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A pixelização das fotos

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A pixelização das fotos
	 
	
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	Transformações na forma de olhar a fotografia na era digital
	
	
Rodrigo Fernando Pereira 
A fotografia, desde sua invenção, passou por constantes avanços tecnológicos na forma como era feita. Alguns desses avanços foram tão significativos que são tidos como "revoluções". A primeira delas, após a sua invenção, talvez tenha sido o lançamento da Kodak Brownie no mercado, na virada do século XIX para o XX. A Brownie permitia a qualquer mortal fazer fotos, democratizando o processo. Depois disso, a popularização foi aumentando com o formato 35mm, o filme colorido, as câmeras automáticas e, finalmente, a fotografia digital.
 
Essas mudanças permitiram que cada vez mais pessoas fotografassem, já que tornaram o equipamento mais barato e o ato de fotografar uma ação "fácil". As câmeras, desde a década de 70, têm todos os automatismos necessários para que as especificidades técnicas possam ser ignoradas. A popularização também possibilitou a diversificação dos usos da fotografia, que vão desde o registro familiar até seu emprego em campanhas publicitárias, o fotojornalismo e a fotografia como arte.
 
O aperfeiçoamento técnico também proporcionou à fotografia uma maior qualidade no resultado final. Entendemos aqui como qualidade a propriedade das fotografias de serem vistas como cópias fiéis da realidade — e às vezes mais fiéis do que a realidade em si. Embora diversos autores já tenham discutido que a fotografia não passa de uma ilusão bem construída, a idéia que prevalece no senso comum é a de Barthes: a fotografia atesta que algo existiu, ocorreu.
 
Ainda que a essência da fotografia para o senso comum não tenha mudado muito desde a sua invenção, a forma de olhar as fotografias mudou bastante. No século XIX, as fotos eram substitutas daquilo que antes se fazia com pincel e tinta. Só no início do século XX a fotografia passou a ter usos mais diversos, passando a fazer parte do cotidiano das pessoas, irradiando-se por toda a parte. Hoje, com a digitalização, as fotos deixaram o lugar em que sempre estiveram nos últimos 100 anos: o papel.
 
As fotos estão deixando de ser objetos e se tornando conjuntos de pixeis. As fotos digitais muitas vezes não chegam à impressão, permanecendo no computador ou, quando utilizadas, passando pelos programas de edição de imagem e indo direto aos websites. Álbuns de fotografias estão deixando de ser folheados para serem clicados com o mouse. Até o porta-retrato já tem sua versão digital.
 
Com isso, em vez de pegar na mão a foto impressa ou parar na frente de um painel em que se pode examinar os detalhes, hoje é comum vermos as fotos no monitor, e aumentar o zoom quando antes olhávamos a foto mais de perto. Há algumas diferenças cruciais nisso. A primeira é que antes víamos a foto pela luz refletida no papel. Hoje a vemos com a luz emitida pelo monitor. Com isso, há diferenças em aspectos visuais, como nas texturas, nas cores e na nitidez: uma foto com pouca nitidez no monitor não tem a suavidade que apresenta no papel.
 
No entanto, a maior diferença que isso causa não é nas minúcias visuais, e sim na atitude do olhar. A visualização das fotos nos meios digitais é muito mais rápida e frenética. Com isso, as imagens virtuais precisam ser claras e objetivas; há pouco espaço para sutilezas, detalhes e interpretações mais elaboradas, já que o botão "fechar" pode ser um caminho mais fácil do que uma observação mais atenta. Essa forma de olhar reflete-se na forma de fazer fotos e vice-versa, criando um círculo que alimenta uma linguagem mais anti-séptica.
 
Embora essa seja uma tendência das artes visuais contemporâneas de forma geral, na fotografia, que é mais influenciada pelo seu modo de fazer do que as outras, isso é justamente um reflexo da mudança no método, mais do que um direcionamento em conseqüência de uma mudança na forma de pensar o que é feito. Na fotografia, os meios determinam os fins. E os meios geralmente não estão nas mãos de quem a faz, e sim na mão de quem fabrica equipamentos e controla os meios de comunicação.
 
A foto que ilustra essa coluna, feita pelo fotógrafo Fernando Aznar num show do Caetano Veloso, mostra um espectador enviando ao vivo uma foto da apresentação feita com seu celular. Resta saber como esse contato intenso — ainda que superficial — com a fotografia mudará a maneira com a qual as pessoas enxergam as fotos.
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