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These initial considerations lead us to see more clearly how temporality and historicity evolve in childhood, with the precedence of the immediate and the simultaneous appearance of past and future, instigated by the child's curiosity. Neste segundo artigo que prop5em uma compreensao fenomenologico-existencial da crian<;a, 0 desenvolvimento infantil e visto como um revelar de possibilidades, 0 que, ao mesmo tempo, apro- xima e afasta 0 ser humano do possivel de si mesmo e do mundo de possibilidades. Ressalta que 0 existir da crian<;a, desde 0 inicio, so pode ser com- preendido como uma totalidade, por mais que para isto tenhamos que reconhecer a limita<;ao do alcance de nossa compreensao, e a partir dos modos como se apresenta a sua rela<;ao com 0 mundo mais proximo. Com estas considera<;5es iniciais, pode-se ver mais claramente como se di a temporalidade e a historicidade na infiincia, com a primazia do imediato e 0 surgimento conjunto do passado e do futuro, instigado pala curiosidade da crian<;a. Vamos come<;ar relembrando 0 poeta Raimundo Gadelha, no livro "Um estreito chamado horizonte" : "Temos no olhar a prisao de imagens e no cora<;ao sede de liberdade ... a emo<;ao do vao." o que nos diz este poema a respeito de nossa questao inicial: "De que DESENVOLVIMENTO falamos, a partir da Daseinsanalyse 7" Bem, assim como no poema, a prisao de imagens convive com a sede de liberdade na emo<;aodo vao, assim 0 DESENVOLVIMENTO e o DESENVOLVER-SE tambem convivem no existir humano. This second article presents a phenomenological-existential understanding of childhood. The development of the child is regarded as a revealing of possibilities which at the same time approaches the human being to, and distances him from the possible in himself and the world of possibilities. From the beginning the existing child should be understood only as a whole, although to this end we must recognize the limits of the reach of our understanding. It should also be understood from the ways in which its relation with the world shows itself. o existir humano se di em um movimento que, ao mesmo tempo, abre e fecha que, ao mesmo tempo, mostra e esconde. Este movimento - que e tao bem dito com a palavra DESVELAR - e tambem chamado simultaneamente de DESEVOLVIMENTO e DE- SENVOLVER-SE. Ao mesmo tempo em que, cada um de nos, nos desenvolvemos estamos tanto indo na dire<;aode nos so proprio caminhar descortinando- o e aproximando as nossas peculiaridades, como estamos tambem: 1 - Nos afastando de certos modos proprios de ser, alguns dos quais mo- dificados tao radicalmente ate 0 ponto de os considerarmos perdidos, como p.ex: 0 brincar no adulto. 2 - Indo na dire<;aodos outros e do mundo comum, isto e, do convivio. Isto e assim, dito de ummodo bastante simplificado, se compreendemos o existir humano (Dasein, Ser e Tempo) desde a sua migem e sempre como: 1 ~ Poder- ser que se mostra sempre de ummodo tal e nao de outro. 2 - Compartilhando em um mundo junto a outras pessoas e coisas. Tais referencias SaGestmturas fundamentais de ser do ser- humano e nao aquisi<;oes que podem simplesmente deixar de ser, ou serem omiti- das, na vida de cada um. Cabe a cada um de nos, ai sim, (e nao pOl' simples decisao) desde que nos constituimos como existencia (0 nasci- mento) articular, ou mesmo reafirmar a cada momento, uma configura- <;aopropria de existir. Chamamos tal configura<;ao de historia e, nela, podemos encontrar revelados os modos possiveis de cada um existir des- cobertos e desenvolvidos ou nao desenvolvidos. Mas, ao mesmo tempo em que se da tal configura<;ao (historia) algo peculiar acontece: permanecemos escorregadios, escapando do ja confi- gurado na dire<;aode ser para alem do que ja somos. Por isso nao podemos, pela nossa propria condi<;ao de ser, sermos compreendidos somente pela nossa historia. Somos como 0 poema diz: "Sede de Liberdade". E tal pecu- liaridade tambem nao e uma aquisi<;ao ou fmto de op<;aoou desejo. Podemos encontrar alguma dificuldade para compreender 0 existir humano conjuntamente como dois movimentos diferentes, pois comumente seguimos a tradi<;aode um pensamento que procura acabar com a proximi- dade das diferen<;as sem nenhuma passagem ou liga<;aoentre elas (do ne- gro que se opoe ao claro, do justa que se opoe ao injusto) e para 0 qual, a verdade significa a vigencia do absoluto. Estamos mais acostumados a pensar excluindo e nao nos provoca 0menor espanto a evidencia da lei que diz que dois cm"posnao podem ocupar 0 mesmo lugar no espa<;o. Esta dificuldade de compreender do is movimentos ou sentidos con- juntos e diferentes, aparece p.ex: com a no<;aode limites. Comumente compreende-se que 0 corpo humano e limitado pela pele que 0 envolve. E que este corpo e 0 limite fisico do homem. Este entendimento sugere limite como um ate onde. (Ate onde posso ir e ate onde pode ir 0 outro, em rela<;aotanto ao lugar como ao direito de cada um, SaGdemarcados pelo ate onde que exclui 0 outro). A mesma sugestao aparece nas preocupa<;oes com a educa<;ao: ate onde as crian<;as podem ir? Ate onde a sua conduta 11aOdesrespeita 0 outro? Ou ate onde a sua conduta e pratica de liberdade e nao um excesso indesejavel? Assim nos acostumamos a pensar nos chamados limites educativos das crian<;as. o limite, compreendido assim, significa fim, significa impedimento. No entanto, podemos compreender 0 limite tambem como 0 que de-limita. 0 mesmo limite, quando pode de-limitar, nao e aquele que poe um final, que impede ou que encerra, mas e aquilo a partir do que algo e possibilitado. Assim, em nossa experiencia mais proxima, compreendemos 0 nosso corpo e a nossa pele nao somente como 0 que nos impede ou nos encerra, mas como 0 que nos possibilita compreender e 0 que nos possibilita irmos de umlugar para outro. Isto e, nao somos primeiramente dentro de nosso corpo mas a partir dele. (cf. M. Boss) E a partir de como somos, e isto quer dizer, do modo como existimos, sempre numa rela<;ao de abertura, com- preendida tambem a partir de nosso corpo sensivel e de nossa historia, que estamos abertos ao contato com os outros e as coisas em volta. E e a partir deste contato que nos constituimos do modo como somos. 0 modo como percebemos e cuidamos concretamente de nosso corpo esta intimamente ligado com 0 que percebemos a patiir dele. Assim dizemos nossa existen- cia nao se encerra nos limites de nosso corpo. E e assim, neste constante e original "jogo" de canter e abril', ao mesmo tempo, que compreendemos como somos e isto significa tambem 0 nosso corpo. Tambem no campo da educa<;ao quando dizemos um nao, podemos estar nao somente impedindo, mas libertando novas possibilidades para o existir de uma crian<;a. POl'exemplo: Se meu filho me pergunta se pode ir a um determinado lugar e eu acho que aquele nao e umlugar apropriado para ele, eu nao permito. Isto nao quer dizer que simplesmente eu esteja cerceando a sua liberdade. Primeiramente se 0 assunto for importante ele nao vai acabar pOl' ai simplesmente com um nao. Se acabar, e porque nao era tao impor- tante ou porque nao havia condi<;oes para qualquer esclarecimento, no lllOmento. A propria liberdade e uma questao muito mais ampla e mais funda- mental para que possa ser extinta simplesmente com um nao. Tambem nao podemos esquecer, que a falta de permissao nao impede nenhum filho de fazer 0 que ele quer. (Voltaremos a rela<;ao dos adultos com as crian<;as mais tarde). Dm outro exemplo, no campo da psicologia, eo caso da tao conhe- cida "necessidade de estabelecer limites" da terapia infantil. Se, de ante- mao, j a deixamos estabelecido 0 que a crian<;apode e 0 que ela nao pode fazer, como podemos esperar que ela possa mais livremente descobrir as suas proprias condi<;oes, possibilidades e limita<;oes? Ainda mais quan- do a terapia deve ser 0 lugar para descobertas proprias, pois descobrir as propriaslimita<;oes faz parte do proprio crescimento. A compreensao dos significados de limite mostra como algo pode significar simultaneamente A e B. Ainda ha um segundo ponto que gostaria de ressaltar a respeito da questao inicial "De que desenvolvimento falamos, a partir da Daseinsanalyse": compreender DESENVOLVER / DESENVOLVIMEN- TO como coisa do homem - nao adulto nao crian<;a, mas tanto adulto como cnan<;a. E curioso como voltamos sempre ao desenvolvimento das crian<;as. E certo que, no inicio deste trabalho, parti da crian<;amas chegamos depois ao adulto que se pergunta "Quem sou eu? "(Trajetoria Humana). o que significa isto? Sera que temos a vista tao turva em rela<;ao ao modo de ser da cri- an<;a? Ou sera que ja esquecemos como fomos um dia e queremos relembrar? Sera que, ao relembrarmos 0 desenvolvimento da crian<;a, alem de compreende-Ia melhor (como os nossos filhos, pacientes e alu- nos), nao estaremos tambem clareando a nossa propria visao de adultos? sera que ainda podemos responder tais perguntas sem antes consi- derarmos a questao sobre a linguagem que tem sido compreendida, qua- se sempre a partir da linguistica, como uma propriedade dos homens, no mesmo sentido como SaDvistos os homens que possuem um corpo, uma mente e um espirito? Com a fenomenologia, a paIiir de Heidegger, se abre um caminho que nos leva em outras dire<;oes - a meu ver, dire<;oes estas muito mais ricas e fascinantes. 0 nosso desafio e pensar a lingua- gem na rela<;ao com 0 crescimento das crian<;as des-cobrindo estas novas dire<;oes. Isto sera de grande importancia sobretudo para a psicologia pois poderemos entao: I - Compreender melhor a fala e 0 falar da crian<;a como possibilidade fundamental de expressar sentido. 2 - A partir do que poderemos nos abrir para os significados das desco- belias articuladas pela fala e pelas palavras no convivio proprio da crian- <;acom 0 adulto e para a compreensao deste convivio. E tambem podere- mos compreender melhor as inter-correncias possiveis dos impedimen- tos da fala articulada na vida da propria crian<;ae de seus mais proximos, como pOl'exemplo: as afazias. 3 - Finalmente poderemos encontrar um caminho novo e mais apropria- do para compreendermos e falarmos dos recem-nascidos, bebes e crian- <;asque ainda nao expressam, como fala e palavras, 0 que compreendem. E, entao, tambem poderemos dizer mais apropriadamente do convivio entre essas crian<;as e os mais proximos e do significado do brincar. Vamos come<;ar aproximando uma poesia nao publicada do poeta, amigo e tambem psicologo Miguel Perosa: "Quando eu era pequeno Eujogava bola E ojogo e a bola Eram toda a minha vida Quando eu era pequeno Cada pequena parte do mundo Absorvia todo 0 meu esforyo Todo 0 meu riso, toda a minha tristeza Quando eu era pequeno Eu brincava de mae-de-rua E 0 brincar e a brincadeira Completavam a minha existencia Quando eu era pequeno A minha vida era profundamente vivida Intensamente vivida Absolutamente vivida." Quando leio este poema, sempre sou tomada de uma celia emo<;ao. Nele e dito, com grande simplicidade e beleza, que CRIANCA TAMBEM E GENTE. Isto parece obvio? Quando a gente para para olhar direitinho 0 que se diz para as crian- <;as-ou sobre elas- a gente ve como elas SaGvistas. Muitas vezes tenho a impressao de que se tratam de figuras muito estranhas, seres diferentes. Quantas vezes a gente nao ouve, pOl'ai, " ... podemos falar. Nao se preo- cupe. Ela ouve mas nao entende nada". Eu tambemja ouvi assim: "Cri- an<;anao tem querer", "Crian<;a nao sabe 0 que quer". E tambemja escu- tei: "Crian<;a nao tem que falar!" Nestas ocasioes, fico imaginando 0 tipo da crian<;aque seria aquela. Penso numa "especie" de sera, isto e, algum tipo que e (claro que e) mas que, na realidade, nao e ainda: que ainda nao compreende, que nao tem querer e nao pode dizer. Como pe<;aincompleta, ela tem que aguardar um momenta no futuro em que, ai sim, estara pronta para entrar em a<;ao,como um E.T. Mas tambem fico imaginando que essas frases podem tambem ser ditas como uma recrimina<;ao. Perdendo a paciencia, 0 adulto saca a sua autoridade e 0 lugar submisso da crian<;a. Parece que para 0 E.T. ou para 0 submisso falta um j a e e sobra um vai ser (sera)! Mas, ha tambem outros modos de olhar a crian<;a: Tem 0 "mini-adulto", um adulto em miniatura. Este e crian<;a so- mente porque e baixinho. Ele e maduro. Muito responsavel. Cumpridor de seus compromissos. Nunca "fura" com suas obriga<;oes. Com ele nao tem surpresas. Esta crian<;a e um pequeno adulto: Do menino se diz: "E 0 homem da casa quando 0 pai nao esta." Da menina se diz: "E a mamaezinha". Estes nao SaGsomente jeitos carinhosos de lidar com estas crian<;as. Quantas vezes nao disfar<;am uma exigencia em dose exagerada de res- ponsabilidades? Certa vez, ouvi de uma mae: "Eu nao agiiento quando ele assume compromisso e depois, desiste ... Ele ja tem idade. Ja tem responsabilida- de para saber 0 que quer. Como pode desistir tanto?" Ela, a mae, me falava de seu filho de 10 anos. Outra mae totalmente fora de si me falava de seu filho de 8 anos: "Como ele pode se descontrolar tanto?" Ela estava saindo de uma serie sucessiva de desencontros amorosos e seu filho estava bastante inquieto, alieiro e nao obedecia as ordens dela. A dose exagerada tambem surge no campo das rela<;oes "amoro- sas" das crian<;as. Lembro-me de um menino que quase que tinha que ficar de pronti- dao para a chegada de qualquer menina. Mesmo quando estava "ligado" num filme de TV ou numa brincadeira qualquer. Inevitavelmente vinha a pergunta-comentario dos pais: "Nao era gostosa a gatinha!?" E aquela garota que nao podia brincar do que mais gostava: coner, pular e subir em arvores. Ai dela quando se sujava e ralava os joelhos. Vinha 0 ser- mao. "Mocinha tem que se cuidar, garotos nao gostam de meninas feias". E a outra garota, que era atazanada pela pergunta: "Quem eo na- moradinho na escola?" Estas crian<;as SaGvistas como pessoas maduras, prontas para qual- quer situa<;ao.A maturidade seria algo automatico para as clian<;as.Delas e esperado 0 que ainda nao e e recusado 0 que elas podem experimental'. Neste caso, parece-me que sobra um ter que ser e falta um vai ser. No entanto, apesar de visoes aparentemente opostas - uma da cri- an<;aque ainda nao e gente e a outra da crian<;a que ja e adulto, elas tem o mesmo ponto de partida. Tanto a clian<;aque ainda nao e gente como a que eminiatura de adul- to SaGvisoes construidas a paliir de Wll modelo de um certo adulto. Temos aqui modelos de crian<;as construidos a partir de modelos de adultos. Ser adulto, neste universo, e mais um modelo. E uma lente, atraves da qual, as pessoas enxergam vendo adultos e crian<;as. Assim as crian<;as, de um jeito ou de outro, nao tem para quem se mostrar. Como elas sao, qual e 0 seu apelo, permanece distante do olhar e do ouvir diretos de um adulto proximo. No entanto, esta "pratica das lentes" nilo e apenas urn costume in- genua das rela<;oes familiares cotidianas. Ela permeia tambem as teorias infantis. Na propria psicologia, a Teoria da Sexualidade Infantil foi de- senvolvida por Freud, segundo ele mesmo, atraves das observa<;oes de seus pacientes adultos. Estes pacientes contavam suas lembran<;as da infancia e Freud analisava. Depois de organizar e selecionar tais rela- tos, Freud formulou a sua propria teoria (cf. Freud em Teoria da Sexu- alidade Infantil). Nilo podemos esquecer que Freud fundamentou seu trabalho nos principios explicativos que chamou de Metapsicologia. A partir da Metapsicologia, formulou 0 mecanismo de regressao. Este foi 0 pon- to que 0 levou a acreditar que fazia uma psicologia infantil, a partir do entendimento explicativo dos desvios de conduta e neuroses dos adultos. Nilo podemos desconsiderar a premissa de Freud: 0 adulto doente e aquele que nilo cresceu. Doente,0 adulto regride e se torna, neste esta- do, crian<;a. Ra ai uma confusilo. E certo que 0 adulto pode encontrar na infancia - como temos algu- mas vezes apontado - uma referencia para a compreensilo de sua propria vida. No entanto, isto nao significa que a vida do adulto seja explicada por fatos que ocorreram na infancia. Tambem nao significa que aquele adulto que permaneceu imaturo seja uma crian<;aque nao cresceu. o imaturo e 0 adulto que nao cresceu. Nilo e a crian<;a que nilo cresceu. Ra ai urn desvio de entendimento: a crian<;aseria como urn adul- to doente. Diferentemente de buscar causas e explica<;oes,RELEMBRARA IN- FANCIA pode nos servir. Relembrar a infiincia - INFANCIA como possi- bilidade propria de ter sido urn dia - po de servir como busca de referencia para a compreensao da vida do adulto. As referencias possiveis dizem respeito tanto ao que foi como ao que nilo pode ser descobelio ou desenvol- vido. Ambas, compreendidas nilo como urn fato, mas como possibilidades de rela<;ilo,concretizadas ou nilo, compoem a historia de cada urn. Esta busca de referencia deve ser compreendida no sentido de am- pliar as possibilidades existenciais atuais, quando algumas possibilida- des fundamentais estilo esquecidas para alguem. Isto e, quando este es- quecimento significa priva<;iloou redu<;iloda realiza<;ilo da propria vida, na perspectiva de compreender e amplia-la, relembrar a infiincia toma atuais referencias ja vividas. Relembrar a infiincia e assim em 10 lugar, a possibilidade de uma experiencia que aproxima 0 que foi urn dia e tambem a possibilidade de perceber 0 esquecimento do que pode ser lembrado ou novamente vivido. E esta a experiencia, ela mesma, que amplia as possibilidades de viver. A amplitude de tal experiencia nunca podera se esgotar num unico fato passado ou presente. A procura das causas e explica<;oes que acabou sendo, para nos ocidentais, 0 significado mais comum da palavra com- preender, nilo da conta de tal amplitude. Retomando os modos como as crian<;as silo compreendidas, alem das "ainda nilo gente" e "miniaturas de adulto" construidas a partir do modelo de adulto, ha ainda: "Crian<;as cronologicas" - Silo crian<;as de base estatistica que apa- recem nas pesquisas. Sao crian<;as sem vida: silo idades e tipos de com- portamento. "Crian<;as ingenuas" - Uma caracteriza<;ilo mais proxima da moral ou da religiilo. Silo aquelas que nilo tern culpa. Silo os inocentes, para quem 0 querer, as artimanhas e transgressoes nilo dizem respeito. Fala-se de fases de desenvolvimento das crian<;as, descreve-se com- portamentos especificos destas fases, indica-se criterios de idade. Mas e importante tambem dizer: nem sempre as crian<;as foram compreendidas como as crian<;as de hoj e. Ra urn livro muito interessante, chamado Metabletica, em que seu autor Van Den Berg, nos conta das crian<;as dos sees. XV e XVI. Nesta epoca, ate aproximadamente a idade de 4 ou 5 anos, as crian<;as viviam despreocupadamente em rela<;ao a se tornarem adultas. Os adul- tos nao tinham os cuidados pedag6gicos que hoje conhecemos. As cri- an<;as passavam 0 dia entre elas mesmas e compmiilhavam 0 mundo comum dos adultos. Desde ja come<;avam a aprender 0 oficio do pai ou da mae. As crian<;as nobres ou filhos de ricos mercadores aprendiam tambem a ler e escrever. Mas nao havia a literatura infantil que hoje conhecemos. As crian<;as aprendiam a ler e escrever nos textos classi- cos de Filosofia e na Biblia, em grego e latim. Aos doze anos as meni- nas casavam e antes dos quinze, 0 garoto. Crian<;a e adulto viviam em maior proximidade. Ravia um mundo de ocupa<;6es que era compmiilhado por eles. As no<;6es atuais de desenvolvimento nao SaGadequadas para com- preender 0 que acontecia com as crian<;as naquela epoca. As no<;6es atu- ais subentendem uma diferen<;abasica de uma fase inicial de desenvolvi- mento e que atraves de um processo e superada ate que a crian<;a se torne adulta. Van Den Berg nos relembra e a poesia Infancia nos fez pensar: A crian<;atambem e gente, nao somente os adultos 0 sao. Ela e completa, e inteira. Nao necessita que 0 futuro chegue para dizer 0 que quer. (Se ela nao sabe dizer, nao e porque e crian<;a,mas por outra coisa). A crian<;anao precisa do futuro para, de algum modo, compreender o que se passa. o mundo da crian<;a e inteiro. Ela vive com os outros, brine a com suas coisas. Ocupa-se, fantasia, tem seus medos e seus desejos. (E somente ela mesma pode vive-los, e importante que se diga). Ela vive seu dia a dia e ve sua vida do seu jeito; as vezes e confusa e as vezes e impressionantemente clara. Ela fala muito ou fica um "tumulo". Mostra-se ou se esconde e, as vezes, engana ou tenta enganar. E tambem se engana. E mortal! A crian<;anao e menos mortal do que 0 adulto ou 0 velho. (Por mais que pensar sobre isto aterrorize). Ela tambem sente culpa e nao gosta de se sentir culpada. Foge do desconforto e da solidao. Nao gosta de ficar sozinha no escuro ou no fechado. Vemos aqui que a crian<;a e, como 0 adulto, gente. Mas, ainda assim, nao podemos passar por Clma de uma constata<;ao. Eu digo: "Quando eu era crian<;a" ou eu tambem digo: "Eu nao sou mais crian<;a" ou "Estou como uma crian<;a". o que significa isto? 0 que significa SER CRIANCA? 0 que signi- fica Tempo de ser crian<;a? Para tentar responder da melhor maneira, vamos brincar com as palavras: A palavra CRIANCA vem do Latim CREANTIA. CREANTIA e formada do verbo CREO, CREARE. Este verbo significa, ao mesmo tempo, CRESCER e CRIAR. CRESCER e desabrochar. CRIAR e realizar. CRIACAo remete ao crescimento. CRESCIMENTO remete a cria<;ao. Assim, na CRIANCA (que e criatura) encontramos a realiza<;ao da cria<;ao original e 0 acontecimento do desabrochar. Ser crian<;ae, assim, 0 desabrochar da cria<;aoe e, tambem, realizar o proprio crescimento. Na crian<;a, como encontrei num antigo dicionario, 0 ser humano come<;a a se criar. Neste sentido falamos nao de forma, nao de fase ou de um certo periodo que vai passaro Falamos de despontar. o TEMPO DA INFANCIA I - TEMPO Movimenta<;ao e realiza<;ao, desabrochar e cria<;ao,acontecem sem- pre numa celia DURACAO. DURACAO nao e fase. Fase e um segmento determinado entre dois pontos e composto pela sucessao de fatos que normalmente sao ligados numa rela<;ao causal. DURACAO e TEMPO. Assim dizemos: a dura<;aoou 0 decorrer de uma vida ou 0 tempo de uma vida. As duas expressoes significam 0 mes- mo, 0 acontecer de uma vida. Assim, chegamos ao ponto mais fundamental. Compreender 0 que significa SER CRIANCA leva a experiencia humana mais radical que e a do TEMPO. Radical aqui tem 0 sentido de raiz, nao de moderno. Na crian<;ase enraiza 0TEMPO. Podemos dizer tambem que a dura- <;aoou 0 decorrer de uma vida esta engatado na infancia, com a crimwa. Mas nao e a crian<;aque faz 0 tempo, nem que 0 possui. Mas e com ela e a partir dela que ele se instaura em cada existir humano. Assim, SER TEMPORAL nao e uma questao infantil, mas humana. o que significa isto? Que tempo e este do qual estou falando? Como podemos compreender melhor a infancia? Para os gregos antigos, 0 que hoje para nos e apenas tempo consti- tuia tres experiencias distintas: 1 - Ravia CRONOS que corresponde ao nosso conceito comum do tempo cronologico: do tempo que se conta, do intratemporal e das coisas do mundo; do tempo de todo mundo: "ninguem vive fora deste tempo: dos dias, das horas, meses e ano." As ciencias norteiam-se por este tempo. 0 homem vive preso nele: nos honirios e compromissos. Os prazos e as urgencias sao me- didos pelos cronogramas. E 0 tempo do convivio geral na sequencia dos fatos. E 0 tempo que serve para a determina<;ao dos fatos previos da vida das crian<;as: a idade certa para entrar na escola ou para 0 cinema e para sair desacompanhada. Este e aquele tempo que ascrian<;as precisam aprender. Nao rara- mente podemos observar como para elas e distante esta no<;aode tempo. Por exemplo: Uma crian<;adeseja muito a chegada de uma pessoa queri- da ou de uma coisa ou de um momenta especial. Quantas vezes vamos ouvi-la perguntar se ja chegou "agora", se "ja e amanha" ou se ja e 0 "dia seguinte". Seria apressado concluir que ela tem uma deficiencia de com- preensao ou uma mente confusa, uma vez que ela nao sabe se ja e ou nao o "agora", 0 "mllanha" ou 0 "dia seguinte". CRONOS e caracterizado por: - ser igual para todos, geral, - ser dividido em pmies, pontual, - ser sequencial e linear, do antes e do depois A experiencia de tempo que privilegia as medidas mais objetivas, as regularidades e as sequencias previas dos acontecimentos se da num mundo onde tambem se privilegia tais caracteristicas. Assim, podemos compreender que estas no<;oesde tempo cronolo- gico sao bastante restritas para abarcar a intensidade da chegada do espe- rado e a for<;ade algo que so se realizara depois, mas que ja se impoem na sua espera. A eternidade dos momentos e a opOliunidade da chegada do esperado nao sao cronologicas. Englobam muito mais. Englobam ex- periencias que nao sao comuns ou previsiveis. Este era 0 tempo da eternidade, dos deuses e da imortalidade. o tempo eterno, que nao dizia respeito aos homens. Erap tempo da mitologia. Este e 0 tempo que nao pode ser medido, verificado e que nao e igual para todos. E 0 tempo que somente pode se dar como 0 tempo certo, adequado, da oportunidade para a realizac;ao. E 0 momenta possivel. E 0 tempo opOliuno para uma certa realizac;ao ou para a realizac;ao de uma celia possibilidade. Como diria 0 poeta, e 0 tempo para 0 surgir das estrelas e dos tro- v6es - que somente podem ser percebidos, depois de estarem ha muito no firmamento, mas em condic;6es adequadas. Mesmo assim, as condi- c;6es adequadas nao fazem com que as estrelas e os trov6es sejam perce- bidos pelos distraidos e preocupados e tambem pelos medrosos. Assim e que KAIRaS e 0 tempo do possivel e da possibilidade: e 0 tempo existencial. E 0 tempo em que faz sentido a pergunta da crianc;a: "Agora ja e amanha?" Este "amanha" nao e 0 dia seguinte, mas e 0momenta certo em que algo ja poderia acontecer. E 0 tempo em que futuro e presente se jun- tam e presente e passado se tornam urn unico.Isto pode ser visto nos tem- pos de verbo "poderia acontecer" ou "estou lembrando 0 que passou". Este e 0 tempo que permite que se diga: "Nunc a mais isto ..." "la vai!" "Que demora!" "A minha vida inteira ..." "Espera urn pouquinho so!" que sao express6es sem medidas objetivas mas que expressam clara e intensamente algo. Eo tempo do: - em cada caso - da proximidade - da totalidade unida de significado. KAIRaS nao e 0 tempo da crian~a. Nem mesmo eW11aquestao infan- til. Mas ele se instaura com e na Clianc;a.Ele e humano, de todos os homens. E a partir desta experiencia de tempo (que os antigos gregos cha- mavam KAIRaS) que mais amplamente podemos compreender 0 modo de ser crianc;a e 0 tempo da infancia. o que podemos dizer, especialmente, do tempo da infancia? Do tempo das crianc;as? Do tempo das recordac;6es infantis? Vamos lembrar: o bebezinho acorda. Ele chora.Alguem se aproxima, ele para de choral". Mais tarde, ele acorda e chora. Alguem se aproxima, ele continua a choral'. Alguem diz: "E urn danadinho. Sabe 0 que queI'.QueI' sail' do berc;o". Mas, se ele continua a choral', temos uma dica: ele tern algo (coli- cas, fome, fralda suja). Sabemos que 0 bebezinho MOSTRA NA BORA 0 que tern ou 0 que queI'. Isto e tanto verdadeiro que se chegou a formular a TEORIA DO PRINCIPIO DO PRAZER: as crianc;as seguem 0 principio do prazer. Pensando com cuidado: 0 que e este tal de PRINCIPIO DO PRAZER? Principio do prazer quer dizer: E PRA lA! Nao ha considerac;6es intermediarias. Se esta doente, 0 bebe chora ate que a dol' passe. Se esta com fome, 0 bebe reclama ate que the deem de comida. o bebe MOSTRA LOGO a insatisfac;ao e a satisfac;ao. o bebe cresce urn pouco, parece que ja entende quando falamos. Mas, nem sempre 0 bebe quer atender. Esta na hora de dormir. Se ate ontem 0 beM ia para a cama direiti- nho sem reclamar, hoje ele nao quer mais. Chora sem parar. Nao quer mais ficar sozinho no qUalio. Nestas ocasi6es se diz: "Ele vai choral' ate se cansar e dormir". A crianc;aja tern urn ana e meio. Ela diz: "Que chocolate". Mas esta na hora do almoc;o e ela nao ganhou. Ela nao para, insiste tanto que ou leva uma bronc a e chora ou acaba "vencendo pelo cansac;o". Depois comec;a a gostar de historias: Incrivel! QueI' sempre a mes- ma e sabe ela inteirinha. Vai para a escola e comec;a a fazer as lic;6es. Ai se nao sabe fazer uma, '0 mundo cai sobre a cabec;a': "Eu nunca vou conseguir! ". o que vemos? Nas experiencias das crian<;as,prevalece sempre 0 imediato. 0 tempo da Inffmcia e 0 lugar do ja, da presen<;a imediata do agora. Nas experiencias infantis, a expeliencia imediata prevalece sobre qual- quer aspecto passado ou filturo. Ela e a que vigora, pOlianto, e mais vigorosa. . Nas experiencias infantis nao ha uma divisao equilibrada de passado, presente e futuro. Assim dizemos: 0 viver temporal da crian<;aexacerba 0 presente. A for<;ado imediato e tao grande que chega a poder abarcar toda a vida com igual intensidade, desde 0 desespero com uma dorzinha "a toa" , ate 0 desesperado abandono de uma crimwa com a saida da mae. o desespero e uma resposta que, na crian<;a, e provocada facilmen- te. (E com 0 crescimento, com a amplia<;ao temporal, que 0 desespero vai se tomar mais singularizado). Na crian<;auma resposta com a intensi- dade do desespero e mais comum e, assim, sua importfmcia e mais inespecifica e difusa. Diferente do que se costuma pensar, e 0 presente que domina 0 tempo da crian<;a. Costuma-se dizer: "A crian<;a tem todo 0 futuro pela frente". "0 futuro da crimwa e maior do que 0 do adulto ou do anciao".Isto nao e verdadeiro na perspectiva existencial da crian<;a, que parece ter um futuro muito curto. Que a crian<;atem "to do 0 tempo pela frente" somen- te e uma constata<;ao distanciada, na perspectiva logica do outro. o futuro parece ser tao menor quanta for a crian<;a. Assim, a primazia do presente, num sentido vivencial, aponta um carater especial tambem do futuro da crian<;a. Este aparece inicialmente de modo mais restrito. o futuro vai se descortinando a medida em que 0 passado vai sur- gindo juntamente as experiencias e descobertas de "ter sido", quando tambem vao surgindo as lembran<;as, os aprendizados e a descoberta de ter que esperar. Assim e que 0 futuro e tao curto quanta 0 passado. 0 futuro da crian<;a vai se abrindo a medida em que ela vai vivendo e cres- cendo, na cria<;ao de sua historia. Ter pacH~ncia e poder preyer sao pos- sibilidades que serao descobertas com a experiencia da espera, isto e, de um futuro mais vigoroso. Neste sentido, elas sao possibilidades inicial- mente veladas para as crian<;as. (Nao estamos aqui falando em qualidade de futuro "aberto" ou "fe- chado", como falamos no futuro dos deprimidos. Este ja e um futuro descortinado retraido). No que implica a primazia do presente na vida da crian<;a? Diferentemente tambem do que pode se pensar, a primazia do pre- sente na infancia NAO traz imobilidade (0 que e diferente com 0 adulto). A primazia do presente com 0 envolvimento com 0 imediato, na infancia, e a experiencia mais radical da nao permanencia dos significa- dos e nao determina uma rela<;aode imobilidade com um mundo restrito, mas uma constante e rica possibilidade de renova<;ao. 0 que e agora, logo-logo pode nao ser mais. 0 brincar e as brincadeiras mostram espe- cialmente esta rica mobilidade com a descobelia e articula<;oes constan- temente diferentes das rela<;oes com 0 mundo. As descobertas podem abranger diversos ambitos do existirda crian<;ajunto as coisas em volta e as pessoas, desde as mais familiares ate as mais distantes. Ao mesmo tempo, se da tambem a descoberta de seus diferentes modos de humor. . Ouvimos uma crian<;adizer "te adoro" e, logo depois, nao importa porque motivo, ela diz: "Voce e boba, nao gosto mais de voce!". E, logo depois voltar aos mil amores. Assim, dissemos acima, a infancia e tambem 0 tempo de impermanencia de significados e do fascinio pelas descobertas. E 0 fas- cinio pelas descobertas se confunde com 0 presente. Mas as descobertas, elas mesmas nao sao 0 presente. Cada nova descoberta surge sempre da totalidade das referencias significativas que, a cada momento, podem se rearticular. Na crian<;a, esta rearticula<;ao constante se da como cresci- mento, pois implica amplia<;ao dos significados ja conhecidos, ante a perspectiva da novidade, das surpresas, dos desafios, isto e, do futuro. Viver intensamente e envolver-se com as proprias descobertas e uma constante na infancia. Assim, quando a crian<;ae privada de descobertas, da-se uma restri<;ao em sua vida. Isto pode ocorrer devido a condic;oes sociais, de relacionamento ou ambientais, ou por doen<;a. Ha casos de priva<;ao que podem levar ate a propria morte, tal 0 grau de carencia de cuidado ou de solicita<;oes e estimulos do mundo proximo. Na infancia vivemos no tempo das DESCOBERTAS proprias e do mundo. Quando descobre a si mesmo, aos outros e as coisas, a crian<;a se constitui ja, e desde sempre, como um estar-no-mundo que realiza a sua propria historia. Podemos, entao, compreender outra dimensao de seu proprio existir: a historicidade propria. Nao nos referimos aqui a historia comumente entendida como uma sequencia de fatos ou vivencias datadas que determina os acontecimentos do presente ou do futuro, mas, a historicidade, como a condi<;ao fundamental apoiada na temporalidade do existir humano, conforme Heidegger* , que explicita "0 contexto da vida" ante a provoca<;ao do que ainda nao e e pode vir a ser, ante 0 imediato presente e, ao mesmo tempo, ante 0 retorno ao ja possivel e vivido. "Historia significa aqui um conjunto de aconteci- mentos e influencia que atravessa "passado", "presente" e "futuro". Aqui o passado nao tem primazia." Crescer e abrir-se para 0 futuro. Isto quer dizer: crescer esta voltado para a possibilidade do novo, do que ainda nao e. Crescimento, assim, e tanto compreendido pela presen<;a do imediato, como do advir que ja 0 pennela. No crescimento, pleno de possibilidades do novo, de algo que ainda nao e, desvela-se um futuro. Dizemos "a crian<;a quer crescer", "crian<;a imita 0 adulto", "nao quer ser crian<;a"... Sendo ja gente, a crian<;a quer deixar para tras suas proprias li- mita<;5es, quer deixar de ser quem ela e, pois, como todos os huma- nos, existe provocada, chamada, pelo que ainda nao e. No entanto, esta provoca<;ao aproxima tambem a experiencia de desamparo, uma vez que 0 mais familiar de suas proprias possibilidades e momenta- neamente abandonado pela sua propria condi<;ao de crescimento, do advir do que ainda nao e. Bibliografia - BOSS, M. - "Medicina Psicossomatica: Ciencia ou Magia" Revista daAssocia<;ao Brasileira de Daseinsanalyse, n° 8, Sao Paulo, 1997. - FERREIRA, A. G. - Dicionario de Latim Portugues. Porto Editora Ltda - FOUCAULT, M. - Doenr;aMental e Psicologia. Tempo Brasileiro R.J. - FREUD, S. - Tres ensayos para una teoria sexual 2. La Sexualidade Infantil Obras Completas Tomo II Biblioteca Nueva, Madrid, 1973. - GADELHA, R. - Um Estreito Chamado Horizonte. Massao Ohno Ed. Sao Paulo, 1991. - HEIDEGGER, M. - Ser e Tempo. (1927) Editora Vozes, Petropolis, 1989. - HEIDEGGER, M. - Being and Time. Basil Blackwell OXford, 1973. - HEIDEGGER, M. - Seminarios de Zollikon. Tradu<;ao ainda nao publicada de Gabriela Arnhold e Maria de Fatima de Almeida Prado - LIMA, H. e BARROSO, G. - Pequeno Dicionario Brasileiro da Lin- gua Portuguesa. Ed. Civiliza<;ao Brasileira S.A. e Companhia Ed. Nacional, Sao Paulo, 1957 - VAN DEN BERG, 1. H. - Metabletica (Psicologia Historica) Ed. Mestre Jou, 1965, Sao Paulo Neste terceiro artigo, em que a compreensao do existir da crian- ya e desenvolvida a partir da fenomenologia existencial, encontramos na relayao com 0 mundo considerayoes fundamentais: 0 descobrir das pr6prias possibilidades e limitayoes da crianya se torna explicito jun- to ao descobrir da significabilidade do mundo. Somente ai e que podemos vel' 0 surgir da angustia fundamental, das implicayoes do cui dado na relayao do adulto com a crianya, como a dependencia, a simbiose e a representayao, e do sentido radical de ser mortal. POl' fim, podemos vel' como, no mundo do brincar e da fantasia, encontra- mos 0 lugar e a disposiyao maxima para 0 descobrir e experimental' das possibilidades pr6prias e do mundo, intrinsecos ao crescimento de cada crianya. The third article develops the understanding ofthe existing child based on existential phenomenology. In the relation with the world we find fundamental considerations: the child's discovering of his own possibilities and the limitations becomes explicit together with discovering the significability of the world. Only then can we see the emergence of fundamental anxiety, of the implications of care in the adult-child relation such as dependence, symbiosis and representation, and of the radical meaning of being mortal. Finally, we see how in the world of play and fantasy we find the place and maximal disposition for discovering and experimenting the possibilities of the self and the world which are intrinsic in the growth of each child. PALAVRAS-CHAVE: Crianya, Mundo, Relayao Adulto-Crianya, Fan- tasia, Brincar, Realidade Ha um livro de hist6rias MANU, A MENINA QUE SABIA OU- VIR, de Michael Ende, 0 mesmo autor de HISTORIAS SEM FIM, cuja segunda parte comeya assim: "Ha na vida um grande misterio que e o Tempo. Existem calendarios e rel6gios que 0 medem, mas significam pouco, porque as vezes, uma hora parece uma eternidade, ao passo que de outras vezes passa como um relampago." Esta passagem da segunda parte: 0 tempo perdido aproxima de maneira muito feliz 0 que tem sido, no fundo, a nossa questao. "Afinal, quem somos, como fomos e como seremos?" Pois esta questao nao fala mais do que do Tempo, este "algo" misterioso que se instaura desde 0 inicio com e na crianya. Neste inicio ele recebe 0 nome de Infancia; de- pois vai receber outros nomes. Isto e assim porque 0 tempo sempre se da de maneira especial e diferente no decorrer da existencia humana e com ela esta intimamente imbricado. A palavra Infancia e composta em sua origem pOl'In, Fans Fos que significa sem fala, mas tambem, na luz ou na claridade, conforme consi- deramos 0 prefixo In como de negayao ou de relayao e os possiveis sig- nificados do nominativo Fans,Fos. No entanto, e conjuntamente destes dois modos que primeiramente compreendemos a existencia humana no tempo da crianya ou na infancia: na claridade sem fala! Deste modo ori- ginal podemos compreender 0modo tambem especial da relayao entre as crianyas e os outros, no qual ela se mostra e e percebida mais no ambito do cuidado dos outros do que de seu pr6prio dizer. Encontramos aqui, na etimologia, uma pista impOliante para uma compreensao mais original e nao metaf6rica do existir humano na infancia. Metaforas sao criayoes ou expressoes livres de objetividade de que nos servimos para melhor compreender algo, que em nosso caso seria a compreensao mais original da crianya e do adulto em seu pecu- liar "ja sido". Contudo, algumas vezes, 0 uso delas tem trazido dificul- dades quando elas sao tomadas como os acontecimentos ou fatos reais, ou a pr6pria realidade, e nao mais como a melhor expressao do enten- dimento de algo importante no conjunto de acontecimentos. Encontra- mos na Psicologia, tanto no campo das teorias como no da pr:itica cli- nica, exemplos de metiforasusadas para interpretar significados de experiencias do desenvolvimento das crianlias e dos beMs, de suas es- truturas internas, do mundo e da realidade. 0 mito de Edipo e um exem- plo de como uma metcifora extremamente rica na descriliao da condi- liao humana, do ser livre e do ser mortal, se transformou numa estrutu- ra determinante e aprisionadora da realidade humana que tem influen- ciado toda uma epoca. Com 0 metodo fenomenologico, desenvolvido a partir de SER E TEMPO de Martin Heidegger, procuramos um caminho que nos aproxi- me a compreensao da infancia e da crimwa, 0 que nao quer dizer dos significados escondidos de suas experiencias internas, as quais nao po- demos ter acesso. Ao contnirio, procuramos nao desconsiderarjustamente aquilo que aparece e ai nos situamos. Eo que da infancia podemos inici- almente dizer esta sempre vinculado ao ambito de nosso cuidado, da nossa experiencia propria e do mundo, isto e, conforme a nossa experiencia. Crialwas nao nascem falando, mas nao resta qualquer duvida que podem ser compreendidas! o mundo da crianlia, ao qual nos referimos, e aquele compreendido em proximidade com ela e e, somente nesta relaliao de proximidade, que nos adultos podemos descobrir a importancia do mundo proximo para 0 crescimento das crimwas. Esta formulaliao tem duplo significado. Pri- meiramente, 0 que consideramos como "importancia do mundo" signifi- ca 0 que percebemos como mais permanente e que passa a compor a historia da crialwa e, em seguida, que se refere a possibilidade de enten- dimento e ao envolvimento. Nesta perspectiva, como ja vimos antes em Tempo da Ineancia, podemos dizer que descobrir 0 mundo, do mais desconhecido e estranho para 0 mais familiar e acolhedor, fascina a crianlia. A crianca e curiosa! o tempo da infancia e em primeiro lugar 0 tempo do ja, do que se apre- senta agora, do imediato. E 0 tempo da descoberta. As crianlias na infancia vivem intensamente e se envolvem total- mente naquilo que se apresenta. A relaliao com 0 mundo e assim sempre rica de novas possibilida- des na infancia e a mobilidade de significados e uma constante no mun- do infantil. E assim que algo que agora e uma coisa, logo nao sera mais e que as crianlias vivem fascinadas nesta permeabilidade. As lembranlias e as expectativas que se formam facilmente sao reunidas no presente. E e esta reuniao que compoe 0 enredo unico de cada brincadeira, numa arti- culaliao constante dos modos presentes possiveis de relaliao. Isto tam- bem ocorre com os acontecimentos ansiosamente esperados que ainda nao se deram mas que podemos observar tanto no aguardo impaciente do amanha que vira, como da chegada de uma pessoa querida que se fez anunciar. Todos estes acontecimentos estao fOliemente marcados como presenlias imediatas. As crianlias parecem sempre aproximar tudo das mais divers as maneiras: elas mexem em tudo - se diz ate que "crianlias tem olhos nas pontas dos dedos" - esfregam coisas nos cabelos, levam a boca e aos olhos qualquer coisa, se assustam facilmente com barulhos, estranham pessoas diferentes ... E assim, envolvidas totalmente no que aproxima, que as crianlias descobrem 0mundo e seus significados, isto e, as relalioes entre as diver- sas descobertas. Podemos vel' tudo isto acontecer concretamente nas "pesquisas" ou nos enredos das brincadeiras em que elas participam. Nas brincadeiras, quando as historias vao se alinhando, a crianlia descobre 0 mundo e a si mesma, descobre 0 mundo em que vive e descobre 0 que pode e 0 que nao pode. Quando brinca, a crianlia experimenta - relembrando, modifi- cando, inventando, atualizando - 0 que quer e 0 que nao quer ante 0 que se impoe, de tudo 0 que aparece. E assim, deste modo que chamamos de criativo, que a crianlia cresce. Mas, a possibilidade de um futuro mais alargado, mais amplo, nem sempre e descortinada de modo tranqiiilo. Isto tambem e importante ressaltar. Se, por um lado, descobrir um mundo mais rico de significados e a si mesmo mais instrumentado para enfrenta-Io e revigorante, por outro lado, aproxima tambem 0 desamparo e a experiencia individual e pmii- cular da angustia. Exemplos destes momentos sao as situalioes em que as crianlias choram com a proximidade de um desconhecido ou a falta do familiar. Nestes momentos dizemos: "Ela esta estranhando". Mais tarde, elas se desesperam quando 0 pai ou a mae vao sair de casa. E, ainda mais tarde, quando ouvem referencias a guerras, explosoes, catastrofes ou historias do extraordinario, podem sentiI' extrema angustia. Experimen- tam ai a propria impotencia e a amea<;a de destrui<;ao, ou seja, aquilo que compreendemos como finitude humana. Nestes momentos 0 mun- do da crian<;a se amplia para alem do imediato, numa intensa e nada tranquila possibilidade vivencial. Esta intensidade do envolvimento com a proximidade de situa<;oes desagradaveis de impotencia leva a crian<;a a desesperar-se. Medard Boss, em seu livro, ANGUSTIA CULPA E LIBERTA- <;::AO Cap. III, escreve: "Todavia, pOl'mais amparado que tenha sido 0 lactente, a crian<;a brevemente tera que experimental' a angustia, ora em menor ora em maior medida. Mesmo uma crian<;a de tres ou quatro anos pode acordar sobressaltada noite apos noite, em virtude de nos seus sonhos vel' repe- tidamente aproximar-se, a me sma bola gigantesca e escura. Este acon- tecimento onirico corresponde a aproxima<;ao turbulenta de todo 0 seu futuro humano. No entanto, na sua fragilidade infantil, ela ainda nao sente capacidade para aceita-lo e suporta-lo. POl' isso, sonhando, ela teme sua carga como a uma monstruosidade esmagadora. Nos pesade- los infantis com animais ferozes, assaltantes ou incendios devastado- res, que de vez em quando perturb am as noites de praticamente todas as crian<;as, elas temem a destrui<;ao de sua condi<;ao humana regular e conhecida, no caos de foryas compressivas, dominantes e incontrolaveis de sua vitalidade natural." (pag. 27) Nesta passagem, Boss nos lembra do outro lado das experiencias infantis de descoberta. Esta lembran<;a nos ajuda a ampliar a nossa com- preensao da infancia: 0 advir que descobre tambem 0 desamparo. Conforme temos exposto, ha no tempo da infancia uma primazia do presente imediato. Mas nao podemos esquecer que a perspectiva do ime- diato e do intenso envolvimento com 0 que se apresenta pode trazer mo- mentos de extremo desamparo. Pois, ai tambem encontramos a perspec- tiva de seu crescimento, estando a crian<;a voltada para 0 futuro, isto e, esta atraida, para a possibilidade de algo novo. E quando isto se da sem 0 amparo do familiar, a crian<;a experimenta extrema angllstia. Vimos anteriormente que, quando uma crian<;anasce, ainda na ma- ternidade, nas primeiras horas de vida, os familiares e amigos, comemo- rando 0 seu nascimento, ja se voltam para 0 futuro do bebe e perguntam: "0 que ele sera quando crescer?, Com quem ficara parecido ? Depois, ja em casa, quando cuida do bebe e de seu bem estal~0 adulto tambem se volta para 0 futuro. Ele quer evitar que 0bebe fique doente, ele quer manter a saude do bebe. Este cuidado com 0beM e tambem cuidado de futuro. Quando acalenta, quando alimenta, quando estimula ou repreende a crian<;a,0 adulto tem a vista para alem do imediato. Quando se aproxi- ma para vel' porque 0 bebe chora, 0 adulto nao espera uma simples constata<;ao. Ele espera poder compreender 0 choro e, enUlo, resolver um desconforto, cuidando da crian<;a. Isto e 0 que queremos compreender melhor: 0 adulto quando e cons- tantemente solicitado a cuidar da crian<;a cuida do proprio vir a ser. Heidegger, no parag. 48 de SER E TEMPO diz: "Ao Dasein, enquanto ele e, falta em cada caso ainda algo que ele pode ser e sera". Esta e a primeira formula<;ao a respeito do ser mortal do homem e explicita 0 sentido mais radical da falta que, a cada momento, e incessantemente preenchida em nosso existir, a medida que existir res- ponde constantemente a umadada solicita<;ao. Assim, quando um adulto se depara com a solicita<;ao de cuidar de uma crian<;a, se depara tambem, ao mesmo tempo, tanto com a sua propria possibilidade de realizar-se como responsavel pelo crescimento da crian<;a,como com a condi<;ao da crian<;a de ainda nao esta descoberta para si e para os outros. E, assim, na proximidade com a crian<;a, e que 0 adulto pode perce- bel' exatamente tanto a falta, que Ihe diz respeito, como a que se refere a propria crian<;a.Neste momento, ele pode se dispor, ou nao, a responder a solicita<;ao daquele cuidado e realiza-lo, ou nao. Entretanto, e mais cOmUlTIque a falta - presente ja desde 0 nasci- mento - na crian<;a seja compreendida como 'fragilidade infantil', como se fosse uma condi<;ao que se extinguira com 0 crescimento ou que sera substituida pela condi<;ao de adulto. Esta interpreta<;ao e uma ma com- preensao tanto do viver da crian<;a, como do viver do adulto. POl'um lado, 0 bebe ainda nao desenvolveu uma historia propria, ainda esta come<;ando a descobrir 0mundo e a ele mesmo, neste sentido e um misterio a ser desvendado. Este misterio parece ser tanto para a pequena criarwa como tambem para 0 adulto. Ante a falta, ante 0 que ainda nao e, 0 adulto continua a ser constan- temente solicitado. E, correspondendo a solicita<;aode cuidar do que ainda e misterio, 0 adulto pode se sentir ate responsavel pela propria vida da cnan<;a. Esta responsabilidade e acolhida, as vezes, como uma carga e, as vezes, de bom grado. Mas, de umjeito ou de outro, 0 adulto responsavel e solicitado a cuidar do crescimento da crianca. Cuidar aqui tem 0 senti- do do cui dado preocupado que afasta 0 que atrapalha, abrindo 0 caminho para 0 crescimento mais sadio. Mas, esta responsabilidade pode provo- car tambem angustia no adulto a medida que ressalta as suas proprias limita<;i5ese possibilidades. POl'Olltro lado, na vida de uma crian<;aha muitas coisas que atrapa- lham 0 seu crescimento. Encontramos aqui desde as condi<;i5esambientais gerais ate as con- di<;5esmais pessoais, como as corporeas ou de afetividade. Mas, ha aquela condi<;ao que e a mais radical de todas e presente para todas as crian<;as e adultos tambem. Nesta radical condi<;ao, 0 atra- palhar tem 0 sentido definitivo do impedimento. Esta condi<;ao e 0 pro- prio ser mortal. Esta condi<;ao da falta que, a todo momento, esta presente e ausen- te, 0 adulto cuida de afastar. Quando acompanhamos 0 crescimento de uma crian<;a, nao e diffcil perceber como frequentemente ela se arrisca e permanece 'inteira'. De Ulll lado, e facil vel' que muitas vezes avaliar algo como perigo e "coisa" do adulto que se retrai mais ante um risco. Mas, pOl' outro lado, ha a cren<;aque "as crian<;as tem muitos anjos da guarda". Isto nao esta muito distante da realidade!!! Mas, se nao podemos aferir se os perigos que 0 adulto considera como riscos, sao riscos de fato para a crian<;a, tambem sabemos que, na maior parie do tempo, as criarwas estao acompanhadas, vigiadas ou controladas pOl' alguem que as impedem de correr maiores riscos. Estas duas ultimas considera<;i5es conjuntamente talvez nos le- vem a prescindir de outras considera<;5es magicas ou angelicais. A pro- funda liga<;aoentre adulto e crian<;aeo que torna mais dificil compreen- del' e expressar 0 que e como se origina num ou 0 que e como vem do outro. E quando nao ha qualquer preocupa<;ao inicial com esta diferen<;a, facilmente 0 adulto pode passar a se compreender nao mais como res- ponsavel mas ditador da vida da crian<;a. Isto pode ocorrer de diferentes modos e intensidade desde 0 ditar necessidades e "vontades" de uma crian<;a ate 0 ditado sobre as crian<;as em geral. Dizemos, muitas vezes, que 0 adulto cuida da crian<;aporque esta e dependente. A DEPEND ENCIA DA CRIANCA, como aqui estamos vendo, nao e uma caracteristica isolada da crian<;a. Mas e um tra<;oda rela<;ao entre adultos e crian<;as. o adulto e solicitado a olhar pela crian<;a. Neste olhar pOl' ela, ele larwa a vista na amplitude que a visao da crian<;a nao alcan<;a. Pois, de algum modo, ele compreende as delimita<;i5es do viver da crian<;a. Na solicitude, ou cuidado preocupado, 0 adulto existe de um modo que pode antecipar experiencias ainda nao descobertas pela crian<;a. Para a crian<;ae providencial, em celias situa<;5es, que alguem ante- cipe 0 que pode estar para alem do imediato. Isto se refere tanto ao reco- nhecimento das suas necessidades e 0 caminho para satisfaze-las, como ao apoio e encorajamento para descobrir 0 ainda novo. E a crian<;a esta sempre muito disponivel para receber 0 que the vem ao encontro ou 0 que the falta. E 0 que the vem ao encontro e nao somente atraves do que e feito ou dito, mas tambem pelo modo do olhar. Uma crian<;a muito pequena, em situa<;5es extremas, pode ate chegar a morrer pela falta des- te olhar. Quando antecipa experiencias ainda nao descobertas, 0 adulto esta 'representando' a crian<;ana escolha destas experiencias. REPRESENTAR e uma possibilidade de ser com 0 outro, de com- partilhar, em que um torna presente algo para 0 outro. Isto acontece, por exemplo, quando a clian<;ae representada pelos pais na escolha de uma escola, na procura de um medico ou na decisao de fre- quentar a aula de nata<;ao.A possibilidade de representar nao se limita a rela<;aoentre crian<;ase adultos. Na rela<;aoentre adultos ela tambem ocorre. Por exemplo, a procura<;aoe um recurso juridico que reconhece formalmen- te a representa<;ao.Nas rela<;oesinformais entre adultos, ela tambem se da. Nas rela<;oes entre adulto e crian<;a, entretanto, a representa<;ao e mais original e mais frequentemente necessaria, pois aproxima nao uma coisa ou um fato, mas um certo caminho a seguir, cuja decisao nao pode ainda ser da propria crian<;a. Apesar de nao depender da vontade, nao podemos dizer que a re- presenta<;ao e natural, nem obrigatoria e geral. Ela e uma possibilidade que depende de cada caso e da compreensao que se tem deste caso. Este e 0 'segredo' da representa<;ao: descobrir quando, como e 0 que antecipar para, a partir dai, poder bem representar a crian<;a. Assim antecipa<;ao e representa<;ao se dao em diferentes modos do cuidar. Aqui damos alguns exemplos: Cuidado autoritario: impoe regras que devem ser seguidas e, extre- mamente exigente, nao olha as condi<;oes proprias de cada crian<;a, desconsiderando as suas necessidades e negando as suas possibilidades. Cuidado indiferente: tambem desconsidera necessidades mas, ao contrario do autoritario, omite posi<;oes. Cuidado exibicionista: encontra na crian<;a oportunidade para se avaliar, para angariar reconhecimento e aprova<;oes gerais. Cui dado que mima: atrofia possibilidades proprias da crimwa e di- ficulta 0 seu crescimento, poupando sofrimentos. Cuidado que estimula: de quem esta sempre na frente provocando descobertas. Cuidado paciente: de quem sabe esperar pelas oportunidades e pelo possivel. Diante de alguns modos, muitas vezes, as crian<;as se tornam inconformadas, apaticas, teimosas, medrosas ou revoltadas. Neste ulti- mo caso, parece nao aceitar 0 cuidado do adulto e chega ate a mostrar que necessita de algo diferente (Ex.: "Quero morar em outra casa!"). Ter cuidado, cuidar de alguem, nao e somente poupar-Ihe experien- cias desagradaveis ou fazer que siga um determinado caminho. Esses sao somente dois sentidos que 0 cuidar pode assumir. Ambos tem em comum a falta de paciencia, a pressa ou 0 receio, e nao percebem as necessidades, solicita<;oes e possibilidades existenciais das crian<;as. Necessidades, solicitacoes e possibilidades nao sao abstracoes, mas estao sempre presentes nos relacionamentos e podem ser vistas pelo olhar cuidadoso. Assim, 0 cuidado mais original com a crian<;a cuida das proprias possibilidades. Isto as vezes se da de modo doloroso pois significa, tam- bem, 0 confronto com as situa<;oes de falta e perda, que envolvemsem- pre a propria limita<;ao. Outras vezes se da no sentido da alegria, do riso e do contentamento. Mas 0 que acontece quando os adultos passam a seguir uma con- duta que nao admite modelos na educa<;ao das crian<;as? 0 que acontece quando 'tudo e relativo', 'tudo pode', 'a crian<;a e quem decide'? A crian<;a perde a opOliunidade de descobrir um apoio a partir do qual pode se lan<;ar.Este apoio e a clareza de um referencial e e ummodo de experimentar propriamente 0 historico junto ao outro. Esta experien- cia e pertencente a propria condi<;ao humana de estar ja sempre lan<;ada num mundo compartilhado que acolhe de um certo modo, numa celia totalidade significativa de possibilidades humanas ja vividas. Assim, as crian<;as, privadas da clareza de um referencial proximo,que se constitui apmiir de experiencias significativas, penna- necem perdidas, sem conseguir decidir para onde ir, nem 0 que podem e o que nao podem. Ate que, por for<;adas imposi<;oes gerais, impessoais, descobrirao que 'tudo nao pode', que 'nada e relativo' e que 'nao e sem- pre que elas decidem'. Quando 0 adulto nao se permite dizer 0 que para ele e importante, a crian<;apercebe a confusao e fica confusa. Assim, nao e de estranhar quando vemos crian<;as e jovens adoles- centes chegando aos consultorios de terapia sofrendo por nao poderem expressar 0 que desejam de si nem para si mesmos. Na falta do adulto, a crianc;a perde a oportunidade para experimen- tal' 0 ja vivido e isto se refere ate ao modo como vai perceber a si mesma. Isto se da porque a presenc;a do adulto aproxima a confianc;a, isto e, a descoberta da experiencia de confiar. Com a presenc;a de alguem mais velho, que ja viveu e ' ja sabe', a crianc;a descobre a confianc;a. Mas nao podemos esquecer tambem que 0 adulto cuida da crianc;a do modo como pode. Ele nao pode tudo, ou qualquer coisa, e nao e ele quem decide sobre os limites do possivel. Ele nao pode nem preyer, nem determinar, a vida da crianc;a. E no cuidado com ela, que ele vai desco- brir as possibilidades e limitac;oes do pr6prio cuidado. Assim, no envolvimento entre crianca e adulto, tanto crianca como adulto encontram oportunidade de desenvolvimento. E, se um dos dois estiver prisioneiro de um processo, 0 outro tambem nao estara livre para compartilhar outras possibilidades. Neste sentido, cuidar da abeltura para as possibilidades futuras de uma crianc;a,implica em cuidar da abeltura para as pr6prias possibilidades futuras. Dizemos que a crianc;a vive no mundo da brincadeira. Dizemos que a crianc;a e poder brincar e que brincar e ser crianc;a. E, de fato, isto acontece: crianc;a vive brincando. Brinca com as maos, com a voz, com os brinquedos, com 0 fiozinho de linha e com a imaginaC;ao.As crianc;as nao precisam de brinquedo, objeto para brincar. Ao contrario e 0 brincar que torna as coisas brinquedos. Mas nao e somente que as crianc;as brincam. 0 mundo da crianc;a e tambem 0 mundo do brincar. Assim e que se diz. Brincar nao e jogar. logar implica em regras fixas que devem ser seguidas. Brincar tambem nao e representar, como atuac;ao no teatro. Brincar de teatro e outra coisa diferente de trabalhar como um ator no teatro. Para as terapias psico16gicas e praticas ludoterapicas, BRINCAR E UM lOGO DE APARENCIAS. Nelas, 0 brincar e entendido como um jogo que segue regras gerais anteriores.Na ludoterapia, os brin- quedos parecem ser algo que na realidade 0 terapeuta sabe que eles nao sao. As crianc;as nao conhecem 0 real significado que 0 terapeuta apreenderia como dado do pr6prio brinquedo. Por exemplo: um re- v61ver e uma arm a usada para agressao. 0 contexto de agressao da brincadeira surgiria com 0 usa do rev61ver. Ao contrario, compreen- demos que e na situac;ao de agressao que 0 rev61ver pode aparecer como uma arma de agressao, pois ele tambem pode ser usado como um martelo para prender algo ou como uma coisa para chamar al- guem para brincar junto. Da me sma forma que a fantasia e os sonhos, 0 brincar tem perma- necido preso a noc;6es preestabelecidas, de satisfaC;aode desejos ilus6ri- os e irrealizaveis. Primeiramente quero lembrar que 0 brincar aqui nao e aquele que comumente se opoe ao falar e que e expressado assim: "0 adulto fala, a crianc;a brinca" ou "a linguagem da crianc;a e 0 brinquedo". Vemos crianc;as brincando e falando. Ao mesmo tempo. 0 que sig- nifica isto? Afinal, 0 que e mesmo brincar? Brincar e atuar. E uma forma de atuaC;ao. Brincando, interagimos com 0 mundo, com os outros e com as coisas ao redor. Neste momento, fazemos algo, realizamos, criamos e construimos. Falar e expressar. Falando expressamos aquilo que compreendemos de n6s e do mundo. Isto e, mostramos expressamente, diretamente, co- mU111camos. Atuar e expressar, assim, sao duas coisas totalmente diferentes e que nao se opoem, mas se completam. A partir e neste contexto: 1 - Todo brincar teria um significado oculto 2 ~ Haveria sempre um brincar organizado pre-determinado 3 - As brincadeiras nada mais seriam do que uma repetic;ao com- pulsiva (para Melanie Klein, de fantasias masturbat6rias) Afinal, tal compreensao do brincar nos permitiria compreender a existencia da crianya como despontar de criayao e realizayao de uma historia propria, ou de crescimento? (Que vimos ser 0 sentido original da palavra CRIAN<;A). Como poderiamos compreender 0 surgimento de modos de ser da originalidade e processos de criatividade e diferenciayao, partindo de um pressuposto do desenvolvimento da crianya como repetiyao de padroes (de brincadeiras, pOI'exemplo)? A partir de tais formulayoes, torna-se facil compreender porque ha tantas teorias, cada vez mais complexas do ponto de vista intelec- tual, para explicar a ocorrencia de processos criativos e mais origi- nais e para explicar como se da a diferenciayao ou individualizayao. Quando estamos amarrados pOI' conceitos tao estreitos, pOI' elemen- tos conhecidos e previamente detenninados, e necessario muito exer- cicio intelectual para que possamos nos mover e abarcar toda a rique- za humana. Criatividade, originalidade e diferenciayao san condiyoes fundamen- tais do brincar e de cada brincadeira que comp5em a dinamica do crescimento.Como, entao, podemos melhor compreender 0 brincar e a fantasia na perspectiva do crescimento, isto e, da descobelia e realizayao das proprias possibilidades e do mundo? A etimologia mais uma vez ajuda. A Lingua Portuguesa nos ofere- ce, como poucas, a riqueza de duas palavras diferentes como jogar e brin- car, jogo e brincadeira, cujos significados apontam para duas diferentes possibilidades humanas de contato. BRICANCADEIRA vem do Latim VINCULUM, palavra que tem sua origem no verbo VINCIO, IRE que quer dizer: - ligar, atar, amarrar, prender; - paralisar, tolher, tirar, conter; Podemos pensar nestes significados nao como coisas excludentes, separadas, mas como diferentes e juntas, isto e, como coisas que mesmo diferentes, se dao conjuntamente. Ja vimos como as crianyas san seduzidas pela possibilidade das descobertas. Vimos tambem como, no tempo da infancia, as experiencias san predominantemente imediatas, isto e, voltadas para 0 que esta mais pre- sente. E que este envolvimento e tao forte que aspectos do passado ou do futuro san "fundidos" na experiencia imediata. A crianya, neste encantamento pelo que se apresenta, se liga forte- mente naquilo que aparece e que 'logo-logo' podera mudar, nao impor- tando 0 que era anteriormente. Neste sentido, ela sempre fica contida no que apareceu .. BRINCAR significa FAZER LIGA<;OES, LIGAR. Neste sentido e DESCOBRIR RELA<;OES, e ENREDAR, FAZER ENREDO ou FA- ZER HISTORIA. o mundo do brincar e uma realidade que liga, que envolve. Neste sentido e uma realidade envolvida constantemente por relay5es originais que surgem da propria liberdade de ser. Essas relayoes nao san previamente determinadas. Elas san DE-LI-MITADAS pela vontade e desejos possiveis, e nao possiveis, que surgem com os envolvimentos diretos da crian<;ajunto ao mundo. Assim, a reali- dade e descoberta numa proximidade imediata, nunca generica uniforme ou pre-determinada. Este acontecimento provoca 0 encantamento do brin- car. Descobrimos quando nos aproximamos! Se podemos compreender a originalidade deste acontecimento, po- demos entao facilmente compreender porque as clianyas brigam tanto quan- do brincam. Na brincadeira, cada crianya esta entregue ao manuseio direto das coisas com 0 seu jeito peculiar de pegar. E numa brincadeira conjunta, e necessario escolher e decidir-se pOl'um modo ou um caminho a seguir. Qual e 0 melhor? Cada crianya, pOl'ja estar nele escolhe 0 seu caminho. E, quanto mais fOlie e 0 envolvimento de cada crianya com a brincadeira, mais "adequado" sera 0 seu proprio jeito. Este e 0 problema ... Podemos entao, compreender como a interferencia de alguem de fora da brincadeira, para decidir e nao para esclarecer, geralmente tende a aumentar 0 conflito, nao satisfazendo a nenhuma das crianyas envolvi- das. Nestas situay5es os limites de uma brincadeira se mostram nao a patiir dos impedimentos impostos por autoridades externas ou pOl'regras gerais, mas do proprio brincar. No mundo do brincar, realidade real e envolvimento se fundem. Vemos muitas vezes como crian((as que ate aquele momenta brincavam na maior amizade se tornam inimigas como na brincadeira. Ouvimos adultos dizerem: "Essa brincadeira vai dar em briga!" Na brincadeira, as crian((as experimentam diretamente as suas des- cobertas, enquanto as descobrem. Por isto dissemos antes que CRIATIVIDADE, ORIGINALIDADE E DIFERENCIA(:AO sac condi((oes fundamentais presentes em cada brincadeira. ((ao.As crianc;as, ao contnirio, quando querem se esconder, nao brincam, jogam. Elas tambem descobrem como se esconder atnis das regras dos jogos. E neste momenta 0 brincar se distancia. Estamos nos referindo aqui ao brincar que propicia a libeliaC;ao dos significados do mundo e 0 conhecimento mais amp10 de si e do outro. Isto e, que nos leva a descobrir e nos aproximar de quem somos. Desenvolvemos aqui uma aproximaC;ao do mundo do brincar e da brincadeira, mas ha ainda muito que pode ser dito ... o brincar, como a fantasia, e um modo de atuac;ao em que a reali- dade ganha maior proximidade. Pois, na fantasia, 'experimentamos' a realidade a partir dos limites do que nos e possivel e nao dos limites apresentados pelo conhecimento geral, de todos. E neste sentido que, na fantasia, a crianc;a fica mais amparada e a realidade entao aproximada torna-se mais familiar e acolhedora. Fantasia, como inffmcia, encontra a sua origem em FANS, FOS que significa, como vimos anteriormente, na claridade, na luz. Assim, tam- bem podemos compreender que a realidade aproximada na fantasia quer dizer a realidade iluminada que pode aparecer. E, assim, dizemos: Bibliografia - BOSS, M. -Angustia Culpa e Libertar;ao. Livraria Duas Cidades, Sao Paulo, 1997. - ENDE, MICHAEL - Manu a menina que sabia ouvir. Sa1amandra, 1984. A FANTASIA APROXIMA E FAMILIARIZA A REALIDADE E AMPARA A CRIAN(:A. - FERREIRA, A. G. - Dicionario de Latim Portugues. Porto Editora Ltda - HEIDEGGER, M. - Ser e Tempo. (1927) Editora Vozes, Petr6polis, 1989. - HEIDEGGER, M. - Being and Time. Basil Blackwell Oxford, 1973. - HEIDEGGER, M. - Seminarios de Zollikon. TraduC;ao ainda nao publicada de Gabriela Arnhold e Maria de Fatima de Almeida Prado - LIMA, H. e BARROSO, G. - Pequeno Dicionario Brasileiro da Lin- gua Portuguesa. Ed. CivilizaC;aoBrasi1eira S.A. e Companhia Ed. Nacional, Sao Paulo, 1957. E impOliante ainda lembrar que 0 brincar nao e uma possibilidade perdida para 0 adulto. Acontece que para 0 adulto, entregue aos cuidados de outras possibilidades mais permanentes ou inflexiveis, como os com- promissos e preocupac;oes com a responsabilidade de seu proprio viver, a possibilidade do brincar tornou-se mais distante. Em alguns momentos ela reaparece disfar((ada e ate como esconderijo. 0 "adulto brinca1hao", que nao se compromete ou sente dificuldade para aceitar a propria vida, em suas possibilidades e limitac;oes, muitas vezes usa a brincadeira para se esconder. Ele manipula 0 brincar e nao se entrega ao que e mais origi- nal da brincadeira, que e a originalidade da descoberta e experimenta- Neste texto nao se esta considerando a maturidade como sinonimo de idade adulta. A maturidade do homem e um modo de ser que : compreende e aceita as proprias limita<;oes, bem como as possibilidades vislumbradas tanto em si mesmo como no mundo, tendo a visao da oportunidade; res- ponde as solicita<;oes do mundo numa entrega cuidadosa, reconhecendo que nao sabe tudo, nao po de tudo e que nao e indispensavel; e que, entre- tanto, aceita a responsabilidade pelo que percebe como sendo a sua parte no compartilhar a vida. Maturity is not considered a synonym of adulthood. Man's maturity is a way of being which comprehends and accepts its own limitations as well as the possibilities glimpsed in itself and in the world, perceiving opportunities; it responds to the demands of the world by yielding carefully, realizing that it does not know everything, is not all-powerful and is not indispensable, but it accepts responsibility for what it perceives to be its part in sharing life. PALAVRAS-CHAVE: Maturidade, Ser- no- mundo, Plenitude, Liber- dade, Renuncia Apresentaclo em Maio de 1993, na Associal;JO Brasilcira de Daseinsanalyse, SP - Brasil. Estc texto foi eclitado par Maria de Jesus Tatit Sapienza, a partir de gravaGao original. Ao propormos como tema '0 tempo da maturidade', a palavra tem- po presente nesta expressao insinua a possibilidade da pergunta: Quando e este tempo? A pergunta que queremos manter aqui, entretanto, nao e esta, especial- mente se nesse "quando" estiver suposta uma cronologia. Indagamos plinci- palmente "como" se apresenta a matmidade, qualquer que seja 0momento. Queremos compreender 0 tenno maturidade, e para isto pedimos ajuda as metaforas e as palavras de pens adores e poetas. Estes, mesmo sem empregar 0 tenno, conseguem descrever modos de ser que se apro- ximam daquilo que para nos se apresenta como maturidade. Em nosso caminho de compreensao, nos vem ao pensamento que a palavra maturidade, diferentemente de infancia e de adolescencia, vem carregada de um valor positivo. Infancia e adolescencia sao termos que, ao descreverem determinados momentos da trajetolia desse ente que e 0Dasein costumam ser valorizados negativamente. Dizemos por exemplo: "aquele cara teve uma atitude adolescente" ou "ele agiu de modo infantil". A pala- vra maturidade guarda praticamente todo 0 valor. Quando e dito que uma pessoa teve uma atitude madura, isto corresponde a um elogio. Em geral 0 valor que atribuimos ao tempo da maturidade se associa a ideia do pleno. Geralmente considera-se a infancia e a adolescencia como a prep a- ra<;aopara 0 tempo da maturidade, que e 0 objetivo a ser atingido. Nesta visao, quando a pessoa age de forma madura, akan<;ou 0 apice de seu desenvolvimento. A maturidade aparece freqiientemente ligada a ideia de um homem ideal, cuja vida segue um percurso rumo a realiza<;ao ple- na. E como se fosse 0 desfecho de uma existencia, quando algo esta de alguma forma encerrado, permitindo a manifesta<;ao plena do sentido que ao longo da historia da pessoa foi se articulando. E dessa maneira que nossa cultura configura 0 percurso em dire<;ao a maturidade. Supoe-se que etapas precisem desaparecer para que outras possam surglr. E esta a ideia de desenvolvimento humano que serve de fundo para certas observa<;oes como as feitas pOl' Foucault sobre a doen<;a mental. Foucault diz em Doen<;aMental e Psicologia: "A doenfa mental situa-se na evolufao como uma perturba- fao do seu curso; pOl' seu aspecto regressivo, ela ocasiona condu-tas infantis ou formas arcaicas de personalidade. Mas 0 evolucionismo engana-se ao vel' nestes retornos a propria essencia do patologico e sua origem real. Se a regressao Ii infcmcia se mani- festa nas neuroses, e somente como um efeito. Para que a conduta infantil seja para 0 doente um refugio, para que 0 seu reaparecimento seja considerado um fato patologico irredutivel, e preciso que a sociedade instaure entre 0 presente e 0 pass ado do individuo uma margem que nao se pode e nem se deve transpor. E preciso que a cultura somente integre 0 passado, forfando-o a desaparecer." Em nossa vida cotidiana esta maneira de pensar aparece quando, ao classificarmos como infantil a conduta de alguem, dizemos que ele nao e mais crian<;apara se comportar .assim, sugerindo que Ihe e vedado com- portar-se como tal. Se quisessemos representar graficamente esta ideia que e aceita de modo geral, a respeito do percurso rumo a maturidade, fariamos uma reta onde cada etapa sucede a outra tomando a anterior como base. Esta representa<;ao faz com que a fase anterior desapare<;a, oculta e integrada num novo momento. Este enfoque e 0 que facilita a liga<;aoda ideia de maturidade com a idade adulta. Podemos, porem, pensar a trajetoria humana alargando 0 horizonte do nosso entendimento. Para isto teremos de conceituar 0 percurso como uma representa<;ao circular onde Dasein apareceria nao como uma reta que se alonga, mas como um circulo que se amplia. Na amplia<;ao do circulo, aquilo que esta no centro nao fica para tras nem para fora, mas permanece ali. Esta perspectiva de amplia<;ao refere-se a possibilidades mais amplas que nao competem com as anteriores, mas sugerem outra forma de relacionamento com 0mundo. A amplia<;aopossi- bilita que aumentem 0 ambito e 0 numero das condutas maduras. Nao limitamos, entretanto, a possibilidade de tais condutas ao adulto. Na representa<;ao do circulo, uma crian<;a pode estar vivendo em um determinado momento, num tempo cuja denomina<;ao grega e kairos, em que pode nos surpreender ao manifestar uma compreensao tao pro- funda de uma realidade. A crian<;a nos surpreende pela possibilidade de chegar tao longe. Talvez sua restri<;ao nao seja apenas uma limita<;ao pro- pria do periodo da infancia, mas tambem a correspondencia a uma ex- pectativa. Delas nao se espera nada de mais serio. o ser maduro e uma possibilidade concreta tambem para as crian- lias e adolescentes. A maturidade entendida no sentido de experiencia plena, pode se dar a qualquer momento da vida. Ela e um modo de ser do Dasein que pode surgir mesmo num momenta que nao seja aquele que a nossa cultura, ou as culturas de modo geral, reservaram para 0 surgimento de uma conduta madura. Essa observa<;ao e extremamente pertinente para as analises da do- en<;amental em que a perspectiva da regressao e considerada como ca- racteristica basi ca. "E nossa cultura tem bem esta marca. Quando 0 seculo XVIII, com Rousseau e Pestalozzi, preocupou-se em constituir para a cri- anfa, com regras pedagogicas que seguem seu crescimento, um mundo que esteja Ii sua altura, ele permitiu que se formasse em torno das crianfas um meio irreal, abstrato e arcaico, sem relafao com 0 mundo adulto. Toda a evolufao da pedagogia contemponi- nea, com irrepreensivel objetivo de preservar a crianfa dos confli- tos adultos, acentua a distancia que separa, para um homem, sua vida de crianfa de sua vida de homem feito. Isto significa que para poupar conflitos a crianfa, ela a expoe a um conflito maiOl~Ii con- tradifao entre sua infancia e sua vida real." Quando Foucault se refere a margem entre presente e passado que nao se deve transpor e ao passado que e for<;ado a desaparecer, isto se apoia na ideia de que, no percurso em dire<;ao a maturidade, as fases precedentes devem ser eliminadas tendo em vista a chegada ao tempo da maturidade. Isto significa que urn determinado modo de ser mais amadurecido so se inaugura a medida que 0 modo anterior tiver sido eliminado. Queremos tambem neste texto repensar a questao da maturidade como algo que se conquista e que se passa a possuir como uma coisa adquirida. Como a maturidade e considerada um valor, existe um desejo, uma expectativa de que se possa tomar posse dela. Ela e vista como algo onde se pode chegar e entao dizer: "agora tenho a maturidade, daqui em diante serei um homem maduro ". Na terapia e comUln as pessoas se decepcionarem com isto.Em al- guns momentos 0 paciente e capaz de vivencias muito maduras, de uma amplitude e acuidade que espantam ate a ele mesmo. Se nesse momento ele disser: "entao agora estou maduro", vai descobrir algum tempo de- pois que a maturidade se esvaiu, se evaporou. Podera pensar que regrediu. Mas nao se trata disso, ai ha um engano que e de outra natureza. o desejo da posse da maturidade cria uma certa expectativa de que se defina completamente 0 que seria 0 homem maduro como se com isto se pudesse trazer 0 mapa do tesouro e dizer: "Voces chega- rao la e possuirao a maturidade se seguirem estas indica<;6es. Final- mente se tornarao sabios, libertos do sofrimento e alcan<;arao uma profundidade de compreensao". Esta meta desejada aproxima-se da- quilo que os orientais chamam de ilumina<;ao. E 0 momenta da sabe- doria. Algumas vezes se pensa que a pessoa que chegou ate a ilumi- na<;ao possui a iluminac;ao. Mas isto nao e verdade. Ninguem que se torna iluminado permanece iluminado. Na posse, existe uma profunda vontade de paralisar 0 tempo. Posse significa querer fazer parar 0 tempo com relac;ao ao que se pretende pos- suir num dado instante. No caso da maturidade, e como se tendo ficado maduro, 0 individuo ficasse protegido das modificac;6es que 0 tempo continua trazendo. Mas e enganosa essa seduc;ao de vencermos 0 proprio tempo. Dasein nao pode sail' do tempo. Para Dasein a maturidade havera de ser necessariamente transito- ria, nao so pOl'sua condic;ao de ser mortal, mas tambem pOl'sua condic;ao essencial de ser temporal. Os momentos de maturidade serao sempre momentos. 0 fato de se tel' chegado a viver de uma forma que retrospec- tivamente, ou que diante de um observador externo possa ser classifica- da ou interpretada como madura, nao significa que isto se tornou um status. A concepc;ao de Dasein como ser-no-mundo afasta tal asserc;ao. Aqui deixamos de lado a ideia de maturidade como um processo uniforme de desenvolvimento, de desenrolar-se. E verda de que a gente se desenrola, mas a gente vive s~ enrolando tambem. Esta liberdade de movimento articula nossa historia, que cresce dia a dia de uma forma acumulativa. Mas nao acumulamos maturidade. Sua natureza e outra. Vejamos como se manifesta a maturidade na infancia e na adoles- cencia. Na infancia a maturidade aparece como uma coisa engrac;adinha, surpreendente, bem humorada. Quase todas as historias fazem rir. Na adolescencia, no entanto, perdem a grac;a. A maturidade do adolescente frequentemente cutuca 0 adulto. Na adolescencia os momentos de com- preensao muito profundos ou aparecem associados a dol' - sao momentos em que ele esta sofrendo e consegue uma compreensao ampla de sua verdade ou da realidade do mundo - ou associados a raiva, a critica. Muitas critic as de adolescentes san extremamente incomodas, principalmente quando representam verdades que 0 adulto nao pode conte star, quando apontam para detenninadas contradic;6es nem sempre admitidas. POl'outro lado, todo mundo tem uma colec;ao de historinhas infantis para contar, momentos em que as crianc;as eventualmente falam coisas de que se morre de rir pela sua profunda adequac;ao. Aqui van alguns exemplos dessas historias. Uma mae me contou: "Levei meu filho de cinco anos para dormir como faCiotodas as noites. Coloquei-o na cama, contei uma historia e ele nao queria dormir. Entao eu disse para ele: filho ve se donne logo que eu tenho de fazer uma porc;ao de coisas. Ele respondeu: mae, 0 que voce tem de fazer? Eu disse:
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