área bélica – leia-se: combatentes. As primeiras quarenta oficiais vão passar pela tradicional Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), entre outros espaços, e devem concluir seus estudos em 2021. Como a carreira militar é longeva e baseada em tempo de serviço, se alguma delas for se tornar a primeira comandante brasileira, só ganhará o título em idos de 2060. Igualdade Carolina diz que o fato de ser pioneira – e precoce, já que a carreira militar começa com o título de tenente – não lhe afetou na prática. “Sempre ouvi que, intelectualmente, homens e mulheres são iguais. Ponto. Parágrafo. E no serviço público você tem a vantagem de prestar concurso. Após chegar no posto, ninguém pode te tirar.” Inclusive, quando chegou à Diretoria de Obras de Cooperação (DOC), não sabia que era a primeira mulher a ocupar um posto no órgão. O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro A boa recepção dos colegas, baseada também nas condições de igualdade e mérito reforçadas pela própria estrutura do Exército, fortalece sua ideia de que não tolher as ambições femininas é fundamental. “Qualquer posto pode ser alcançado por qualquer mulher que achar que pode”, diz. “A grande responsabilidade das mulheres é fazer jus ao posto quando chegar nele.” Ela destaca que os mesmos valores do Exército que a atraíram desde a escola – contribuir para o desenvolvimento do Brasil, crescimento meritocrático e vontade de fazer grande – também a fizeram se identificar com a Fundação Estudar, da qual é bolsista. Da rotina de universitária militar, que envolve tirar serviço armado e treinamento físico, ela também tirou lições que mantém. “Lá, você precisa se superar e descobre que é muito mais capaz do que imaginava. Não ando por aí escalando paredes, mas sei que posso”, diz. “Foi muito mais que apenas uma excelente formação em engenharia.” Pelo Brasil Hoje em Brasília, ela ajuda a controlar as obras (cerca de 20) dos batalhões 19 Voltar para o índice de Engenharia de Construção (são 11). Participa do controle de gestão e acompanha planejamentos e controles financeiros destes empreendimentos – que diferem das empresas tradicionais, por exemplo, no fato de que não se cobra mão de obra e não se lucra. Carolina se formou-se em engenharia de fortificação e construção em 2012. Para quem nunca ouviu o termo, ela explica: “É basicamente engenharia civil, que ganhou esse nome quando começou a ser ensinada também aos não-militares”. O IME possui um dos melhores (e mais concorridos) cursos do país na área e lá, além do currículo básico, os engenheiros estudam também temas específicos do universo militar, como paióis e explosivos. Durante a graduação, Carolina também participou da empresa junior e desenvolveu projetos de pesquisa. Para ela, a própria natureza de sua engenharia é coletiva, já que envolve liderar equipes expressivas em obras de grande escala, e ensinou muito sobre trabalho em time e relacionamento com pessoas – habilidades que ela aplica diariamente no trabalho em campo. Já diplomada, mudou-se para Santa Catarina, onde fica o 10º Batalhão de Engenharia de Construção. Lá, trabalhou na rodovia Caminhos da Neve, obra que, quando concluída, ajudaria no escoamento da produção de maçãs local, a maior do país. “Cerca de trinta por cento das maçãs eram perdidas pelo chacoalhar dos caminhões e só aquela obra evitaria a perda de alimentos, de produção de trabalho”, diz. O sentimento de que está construindo algo duradouro para o país está por trás de sua motivação. “Gosto muito de saber que o que estou executando se reflete diretamente para a nação.” A vida de transferências pelo território nacional a levou também à Amazônia, local de enormes obstáculos (e aprendizados) logísticos. “A Amazônia é um lugar que todo brasileiro deveria conhecer”, diz. Em muitos rincões brasileiros, especialmente no Norte, onde ficam quatro dos 11 batalhões, a presença do Exército é muito mais forte. “É importante saber dessa realidade do Brasil.” Atenção constante O dia a dia de uma engenheira militar é diferente da colega civil em uma área crucial: militares estão constantemente em treinamento. “Por que quem é O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro 20 Voltar para o índice combatente faz simulações de guerra e quem é engenheiro precisa estar sempre adestrado?”, pergunta ela. “Porque se algum dia enfrentarmos uma guerra e uma ponte for destruída, por exemplo, precisamos ser capazes de reconstruí- la. As obras são importantes para nos mantermos atualizados.” Pode parecer uma possibilidade distante (felizmente), mas é real no quartel e envolve conhecer a fundo as particularidade do país. Quais são as dificuldades e facilidades envolvidas na construção de uma rodovia em época de chuvas no Norte, por exemplo? Ou como lidar com as baixas temperaturas no Sul, capazes de fazer uma máquina congelar? Carolina precisa saber. Como uma situação pode surgir a qualquer momento, a tenente, que quer ascender na carreira, está sempre a postos. “Isso influencia todos os aspectos das nossas vidas ao exigir uma postura coerente e capacidade de dar exemplo para exercer a liderança de fato”, diz. “Se alguém me ligar, preciso colocar a farda e ir trabalhar.” O dia a dia de uma engenheira no Exército brasileiro Compartilhe esse material com seus amigos 21 Se você investir em uma menina ou mulher, está investindo em todas as outras pessoas porque ela frequentemente é o centro da família. Se não fizermos isso, não liberamos esse potencial do que é possível fazer para toda uma família, comunidade ou sociedade. – Melinda Gates, co-presidenteda Fundação Bill e Melinda Gates 22 Voltar para o índice A rotina da presidente da Microsoft Brasil Quando coloco meu iPhone e meu Windows Phone na mesa, a reunião para”, brinca Paula Bellizia, presidente da Microsoft Brasil há um ano. É também uma mensagem sobre “a nova Microsoft”, que hoje se vê como um meio e não como um fim. Ela explica: não se trata mais de colocar um PC em cada mesa e democratizar a tecnologia – a primeira intenção da empresa, quando ainda crescia dentro de uma garagem –, mas de empoderar pessoas e organizações a fazer mais com a tecnologia. Uma das poucas mulheres no topo da indústria tecnológica, a executiva Paula Bellizia fala sobre carreira, diversidade e as prioridades da empresa no país; “Programação é habilidade básica para fazer parte da força de trabalho do século 21” “ 2323 Voltar para o índice A rotina da presidente da Microsoft Brasil Ter um leque muito mais amplo que nos dias de startup ajuda. Além de software e hardware (que hoje incluem tablets e celulares), a Microsoft hoje oferece videogames, soluções para negócios, servidores, ferramentas de desenvolvimento e serviços de nuvem, entre outros. Em 2015, faturou cerca de US$ 93,5 bilhões. Essa nova missão corporativa, que vem tomando forma nos últimos anos, foi parte do que fez Paula aceitar o cargo. “A empresa está abrindo sua plataforma e era o momento de viver a transição”, diz, destacando o uso crescente de open source. Formada em Computação e Ciência da Computação na Unesp, Paula fez pós- graduação em Marketing na ESPM e MBA na FIA/USP. Começou trabalhando na área de Marketing da Whirlpool, onde ficou por sete anos. Em seguida, foi gerente de grupo de produtos na Telefônica por dois anos antes de se juntar à Microsoft. Ocupou os postos de gerente de vendas para pequenas e médias empresas e diretora de marketing e operações, e saiu com uma década de casa. Após um breve período no Facebook, assumiu a presidência da Apple no Brasil e ocupou a cadeira por outros dois anos. Planejava um período sabático quando recebeu o convite da Microsoft, com quem sempre manteve uma política de portas abertas. “Um dia, recebi uma ligação e me disseram: ‘Vem ser a líder no Brasil’. Não dormi!”, ri. Juventude Dentro do campo de responsabilidade social, os principais focos de Paula no Brasil são os setores de educação e empreendedorismo, que têm grande potencial de impacto e podem melhorar cenários em grande escala. De projetos de apoio à qualidade do ensino e acesso facilitado a tecnologias nas escolas públicas às incubadoras e competições de startups como a Imagine Cup, a ideia da Microsoft é ajudar a juventude brasileira a se desenvolver usando as plataformas da empresa – e assim se consolidar cada vez mais no mercado. Ela também aponta que a maior parte dos empreendedores do país é jovem e que cerca de 60% dos universitários brasileiros querem ter seus próprios negócios no futuro. 24 Voltar para o índice Ou seja, não vão faltar clientes em busca das ferramentas tecnológicas corretas no futuro próximo. Em código Num mundo cada vez mais tecnológico, faz todo sentido propagar a importância da programação. Mais que importante, ela se torna na verdade fundamental. De acordo com empregadores como Paula, programar já é uma habilidade básica da força de trabalho atual. A presidente conta que sua filha, de 8 anos, já demonstrou entusiasmo pela linguagem. Faz bem. “As instituições de ensino estão à frente de um grande desafio, que é formar jovens com competências específicas para o século 21”, diz. “E aprender a programar permite que os usuários se tornem criadores e desenvolvedores de tecnologia, além de acelerar o desenvolvimento de suas carreiras. É uma grande oportunidade para os jovens.” Fazer uso inteligente de tecnologia em salas de aula, como incluir programação na grade curricular, também pode preencher lacunas educacionais e potencializar cada vez mais os alunos. “A linguagem de programação, por exemplo, contribui para desenvolver em crianças e jovens o raciocínio lógico e a habilidade para resolver problemas, uma vez que exercita capacidades cognitivas básicas para enfrentar a realidade complexa que os rodeia.” Liderança Para Paula, a capacidade de solucionar problemas lógicos é característica essencial de um bom líder, assim como criatividade, boa comunicação, abertura, foco no resultado e pensamento crítico. E como é impossível acertar o tempo todo, aprender com os erros é fundamental. “Na Microsoft, nossa cultura é fundamentada na mentalidade de crescimento, que é a crença de que você pode aprender sempre”, resume. “Para isso, é necessário assumir riscos e mover rapidamente quando cometemos erros, reconhecendo que as falhas acontecem na jornada para a excelência.” Ela garante que não faltaram erros e deslizes em sua própria trajetória. “Aprendi que as chances de dar certo com só um número, uma meta ou um jeito de engajar as pessoas são muito A rotina da presidente da Microsoft Brasil 25 Voltar para o índice pequenas, porque as pessoas pensam: ‘ah, a meta é só dela’”, exemplifica. O que muda é como se encara, e o que se tira, de cada situação. No dia a dia, Paula opta por uma rotina intensa e estima que passa cerca de 70% de seu tempo fora do escritório. Também é adepta do home office e da flexibilidade, que lhe permitem passar tempo com os filhos – e incentiva sua equipe a fazer o mesmo, desde que estejam online no Skype às 17h. “Acho que temos que rasgar os modelos tradicionais e estou tentando fazer isso, de colocar as cadeiras em círculos a analisar, caso a caso, os trajes de trabalho.” A mentalidade aberta às mudanças se estende para todas as áreas. Para se manter à frente de uma indústria tão competitiva e disruptiva, é essencial buscar novas maneiras de pensar e produzir. A ideia principal, esclarece, é quem não faz gol leva um. “As mudanças não só técnicas, mas conceituais, estão cada vez mais dinâmicas, e quem se prende a uma forma de pensar e trabalhar perde oportunidades”, explica. “Estar aberto para crescer e aprender constantemente é, para mim, a forma de se adaptar a esta nova realidade.” Diversidade Ter uma presidente mulher significa, na maior parte do tempo, colocar o tema da diversidade em pauta. Num mercado mundial onde as mulheres ainda ocupam apenas 9% das posições de liderança, há uma pressão crescente para aprimorar esse quadro. “É importante que o líder seja um exemplo das atitudes que acredita e defende”, diz Paula. “Um líder precisa manter uma equipe diversa, e me refiro a experiência, gênero, perfil e idade, refletindo o mercado no qual atuamos para podermos entender melhor as demandas dos consumidores e clientes e gerar criatividade e inovação.” Em um país em que 50% das pessoas são mulheres e 53% se identificam como pardos ou negros, ela quer ver este espelhamento dentro da corporação. “Se você não tem essas pessoas representadas, não vai atendê- las bem”, fala. Para garantir que o quadro mude, já instituiu políticas novas no processo de recrutamento, A rotina da presidente da Microsoft Brasil 26 Voltar para o índice como exigir que haja um homem e uma mulher entre dois finalistas. Além disso, a Microsoft gerencia programas voltados especificamente paramulheres. Uma campanha de março, #MeninasPodemProgramar, buscou ensinar o básico da linguagem a jovens brasileiras com idades entre 13 e 29 anos. É uma das maneiras que Paula e sua equipe encontram para tentar engajá- las com a profissão e assim incentivar o crescimento da presença feminina na chamada família STEM, que inclui ciência, tecnologia, engenharia e matemática e onde o gap entre os dois sexos é grande. “Só quero que a gente traga oportunidades iguais”, resume. Carreiras Hoje com seu nome na porta mais importante do prédio, Paula diz que sonhou com o cargo pela primeira vez há muitos anos – e que não poderia ter chegado lá sem a ajuda de outros líderes, como a diretora que a promoveu quando ela estava grávida de sete meses. “Você encontra muita gente que pode transformar sua vida”, diz. Compartilhe esse material com seus amigos A rotina da presidente da Microsoft Brasil A diversidade de experiências, seja dentro de uma própria empresa ou em várias, é para ela, fonte importante de crescimento. “Não existem duas culturas iguais, mas há aprendizados em todas”, fala. “Isso contribuiu muito para minha visão de mundo e amadurecimento profissional. No mundo da tecnologia, a inovação é palavra de ordem e ela é impulsionada pela diversidade.” Aos jovens, ela aconselha: assuma riscos e mergulhe de cabeça nas experiências, seja numa empresa, órgão público, ONG ou em seu próprio negócio. Se você mantiver a cabeça aberta, o aprendizado é uma consequência natural. E tome suas próprias decisões. “Sua carreira é 100% sua. Não diga depois que não cresceu porque a empresa não deixou”, resume. Seja comentando sobre novas iniciativas educacionais, Big Data ou reconhecimento de íris, Paula sabe que ocupa um lugar privilegiado na revolução tecnológica. Entusiasmada, ela sintetiza: “O futuro é demais”. 27 As mulheres realizam dois terços do trabalho mundial, mas ganham somente 10% da renda. Elas precisam de oportunidades, treinamento e suporte para tirarem o máximo dessas oportunidades. E quando uma mulher tem a possibilidade de alcançar seus sonhos, tudo é possível. – Beatriz Perez, CSO da Coca-Cola Company 28 Voltar para o índice O dia a dia da advogada que assessora fusões & aquisições bilionárias As vezes, operações bilionárias não podem esperar. “Se o cliente precisar de mim no fim de semana, eu vou. É como se fosse segunda e terça”, explica a advogada Fernanda Bastos, sócia do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch. Há mais de vinte anos em Fusões & Aquisições, ela estima ter atuado em 150 operações e resume o perfil profissional da área em poucas palavras: “Tem que ter muita garra”. Com 20 anos de experiência, Fernanda Bastos comanda as operações do escritório Souza Cescon e está constantemente se atualizando; “Não se trata apenas de aplicar o direito, mas aplicá-lo dentro de um pensamento econômico”, diz 2929 Voltar para o índice O dia a dia da advogada que assessora fusões & aquisições bilionárias O ritmo pesado, noites longas, prazos urgentes e grandes valores envolvidos diariamente fazem parte da rotina – e Fernanda adora. “Quando escolhi o Direito, eu queria ser juíza”, lembra ela, que é bolsista da Fundação Estudar e graduou-se na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Só que no quinto período estagiei em direito societário e não quis mais saber de concurso.” A área de Fusões & Aquisições, também conhecida como M&A, de Mergers & Acquisitions, faz parte do guarda- chuva de direito societário. De maneira resumida, uma fusão é uma operação societária em que duas ou mais sociedades comerciais se unem em uma só, enquanto uma aquisição é a compra de um negócio ou empresa por outra empresa ou entidade comercial. Ambas são muito frequentes no Brasil e seguem uma série de regras. “Pode ser mineração, telecomunicações, óleo e gás… É preciso entender um pouco de cada um desses negócios para poder formatar uma operação perante os órgãos de controle”, explica ela, que trabalha com o setor energético na maior parte do tempo. “Sempre temos a assistência de advogados especialistas, mas é bom ter uma noção.” A variedade de temas é uma das coisas que mais lhe atrai e garante um dia a dia dinâmico. Na semana da entrevista, Fernanda tinha recém-concluído uma operação com uma empresa farmacêutica e já estava preparando um outro processo que seria regulado pelo Banco Central. O trabalho começa muito antes dos contratos, explica Fernanda sobre o dia a dia no escritório Souza Cescon – que inclusive estará recrutando jovens advogados na conferência de carreiras Ene Jurídica, promovida pelo Na Prática. “Há auditoria da empresa, falamos dos problemas que ela tem, quais são suas restrições operacionais – às vezes é algo regulatório, como um estrangeiro que queira adquirir controle de uma empresa de aviação brasileira”, diz. Depois de conhecer a estrutura, ela passa a acomodar as restrições em acordo com ambas as partes. Às vezes leva tempo. O processo mais longo que Fernanda comandou, a aquisição da Niely Cosméticos pela L’oréal, durou três anos. “Quando chegamos na empresa, era um negócio familiar: sem contas auditadas, sem organização jurídica de documentos, sem avaliação profissional”, lembra. 30 Voltar para o índice “Precisamos preparar a empresa e guiá-la por todo o processo.” Depois de assinados os contratos, o escritório ainda passou seis meses cumprindo as condições de transferência. Mercado internacional A advogada estima que 80% de suas operações envolvam alguma parte internacional. Interessada em saber mais, decidiu fazer um mestrado na Columbia University, em Nova York, em 2006. Era seu segundo diploma do tipo. (O primeiro, em Direito Societário, foi obtido no IBMEC.) “Quando escolhi Columbia, um LLM [mestrado específico da área] ainda representava um grande diferencial”, lembra. Além de ser mais bem vista pelos clientes, que encaravam o diploma como um selo de aprovação, Fernanda foi tão visada pelos grandes escritórios brasileiros que desistiu de passar um tempo nos EUA. Voltou como advogada sênior e tornou-se sócia em 2011. “Também aprendi como funciona a lei americana, então quando trabalho com estrangeiros consigo traçar paralelos entre as leis e mostrar quais são as diferenças”, exemplifica. “É uma comparação que os ajuda muito a entender as coisas no Brasil.” O aspecto mais business da área de Fusões & Aquisições é outra coisa que ela destaca. “Não se trata apenas de aplicar o direito, mas aplicá-lo dentro de um pensamento econômico”, diz. Não raro seus clientes pedem que ela comece se envolvendo bem antes dos contratos finais, ainda no começo das negociações. “Em geral a dupla de empresas já vem formada, mas há alguns processos, como processos competitivos para venda, em que a empresa nos contrata para analisar as diversas propostas de compra oferecidas e ajudá-la a ver o impacto das condições em relação aos preços que ela quer”, diz. A avaliação feita por Fernanda e sua equipe de nove pessoas inclui análise das cláusulas e dos riscos envolvidos. “Preciso entender bem as atividades para ver se o contrato está adequado para o dia a dia da empresa”, diz. “A indenização cobre isso ou aquilo, por exemplo? As cláusulas são formatadas para complementar a avaliação econômica que o cliente deu.” O dia a dia da advogadaque assessora fusões & aquisições bilionárias 31 Voltar para o índice Equilíbrio Como sócia, Fernanda tem uma série de outras responsabilidades administrativas, como controle de faturamento e de metas. Também tem obrigações de gestão. “A parte mais difícil de se tornar um advogado sênior é gerir pessoas”, diz. “Conseguimos ser treinados juridicamente, mas é um negócio de pessoas e tenho que deixá-las motivas, interessadas, disciplinadas. É fundamental.” Para quem se interessa por uma carreira em Fusões & Aquisições, diz ela, é preciso ter qualidade jurídica – mas não só isso. Persistência perante os obstáculos, capacidade de comunicar-se claramente e lidar com partes diferentes também são importantes, além de muita energia. Mãe de gêmeas pequenas, Fernanda precisou mudar um pouco sua rotina para cuidar delas. Ao invés de trabalhar quatorze horas por dia do escritório, conta, sai às 19h e encara o home office noite adentro quando as crianças dormem. “Não tem uma jornada porque o trabalho só acaba quando termina”, ri. O dia a dia da advogada que assessora fusões & aquisições bilionárias Compartilhe esse material com seus amigos 32 Acredito que nunca houve uma compreensão tão ampla de que as mulheres devem ser participantes igualitárias nos nossos lares, nas nossas sociedades, em nossos governos e em todos outros lugares, e sabemos que o mundo está sendo refreado em todos os sentidos porque elas ainda não o são. – Emma Watson, atriz e embaixadora da ONU Mulheres 33 Voltar para o índice ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas Em 2007, o Rio de Janeiro oficializou sua candidatura para ser sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. O projeto enviado ao Comitê Olímpico Internacional – os pré- requisitos do COI são famosos pela minúcia e preenchem milhares de páginas – previa obras de transporte público e infraestrutura em quatro regiões, que seriam um legado para a população após o evento. A beleza natural, o bom momento econômico brasileiro e o fato de que a cidade seria a primeira anfitriã da América do Sul foram alguns dos motivos que levaram o Rio a ganhar de gigantes como Chicago, Madri e Tóquio. O ‘Meu Rio’ nasceu há oito anos, quando a capital foi anunciada como sede das atuais Olimpíadas; cofundadora do projeto, Alessandra Orofino acredita no poder das demandas cidadãs para mudar a gestão pública 3434 Voltar para o índice ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas Em 2008, empolgada com a chance de melhorar sua terra natal, Alessandra Orofino cofundou a Meu Rio com um amigo, Miguel Lago. Ela estava na cidade em um ano sabático, enquanto se preparava para estudar na Universidade Columbia, em Nova York. “Vimos que o Rio mudaria muito rápido e havia uma era de ouro começando, com investimentos federais e estaduais”, lembra. “Mas como acontece com todo processo de mudança urbana, não se tem necessariamente o cidadão no centro do processo. Se ele não tiver oportunidade de entrar na disputa, os resultados acabam orientados por outros interesses mais bem articulados.” A ideia tornou-se levar o cidadão para a arena de decisões de políticas públicas, e os jovens decidiram criar uma plataforma que ajudasse a fortalecer a cidadania e a expressão da vontade popular. Ao criar uma rede em que pessoas pudessem se juntar e que oferecesse instrumentos de ação e compreensão sobre o processo político, os cidadãos poderiam se mobilizar de maneira mais eficaz. Era algo novo, numa época em que redes sociais e petições online ainda não eram tão difundidas. A dupla ficou quase um ano trabalhando sem investimentos. Após o período de testes, com uma visão mais clara e um modelo sustentável e alinhado, começaram a buscar capital. “Quando começamos, mapeamos os contatos na nossa rede e fomos passando o chapéu”, ri ela. “A primeira rodada foi menor. Nós mostramos resultados e a segunda rodada melhorou. Nunca usamos editais ou pedimos nada para os governos.” As sugestões de temas, que podem ser enviadas por qualquer membro da comunidade, são revistas por uma equipe de cinco pessoas. Entre os critérios utilizados estão alinhamento com a visão de cidade da organização (democrática, justa, aberta) e urgência (é um projeto sendo votado naquela semana, por exemplo?). Em seguida, as demandas são levadas aos “supervoluntários” e membros mais ativos da comunidade, quando possível dentro de suas áreas de preferência e expertise, como saúde ou transporte. 35 Voltar para o índice Aprovadas, passam a ser alavancadas internamente e voltam à rede como campanhas de mobilização. O projeto cresceu – há 200 mil membros cadastrados só no Rio – e deu tão certo que se espalhou. Em 2011, surgiu a rede Nossas Cidades, que inclui também Minha Blumenau, Minha Campinas, Minha Curitiba, Minha Ouro Preto, Meu Recife, Minha Sampa, Minha Garopaba e Minha Porto Alegre. Versões em Belém, João Pessoa e Oiapoque estão em vias de aprovação. História O interesse de Alessandra por gestão pública começou no Canadá, quando ela tinha 13 anos. Sua mãe foi convidada para dar aulas na Universidade McGill, em Montreal. Alessandra aprendeu francês lá, na parte francófona do país, e quis continuar estudando no idioma. De volta ao Rio, matriculou-se numa escola francesa. Ao se formar, conta, estudar na França pareceu algo natural. “Eu queria muito estudar ciências políticas, porque tinha visto muitas diferenças na provisão de serviços públicos entre os países”, fala. “Eu queria saber por que a nossa é tão deficitária e como podemos melhorar.” Com bolsa do governo francês, começou os estudos no famoso instituto Sciences Po, em Paris. O currículo, no entanto, era muito voltado para a gestão pública francesa e desanimou a brasileira. Terminou o primeiro ano e voltou ao Brasil nas férias de verão, indecisa. No meio tempo, adquirir experiência lhe pareceu a melhor decisão. Estagiou no Instituto Promundo, atuando em campanhas contra a violência contra a mulher e contra a criança, e viajou para a Índia, onde trabalhou numa ONG parceira pelo fim da desigualdade de gênero. Foi em Nova Déli que a ideia de estudar em Columbia, também muito forte em ciências políticas, tomou forma. “Eu estava conversando com uma professora minha de Paris, que na verdade dava aula em Nova York, e ela disse que eu deveria aplicar”, lembra. “Como a relação institucional é forte entre as duas instituições e eu tinha boas notas, poderia pedir equivalência.” ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas 36 Voltar para o índice Na Índia mesmo, Alessandra se preparou para as provas específicas para aprovação em universidades americanas, como os SATs e o teste de inglês TOEFL. Fez todas na embaixada americana da cidade e enviou sua application. Passou. Com a aprovação, vieram outros problemas. Além dos custos de vida serem bastante altos na cidade, ainda havia o preço da universidade, cerca de US$ 60 mil por ano. (Na França, a Sciences Po era gratuita.) Para dar um jeito, a carioca adiou a matrícula em um ano e voltou ao Rio para trabalhar. “Juntei cada centavo”, diz. Atuou numa consultoria e traduziu de tudo, fosse português, inglês, francês, espanhol ou italiano.Ao mesmo tempo em que colocava a Meu Rio de pé, tornou-se bolsista da Fundação Estudar, que pagou parte dos custos. Crescimento Uma vez em Nova York, Alessandra ainda tinha uma conta para fechar. Acabou conquistando um trabalho tipo dois-em- um, que lhe ajudou nos custos de ensino e lhe ensinou como funcionava uma ONG ao mesmo tempo. ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas “Cheguei lá com seis meses de dinheiro e corri atrás de um estágio autorizado que, ao invés de me pagar um salário, pagaria parte da minha tuition”, explica. Encontrou a pequena Purpose, onde foi a quarta contratada. A ONG, uma consultoria estratégica que tem hoje mais de 100 funcionários, atua como incubadora de movimentos sociais voltados para a mobilização de pessoas – justamente como a Meu Rio. Em quatro anos de casa, Alessandra foi de estagiária à mais jovem diretora de estratégia. No dia a dia, avaliava o impacto que uma iniciativa queria ter e desenhava as possibilidades. Que tipos de políticas públicas ajudariam a alcançar aquele objetivo? Em que lugares? Qual seria a melhor abordagem? Foi uma escola. “A Purpose acabou surgindo”, explica. “Às vezes só temos que estar abertos e abraçar o que vem.” De casa Formada, voltou ao Rio em 2014 e dedica-se ao Nossas Cidades, que tem 33 funcionários, como diretora executiva. 37 Voltar para o índice “Vivemos de doações, que vem basicamente dos membros que participam e veem valor nessa proposta”, diz ela sobre o modelo de negócios, que inclui desenvolvimento de plataformas e gastos com a equipe que pesquisa os temas e mobiliza a rede. “Já tivemos duas mil pessoas doando pequenas quantias.” Alessandra é a responsável pelo relacionamento com grandes doadores e representa a organização em palestras e eventos. Também está constantemente identificando metodologias de mobilização e aprimorando as ferramentas da organização – e ainda supervisiona a parte de operações da instituição, que inclui a gestão de pessoas e financeira. A rotina é puxada, mas ela não liga. “A ideia inicial fez jus ao que nós imaginávamos”, diz. “Diziam que o jovem só quer ir pra praia, mas não é verdade! Somos dessa geração e sabemos que o jovem quer mudar a cidade. Em 2013, uma chave virou e demonstrou que estávamos certos: as pessoas querem, sim, falar de política.” Munidos de informação e desenvolvendo demandas específicas – ao pensar numa clínica de família no bairro e não só na saúde como um todo, por exemplo –, os brasileiros são capazes de criar mobilizações fortes e organizadas, que trazem resultados. “É um ecossistema amplo, que superou as expectativas de todos.” Realidade Oito anos depois, as Olimpíadas enfim chegaram ao Rio de Janeiro. Pragmáticos, os cariocas já pensam num legado diferente, que envolva a mitigação de problemas e prestação de contas. É a chamada ressaca olímpica. “As pessoas removidas já foram removidas, mas para onde? Como mudamos as injustiças que surgiram pelo caminho?”, exemplifica Alessandra. “Vamos manter as mudanças positivas e encarar as negativas, sem negar a cidadania a ninguém.” Mesmo com o evento ainda em curso, as demandas já se solidificam. “A atuação da Meu Rio é contínua”, resume Rodrigo Arnaiz, diretor da organização. “E algumas pautas centrais, como mobilidade urbana, sustentabilidade, educação e segurança pública, acabam tendo mais destaque durante os grandes eventos.” ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas 38 Voltar para o índice Entre as atuais campanhas da Meu Rio estão a convocação de agentes de apoio à educação especial, trazida por mães de alunos com deficiência – o concurso público da prefeitura foi feito, mas os novos agentes nunca foram chamados – e a mudança de nome da estação São Conrado de metrô. A mobilização é demanda dos moradores da Rocinha, que querem que o ponto, construído para os Jogos e vizinho à comunidade, se chame São Conrado- Rocinha. “É uma questão de afirmação e orgulho territorial”, diz Rodrigo. Há também a campanha de apoio à CPI Olímpica, para investigar contratos entre empreiteiras e prefeitura. Após pressão popular e uma avalanche de emails lideradas pelo Meu Rio, que começou em março, cidadãos conseguiram o número mínimo de assinaturas de vereadores para instalar a CPI. Quando o presidente da Câmara municipal resolveu segurar o pedido, a rede pressionou novamente com um “telefonaço” para seu gabinete e intervenções urbanas, que atraíram a mídia. Após duas sessões – na segunda, os membros da Meu Rio foram impedidos de entrar pelo presidente da CPI –, um vereador contrário ao inquérito conseguiu uma liminar para impedi-lo. O processo está parado desde maio, mas a mobilização continua. “Percebemos que todas as ações feitas para impedir a CPI motivaram mais as pessoas, que perceberam que existem interesses duvidosos por trás desse esforço de abafar as investigações”, diz Rodrigo. “E é importante lembrar que essa é apenas a segunda CPI que vai contra os interesses do prefeito e da base governista na Câmara que consegue ser instalada desde 2012.” Para Alessandra, o processo inteiro é um ciclo virtuoso: cada campanha fortalece sua crença de que este é o caminho certo. “Nem parei para pensar se fazia essa escolha profissional. Tivemos a ideia e, quando vimos, estávamos fazendo”, fala. “É apaixonante fazer o que você ama e ver que milhares de outras pessoas também se interessam.” ‘Nossas Cidades’: como um projeto da sociedade civil pode transformar políticas públicas Compartilhe esse material com seus amigos 39 Voltar para o índice Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras Quando tinha 15 anos, Alice Freitas ficou um ano na Tailândia aprendendo o idioma local. Questionada sobre a escolha de um destino tão fora da caixa, ainda mais nos anos 1990, ela se surpreende. Não tinha pensado nisso antes. “Fui criada numa família muito livre, que me deixou desenhar minhas próprias ideias, e talvez isso tenha me encorajado a nunca ter medo do diferente”, diz. Um traço que veio a calhar quando decidiu tornar-se empreendedora social por profissão. “Meu apetite para risco é muito alto e para empreender você precisa disso.” Alice Freitas conta o que aprendeu sobre negócios sociais e empreendedorismo ao longo de dez anos à frente da Rede Asta e com suas viagens pelo mundo; “Não dá para pensar dentro da caixa” 4040 Voltar para o índice Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras Ao voltar da viagem, interessou-se pela carreira diplomática. Dona de boas notas, estudou Direito na UFRJ e chegou perto de concluir o curso de Relações Internacionais na Universidade Estácio de Sá. Mudou de rumo quando trabalhava em uma multinacional e uma amiga lhe propôs uma viagem de três meses pela Ásia, com o propósito de pesquisar iniciativas sociais. As duas venderam todas as roupas de executiva para bancar as passagens. “Visitei uma favela pela primeira vez na vida quando fomos fazer o projeto da viagem e foi assim que descobri o mundo social – não fazia o menor sentido eu ter estudado tanto para promover bem só para mim mesma”, lembra.Uma vez fora do país, passaram por Índia, Bangladesh, Tailândia e Vietnã. “Fiquei apaixonada por geração de renda e decidi que era aquilo que queria fazer.” De volta ao Rio, explorou as possibilidades do terceiro setor e passou dois anos no grupo cultural Afroreggae. No meio tempo, outra amiga, Rachel Schettino, teve uma ideia: criar uma maneira de vender produtos feitos à mão e gerar renda para os produtores. Investindo dinheiro do próprio bolso, começaram a validar o modelo. Treinaram e viveram com 30 artesãs que confeccionavam artesanato com jornal em uma cooperativa de catadores, eventualmente conquistando a confiança da comunidade. Depois foram abordadas por outros grupos, também interessados nas possibilidades d e venda. Para atendê-los, acabaram montando a primeira rede de venda direta de produtos artesanais do Brasil, que batizaram de Rede Asta. “Depois disso, nunca mais paramos”, resume Alice, que ocupa o cargo de diretora executiva. Citada como exemplo de negócio inclusivo pela ONU, a Rede Asta emprega mais 900 artesãs em 10 estados brasileiros e faturou R$ 2,2 milhões em 2015 – mais de R$ 900 mil em renda gerada para os produtores – vendendo roupas e peças de decoração. Break even O caminho não foi uniforme. Nos primeiros dias, em 2005, Rachel enchia uma sacola, saltava do ônibus em Copacabana e batia de porta em porta oferecendo os produtos em lojas de decoração. “Começamos sacoleiras”, brinca Alice. 41 Voltar para o índice Com um pouco mais de tempo, montaram um quiosque no Shopping Tijuca. Não tiveram retorno financeiro por dois anos. Rachel vendeu o carro e as duas faziam pequenos trabalhos, ainda acreditando que daria certo. “Era muita tentativa e erro mas, para cada cinquenta nãos, ganhávamos dois sims que superavam tudo em questão de alegria”, lembra. Quando conseguiram investimento, contrataram uma consultoria para investigar o setor de venda direta, então algo novo no país. Muitos dos cenários analisados, no entanto, falharam na prática. “No papel todo mundo queria ser sócio do negócio mas, durante um ano, nada daquilo funcionou.” Foi com Rosane Rosa, a terceira sócia, que a organização começou a entrar nos eixos em termos de business. Especialista em canais de venda e com experiência em empresas do varejo, como Ponto Frio e Casa e Vídeo, ela se apaixonou pela ideia e trouxe sua expertise. Crescimento Hoje o modelo de negócios funciona em breakeven e tem receita diversificada, já que só a venda dos produtos – via e-commerce ou nos dois pontos físicos no Rio – não consegue bancar todos os projetos. Além de oferecer para varejo e para atacado, que é seu maior foco, a Asta ainda capta recursos e vende serviços de capacitação para empresas. A Coca- Cola, por exemplo, pagou para que a organização treinasse um grupo a utilizar garrafas pet e latinhas na criação de artesanato na Amazônia. “Negócios sociais, no Brasil e no mundo, ainda são experimentais, não dá para pensar dentro da caixa”, explica Alice, lembrando que não há ainda uma legislação nacional específica para esse tipo de empreitada. Para que a Asta cresça mais, ela diz que um novo modelo de negócios será implementado em 2017. A prioridade será o público B2B: atualmente, seus 800 clientes corporativos correspondem a 56% do faturamento. “Um empreendedor não faz nada sozinho e precisa reunir as pessoas certas na hora certa”, resume. “Precisa ter Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras 42 Voltar para o índice visão de gestão e uma noção de impacto social, especialmente em relação à base da pirâmide.” Foi uma lição que ela sentiu na pele, lidando com a desconfiança das primeiras artesãs no começo da história. Ter boas habilidades de comunicação também ajuda nessa hora. “Quanto maior for sua capacidade de contagiar as pessoas, maiores serão suas chances.” Feminismo Todos os meses, um grupo produtivo diferente faz uma visita às lojas físicas, em Ipanema e Laranjeiras, para acompanhar o movimento e a recepção aos produtos. “A gente se realiza demais, porque é muito bom ver que seu trabalho impacta não só a sua vida mas também as vidas de outras pessoas”, diz. Construir um negócio social, para ela, serve como um legado para a sociedade ao realizar pequenas revoluções. Nessa linha funciona um dos focos da Rede Asta: o empoderamento feminino. Mulheres compõe a grande maioria dos grupos produtivos do negócio e 90% da renda da mulher é investida na família, explica Alice. O efeito cascata de uma iniciativa positiva como a geração de renda é sentido pelos filhos, pela vizinha e, de certa forma, por toda a comunidade. “O avanço que vejo em relação ao feminismo e ao empoderamento da mulher é que se começou a falar muito sobre isso, algo que não acontecia há dez anos”, lembra. “O assunto se tornou público e isso é positivo porque faz com que a gente consiga fazer o resultado acontecer mais rápido.” Escolhas Como um negócio social visa reinvestir os lucros em si mesmo, pode ser uma escolha profissional inicialmente difícil de explicar para pessoas sem familiaridade com o tema. “Quando resolvi não ser diplomata, minha família não entendeu nada e ninguém sabia dizer o que eu fazia. ‘Você podia estar em Nova York mas está fazendo fuxico de tampinha nas favelas!’, me disse minha madrinha”, ri Alice, hoje motivo de orgulho da família. É também uma escolha por um estilo de vida. “Não faz sentido ganhar setenta vezes mais que aquela pessoa que você apoia ganha”, resume. “Optamos por uma vida simples e por viver com o suficiente.” Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras 43 Voltar para o índice Do Rio à Amazônia, ela criou uma organização social que gera milhares de reais em renda para artesãs brasileiras É algo que ela já passa para a próxima geração. Ao ler um livro para o filho de três anos, ele apontou uma discrepância: as joias preciosas no braço da personagem não eram de lixo reciclável. “Ele dizia: ‘mamãe, é lixo!’, porque eu sempre uso colares de vidro de shampoo ou borracha de bicicleta”, diverte-se. Compartilhe esse material com seus amigos 44 Voltar para o índice Conheça a história da astrofísica brasileira premiada pela Unesco Uma descoberta científica vem sempre acompanhada de ansiedade, que deve ser domada a todo custo. É preciso guardar o grito dentro do si, às vezes por meses, até que tudo tenha sido checado e rechecado. É um mundo de exatidões, que não mistura empolgação com dados. Basta lembrar dos neutrinos recordistas que, no fim, não eram mais rápidos que a luz coisa nenhuma – um cabo é que estava mal conectado. Ciência é uma carreira para mulheres? “Todas as mulheres têm condições de serem boas cientistas”, defende Thaisa Bergmann, premiada astrofísica brasileira que atualmente se dedica ao estudos de buracos negros 4545 Voltar para o índice Conheça a história da astrofísica brasileira premiada pela Unesco A astrofísica Thaisa Bergmann experimentou essa mistura de emoções em 1991. Ela observava uma galáxia quando notou um sinal estranho nos dados: gás girando em altíssima velocidade. Era a assinatura de um buraco negro supermassivo, com a massa de bilhões de sois. Seu orientadorpediu que ela refizesse tudo. Estava certa. Conseguir observar um buraco negro no ato da captura de matéria é difícil, e a brasileira Thaisa foi a primeira pessoa a observar um supermassivo em atividade em uma galáxia considerada inativa. A descoberta foi recebida mundialmente como um avanço. “Quando me dei conta do que era, fiquei dias emocionada”, conta. “Descobri um evento que acontece há cada 10 mil anos numa escala humana de tempo.” Em 2015, para coroar uma carreira renomada, vieram louros também de fora das ciências. Thaisa ganhou um dos cinco prêmios anuais L’Oréal-UNESCO For Women in Science, que conta com cerimônia na Université Paris-Sorbonne, pôsteres espalhados pela avenida Champs Elysées e bolsa de US$ 100 mil. “Por onde passávamos, enxergávamos nossas caras”, ri. A importância do prêmio, para ela, foi além da visibilidade. “Ficamos muito felizes em sermos reconhecidas também pela população e pelas famílias, que às vezes não entendem o que toma tanto nosso tempo”, conta. “Essa parte foi bem importante para mim, porque eles viram que o que eu fazia era importante.” Raízes do interesse Thaisa sempre gostou de ciências, mas chegou a cursar um semestre de arquitetura antes de se dar conta que não era aquilo. Logo estava nas aulas de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), onde trabalha e dá aulas até hoje, no comando do Grupo de Pesquisas em Astrofísica. A paixão pela astrofísica em particular veio pouco depois, em uma iniciação científica. “Meu professor me deu leituras, começamos a fazer um pequeno trabalho na área de astronomia e fui gostando cada vez mais”, lembra. O empurrão final veio da orientadora Miriani Griselda Pastoriza, famosa astrônoma brasileira. “Ela amava galáxias com núcleos ativos, que têm alguma característica peculiar no centro”, diz. “Fiquei fascinada pelo tópico.” 46 Voltar para o índice Observando discos Atualmente, uma galáxia é classificada como ativa quando o buraco negro supermassivo em seu centro está captando matéria – e as publicações de Thaisa ajudaram a criar essa definição. Tal captura gera o que físicos chamam de efeitos de feedback, que permitem as observações. (Um buraco negro em si, vale lembrar, nunca foi visto.) A forte radiação que parece sair do centro dele na verdade vem da estrutura que o envolve, chamada de disco de acreção. Antes de cair lá dentro, o que acontece aos poucos, a matéria gira de maneira similiar à água escoando pelo ralo. É aqui que Thaisa realmente se especializou. “Do próprio disco saem jatos de partículas, devido ao intenso campo magnético”, explica. “Mesmo nas partes mais externas há ventos, como os ventos solares, e um gás muito quente que se levanta e evapora – tudo isso empurra o gás e acabamos enxergando essa atividade.” Hoje, com cerca de 5 mil menções, ela integra o grupo dos cientistas brasileiros mais citados do mundo, mas diz nem ter notado a ascensão. “Foi uma grata surpresa”, resume. Liderança feminina A cada seis meses, a professora e seus alunos elaboram projetos e entregam propostas de observação à universidade. Se forem aceitas, ganham alguns meses para observar as estrelas – mas não do jeito que se imagina. “No começo da minha carreira, eu ia até o observatório, deixavam o telescópio na minha mão e eu passava a noite lá”, lembra ela, que trazia os dados em fitas magnéticas. “Agora, a gente baixa os dados da internet. As coisas vão mudando.” E se hoje é raro que ela olhe pela ocular para o céu, a sofisticação tecnológica compensa o romantismo decrescente. “Num telescópio como o Gemini, com seis horas eu já tenho uma resposta científica”, diz. Além do Gemini, Thaisa tem acesso ao Hubble, ao Chandra e ao Spitzer, todos da NASA e que oferecem tipos de dados diversos. “São instrumentos que usamos Conheça a história da astrofísica brasileira premiada pela Unesco 47 Voltar para o índice para medir as coisas, como a luz que se dispersa em diferentes comprimentos de onda e então estudamos cada cor”, exemplifica. Questionada sobre a representatividade feminina na ciência – de acordo com a Unesco, apenas 30% dos pesquisadores do mundo são mulheres –, ela é direta: todas as mulheres têm condições de serem boas cientistas. “Mulheres enxergam assuntos de uma maneira um pouco diferente dos homens e isso adiciona”, conclui. “Ter um conhecimento amplo de tudo deveria ser o objetivo de todas as áreas de conhecimento.” Conheça a história da astrofísica brasileira premiada pela Unesco Compartilhe esse material com seus amigos 48 Voltar para o índice ‘Minha vontade é impactar mui- ta gente’, diz Marcela Trópia, que planeja ser a vereadora mais nova de Belo Horizonte Em 2016, aos 21 anos, Marcela Trópia planeja ser eleita a vereadora mais jovem da capital mineira. Para ela, no entanto, a idade é secundária: seu interesse pela gestão pública já é antigo. “Sempre gostei de projetos e de criar novas oportunidades para os alunos”, diz, lembrando-se dos tempos de grêmio escolar. Para ela, idade não será um problema; estudante da Fundação João Pinheiro, Marcela Trópia é bolsista da Fundação Estudar e, aos 21, quer trazer para pauta temas como empoderamento feminino e novas formas de fazer política 4949 Voltar para o índice ‘Minha vontade é impactar muita gente’, diz Marcela Trópia, que planeja ser a vereadora mais nova de Belo Horizonte Atualmente cursa o último ano de Administração Pública na Fundação João Pinheiro, uma escola técnica de governo voltada para a formação de profissionais da área. Com renome internacional, a escola figura como melhor curso de Administração Pública do país em diversos rankings. Com um processo seletivo bastante concorrido, também possui uma característica única no ensino superior brasileiro: seus alunos, após concluírem o curso, são nomeados para uma posição inicial de carreira no Poder Executivo de Minas Gerais. Marcela, que é bolsista da Fundação Estudar, está nos estágios iniciais do que será sua primeira campanha política. Não é novata no assunto, visto que ajudou outros candidatos no ciclo passado, mas está se acostumando aos desafios únicos da área. “É difícil motivar as pessoas, que são voluntárias porque não temos dinheiro nesse momento, e ter ideias que caibam dentro desses esforços”, conta a pré-candidata. “E também há a gestão de tempo, é uma correria danada.” (Vale lembrar que muito do que é uma campanha eleitoral, incluindo arrecadação e movimentação financeira, só pode começar de fato no segundo semestre.) A mensagem em si ela garante que já tem bem desenhada. Envolve a importância da política local, do empoderamento feminino – dos 41 vereadores em Belo Horizonte, apenas uma é mulher – e de maneiras diferentes de fazer política, como criar um aplicativo para monitorar a atuação de um representante e acompanhar seus votos. “Minha vontade de impactar muita gente é muito grande, então estou me colocando à disposição para fazer política de um jeito diferente”, explica. “Quando me perguntam quais são minhas bandeiras, eu pergunto: Quais são as suas? Eu estou aqui pra ser demandada e não para impor, então vamos conversar.” Experiências profissionais Além de cuidar da pré-campanha, Marcela atualmente estagia na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
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